Volume 2 – Arco 2: Fator B
Relatório 14: O Desejo do Engaiolado
Sem qualquer tempo a perder, as pernas de Lucas funcionaram com um único propósito: atravessar a maldita avenida. De alguma forma conseguiu sair aonde queria, e a ideia de olhar para trás neste instante era praticamente inexistente.
O objetivo estava a poucos metros de distância. A agência de Hector estava logo ali, assim como a constante sensação de algo escondido.
"Por favor, seu maldito maluco, esteja aí!!"
O mendigo fazia presença — como sempre —, recostado na parede logo ao lado da agência. Encarou o rapaz e, desinteressado, passou a mirar o chão.
Lucas então se colocou rente à porta, levando a mão contra essa após uma curta preparação. As batidas foram rapidamente respondidas, mas não pela voz que esperava.
A porta se abriu. — Hã? Quem é você? — perguntou Morgan.
— Senhor policial, eu preciso de ajuda! — Ainda que o cartola não estivesse ali, as autoridades de Paradise não decepcionavam. — Por favor, vamos entrar antes que algo pior aconteça! Eu explico tudo pro senhor!
Como um bom profissional, o homem correspondeu com velocidade. Seguido de um curto salto assustado, usou um puxão para trazer Lucas para dentro, passando o olhar pela avenida vazia antes de trancar a porta.
— Com toda essa exaltação, seu problema deve ser dos grandes, rapaz. — Sentou-se à mesa e estampou um semblante convidativo. — Pode me contar tudo.
Lucas não hesitou. Disse que estava sendo perseguido por pessoas que nunca tinha visto, "e bem no momento que eu me preparava para… viajar", acrescentou sem pensar.
Morgan sibilou, surpresa lhe faltava em muito. Seu olhar vagava entre as paredes, procurando alguma nota milagrosa que lhe dissesse o que precisava sair de sua boca. Numa lambida de beiço, devolveu:
— Viajar? Mas para onde? As fronteiras estão fechadas, e não tem muitos pontos legais além de Paradise aqui em Utopia.
Lucas retrucou que só queria esfriar a cabeça, o que não pareceu convencer o agente. Mais do que Morgan, a cabeça do rapaz vagava não pelas paredes, e sim pelas portas e janelas a cada segundo. Sua apreensão e ansiedade eram mais que visíveis.
— Mas sobre esses seus "perseguidores"... Desde quando notou eles e como tem fugido desde então?
A boca do jovem se moveu por conta, mas foi travada num repentino choque de realidade. Considerou o rápido pensamento sendo apenas fruto de uma insanidade emergente, algo que infelizmente não poderia mais ser ignorado.
— Eu... apenas corri, senhor — baixou o olhar e fitou o homem.
O silêncio atacou outra vez, ao mesmo tempo que a razão despencou sobre a mente do perseguido. Estava óbvio para ambos, e foi essa certeza que causou a drástica alteração no tom de voz do policial.
A face do agente da justiça se alterou, ganhando uma seriedade que ia além daquela apresentada mesmo no mais surpreendente dos casos criminais.
— A rua... Não, o quarteirão inteiro está completamente cercado de agentes especiais. Mesmo para alguém como você, escapar está fora da realidade. Não acha que é melhor desistir?
Impossível negar, apenas isso, a mais pura verdade dita em voz alta. Não havia como sair pela porta da frente, pelos fundos, "e imagino que o esgoto também não seja uma opção para você", o cheiro podre havia revelado sua última tentativa.
— Já não adianta sequer tentar fugir, garoto.
Numa ação bastante repentina, Morgan tirou um rádio de debaixo da mesa. Provavelmente estava ligado desde o início, a transmitir a conversa para as outras unidades. Uma voz rouca iniciou após uma curta interferência:
Todas as áreas estão cercadas. Repito! Todas as áreas estão cercadas. Renda-se imediatamente e será poupado!
Lucas estalou a língua. Se realmente tivessem a intenção de poupá-lo não teriam aparecido atirando logo de cara.
