A Machine-Doll Inigualável Japonesa

Tradução: Artemis

Revisão: Yuuki


Volume 7

Capítulo 5: Suas Razões

Parte 1

Raishin olhou para o rosto de Alice, incapaz de acreditar no que ela havia dito.

As pupilas da garota se moviam repetidamente, incapazes de se fixarem em um único ponto.

Raishin virou-se para Shin, como se para confirmar aquelas palavras. Ele também estava pálido, mas não baixou a guarda em relação aos inimigos, para proteger Alice. Sua aparência séria e patética— não parecia uma mera encenação.

— Ele decidiu se livrar de você, é isso? Não diga isso de uma forma tão feia.

Rosenberg endireitou os ombros e continuou falando com um tom duro.

— Foi você que traiu o Rutherford primeiro, não foi?

— ...O que você quer dizer?

Rosenberg abriu um grande sorriso após ouvir a pergunta de Raishin.

— O Rutherford deve ter pedido isso para a Alice— “Entregue o Shin para a Alemanha”. No entanto, ela estava tentando coisas diferentes, usando sua posição como mensageira do Diretor.

— Coisas diferentes... do que você está falando?

— Negociações. Ela tentou manter o Shin em troca de nos permitir observar o exterior do Santuário dos Tolos, e além disso, ela nos entregaria o próprio Akabane Raishin.

— ...Eu ainda acredito que essas condições sejam muito boas.

Alice sussurrou fracamente. Rosenberg assentiu diante de suas palavras.

— Ah, sim, eram muito boas mesmo. Foi por isso que decidimos verificar as verdadeiras intenções do Diretor através de outros meios.

— !

— Foi isso que o Rutherford disse após tomar conhecimento dos seus atos arbitrários— “As ações da minha filha não são problema meu”. Em outras palavras, se fôssemos nos vingar de você, o Diretor não moveria um único dedo sequer.

— Então... conspirando com o papai, dessa vez todos vocês vieram me destruir... é isso.

— Até sinto pena de você agora, Alice. Certamente é um pouco sarcástico. Quem poderia imaginar que uma pessoa que passou a vida inteira traindo e enganando pessoas por tantas vezes, no fim acabaria sendo traída por seu verdadeiro pai.

Apesar de entender apenas metade da conversa— Raishin ficou horrorizado.

Essa garota foi manipulada...!?

Tomando emprestadas as palavras de Shin, a garota que gostava mais de enganar os outros do que de desfrutar de suas três refeições diárias, havia sido derrotada no jogo da enganação.

...Ele estava realmente perplexo.

Ela havia confiado no pai até o fim. Ela nunca havia descartado suas esperanças em relação a ele.

Alice já havia descartado sua vontade de lutar. Seu corpo se encolheu nos braços de Raishin, como se ela já tivesse aceitado o próprio destino. Shin e Yaya estavam prontos para lutar— mas as condições eram extremamente desvantajosas para eles. Os inimigos totalizavam dez autômatos do mesmo tipo de Shin e mais doze Heimgardners.

O campo de batalha ficava no meio daquela enorme cavidade subterrânea.

Eles também estavam cercados e não havia para onde correr.

Se fossem apenas Raishin e Yaya, provavelmente seria possível forçar uma rota de fuga...

Esse pensamento parecia ter surgido também na mente de Alice, uma vez que ela decidiu falar as seguintes palavras.

— ...Eu vou te dizer, já que estamos nesta situação. O comando para quebrar a maldição é...

— Pare. Eu vou esquecer se você me contar assim tão de repente. Vou ouvir com calma—

Raishin não conseguiu terminar de falar. Um dos cavaleiros saltou em direção a ele por trás.

Yaya conseguiu reagir a isso. Ela tinha aplicado um chute feroz logo depois de girar naquela direção.

Como seria de se esperar do poder defensivo do circuito Fragarach, o inimigo havia equilibrado o impacto do chute ao se mover de acordo e mudar seu centro de gravidade—

No entanto, o chute de Yaya ainda foi o vitorioso.

O cavaleiro foi lançado ao ar. No entanto, ele não tinha sofrido qualquer dano considerável. Depois de parar no ar por um instante, o oponente atacou mais uma vez. Esse tinha sido o sinal para o início da batalha. Os cavaleiros e os Heimgardners começaram a se mover simultaneamente.

 Um dos Heimgardners se aproximou de Alice, exibindo uma velocidade temível. As pontas de seus dedos continham faíscas elétricas— uma voltagem altíssima. Ela sem dúvidas ficaria inconsciente se fosse atingida por eles.

Shin reagiu desta vez. Ele conseguiu pulverizar o autômato depois de um chute muito poderoso.

Yaya também destruiu outro autômato que estava perto dela com seus pés. Eles não perderiam em termos de habilidade em lutas individuais. Se eles apenas pudessem continuar a abrir caminho dessa forma— mas essa esperança ingênua foi rapidamente negada.

Deixando os Heimgardners de lado, os inimigos equipados com o circuito Fragarach eram verdadeiramente formidáveis.

Eles podiam resistir aos ataques de Yaya e Shin. O lado com a maioria numérica ganharia a vantagem se eles não pudessem destruí-los com um único golpe. Yaya foi cortada por uma espada e mandada voando para longe depois de um impacto que atingiu todo o seu corpo. A situação ficaria ainda pior se Raishin não ajudasse imediatamente.

Raishin colocou Alice no chão e começou a correr até Yaya.

Rosenberg estava esperando por este momento. Uma grande quantidade de energia mágica foi expelida por seu corpo e se concentrou no autômato de grandes braços, dando a ele um enorme poder.

As partes que pareciam finas barbatanas dorsais haviam se projetado de seus braços, transformando-se em garras assim como Raishin tinha imaginado.

O autômato saltou na direção de Alice. Raishin se moveu imediatamente— mas ele não conseguiria detê-lo a tempo!

