A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 1

Pista 11: Profanação (1)

Enquanto dentro da mansão nascia uma nova criatura, os que guardavam interesse no surgir desta já se organizavam nas proximidades.

Mesmo com cinco quilômetros de garantia, nenhum dos incontáveis policiais armados se sentia seguro. Uma energia? Não, era mais um mal presságio que ia da cabeça aos pés.

A linha de frente apontava fuzis ao invés de pistolas, mas o alvo — que até então era a névoa — lhe respondia com o ameaçar de uma arma muito mais poderosa, cuja existia unicamente nos corações dos seres vivos.

— A-Até quando ficaremos aqui? — perguntou um dos homens.

— Chega de choradeira, soldado! — O Sargente interveio, segurando as próprias lágrimas.

Em meio ao silêncio tenebroso da Floresta do Pecador, o único som que ecoava era o das peças dos revólveres tremendo. Muitos se perguntavam o motivo de tanto medo, mas esses próprios não tinha razão para senti-lo.

— Por que aqueles arrombados da Tropa de Extermínio estão tão longe!? Logo eles que tem o armamento mais pesado daqui!

Com dificuldade era possível enxergá-los na retaguarda. Homens que pareciam parrudos devido à roupa preta e grossa. Cada um portava — além de uma proteção completa contra projéteis diversos — todo tipo de arma de fogo, desde as de maior até médio e curto alcance.

Os policiais comuns discutiam entre si. A presença das tropas especiais era realmente necessária? O nome já não era muito convidativo, e o que exatamente eles iriam “exterminar” neste lugar desértico? Eram poucas informações, ainda mais ao considerar o calibre da investigação.

— Caso Alamut — iniciou o soldado —, sequer me lembro de quanto tempo isso é investigado.

O parceiro lhe encarou. — Pois é! Estamos aqui faz dias! Minha perna tá dormente há tanto tempo que vou ter que ir para uma cadeira de rodas depois disso!

Os murmúrios continuaram, não demorando até chamarem uma atenção inicialmente indesejada.

Por trás dos agentes se aproximou um dos membros da Tropa Especial. Silencioso, era o que lhe definia, pois mesmo o chão coberto de folhas secas não foi o suficiente para que um barulho revelador lhe acometesse.

Uma curta troca de olhares se fez, até o soldado de preto se manifestar com uma única revelação.

— Na realidade, nem eles mesmos sabem o que exatamente está acontecendo.

— O quê!? — gaguejou o soldado. — Mas então…! Que merda tamo fazendo aqui!??

A exaltação do homem foi acalmada rapidamente. Havia um fato a ser considerado, apenas um! As pessoas dentro da mansão seriam resgatadas.

Porém, isso não mudava o fato deles não saberem a razão de tanta cautela. Não poderiam simplesmente avançar e resgatar essas pessoas de uma vez? Um dos policiais considerou essa ideia, mas o soldado especial logo alertou:

— Apenas obedeça as ordens. Acredite, é pro seu próprio bem.

Uma interrogação surgiu na cabeça de ambos os agentes. — Afinal, o que você tá fazendo aqui, cara?

— Eu? Vejamos… acho que estou aqui só pelo show. Eu espero há muito tempo para ver como essa história vai acabar.

A dúvida permaneceu da mesma forma, desta vez não acompanhada de resposta. Com passos sutis, um quarto homem entrou em cena.

— Soldado, volte para o seu posto imediatamente!!

O referido se virou, bateu continência e se retirou. Aquele que comandava era mais conhecido pelos policiais, os quais trataram de ajeitar suas posturas ao primeiro arquear de sobrancelha da figura idosa.

— Se-Senhor Potestades! Desculpe pelo transtorno!

Como ex-líder do Ministério da Tecnologia e atual candidato à presidência do país, Potestades “TG” se apresentava mais como um cientistas de filme do que qualquer outra coisa, sempre trajado com um jaleco branco e ombreiras amareladas.

