A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 1: Dr. Yellow

Relatório 3: Atormentado

Pouco mais de meia hora depois, Hector finalmente chegou no seu primeiro objetivo. O Hospital estava bem na sua frente, assim como uma multidão dispersa de repórteres que conversavam entre si.

“Quem são esses putos? Também estão atrás do Sr. Rose?”

O detetive pagou o motorista e caminhou entre aquelas pessoas. Aproveitando as maritacas que aquela gente incorporava, o simples ato de passar no meio delas foi o bastante para ficar à par da situação.

A Sra. Rose esteve ali, o mais provável era que veio ver o marido hospitalizado. Mas será que foi isso mesmo? Ótimo! Agora seu lápis mais uma vez rabiscava o caderninho preto, nesse ritmo, não demoraria até precisar de um novo.

“Da última vez eu entrei com educação e disseram que estavam ocupados, vamos ver o que acontece se eu mudar a tática.”

Ele apressou o passo até a porta da frente. Entrando no saguão principal, apenas umas poucas crianças gripadas ou idosos aguardavam uma consulta rotineira.

Como alguém já conhecido no local, Hector foi direto para a ala de funcionários, atingido por uns poucos olhares estranhos. Com longas passadas corredor adentro, logo alcançou a sala onde imaginava que estaria quem procurava, e apressado como estava, chegou abrindo a porta sem qualquer tipo de cerimônia.

— Lívia! Por acaso você…

PAAF! No mesmo instante, uma maleta preta atingiu em cheio seu rosto, ocasionando no nocaute instantâneo. De dentro da sala, a voz feminina soou na sua mais palpável raiva.

— Não invade um vestuário assim! Seu imbecil!! — Ela cerrou o punho, enquanto a veia saltada em sua testa quase gritava junto.

O rapaz guiou seu olhar com cuidado,  incapaz de esconder o sorriso ao ver o rosto da amiga de longa data. Os cabelos negros permaneciam longos, assim como os olhos azuis cintilavam intensamente quanto no dia em que se conheceram — ele e Igor estavam espiando as mulheres na natação.

Recuperado, se levantou num curto pulo. Pouco importava a garota estar seminua, ele nem tinha neurônios o suficiente para ficar excitado. Logo, perguntou:

— A Sra. Rose estava aqui agora pouco, né? Ela queria ver o marido?

Com um visível ponto de interrogação em sua cabeça, Lívia levou uns segundos para raciocinar tudo.

Hein?... Bem, sim. Qual a razão?

O rapaz torceu o nariz, incrédulo. Como assim “qual a razão”? Não era óbvio que estava ali a trabalho? Impaciente, ele explicou sobre sua busca de informações acerca do Vereador.

Ao finalmente entender, a garota suspirou, decepcionada. Lembrando da situação em que estava, escondeu-se atrás da porta, para que então seu olhar de águia pudesse passear pelo detetive.

— Você parece inquieto. Aconteceu alguma coisa? Dormiu direito?

Num recuo momentâneo, o corpo de Hector endureceu.

— O-o quê? Não! Tô totalmente bem! Eu só estou... — O pé batendo. — apressado.

Hmm... Você não me engana. O Igor me contatou mais cedo e me disse que te chamou pro Dia do Tarche. Você sabe que aquele marombado tem coração mole e ainda assim é rude com ele. Isso só acontece quando você passa pelo menos três dias sem dormir direito.

O de cartola cambaleou como se diversas flechas acertassem seu corpo, encarado pela desvantagem de sua melhor amiga ser também sua médica, mas se recusou a cair no poço da derrota. Ergueu a cabeça novamente e afiou o olhar. “Eu sou um detetive!” Era tudo que podia afirmar.

— Não importa se as fronteiras estão fechadas ou se são tempos de “paz”, eu tenho que trabalhar até que toda e qualquer ameaça esteja longe dessa cidade! E eu não vou desistir até conseguir isso.

Hunf! A garota bufou. Ameaça, não é? Já havia perdido as contas de quantas vezes o colega disse tal coisa.

Em resposta, uma veia saltou na testa do rapaz, cujo abaixou a cabeça e, suspirando pesadamente, finalizou:

— Eu não tô com muita cabeça pra conversar sobre isso agora. Vim até aqui em busca de informações e só saio daqui com isso.

A garota o encarava fixamente, mirando o brilho no par de olhos esmeralda e até capaz de notar leves tremulações. Seu cenho franziu, quase imperceptível, mas visivelmente temia o caminho no qual o rapaz caminhava.