Alice fechou os olhos, como se aceitasse o próprio fim.

Sua expressão de mártir foi manchada por uma vasta quantidade de sangue.

...Um sangue que não pertencia a ela ou a Raishin.

Alice podia ver o peito de Shin diante dela.

O golpe havia penetrado seu peito após perfurá-lo por trás. A magia do circuito Fragarach, que deveria ser impenetrável como uma parede de ferro, fora facilmente perfurada pelas garras do inimigo. Ele pareceu ter superado o poder mágico de Shin por um instante.

— Shin...?

Alice murmurou como uma idiota.

— Shin... que idiota você é... sendo ferido assim...

Shin chutou o inimigo atrás dele. O autômato de braços grandes saltou com facilidade, voltando para o lado de Rosenberg. Shin virou-se para encará-los, tentando defender Alice até o fim.

Seu ferimento era excessivamente profundo. Seus ossos e alguns órgãos internos estavam claramente visíveis. Seria uma ferida fatal para qualquer ser humano, sem dúvidas.

— É realmente... lamentável, senhor Akabane.

Shin continuou falando com Raishin de costas para ele, como se aquelas fossem suas últimas palavras.

— Quem diria que... chegaria o dia em que eu lhe pediria um favor. Mortifica-me muito, mas... por favor, proteja minha Senhora.

A energia mágica de Shin girava ao seu redor. Ele pretendia usar de uma só vez todo o poder que restava em seu corpo.

— ...Yaya, venha.

— Sim!

Yaya saltou para o lado de Raishin depois de chutar um cavaleiro.

Raishin direcionou seu poder mágico para as costas dela. Yaya parecia ter entendido as intenções dele com isso. Ela se agachou no chão, apontando para o teto e concentrando todas as suas forças nas pernas.

— Suimei Zesshou— Hisagi Tachikage.

Yaya liberou toda a energia acumulada de uma só vez. Uma sombra escura perfurou o teto depois de disparar para cima com uma força explosiva.

O som ensurdecedor da colisão causou um estrondo, quando um buraco se abriu no teto da cavidade. Os destroços caíram por todos os lados. Um único raio de luar atravessou a abertura, tal qual o fio de sustentação de uma aranha.

— Eles estão tentando escapar! Preparem-se para persegui-los! Não os deixem fugir não importa o quê

Rosenberg havia enviado suas ordens... mas já era tarde demais.

Shin já havia começado a se mover. Como um tigre faminto, ou tal qual uma tempestade feroz, e desconsiderando seu sangramento severo— ele atacou impiedosamente os inimigos ao redor, criando assim uma oportunidade de fuga.

A ativação da magia de Raishin já havia terminado. Ele havia saltado em direção ao teto depois de rapidamente pegar Alice em seus braços.

Raishin tinha intencionalmente reduzido a força inicial que usou ao saltar, mas o preço que esse movimento cobrou do corpo de Alice se provou fatal.

A força do corpo de Alice rapidamente desapareceu depois que ela exalou todo o ar de seus pulmões... Ao que parece, ela havia perdido a consciência.

Raishin também havia contido demais a sua força, pois ele mal conseguiu alcançar o teto.

Segurando Alice apenas com a mão direita, Raishin estendeu o braço esquerdo. As pontas de seus dedos deslizaram em pleno ar—

E Yaya segurou sua mão.

Ela estava esperando por Raishin, agarrando-se em uma das rochas quebradas que se projetavam do teto!

Yaya atirou Raishin para cima. Ela então o seguiu com um salto.

Raishin olhou para baixo enquanto eles subiam à superfície.

Shin acabara de ser perfurado por dez espadas diferentes.

 

Parte 2

 

O lugar para onde eles tinham conseguido fugir era o enorme jardim da Academia.

— Você está bem, Raishin?

— ...Estou bem. Mas a Alice...

O salto de agora tinha cobrado um preço alto. Não seria estranho se um ser humano normal morresse com o choque.

— Alice, reaja! Tudo bem com você!?

Alice ergueu o rosto enquanto tossia.

— Eu te disse... infelizmente, eu sou metade autômato...

— Raishin! Vamos nos mover depressa!

Raishin começou a correr em direção aos dormitórios depois de ser apressado por Yaya.

No momento, já passava das seis da tarde.

Raishin não podia sentir a presença de ninguém através dos bosques, então eles não teriam que se preocupar em ser questionados por alguém. No momento, ele também não via nenhum guarda por perto.

Ainda mantendo um olho em seus perseguidores, Raishin colocou Alice no chão.

Alice sentou-se nos arbustos sem se mexer, tal qual uma boneca quebrada.

— Ei, vamos lá. Não é hora de ficar deprimida.

— ...Eu não estou deprimida. Eu não acreditava em ninguém desde o começo. Mesmo que a pessoa fosse o meu próprio pai.

— O Rosenberg disse isso, não foi? Que você tinha me envolvido nisso por decisão própria, e não porque o Diretor te disse para fazer isso.

— ...Isso mesmo. Acho... que você poderia dizer que foi o meu próprio orgulho que causou isso. Eu pensei que poderia prever o que eles fariam. E dessa forma— o papai aceitaria meu comportamento egoísta, concordando que foi uma tática eficaz.

Alice fez uma aposta perigosa sem o consentimento do Diretor. E mesmo assim, ele teria aceitado qualquer coisa se determinasse que poderia ganhar algo com isso— este tinha sido o plano de Alice.

No entanto, o Diretor não aceitou. E mais do que isso, ele até mesmo tentou matar a própria filha.

— Raishin... você joga xadrez?

— Do que você está falando agora?

— No momento em que você decide sacrificar uma de suas peças, significa que você chegou em um ponto crucial para o seu jogo. Você não pode ser muito apressado e nem muito lento para fazer isso.