De nariz empinado, ele fitou a dupla de agentes e aguardou um comentário sobre o que se passava.

— Comunicação entre as tropas normais e especiais é proibido — lembrou-os, virando o rosto em seguida. — Foquem apenas na missão. Na próxima, receberão advertências!

— Sim, senhor! 

Potestades se afastou, tão barulhento quanto chegou. Assim que seus ouvidos saíram do alcance das vozes dos policiais, um deles disse:

— Se gente como ele está aqui, coisa boa é que não tem naquela mansão abandonada… O que você acha que é?

— Eu sei lá, porra! Depois dessa eu nem tô mais afim de descobrir!

O olhar de ambos retornou ao horizonte coberto de neblina, de tal maneira que os holofotes retornassem aos indivíduos que estavam passando pelo inferno na terra.

 

***

 

Diante deles estava o que poderia ser considerado um anjo caído. Na visão deste, nada mais que meros profanadores que ousaram invadir e macular seu precioso espaço.

James se manifestou: — A-Asas!! Como que a merda de uma estátua de pedra tem asas!?

Sua esposa não retrucou, focada apenas na criatura e em qualquer movimento perigoso.

Quantos mandamentos havia cumprido? Não conseguia lembrar, muito menos olhar para descobrir. A escultura, se é que ainda podia ser considerada uma, lhe encarava com afinco tremendo, um foco tão inumano que sentia ser seu alvo principal. Mas qual a razão disso tudo!?

“Ela me quer porquê eu consigo ver o passado?”

Não! Não parecia isso. Aos poucos se lembrava da sensação, e apesar de não saber ao certo de onde vinha, conseguia reconhecê-la.

A intenção assassina em sua forma mais pura, matar pelo puro prazer de o fazer. O exato mesmo arrepio que transbordava de forma quase palpável da voz que ouviu em outros momentos.

— James, é a Fase Adulta!

— É, isso tá mais que óbvio! Eu gostaria mesmo é de saber o que acontece agora!!

— Não precisa ter medo, eu estou com você!!

— E-Eu não tô com medo!!!

Ante sua declaração, a estátua parecia querer testar a falsa convicção. Tum-rum! Com uma única batida do imenso tambor de guerra, ela se colocou a centímetros da dupla.

Desvie!! O punho emergia em direção ao queixo do homem, que evitou por pouco o golpe possivelmente fatal.

O ídolo já estava mais rápido se comparado à primeira vez que atacou James. Antes um robô enferrujado, agora se igualava com o de uma pessoa em plena forma física.

A cada batida do tambor, a estátua aparecia em uma nova posição da mesma forma que um teleporte faria. A Silhueta a se intensificar lentamente, os efeitos cada vez mais notáveis. No entanto… falta de dor, falta de fome, tempo acelerado, nenhum desses fenômenos se encaixava no que esta habilidade em questão aparentava ser.

Como se não bastasse, a criatura se recusava a dar uma chance para os dois descobrirem a verdade. Com seu foco em James, ela se recompôs após o golpe falho e tentou se aproximar. Para cada passo seu, o homem devia dar dois para se manter fora de alcance, como uma lebre manca a fugir de um cachorro que ainda aprendia a caçar, brincando com sua presa.

— Jessie! ME AJUDA!!

Ele procurou, mas a mulher desapareceu de seu campo de visão.

Apenas socos vinham em sua direção, e não sabia dizer ao certo, mas aparentavam estar cada vez mais rápidos. Por vezes ouviu apenas um chiar áspero em seu ouvido, além de sentir o coração parar por um milésimo quando acontecia.

Quantas vezes ainda veria a vida passar diante de seus olhos!? O arrependimento dos momentos revividos ganhava cada vez mais força, criando as lágrimas de alguém prestes a aceitar seu cruel destino.