— Caramba... Eu gostava mais do seu eu da época da escola — murmurou, entristecida.

Hector tentou ignorar, mas sua boca retrucava sozinha. Era uma nova pessoa agora, mas ainda precisava de ajuda. Independente do quanto mudou ou se conseguia fazer coisas que antes não era capaz, ainda assim tinha de admitir: não conseguiria avançar sozinho, não neste mistério.

Lívia resmungou uma última vez, irritada consigo mesma pelo o que estava prestes a fazer.

— Certo, entre aqui… — Ela o puxou para o vestiário e trancou a porta.

A garota vestiu o uniforme de trabalho rapidamente com passadas rápidas de olho até o colega, esse que em nenhum momento ousou tirar os olhos da parede. Assim que terminou de se trocar, iniciou:

— Não foi lá muito especial. A vereadora só passou aqui pra saber mais sobre o marido. Acontece que não podíamos deixá-la vê-lo, então chegou um momento que ela simplesmente foi embora sem falar nada.

Finalmente iniciado o tão aguardado interrogatório, Hector não perdeu tempo e foi direto ao que queria.

— O que tinha o esposo dela?

A garota tremeu ao se lembrar da cena grotesca, abraçando a si mesma na tentativa de se acalmar.

— No dia em que o Sr. Rose havia chegado ao hospital, os melhores cirurgiões foram convocados até sua sala. Era uma cena complexa, algo nunca antes visto por ninguém ali. A carne estava flácida, parte apodrecida e cheia de buracos que deixavam os órgãos visíveis. Apenas tocar em alguma parte gordurosa poderia causar uma ondulação por todo o corpo, como quando se mexe com algum tipo de gelatina. No entanto, o mais bizarro de tudo com certeza era a forte tonalidade roxa que a pele tinha assumido.

Numa reação repentina, Hector exclamou: — É isso mesmo que eu quero saber!!

E como forma de conter o demônio que era o rapaz, Lívia lhe presenteou com um murro na cabeça.

SSSSHHH!! O Hospital proibiu que isso fosse comentado! Se eu perder meu emprego por sua causa, eu te mato!

— E-entendi... Mas enfim, você não tem nenhuma ideia do que poderia ter causado essa doidêra? Qualquer coisa serve.

Ela ponderou por alguns segundos, não demorando para que seu tom receoso entregasse uma resposta. Podia até ter uma teoria, mesmo assim não acreditava muito.

— Incluindo a mim, todos os médicos que trabalharam no caso do Vereador receberam uma resposta e um aviso: "O fenômeno com o homem foi causado por uma flor, o Lírio Púrpuro, e qualquer resposta senão esta não deve sair do hospital de maneira alguma".

— Uma flor? — questionou Hector. — Que tipo de desculpa esfarrapada é essa?

Até que parecia, logo ele, um ex-detetive da FESOL seria enganado dessa maneira. Não tinha como aquilo ser verdade, afinal aquela espécie sequer existia… Pelo menos até onde ele sabia. Anotou o nome da flor.

Por sua vez, Lívia aderiu à descrença do rapaz, mas diferente dele, parecia um tanto convencida. Ao pegar o celular dentro do armário, fez uma rápida pesquisa na net e mostrou ao colega.

— É essa aqui da foto. Parece que é uma nova flor da mesma espécie do Lírio, mas como você pôde ver pela nossa vítima, é extremamente venenosa.

Com uma análise rápida, Hector não encontrou nada que diferisse a flor do Lírio Púrpuro normal. Contudo, alguns segundos se passaram para que sua mente reconhecesse outra coisa.

Na mesma página da pesquisa, um nome se destacava, não por estar em negrito ou sublinhado, mas sim pelo peso que carregava.

— Esse florista… Eu tô lendo certo? — Antes mesmo da resposta, já estava com o caderninho em mãos.

Lívia leu brevemente o artigo e confirmou com a cabeça. Rone Lames ThunderGold, este era o nome do homem que catalogou a flor. Era praticamente impossível existir alguém em Utopia que desconhecesse aquele nome.

ThunderGold, uma família que fez seu nome no ramo tecnológico. Pouco se sabia sobre o início deles, mas a maioria dos membros se concentrava no Ministério da Tecnologia.

Uma flor derreter alguém? Nunca que isso seria possível, muito menos uma “recém-descoberta”. Exato, era impossível! Não tinha como em suma existência uma coisa tão perigosa passar batida por tanto tempo para ser encontrada só agora.

Um momento bastante conveniente, ainda por cima. Num leve resmungo, ele perguntou:

— Você não tem fotos ou gravações do Sr. Rose pra me mostrar?