Os olhos de Alice carregavam uma sombra profunda.

— Mesmo a rainha pode acabar se tornando uma peça de sacrifício para que você possa atingir seu objetivo. Sentimentos pessoais grosseiros devem ser descartados. E para o Rutherford, seus sentimentos nunca o impediriam. Mas...

Alice abriu um sorriso fraco, incapaz de continuar segurando seus sentimentos.

— A verdade é que em algum lugar dentro de mim, eu estava me perguntando se talvez eu fosse o verdadeiro objetivo dele...

Raishin não conseguiu entender o que Alice havia dito.

No entanto, ele podia ao menos entender que ela havia sofrido um grande golpe de seu pai.

— Raishin, o que você vai fazer agora?

Yaya lhe fez uma pergunta. Raishin tomou uma decisão imediata.

— Por enquanto vamos tentar nos esconder. Eu só conheço um lugar para onde poderíamos ir nesta situação.

— Você vai depender da Kimberley-sensei outra vez?

— Não tenho outra escolha nesta situação. A este ponto, eu não poderia me importar menos com o quanto mais vou ficar devendo a ela.

Raishin iria para o laboratório de Kimberley. Ele também poderia remover a maldição de Charl se fizesse isso.

— Mas vai ser difícil de chegar até lá. Com certeza haverá vários guardas nos seguindo se o Diretor estiver envolvido.

— Você não precisa se preocupar com isso. A Yaya já tinha pedido reforços antes que isso acontecesse.

Yaya estufou o peito, orgulhosa. Uma garota vestida com um quimono desceu de um dos galhos de uma árvore, como se ela já tivesse se preparado para aparecer exatamente naquele momento.

Alguém com uma pequena espada de metal pendurada na parte posterior de seus quadris, uma garota de cabelo ruivo amarelado—

— Você realmente é inútil se eu não estiver por perto, Raishin—

— Komurasaki! Então você também veio!

— Você está enganado, Raishin! Você deveria ter dito: “Então você chamou a Komurasaki, Yaya”!

— Você não quer apenas trocar a Yaya nee-sama por mim?

— Fufufu, como você é engraçada, Komurasaki... Fufufu.

*Quebra*

— Não quebre as árvores! Eles vão descobrir nossa localização!

De todo modo, eles estavam salvos. Com Komurasaki por perto, o risco de se movimentarem seria bastante reduzido— Raishin também podia ver uma pequena chance de vitória com o que ele planejava fazer a seguir.

— Bom. Devemos ir depressa até a Kimberley-sensei. Alice

Alice ainda estava sentada no mesmo lugar, sem se mexer.

— O que houve? Você está ferida em algum lugar?

— ...Me deixem aqui.

— Levante-se. Nós iremos até onde a Charl está.

— Se você está falando sobre o comando de cancelamento, eu vou te contar. Primeiro—

— Certo, vamos embora. Você terá que desfazer a maldição por conta própria.

A luz nos olhos de Alice se acendeu quando Raishin tentou segurar o braço dela.

— Apenas me deixe em paz!

Alice havia empurrado a mão de Raishin para longe, gritando com toda a sua força.

Raishin ficou parado, sentindo-se pasmo.

Era a primeira vez que ele via Alice gritando. Além disso—

Aquela era a primeira vez que ele a via chorar de verdade.

— Haha... é engraçado, não é? É hilário, não é? Eu imagino que tipo de mal-entendido eu estava tendo?

Alice caiu em lágrimas, começando a soluçar.

— Mesmo assim... eu já sabia que tipo de pessoa o papai era! Em vez de convencê-lo a me permitir ficar com o Shin... querendo destruí-lo... eu... o que eu mesmo...!?

Suas palavras não continuaram. Alice estava apenas chorando enquanto cobria o rosto.

Uma mulher não menos orgulhosa que a Charl— ou de certo modo, talvez, uma mulher ainda mais orgulhosa que ela, estava chorando igual uma garotinha sem se importar com quem a estava vendo. Aquele rosto que normalmente sempre exibia um sorriso cheio de autoconfiança, neste momento estava retorcido de uma maneira lamentável e patética.

Raishin não sabia que tipo de coisas Alice poderia estar carregando.

Charl e Henri uma vez passaram por uma crise devido aos planos deturpados dela. Loki e Frey também quase foram mortos por causa dela.

Você provavelmente poderia até mesmo contabilizar algumas vítimas das atividades irregulares dela, com Cedric Grandville e Lisette Norden liderando os nomes desta lista.

No entanto, ainda assim.

A Alice que agora chorava depois de ser abandonada pelo pai...

Ela parecia tão frágil quanto qualquer outra garota.

Mesmo que Raishin quisesse reconfortá-la com palavras gentis—

— Se for chorar, faça isso depois!

Ele decidiu repreendê-la, pegando seus ombros e fazendo-a olhar em sua direção a força.

— Você quer o Shin de volta, certo? Então faça o que eu digo por enquanto!

— ...Recuperá-lo, você diz?

Alice sorriu sarcasticamente, ainda chorando.

— O quão idiota você é? Não podemos fazer isso. Além disso, o Shin não está mais...!

— Ele não vai morrer assim tão facilmente. Além disso, eles não vão matá-lo.

Alice ergueu o rosto com surpresa.

— Aqueles caras deixaram você escapar, e eles sabem que você quer o Shin. É por isso que aquele homem usará isso a favor de seus planos— o Rosenberg é esse tipo de pessoa.

Raishin falou provocativamente de propósito, como se tentasse instigá-la.

— O que está acontecendo? A Alice que eu conheço teria compreendido algo assim em apenas um segundo.

— ...Em um décimo de segundo.

Alice respondeu brincando depois de fungar. Ela tinha voltado ao seu eu habitual.

— Mas eu não entendo. O jeito como você falou faz parecer que você quer ajudar o Shin.

