Volume 1
Pista 8: As Cinco Ordens (2)
Ordens, assim o autor do livro chamava as cinco frases misteriosas. Com uma previsão do futuro em suas mãos, James foi capaz de sentir na própria pele o início de uma nova fase, ainda que não soubesse o que ela lhe guardava.
Por vezes ele releu cada ordem, para que no fim das contas jogasse o caderno de volta à mesa. Conseguiu o que queria, mas uma pista não era útil sem outra para complementá-la.
“Pelo modo que foram escritas, são frases que se referem a alguém, alguém que vai cumprir cada ordem.”
Um questionamento sequer era necessário, já que não era como se tivessem cinquenta pessoas na mansão. Entretanto, muitas coisas ainda precisavam ser encaixadas antes de qualquer afirmação.
“Aquele livro… Eu vi um título bem familiar! Onde eu que eu meti ele?”
Não apenas a estátua, como também sua esposa tornou-se algo incompreensível, pelo menos por enquanto. Aquelas visões que a mulher alegava ter ao tocar os altares não soava tão estranho quanto deveria. Apressadamente, ele reiniciou sua intensa busca pelas prateleiras em busca de mais respostas.
E falando em Jessie, ao mesmo tempo que seu marido tocou os livros novamente, ela fez o mesmo com um altar. "Não roubarás" era o mandamento da vez.
Mirando a escultura com uma expressão odiosa, a garota resmungou: — Criatura maldita!
Olhando para trás, chegava a ser cômico perceber o quão inocentes ela e seu marido foram ao aceitar aquela ocorrência sem hesitar. Mansão abandonada com relatos estranhos de séculos atrás, o que poderia dar errado?
Algo que não deveria passar da busca e relatório de uma possível atividade paranormal de baixo calibre saiu do controle tão rapidamente quanto a dupla podia reagir. Reclamar, no entanto, não resolveria nada agora.
Não há tempo para lamentar, o objetivo era sobreviver! E com isso fixado em sua mente, ela foi envolvida pelo clarão de luz e levada ao passado mais uma vez.
Assim que aquele filme mental foi iniciado, um ambiente já nostálgico tornou-se o ambiente.
Muito mais visível comparado às outras visões, foi fácil avaliar até alguns detalhes. Uma cabana de madeira escura, cujo quarto — cômodo onde se encontrava — era grande o bastante para guardar uma cama de casal, um criado-mudo logo ao lado e um guarda-roupa médio.
Não era a mansão, algo perceptível ao observar o lado de fora através da janela acima da cama. Parecia ser um vilarejo antigo, no mínimo bem do interior.
Aconchegado no colchão, uma silhueta adulta masculina, com o rosto na mesma situação de sempre, apenas um borrão branco que agia como olhos e boca. Em suas mãos, um livro não identificável.
Seu descanso foi então interrompido por outro adulto que surgiu na porta, alto o bastante para quase alcançar o teto.
— Irmão! Você viu a minha “estrela”? Aquela que ganhei de presente! Era para serem cinco, mas hoje eu só contei quatro! Não viu ela por aqui?
Sem qualquer reação notável, o outro lentamente tirou a atenção do livro e mirou o maior.
— Estrela… Quer dizer a Shuriken, não é? Não, eu não vi.
— Sério? Droga~! — Ele vasculhou o quarto com o olhar, saindo aos resmungos. — Onde eu coloquei?? Não me diga que algum animal de rua pegou!
Os passos apressados da figura logo pararam de ecoar. Ao ter certeza de estar sozinho, o jovem deixou o seu livro de lado e cuidadosamente buscou algo debaixo do colchão.
— Idiota — murmurou comicamente, analisando a afiada estrela de quatro pontas. — Como se fosse justo você monopolizar todas as lembranças dela. Tudo que eu tenho é…
Seu olhar vagou até o criado-mudo, além do abajur, um par de adagas também se fazia presente.
— Mesmo que não haja nada me impedindo de avançar, eu continuo não vendo nada além das costas dos outros… — o rapaz lamentou, apertando a Shuriken ao ponto de cortar a mão.
— Essa minha merda de dom é tudo que tenho. Não importa quantas vezes eu repita o processo, nada parece mudar, por mais que eu me esforce, não dá pra avançar!
Soltando a estrela de metal, ele levou a ferida até sua boca e lambeu-a. O cenho se torceu em nojo, mas não pelo sabor de seu próprio sangue.
— Será que esse é o meu destino? — Lambeu o beiço, trocando o nojo por um sorriso cômico. — Como se eu fosse deixar ser.