— Nenhum aparelho é permitido na área de serviço, mas já que é pra você, acho que consigo desenrolar com o segurança da tarde para me arrumar as imagens da câmera da sala.

Apesar de ser apenas uma quase certeza, era melhor que nada. Satisfeito, Hector abriu a porta do vestuário, quase se esquecendo do mais importante antes de ir.

— Eu vou aguardar pelas imagens, vou continuar do meu jeito até lá, e também… vou tentar ir no feriado. Até mais!

A garota resmungou, forma que escondeu sua satisfação. Hector então bateu a porta, e após a saída apressada do rapaz, ela retornou ao trabalho normalmente.

Enquanto isso, o de cartola atravessou mais corredores, ainda com um objetivo certo em mente.

ThunderGold Nunca havia desconsiderado tal possibilidade, mas não podia imaginar que eles realmente estivessem envolvidos de alguma maneira. Por sorte já conhecia o local perfeito para averiguar a veracidade desta pista.

Com passos pesados, alertou seu alvo atrás da porta sobre sua chegada antes mesmo de seu pé cair sobre ela. Invadindo o escritório do diretor do hospital, o detetive deu de cara exatamente com quem queria.

— Hector Wanderlust…? O que um detetive como você faz por aqui?

O homem na cadeira analisou o jovem, incomodado não só com a arma à vista em sua cintura, como também o olhar afiado que recaia sobre si.

— Tarde, Sr… Oswald ThunderGold — disse após ler o crachá.

O profissional tinha um olhar cansado, mas que ainda mostrava capacidade de mirar apreensivo o detetive energético.

— O que você quer, meu jovem? Aliás, não precisa do segundo nome. Você já cliente de longa data, de qualquer forma — falou com um sorriso, colocando as mãos sobre a mesa.

Perguntar era tudo que Hector queria fazer. Rapidamente, se sentou em uma das cadeiras próximas, se inclinou para frente e não hesitou antes de começar:

— Eu fiz pesquisas por causa de um caso que estou investigando e descobri que um membro da sua família descobriu uma variante venenosa do Lírio Púrpuro. O que você tem a me dizer sobre isso?

O diretor recuou e deitou na cadeira, mas nada que indicasse ser por algo além de cansaço. Após limpar a garganta, respondeu:

— O que eu tenho a dizer? Bem, é de se esperar isso de um florista especializado, não? Além disso, não é nenhum segredo que a existência do Rone. Você mesmo sabe, a minha família é grande, tem gente em tudo que é área.

Humph! Realmente, mas não é estranho esta flor ter surgido logo~ na época em que pessoas desapareceram e outras foram diagnosticadas com o corpo parcialmente derretido?

Dessa vez, Oswald arqueou uma sobrancelha e conteve um riso, ação imitada pelo detetive.

Argh~! Só por curiosidade, Hector… Como conseguiu essas informações?

— Uai! Eu sou um detetive, tenho acesso a coisas que você não tem. Por que? Por acaso eu não deveria saber disso?

— Imagina. Eu apenas fiquei surpreso que uma informação que pedi pra ser sigilosa caiu em suas mãos.

Hector deu um curto sorriso e questionou: — E qual seria a porra da razão pra esconder isso?

O semblante de Oswald tornou-se ainda mais confuso, se perguntando se o rapaz diante de seus olhos realmente era um investigador.

— Pesquisas, ora! Basta pensar. O antídoto para picadas de cobra é feito com o próprio veneno da cobra. Além disso, se comentássemos sobre uma flor dessa, você acha mesmo que não haveriam idiotas pra ir atrás delas e “testar” o veneno? Você sabe muito bem o que acontecia na Caverna de Cristais antes de colocarmos as placas de aviso e publicarmos o artigo sobre eles.

O investigador resmungou, como se não esperasse a resposta. Ponderou por alguns segundos e não demorou para argumentar de volta.

— É uma técnica bem besta. Não acha que é mais perigoso deixar isso fora do conhecimento alheio? Queira você ou não, existem aventureiros por aí, assim como pessoas mal intencionadas, e essas últimas não perderiam tempo em pesquisar a flor secretamente.

— Isso é verdade, no entanto, não é com o diretor de um hospital que você precisa discutir esse tipo de questão. Se quiser saber mais, creio que alguém na prefeitura vai conseguir te dar boas respostas.