— Eu vou ajudá-lo.

Tanto Alice quanto Yaya, e até mesmo Komurasaki, que não estava ciente da situação, ficaram chocadas.

— Eu sou uma pessoa rancorosa. Eu tendo a querer me vingar das coisas que os outros fazem comigo. No entanto— eu também não me esqueço facilmente das coisas que as outras pessoas fazem por mim.

— ...E o que o Shin fez por você?

— Agora mesmo, o Shin permitiu que eu escapasse. É por isso que também vou salvá-lo.

— ...Você é inacreditável. Apenas por isso...

— Calada! Pare de reclamar e me ajude aqui!

Os olhos de Alice se arregalaram de surpresa, antes que ela começasse a olhar para baixo por alguns segundos.

Quando ela voltou a olhar para cima, Alice já havia recuperado sua expressão confiante habitual.

— Ajudar você? Você está assim tão desesperado para ficar em débito comigo, Raishin?

— Hah, essa é a senhorita deturpada que eu conheço!

Raishin estendeu a mão. Alice olhou cuidadosamente para aquela mão antes de começar a rir de si mesma.

— Eu não sou digna de aceitar essa m—

Alice não conseguiu terminar sua frase. Raishin pegou sua mão à força, puxando-a para cima.

— Livre-se desses sentimentos pessoais para atingir seu objetivo. Particularmente dessas emoções chatas.

A expressão de Alice desmoronou mais uma vez. Ela agarrou firmemente a mão de Raishin em resposta, tal qual uma garotinha chorando segurando a mão do pai.

Sentindo o olhar frio de Yaya por trás, Raishin começou a correr enquanto puxava a mão de Alice.

 

Parte 3

 

Havia uma grande caixa semelhante a um caixão, algo parecido com um enorme estojo de maquiagem, no laboratório de Kimberley.

Duas delas. Mesmo que tivesse antecipado a chegada de sua bagagem, ela havia parado de abri-la, como se pensasse em algo com um rosto concentrado.

Uma certa tensão havia subitamente tomado conta de seu corpo.

Kimberley havia olhado na direção da porta de entrada de seu laboratório, ao mesmo tempo que levava a mão até a adaga em seu bolso.

Em seguida, ela suspirou.

— Não se apresse agora, Penúltimo. Eu já descobri você.

Ela pode ter dito que o “descobriu” em um tom tranquilo, mas a verdade é que a invisibilidade de Raishin tinha sido muito perfeita, em um nível muito mais elevado do que antes. Embora fosse ela mesma, Kimberley não tinha sido capaz de ver, sentir ou perceber nada— por alguma estranha razão, ela tinha apenas intuído que Raishin era a fonte do desconforto que ela havia sentido.

Depois de algum tempo, a figura de Raishin tornou-se visível, como se estivesse se formando em pleno ar.

Não era apenas ele. Yaya, Komurasaki e...

— Alice—!

O rosto de Kimberley tinha uma expressão que mostrava que mesmo ela não estava esperando por isso.

A garota que foi registrada na Academia com o nome de Alice Bernstein.

Kimberley já tinha conhecimento de sua verdadeira identidade.

— Parece que você trouxe uma convidada inesperada com você. Dito isso, eu realmente não posso admirar o fato de que você tentou entrar neste lugar sem minha permissão.

— ...Desculpe por isso, mas tínhamos uma boa razão para fazê-lo. Na verdade, como você nos notou? A camuflagem da Komurasaki não foi perfeita?

— Você realmente parece ainda não entender as coisas mais básicas. Barreiras ou círculos mágicos são o básico do básico. Querer se infiltrar na sala privativa de uma maga tão excelente quanto eu significaria o mesmo que tentar se infiltrar em uma fortaleza sólida. É claro que você não conseguiria entrar assim tão facilmente.

— Uma barreira...? Mas eu nem consigo sentir nenhum poder mágico.

— Qual você acha que é minha especialidade? Acho que sou capaz o bastante para não ser descoberta por um jovem como você. Na verdade, você não deveria estar grato por não ter ativado nenhuma armadilha que pudesse causar uma morte instantânea?

Ela não disse a ele para ser grato porque elas não existiam, mas porque ele não havia as acionado.

Raishin tremeu de medo depois de entender o significado por trás daquelas palavras.

— Então, do que você precisa?

— Eu quero que você me ajude.

— Eu recuso.

— ...Você soa como o eu de sempre.

Raishin fez uma careta azeda, como se tivesse sido mordido por um inseto nojento.

— Mas, por favor. Ao menos ouça o que eu tenho a dizer.

— Duvido que minha decisão mude depois de ouvir você. Mas, bem, não importa. Fale logo e use a versão resumida.

Raishin foi instruído a começar a falar, ainda de pé e sem ter sido convidado a se sentar em lugar algum.

Raishin explicou a situação falando rapidamente, como se estivesse muito pressionado a fazer isso.

Sobre a verdadeira identidade de Alice. Além disso, sobre o sequestro de Shin e sobre os Kreuzritter.

E também sobre como eles tinham sido atacados pelos Katzbalger no Santuário dos Tolos—

Kimberley suspirou profundamente depois de ouvir tudo.

O que Raishin disse foi exatamente a mesma informação que seu parceiro havia a informado um tempo atrás.

Então... Kimberley decidiu apontar para a porta, falando de forma impiedosa.

— Vou dizer isso muito claramente. Saiam daqui agora mesmo. Não há nada que eu possa fazer por vocês.

Raishin ficou parado intrigado, como se algumas raízes tivessem crescido em seus pés.

Sua expressão perfurava o peito de Kimberley tal qual uma bala.

Idiota... não faça uma cara como se eu tivesse traído você.

Incapaz de aceitar isso, Raishin protestou.