Sucesso! Em menos de cinco segundos, a análise que apenas ele era capaz de fazer foi concluída. Estava acontecendo! Aquilo que tanto aguardava finalmente estava se realizando!
— Pode me esperar, irmão.
Junto do surgir da risada cínica veio o fim da visão, e por consequência, a expulsão de Jessie daquela projeção da realidade.
Tudum! Assim como o mundo ao redor nas visões, o baque de ser expulsa foi maior dessa vez. Ela cambaleou para trás e se apoiou em outro dos altares, recuperando o fôlego rapidamente.
— Outro sem muitos segredos — murmurou entre as arfadas.
Isoladamente, de fato, não havia tanto a se analisar. Três mandamentos até o momento e ainda permanecia com o que, para a maioria, seria pouca informação.
"Esses irmãos… por que eu tenho essa sensação estranha sobre eles? Não, mais importante que isso…"
Aquela voz misteriosa. Olhando ao seu redor, vagou rapidamente pelo ídolo de pedra e deu uma volta completa ao redor de si mesma. Ninguém, sequer um vestígio de algo humano.
— Tem alguém aí?
Como se alguém fosse responder. Os sentimentos inéditos se proliferavam cada vez mais em seu corpo, e aos poucos algo parecia se aproximar. Aquela sensação estava lá desde que leram o diário de D. Rossi pela primeira vez, e apenas agora começou a fazer sentido.
Ela girou novamente, agora mais rápido. — Quem está aí? Não adianta se esconder!
Repetiu o processo mais vezes, sempre respondida com o silêncio do salão. Onde estava aquela voz? Tinha certeza que era real, e um tom sarcástico como aquele não parecia ter a estátua como dono.
Numa ansiedade crescente, engoliu seco. Uma última vez, ela perguntou: — Quem é você?
O som característico de uma rocha se movendo atravessou seus ouvidos. Mirando a escultura de súbito, pôde ver ela começar a se mexer ao mesmo tempo que o sol emergia mais uma vez no céu nublado.
Agora de dia? Não deveria ser só à noite? Bem, para uma criatura como aquela, coisas como horário não deviam significar nada.
A chama do lampião se acendeu num passe de mágica, e com uma calma nunca antes vista, a estátua se virou para o lado direito.
Os olhos verdes da mulher foram cravados na figura, que sequer um olhar de canto levou até a humana curiosa.
"Tão plena… Ela não parece estar indo pra matar, mas aquele idiota ainda está por lá."
Bateu o pé ligeiramente, que serviu de pedal para fazer o cérebro funcionar a todo vapor. Nisso, apenas uma única coisa foi o bastante para tornar seus curtos passos numa repentina corrida rumo à descoberta.
— Tem que ser isso!
Em disparada, ela subiu as escadas pelo lado esquerdo. Tinha de correr e dar a volta por todo o segundo andar para alcançar seu marido antes que a estátua o fizesse. Aquela única pista! Dependendo das coisas que James encontrou, o caminho para a liberdade se tornaria finalmente visível para eles!
Porém, tudo, ou melhor, aquele considerado como; parecia ir contra qualquer tentativa de fuga que a dupla realizasse.
Na varanda interna, uma figura sombria se sentava no corrimão, tendo uma visão privilegiada do salão, onde até mesmo fantasmas eram eliminados por seu afiado olhar.
Impressionante, devo dizer. Será que o dia finalmente chegou?
O questionamento lhe tirou uma curta risada. Visualizando os altares, paralisou por alguns segundos, para que então adotasse aquele lugar como a área vip do show que, até então, não havia lhe chamado a atenção.
Vamos ver quanto tempo vão durar a partir de agora.
Obedecendo a ordem, um som semelhante às batidas de um enorme coração ecoaram por cada canto da mansão.
Tum!... Tum!...
Tum! Um baque que levou James ao chão. As pernas cederam de um instante para o outro e seu peito apertou, quase esmagando o próprio coração. Ainda assim, não soltou o livro que finalmente havia encontrado.
Uma obra intitulada como “Enciclopédia Staine”. No glossário imenso que tal possuía, havia uma palavra especial.
Aquela palavra! O gatilho que tanto esperava atingiu-o em cheio, mas no que parecia ser um dos piores momentos.
“Era isso! Eu tenho certeza que já estudei sobre isso no curso de formação!”
Cambaleava de um lado para o outro, tentando impor sua vontade contra o coração da mansão. As batidas seguiam cada vez mais firmes, empurrando para longe as memórias que o detetive tentava se recordar à todo custo.