Hector fitou o semblante de Oswald. Uma sensação estranha, mesmo que ali só houvesse um sorriso paciente e o olhar cansado de um médico, era impossível para o rapaz não sentir arrepios percorrerem seu corpo a cada nova tentativa de abrir a boca.

Impossível dizer se estes sinais eram reais ou frutos de sua cabeça.

Não soube a razão, mas sentiu que seria mais seguro ir embora. Com certeza anotaria o ocorrido em seu caderninho preto. Decidido, também finalizou:

— Entendo, então eu já tô vazando.

— Considere fazer outra consulta ao psiquiatra, você parece estar precisando.

— Vai dar a bunda, vai.

Levantou-se abruptamente, quase derrubando a cadeira. Sem qualquer palavra final, ele se retirou da sala da mesma forma que entrou, capaz de sentir os olhos do diretor cravados em suas costas.

Com a sua satisfação anterior totalmente destruída, Hector se pôs a pensar ali mesmo, em frente à sala do seu interrogado. A relação da família mais conhecida em Utopia em seu caso era alguma coisa, mas não seria a primeira vez a acontecer, o que lhe deixou com uma grande pulga atrás da orelha.

O jeito era encontrar a Sra. Rose. Sem ela, a melhor testemunha existente, não poderia avançar mais.

Com o mesmo olhar vidrado, atropelou as pessoas em sua frente e caminhou em direção à porta do hospital, mas não sem antes ouvir a voz de Lívia uma última vez:

— Se cuida, entendeu! Eu não quero ter que te atender aqui no hospital por algo como exaustão!!

Apesar do tom raivoso, era óbvia a sua preocupação. Entretanto, nem de longe esta era a primeira vez em que o rapaz corria riscos investigando alguma coisa.

Ele franziu o cenho, mergulhado em situações de risco que viveu durante sua estadia na FESOL. Apesar de saber que foi osso duro, por alguma razão as lembranças exatas deixaram de existir. A sensação ainda real.

“Com minhas habilidades e tudo que a Sra. Rose deve saber, eu posso ser capaz de solucionar esse mistério em poucas semanas!"

Tão determinado quanto nunca, ele deu os últimos passos pelo saguão em direção à saída. Contudo, sua ação foi impedida por uma mão, esta que aterrissou em seu ombro e foi seguida de uma voz que fez seu corpo travar instantaneamente.

Não tão depressa, garotinho.

O poderoso tom foi imediatamente reconhecido, a penetrar tão profundamente em sua cabeça que causou uma forte tontura. Seu coração acelerou de súbito, a respiração ficou pesada, suor escorria por todo o corpo e as pernas batalhavam para não ceder ante a pressão que aquela pessoa — ou coisa — exercia em seu ser.

“E-essa voz… Esse pressentimento…!”

Tal como saltar na cama ao ter um sonho de queda. O corpo estava inteiramente trêmulo; cenho estático sem expressões e os olhos marejados quase cediam às lágrimas que já lhe afogavam. Era impossível esconder o que seu corpo falava sozinho.

No entanto, mesmo em contato direto com aquela mão; captando o calor da mesma, não tinha como aquilo ser real. Sim! A voz, as mãos negras e aquela sombra gigante, tudo não ia além de seus sonhos… certo?

“Não é real!! Tenho certeza de que quando eu olhar, será uma pessoa totalmente diferente!! Sim… alguém… diferente…”

Num pico de coragem, encarou de canto, e conforme a sombra ganhava forma em seu olhar, mais lágrimas gritantes começaram a fugir. Um poder que superava o da própria insanidade na mente humana.

Ele se vestia num manto com vida própria, feito da ausência de luz em sua forma mais densa. O rosto marcado pela história de um guerreiro notável, mas ainda maior que isso, de um ser humano destruído de dentro para fora. Seu sorriso não tinha algo a temer, nem suas mãos, muito menos seu coração.

Seu cabelo era tão negro quanto a escuridão que lhe rodeava, só não sendo engolido por ela devido ao brilho cegante que provinha de seu olhar aterrador. O olho esquerdo não importava, pois o outro era imbuído no mais brilhante ouro existente, uma cor forte e determinada, portada por alguém que estava acima da própria supremacia.

Era uma máquina imparável, um Rei amado por muitos e temido por vários outros.

Ao se encararem, a figura deu um sorriso sádico e, num calmo tom de voz, disse:

Não avance tão rápido, eu gosto de tramas mais lentas.

Por fim, o corpo de Hector cedeu. Seus olhos reviraram, a consciência se perdeu e o corpo foi ao chão, incapaz até mesmo de gaguejar ante a presença de algo incompreensível.

 

 


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