— Por quê!? Eu sei que certamente acabamos dependendo muito de você, mas... algum tipo de ajuda— você não poderia ao menos nos ajudar com os guardas da Academia?... Apenas isso?

— Eu odeio idiotas. Você realmente acha que eu seria capaz de me mover livremente se eu fosse contra a Academia?

Kimberley estava observando Raishin atentamente. Ele não respondeu e ficou em silêncio.

— Eu sou uma pessoa da Nectar, uma espiã, por assim dizer. Claro que eu tenho uma coleira amarrada no meu pescoço. Eu estaria traindo as expectativas da associação se fizesse algo assim tão idiota— e todo o resto que fiz até agora seria em vão.

Kimberley tinha aproximado seus lábios da orelha de Raishin, sussurrando algumas palavras depois de baixar o tom de sua voz tanto quanto possível.

— O Santuário dos Tolos é um segredo bem guardado— mesmo a Nectar não pode colocar suas mãos nele. Apenas até alguns poucos meses atrás sua existência nem sequer era conhecida.

Kimberley agarrou Raishin pelos ombros e continuou falando como se estivesse tentando convencê-lo.

— Estou na mira da Academia. É por isso que vocês devem sair desta sala agora mesmo. Eu não vi ou ouvi nada hoje— essa é a coisa mais conveniente que posso fazer pelo seu próprio bem.

— ...Eu entendo. Desculpe por incomodá-la.

Raishin decidiu não insistir no assunto.

Depois de olhar para Alice, Yaya e Komurasaki nessa ordem, Raishin falou com energia para encorajá-las.

— Vamos para um lugar diferente. Aqui nós seremos apenas um problema.

Os quatro recuaram rapidamente. Ninguém havia reclamado ressentido sobre qualquer coisa.

Kimberley cerrou os dentes, sendo assaltada por uma vontade de bater na parede.

Apenas porque Raishin tinha decidido deixar o laboratório, não significava que ele pretendia desistir de fazer o que estava pretendendo.

Não importava se ele estivesse totalmente sozinho ou que suas perspectivas de sucesso fossem as piores possíveis.

Distorcendo a razão para forçar o irracional— Akabane Raishin era esse tipo de pessoa.

E agora que Kimberley havia se recusado a apoiá-lo, ela não ficaria surpresa se ele tentasse fazer o que tinha em mente por conta própria...

— Com o que você está se preocupando?

Kimberley ergueu o rosto depois de ouvir aquela voz de repente.

Cruel estava de pé sob a soleira da porta aberta.

Ele não tinha feito um único som sequer com seus passos. Ele também estava impedindo que sua presença fosse sentida. As coisas que ele havia aprendido no campo de batalha ainda estavam impregnadas em seu corpo, mesmo agora depois de ter se tornado um médico empregado pela Academia.

Kimberley falou de mau humor.

— Hmph, seu médico fajuto. Eu não estou preocupada.

— É um hábito seu, um hábito.

— Hábito—?

— Você sempre faz isso quando fica irritada.

Cruel apontou para as pernas de Kimberley. Suas meias estavam rasgadas.

Aparentemente, ela estava arranhando-as com as unhas de forma inconsciente. Kimberley ficou ainda mais irritada.

— Isso significa apenas que você olha para as pernas das garotas e nada mais. O que você quer?

— O que eu quero? Que ótima maneira de me receber... É sobre o trabalho que você me encomendou.

Sorrindo amargamente, Cruel ergueu a cesta que estava segurando. Depois de abrir a tampa, um Sigmund enrolado com Charl presa ao seu corpo tornaram-se visíveis do lado de dentro.

...Ele estava certo. Charl, que tinha rejeitado veementemente a ideia de ir, tinha sido persuadida a permitir que Cruel a examinasse para determinar se a maldição havia induzido algum tipo de sintoma crítico em seu corpo.

— Ele não fez nada estranho com você, certo, Charlotte?

— Ei! Quem você pensa que eu sou!?

— Provavelmente um verdadeiro médico lolicon que não tem consideração nem mesmo por crianças.

— ...Eu não posso exatamente me defender disso, mas eu também tenho meus próprios padrões. Eu só brincaria com pacientes saudáveis!

— Elas nem sequer seriam pacientes se estivessem saudáveis.

Cruel estalou a língua. Ele tentou se acalmar novamente depois de entregar o prontuário de Charl para Kimberley.

— Eu terminei com a purificação do dragão por enquanto. A reação de Fraser também desapareceu depois que desinfetei o corpo dele com um pouco de etanol purificado. Ela está em um nível em que podemos até mesmo parar de nos preocupar com a capacidade infecciosa da maldição.

Cruel apontou para Charl desta vez.

— Apliquei um agente estabilizador de energia mágica na senhorita. Se a concentração não tiver sido ruim— bom, realmente não foi— ela certamente será capaz de usar magia sem problemas.

— Magia!? Eu não pedi a você esse tipo de tratamento—

Cruel tinha um grande sorriso cheio de significados ocultos em seu rosto.

— Eu sou um homem atencioso. Ainda bem que acabei fazendo isso, considerando a situação. Você não concorda?

— O que... você está insinuando?

— Emily, você pode ser um soldado da associação e uma professora da Academia, mas você ainda é uma jovem senhorita em primeiro lugar. Você deve saber melhor do que ninguém que a maioria das senhoritas tendem a ter um interesse por certas coisas.

— Você é muito indireto. O que você quer dizer!?

— Você sabe, como fofocar— e outras coisas.

Cruel moveu seus olhos na direção de Charl, com um olhar que lembrava o de uma criança travessa.

Charl ficou assustada a princípio, e depois ficou surpresa.

Ela havia rapidamente compreendido a intenção dele. Kimberley começou a falar logo depois de tomar sua decisão.

 

Parte 4

 

Raishin e as outras se esconderam atrás do prédio do Departamento de Ciências depois de deixarem o laboratório de Kimberley.