— Saia por aquela porta com as mãos na cabeça — disse Morgan. — Vá até o meio da calçada bem devagar e deite no chão. Eles vão te poupar se fizer isto.
O rádio chiou outra vez: Você tem dois minutos para sair pela porta da frente, caso contrário invadiremos o local. Qualquer uso das habilidades ou tentativa de fuga com refém será vista como ato agressivo.
No mesmo momento, Morgan retornou o olhar ao garoto incapacitado. O alvo havia sido, finalmente, capturado.
— Não há mais escapatória pra você, "O Intangível".
Sem muitas opções, ele apenas tremeu. Para um usuário orgulhoso de Fator B, ser pego assim seria vergonhoso, mas nada havia naquele rapaz além da mais pura vontade de viver.
Seu olhar estava vidrado no rádio, a concentração alta ao ponto das gotas de suor em seu rosto caírem mais devagar. No tempo de cinco segundos, a mente de Lucas foi completamente influenciada pelo instinto de sobrevivência inerte em sua própria natureza.
Morgan era incapaz de sentir esta aura de sobrevivente, por isso que sua previsão fora tão errônea e a reação tão lenta.
Um músculo, este mínimo movimento foi o bastante para desencadear uma série de eventos. A mão de Morgan desceu para a cintura, agarrando a arma e apontando para Lucas!
Inútil! O coração mais que confiante do rapaz impulsionou o corpo para frente, usando a mão para agarrar o rosto do gordo.
BANG! O tiro era insignificante, tanto que nenhum dos dois viu onde o projétil atingiu.
— Um Fator B não é para qualquer civil! Entregue-se e evite uma catástrofe!!
As palavras do agente foram travadas ainda fora dos ouvidos do suspeito.
Com um único impulso, a mão do intangível empurrou o rosto do inimigo contra a quina da mesa. O homem fechou os olhos por instinto, sem saber que nunca mais iria abri-los.
Não foi um baque, muito longe disso. Assim como o fugitivo fazia, a pele, músculos e ossos de Morgan atravessaram a madeira maciça, um mergulho que se encerrou no momento em que toda a cabeça estava dentro no móvel, quando Lucas desfez seu contato direto com o homem.
Aquele corpo grande e redondo tremeu por apenas um instante. Foi só então — num rápido abrir de sua mão — que o cérebro foi capaz de processar o ocorrido. Já estava morto.
Lucas fitou o corpo ser tomado por espasmos que levantavam a mesa toda junto. Aquele instinto primitivo estava despertando aos poucos, algo que existia em pessoas especiais como ele, uma espécie de sexto sentido.
Uma sede dentro de si se tornava cada vez mais insaciável, bastando a menor das doses de adrenalina para causar esse efeito curioso.
Sendo dono do corpo, Lucas sentiu a pressão desta sede entupir suas veias. Numa ação rápida, balançou a cabeça e cambaleou até se apoiar na mesa, a mesma onde havia um corpo a mesclar carne e madeira, ambos sem início ou fim.
"Essa sensação... Que perigo!"
A boca do rapaz arfava como se tivesse vida própria, incapaz de remover completamente aquele mínimo sorriso de excitação.
Preciso dar o fora! O pensamento atravessou sua mente e alcançou o topo do pódio das prioridades. Seguindo tais ordens, o corpo moveu-se novamente, ignorou os avisos prévios e, utilizando de suas capacidades, saiu do escritório numa completa linha reta.
Para responder às suas tentativas desesperadas, uma frota? Não! Uma legião de soldados fortemente armados se colocava em todo o perímetro. Quem olhasse de cima, pensaria no mínimo que havia um dinossauro vivo no local.
Olhos era o que não faltava. Independente da rota, mesmo a menor das movimentações seria vista! Bem, pelo menos era isso que os vários soldados pensavam.
Na batalha da sobrevivência, nem sempre o mais forte vencia.