O esforço valeu a pena, e no acender de uma lâmpada em sua mente, o momento chave surgiu diante de seus olhos.
“Aquele homem! Agora aquele sujeito faz sentido!”
A recordação era de um consultório médico, onde trabalhava um doutor que muitos diziam ser “especial”. Essa pessoa era responsável por tratar diversas doenças em pacientes que já tinham sido dados como sem solução.
Naquela fatídica ocasião, ele e sua esposa buscavam entrevistá-lo, mas o velho era astuto. Sempre desviava dos assuntos ou respondia de forma vaga. Entretanto, apenas uma de suas várias falas parecia carregar algo a mais.
Eu sou descendente de uma família abençoada, apenas isso.
Tal informação atravessou o tempo e o espaço, atingindo o James do presente num impacto tão bruto quanto os tambores ao seu redor.
“Família abençoada! Como fui me esquecer de algo assim!?”
A dúvida não tinha espaço agora. Seu primeiro instinto foi soltar o livro sobre a mesa e mirar a porta, mas seu corpo não parecia querer contribuir. Sentiu uma pontada no abdômen e a visão ficou turva por uns instantes.
“Aquelas histórias que eu ouvia eram realmente reais? Algo que se conta pra assustar crianças?” A euforia repentina apenas aumentava seu cansaço, revelado através das bufadas constantes.
A conclusão estava ali, bem em sua mente, só precisava alcançar sua parceira e revelar a grande pista que encontrou! Já podia até imaginar a cara que ela faria, mas tal foi a mesma que fez quando aquele característico som de passos acertou seus ouvidos.
Velozes! Alguém vinha correndo pelo corredor em direção à porta!
“Pesado! Nã-Não me diga que outro mandamento foi…!”
Dominado pelo instinto, o corpo superou a fraqueza do momento e levou a mão até a cintura, sacando a pistola e rapidamente apontando-a na direção da única entrada do cômodo.
Arfa! Arfa! Seu foco era tanto que quase esqueceu-se de respirar. Sobreviver! Era tudo no que pensava.
Logo, o corredor se revelou. A silhueta de uma perna robusta foi a primeira coisa a se tornar visível no lado esquerdo da porta. O céu através das janelas rapidamente transitava da pouca luz noturna para os primeiros raios de sol da manhã.
O grande e robusto corpo de pedra bloqueou a passagem, iluminado pela chama imortal do lampião. O ídolo se revelou novamente. Em seu rosto escurecido, um sorriso largo de um predador, acompanhado do olhar penetrante de um espreitador.
Uma face!? Ela tinha uma face esse tempo todo?? Pela pele dura, ranhuras se proliferaram a partir dos novos órgãos no rosto, permitindo um líquido esverdeado escorrer como uma saliva ácida.
O corpo do investigador apenas travou. Sequer tremer era capaz. Talvez por um mero segundo, ele tivesse admirado a própria morte, até que uma voz quebrasse a sua ilusão.
O que foi? Vai chorar?
O dono da pergunta pouco importava. A resposta veio através de sua próxima ação.
BANG! Mais semelhante a um canhão que uma arma de fogo, o projétil foi disparado contra a criatura demoníaca, acertando-lhe na cabeça de forma certeira!
O grande corpo tombou para trás. Funcionou!? Não sabia dizer ao certo, mas podia sentir o quase esquecido sentimento de felicidade preencher todo seu peito.
“Isso! Parece ter funcionado! Se-Será que ela ficou mais frágil?”
Porém, assim como o seu disparo, o contra-ataque também veio rapidamente. Tum! Tum! As batidas foram lentas e poderosas o bastante para tremular todo cômodo.
O olhar de James permaneceu fixo na criatura, apenas piscando de susto, uma ação que durou menos de um milésimo, muito mais que o suficiente. A luz emergente aos poucos revelou a falha que o homem havia cometido.
Naquele último batimento cardíaco, a estátua se transformou em outra coisa. Longos cabelos ruivos cobriam o rosto da vítima que sequer as últimas palavras pôde expressar. Espirrando para cima, um líquido negro que aos poucos ganhou tom carmesim.
O pulmão de James foi lacrado à força. As veias destacaram-se nos olhos, tentando tornar falsa a realidade monstruosa, uma tarefa cada vez mais difícil conforme sua visão era mais distorcida pelas lágrimas.
Naquele silêncio eterno, um único grito soou como uma sirene, tão alto e forte que poderia ser o último do detetive antes que sua garganta estourasse.
— JESSIEEEEEE!
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