Ele examinou os arredores enquanto fazia Alice se sentar em um banco na esplanada.

Alguns metros à frente, os guardas passavam correndo por eles, mas— não havia necessidade de se preocuparem em serem encontrados. O Yaegasumi de Komurasaki estava exibindo seu efeito de invisibilidade sobre eles.

Embora Raishin pensasse que seria apenas uma questão de tempo até que eles o encontrassem, de qualquer forma.

Alice não disse uma única palavra. Yaya começou a falar, preocupada com ela.

— O que deveríamos fazer agora?

— Vejamos. Vocês duas vão vigiar o lugar.

— Vigiar? Com a Komurasaki?

— Fiquem atentas aos movimentos e localizações dos guardas. Se vocês virem qualquer pessoa suspeita, tragam-na até aqui.

Raishin sinalizou para as irmãs com os olhos. Yaya e Komurasaki assentiram depois de trocar olhares.

Elas então começaram a correr rapidamente em direções diferentes.

Raishin decidiu se sentar ao lado de Alice depois que os dois foram deixados sozinhos.

— Por que você está deprimida agora? Você não parece você mesma, mulher perversa.

— ...Você realmente é um tolo miserável e sem esperança. São essas as palavras que você deveria usar para falar com sua noiva?

— Noiva? Você só queria me usar como escolta.

— Talvez eu só quisesse usar você como uma isca para porcos.

— Essas certamente não são as palavras que você deveria usar com um noivo.

— ...Talvez eu já soubesse que meu pai iria se livrar de mim em algum lugar profundo dentro da minha mente. Eu não teria a necessidade de arrastar você para essa bagunça se eu confiasse completamente na Academia, para começo de conversa.

— Por que o noivado, então? Não havia necessidade de fazer isso se você só queria me usar como isca.

— Eu poderia me livrar de todas as garotas ao seu redor com a desculpa de um noivado.

— !

— Teria sido uma derrota estratégica para mim se a maldição de Charl fosse retirada com muita facilidade. A coisa mais assustadora sobre você não é seu talento ou habilidades de combate, mas sim o poder que você possui para mobilizar as pessoas ao seu redor.

Ela o estava superestimando. Independentemente disso, certamente houveram algumas coisas que vieram a mente de Raishin ao pensar no assunto.

——O fato de que alguém sempre acabava ajudando Raishin quando ele estava em apuros.

— Mesmo que de alguma forma tivéssemos removido você da Academia ou do Exército Japonês— Charlotte e aqueles irmãos ainda assim lutariam por sua causa. Foi por isso que tentei dividir todos vocês.

Raishin entendeu tudo. Foi por causa da instigação de Alice que Loki de repente quis lutar contra ele.

— E sempre há o risco de você pegar ainda mais garotas.

— Não diga isso como se eu fosse algum tipo de maníaco sexual!

Embora fosse verdade que recentemente ele conhecera Griselda.

— Mas, fazer isso faria com que a Yaya também me deixasse dessa vez. Mesmo hoje, se ela não tivesse aparecido há um tempo atrás...

— Ela ainda apareceria. E ela o fez, não foi?

— ...Você estava convencida de que ela apareceria?

— Gosto de acreditar que a entendo. Um pouco, de todo modo. A Yaya nunca vai parar de cuidar de mim, mesmo se você arrumar uma namorada ou se casar com outra pessoa.

Isso mesmo, Yaya havia dito isso. Que ela continuaria a protegê-lo em qualquer lugar e a qualquer hora, desde que a vida ainda corresse por seu corpo.

E ela manteve essa promessa hoje.

Raishin de repente sentiu a presença de alguém por perto.

Ele se sentiu tenso. Duas alunas passaram por eles enquanto conversavam amigavelmente.

As duas garotas continuaram a andar, sem notá-los. Todos os estudantes da Academia eram superiores em muitos aspectos, mas nenhuma delas tinha mostrado qualquer sinal de sentir algo estranho, mesmo estando tão perto.

Alice sorriu e comentou com admiração.

— Certamente é uma admirável habilidade furtiva. Está muito melhor do que há algum tempo atrás.

— Isso porque eu não tinha conseguido dominá-la até agora. Estamos falando de um circuito mágico criado pela grande Karyuusai— funcionou até mesmo contra um Wiseman.

— É realmente incrível. Provavelmente muito superior ao meu Brocken.

Depois de rir casualmente, Alice olhou para a própria mão. Atraído pela ação dela, Raishin também voltou seu olhar para o braço esquerdo da garota.

Ela estava sempre o escondendo com uma imagem virtual simulada, mas— Alice não tinha um braço esquerdo de verdade.

A forma em si tinha sido primorosamente trabalhada, mas a superfície ainda era inteiramente de metal. Ele exalava um brilho opaco.

— Isso mesmo... a imagem virtual perdeu o efeito graças a magia do Yaegasumi. Este é o meu corpo.

Alice levantou a saia como se quisesse mostrar algo a ele, expondo suas coxas.

— Não são apenas as partes que você pode ver. Eu não tenho um Coração de Eva, mas muitas das minhas funções cardiopulmonares dependem de dispositivos artificiais. Uma criatura viva nojenta que não pode ser nem um ser humano e nem um autômato, é isso que eu sou.

— ...Você está errada. Você é humana.

— É fácil dizer isso. Você ainda faria sexo comigo? Claro que não, certo? Você ficaria muito enojado.

— Eu faria. Se eu acidentalmente acabasse me casando com você, eu não te deixaria dormir nem uma noite sequer.

Como essas palavras teriam reverberado no peito de Alice?

Alice escondeu o rosto dele, sem olhar para Raishin por algum tempo.

— Unbreakable Machine Doll.

Isso foi o que ela disse inesperadamente, finalmente virando-se para encarar o intrigado Raishin.