Por debaixo da terra, ele se movimentava. Surgindo de dentro do concreto, Lucas emergiu longe o suficiente para evitar o cerco. Por sorte a criatura dos esgotos não lhe encontrou desta vez.
Com o azar de desencontrar-se com Hector, apenas outro local seguro lhe vinha à mente, mas queria usar de tal apenas na maior das necessidades.
Não voltaria pra lá nem morto! Sua mente e coração gritavam juntos numa rara sintonia. De todos os lugares, aquele com certeza seria o último!
Para o seu azar, no entanto, a quantidade de opções não era das maiores, e a tendência no momento era cair numa velocidade alarmante.
Subindo a ladeira e seguindo em direção à zona sul da cidade, ele se viu seguindo o caminho oposto ao que planejava.
A sirene dos carros blindados podia ser ouvida a vários quarteirões de distância, assim como o aviso acerca do perigo que sua mera existência representava aos cidadãos.
"Onde? Onde eu posso me esconder??"
A pergunta soava cômica. Esconder? Tal coisa era impossível a essa altura.
O tempo para o raciocínio do rapaz funcionar sob pressão foi lento, mas passou num piscar de olhos. Realmente, não havia opção senão aquela que tanto tentava ignorar.
Numa curva repentina, ele agora sabia aonde ir. Ao redor, o mundo lhe procurava, abaixo de seus pés, algo lhe seguia através dos esgotos. De algum jeito sairia desta, não importava como!
Porém, da mesma forma que ele adoraria escapar, o lado oposto amaria ter a ele, ou melhor, aquilo que porta junto do seu ser.
Na esquina à qual virou, apenas um homem se colocava como barreira; cuja aura nada mais remetia que a força de um exército inteiro.
"É ele! Aquela pessoa com uma sensação estranha!"
A energia do Fator B era como o odor característico de um animal, e aquela misteriosa figura emanava algo, mas não era o mesmo que o ex-açougueiro.
— Lucas Silva, coloque as mãos onde eu possa ver!
Não tinha uma arma, na verdade suas mãos estavam ambas nuas, mas em punhos fortes prontos para o combate. O olhar era afiado, mais que o de uma fera faminta. A vestimenta estava longe de uma farda, até mesmo de qualquer estilo típico de Utopia, parecia algo mais apropriado para o frio, não para uma tarde fazendo 31°!
— Você é o agente especial que anda sequestrando os outros, né? Acha que eu não fiquei sabendo?
Os boatos se espalharam rapidamente pelas bocas dos usuários de Fator B cidade à dentro, apesar de que cada testemunha dava uma aparência diferente ao homem.
— Sim, sou eu mesmo! — afirmou Romanov, sem qualquer medo. — Agora fique parado e tudo vai acabar bem ligeiro!
As mãos se moveram junto de um abrir de braços. Em resposta, Lucas se atentou, pronto para evitar qualquer projétil.
No pescoço do inimigo, pôde descobrir a fonte daquela energia estranha. Um pingente peculiar, um losango que brilhava em dourado pendia num cordão vermelho claro.
"Aquele item, era disso que os outros estavam falando?!"
A postura do rapaz se alterou, e um passo foi dado para trás. Uma arma especial era o que aquele homem tinha, cujo poder foi mostrado no bater de uma única palma.
Não fora apenas seus pés, a terra abaixo deles tremeu; saltando como um tubarão e aprisionando-o numa gaiola de concreto em formato de cone. Uma prisão simplesmente perfeita para qualquer ser vivo, pelo menos para aqueles que ainda podiam ser considerados naturais.
Lucas atravessou a gaiola com facilidade, de postura ansiosa e fitando com ainda mais atenção o misterioso amuleto.
— Hunf! Uma verdadeira zombaria da natureza — comentou Romanov, um sorriso nervoso no rosto.
Palavras se tinham como desnecessárias agora, apenas ações importavam nesta batalha, a qual colocaria a supremacia sobre as mãos do natural ou do anormal.
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