Abaixa!! A repentina voz com imensa decisão em seu tom dominou seu corpo. Seus joelhos nem precisaram se dobrar, simplesmente cederam e deixaram o peso do corpo fazer o resto.

Atrás de James, surgiu o novo alvo da estátua. Jessie estampava um sorriso que só servia para esconder seu nervosismo, uma típica atitude que faria o ídolo se perder em lembranças se fosse capaz disto.

O sorriso de um guerreiro!

BANG! Um total de três tiros foram disparados da arma da mulher, e diferente do que James pensava ao ouvir os disparos, nenhum deles mirava a criatura em si.

Um ruído diferente ecoou pelo salão. Metal? Sim, definitivamente era isso! E para lhe dar a total certeza, o tão misterioso item caiu diante de seus olhos.

O lampião foi o alvo. Atingido por dois dos disparos, foi dano o bastante para que o metal conectado à alça se rompesse e levasse a gaiola ao chão. O vidro estilhaçou, revelando a chama tão rapidamente que esta sequer teve a chance de lutar antes de ser engolida pelo limbo e se apagar por completo.

Ante o maior pecado que acreditava ser possível de se cometer nesta mansão, James apenas ficou estático, dificilmente movendo seu olhar em direção ao ídolo, agora em um estado semelhante ao seu.

A face de pedra inexpressiva encarava seu precioso objeto, ou pelo menos o que restou dele.

James trocou olhares com a coisa, um gaguejo tentou tomar a forma de palavras, incapaz. Em seguida, um braço lhe puxou para longe.

— Levanta! Temos que correr antes que…!!

TU-RUM-TUM!!

Mais forte que nunca, o coração da mansão bateu, quase ao ponto de estourar os frágeis tímpanos dos dois.

James tentou ignorar o zumbido irritante ao segurar mais firmemente a mão da esposa. Porém, o calor das mãos se perdeu antes que percebesse.

“O-O que eu… tô fazendo aqui?”

Eh!? Ao seu redor, apenas estantes de livros. A porta estava aberta, revelando o corredor vazio e, através das janelas, um céu indeciso sobre em qual hora deveria ficar.

TU-RUM-TUM!!

A cabeça da mulher latejava como nunca havia sentido. Seria esta a fúria da estátua em seu ápice?? Improvável, até agora ela só estava encarando seu precioso lampião despedaçado!

Manter-se de pé se tornava uma tarefa cada vez mais difícil, e em um dos cambaleios para permanecer erguida, sua mão foi até um dos altares na vaga tentativa de se apoiar, mas conseguindo um resultado bastante diferente.

De relance, ela visualizou o mandamento. "Não matarás", essa era a nostálgica frase talhada naquela decoração.

Como de costume, a luz branca acertou-lhe a alma em cheio, mas ao contrário do que acontecia até então, o mundo não havia tomado forma.

                                                                                                    

Permanecia um universo completamente branco, cujo era preenchido por duas meras silhuetas com até mesmo vozes idênticas. Um estava de pé, com um líquido negro e viscoso escorrendo por seu punho, enquanto o outro se debruçava desajeitado pelo chão, como uma marionete com os cordões repentinamente cortados.

O vitorioso da cena ergueu seu punho à frente, encarando a vida escorrer entre seus dedos enquanto proferia suas últimas palavras.

— Eu irei preservar seu corpo… à minha maneira.

E ao som de uma risada supostamente satisfeita, a visão se encerrou.

Jessie retornou à consciência e, incapaz de suportar o próprio peso, desabou ao chão.

— Po-Por quê!? Por que as visões… estão tão… rápidas…!!

A bigorna sobre seu corpo virou a disputa facilmente, levando a consciência da mulher mais fundo do que o abismo de sua mente alcançava.

Enquanto isso, a estátua espreitava não ela, mas a vítima que permanecia acordada e na beira de sua própria sanidade, à um único empurrão da queda livre.

 

 


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