— Essa foi a previsão do meu pai. “As primeiras Machine Dolls devem ser tão perfeitas quanto uma esfera”— que a primeira Machine Doll produzida deveria ser uma existência perfeita e sem falhas. De forma literal, também significaria que elas jamais seriam feridas por nada.

— Existe algo assim neste mundo? Primeiramente, Machine Dolls não são humanos artificiais? Se elas são seres humanos, então elas também deveriam ser feridas e morrer.

— Humanos, mas também autômatos. Humanos autômatos com um circuito mágico dentro.

— !

— A Alemanha tomou essa previsão como uma metáfora para uma defesa esmagadora. Foi por isso que eles desenvolveram o circuito Fragarach para chegar o mais perto possível dessa previsão— embora eles tenham apenas confundido suas prioridades. Se eles pudessem controlar as variações vetoriais perfeitamente— se não deixassem um único átomo de lado— eles poderiam criar um autômato que nunca fosse ferido. Ferir o Shin foi muito difícil, não foi?

Certamente. Shin até mesmo conseguiu suportar a alta temperatura concentrada do Cherubim mais de uma vez.

— Mas mesmo o Shin foi ferido ao enfrentar uma Setsugetsuka ou um Gram.

Era natural no caso de um Luster Cannon, que destruía a matéria em si, mas também tinha sido possível através de uma enxurrada esmagadora de golpes consecutivos, que o fizeram sofrer danos após superar a energia mágica que ele poderia manipular para se defender deles.

— E o autômato da Lua, a Yaya?

— A Yaya também só aguentaria enquanto durasse seu poder mágico. Também seria o fim se ela fosse atingida por um Luster Cannon, e na verdade, mesmo apenas com a lâmina incandescente do Cherubim—

— Mas você não sabe o que pode acontecer de agora em diante. As bonecas Karyuusai continuam evoluindo.

...Isso era verdade. Yaya possuía um certo poder oculto dentro dela. Já em muitas ocasiões, um chifre na testa de Yaya— um conglomerado de energia mágica já havia se manifestado em seu corpo.

Esse poder, desconhecido para Raishin, continuava a crescer dia após dia dentro de Yaya.

— Mas... e o coração dela?

Alice continuou falando como se estivesse em um monólogo.

— Não importa o quão poderoso fosse o corpo dela, seu coração provavelmente se machucaria se você não precisasse mais dela. Uma Machine Doll que não pode ser ferida— essa previsão incluiria o coração também?

— Por que você está dizendo essas coisas assim do nada— ei! Onde você está indo!?

Alice tentou se afastar do banco depois de se lentamente se levantar.

— Recuperar o Shin, é claro. Seria um desperdício perdê-lo. Ele é a única coisa que me resta... agora que tudo está assim.

Essa era a única forma que ela podia expressar seus sentimentos, e a única forma como aquela garota sabia lidar com as coisas.

Ficando irritado de certa forma por sua falta de jeito, Raishin suspirou pesadamente.

Depois de desfazer o efeito do Yaegasumi, Raishin propositalmente aumentou o tom de voz, para que todos ouvissem.

— Você não quer deixar o Shin ser morto, certo?

— !

— Você estava me ameaçando, me fez lutar contra o Loki, deixou a Charl impotente e afastou a Yaya e a Frey de mim. Tudo isso foi apenas para poder salvar o Shin, certo?

— ...

— Foi porque o Shin seria morto por ser um traidor que você até mesmo foi contra as intenções do Diretor e tentou interceptar a Alemanha sozinha— estou enganado?

Alice certamente não responderia.

Esse silêncio indicou suas verdadeiras intenções de uma maneira muito mais eloquente do que qualquer outra ação.

Raishin gritou irritado com Alice perto dos seus ouvidos, depois de agarrar seus ombros com ambas as mãos.

— Então por que diabos você não me pediu para te ajudar desde o começo!?

Alice torceu os lábios sarcasticamente.

— O que teria mudado se eu fizesse isso?

— Se você tivesse feito isso— eu poderia ter pego emprestada a força dessas pessoas desde o começo.

Raishin apontou sua própria mandíbula para trás, depois de virar Alice para o seu lado.

A cor do rosto de Alice mudou depois que ela viu as pessoas que estavam atrás de Raishin.

Uma pequena Charl em cima de Sigmund.

Loki acompanhado de seu autômato mecânico, Cherubim. Frey, acompanhada por Rabi e Yaya.

Cada um deles tinha sido trazido pela vigilância de Yaya, exatamente como Raishin havia instruído.

Alice ficou atordoada por um instante, e desviou o olhar depois de um tempo, surpresa.

Charl voou em cima de Sigmund até ficar diante do nariz de Alice, falando com um tom de voz frio.

— Então você é novamente a culpada por tudo isso.

Charl declarou indignada, de braços cruzados.

— Eu sabia que era estranho. Este idiota inferior não poderia ser o noivo de uma princesa como a Olga, mesmo que o céu e a terra trocassem de lugar!

— Não envolva a natureza aqui! Não teria nada de errado se eu tivesse uma noiva ou duas!

— Duas seria estranho! Infidelidade!

— Não se prenda a essa parte! Foi apenas uma forma retórica de dizer!

— Você realmente é o rei dos tolos abandonados. O Deus absolutamente idiota do tempo e do espaço. Mesmo que você estivesse se saindo tão bem na Festa Noturna, mais uma vez você enfiou seu pescoço em algo perigoso!

— Eu fui envolvido a força... você já sabe o que aconteceu?

— Kimberley-sen— não, eu escutei um rumor por aí.

Entendo. A Kimberley-sensei a informou sobre a situação.

Mesmo que ela não pudesse ajudar diretamente— ao menos ela poderia espalhar algum tipo de rumor sobre o assunto.

— Como estudante de honra que eu sou, não tenho outra escolha senão oferecer meu apoio. Esteja grato!

Alice interrompeu a conversa sem pensar, estupefata com a situação à sua frente.

— Você já esqueceu o que eu fiz com você? O que eu fiz com você e sua irmã?

— Eu lembro. Para ser honesta, eu gostaria de me vingar agora mesmo com um Luster Cannon.

— Então... por que você não faz isso?

— Você terá que ter um autômato ao seu lado para te proteger quando estiver prestes a ser morta.

Alice ficou sem palavras. Charl continuou falando rapidamente depois, sentindo-se envergonhada.

— ...I-isso é apenas um capricho meu! Apenas deixe-se ser salva como a perdedora que você é. Além disso, eu não vou ser capaz de desfazer minha maldição se não te ajudar? Eu tenho uma montanha de coisas para perguntar a você? Coisas sobre o meu pai? Coisas sobre a minha mãe?

— Charl. Seu modo de falar está totalmente anormal.

— Ca-ca-calado, Sigmund! Eu vou trocar seu frango do almoço por leite quente!

— ...E Imperador da Espada-kun? Por que você veio aqui?

Desta vez, ela dirigiu a pergunta a Loki.

Os olhos vermelhos de Loki, que apenas faziam com que Alice sentisse uma sede de sangue, refletiram seu rosto.

— É verdade que... o Rosa Adamantina veio para este lugar?

Rosas que nunca murcham. O código de registro de Rosenberg na Festa Noturna.

Raishin assentiu no lugar de Alice.

— Eu o vi. O líder daqueles caras era certamente o Rosenberg.

— Então eu tenho uma razão para lutar. Isso não tem nada a ver com você.

— ...Você vai ajudar o Raishin? Vocês dois não estavam se enfrentando?

— Hmph, eu jamais levaria aquela sua provocação ridícula a sério.

Loki sorriu como se a ridicularizasse.

Raishin explicou para Alice, que ficou em silêncio.

— Se você está falando sobre ontem à noite, o Loki não queria realmente lutar comigo.

Aparentemente essas palavras surpreenderam não apenas Alice, mas também Yaya e Frey.

Foco dos olhares de todos os presentes, Loki explicou incomodado.

— A infiltração de certas pessoas estranhas na Academia—

Loki apontou para Rabi, que estava ao lado de Frey.

— Os Garms já tinham sentido o cheiro deles. Mas por alguma razão, os guardas os ignoraram— e foi por isso que eu pude ver que aquele contato de Olga comigo também era parte da instigação dessas pessoas. Se eu fingisse me mover como Olga queria, eu poderia atrair a atenção deles para longe de mim.

— Você nos fez baixar a guarda com você, desviando nossa atenção enquanto examinava as circunstâncias...?

Raishin sorriu fracamente.

— Nós dois somos pessoas realistas, afinal. Não havia razão para lutarmos entre nós se pudéssemos chegar até o Magnus com facilidade. Eu ainda tenho algum uso para ele. Não havia motivos para me eliminar.

— ...Então vocês dois estão unidos por uma forte confiança mútua. Vocês com certeza são grandes amigos.

— Não é nada disso!

— Não é nada disso!

Foi uma resposta com uma harmonia admirável. Charl rapidamente ficou vermelha, começando a respirar de modo estranho por algum motivo.

— E a irmã do Imperador da Espada-kun também?

Frey assentiu de um jeito cansado. Seus olhos estavam cheios de determinação e espírito de luta. Ela não se parecia com sua antiga versão assustada, e estava declarando sua intenção de participar como uma marionetista individual.

— Incrível... então vocês são todos idiotas. Tentando ajudar... uma pessoa que já foi sua inimiga.

Raishin não pôde deixar de notar como Alice rapidamente limpou o canto dos olhos enquanto falava daquela maneira frívola.

Da mesma forma, uma emoção calorosa encheu o peito de Raishin.

Os amigos contra quem ele eventualmente teria que lutar algum dia— Raishin pensou que eles não poderiam parecer mais confiáveis para ele do que agora, do fundo de seu coração.

— Vamos nessa, então—

— Não.

A voz fria que invadiu o lugar jogou um balde de água fria no entusiasmo de Raishin.

Uma mulher fascinante surgiu das profundezas dos bosques, trazendo consigo um cheiro de gardênia.

A mulher era seguida por Irori e Komurasaki—

— Shouko-san...!

A valiosa artesã de marionetes e orgulho do Japão, Karyuusai Shouko. Komurasaki estava desajeitadamente forçando um sorriso ao seu lado.

Aparentemente, sua vigilância acabou chegando até Shouko.

Shouko estava olhando para Raishin com uma expressão severa que lembrava muito o Monte Fuji no inverno.

— Eu não te disse antes? Você pretende puxar o gatilho de uma Guerra Mundial?

— ...Na verdade, não. As circunstâncias são diferentes de antes. A Alemanha e a Academia são aliadas desta vez. A Rússia não pode fazer nada imprudente por conta própria.

— É verdade, a Academia está tomando parte nos planos da Alemanha— você não consegue entender o significado disso?

— ...O que você quer dizer?

— Penúltimo, você será eliminado se for até lá. Se sobreviver, você irá perder seus registros acadêmicos.

As palavras que saíam da boca dela eram similares a uma pequena lâmina. Uma lâmina que pegou Raishin completamente de surpresa e o perfurou no peito.

Todos os presentes ficaram surpresos. Loki e Charl, e até mesmo Irori.

— Por que você veio para este país estrangeiro em primeiro lugar? Se você quer ajudar essa garota, nós podemos conceder asilo a ela. Você deve ser capaz de discernir quando é adequado abandonar um único autômato.

Shouko falou em reprovação.

No entanto, em algum lugar em seu tom de voz— ela também parecia um pouco resignada.

E assim como ela esperava, Raishin nem hesitou.

— Eles têm todo o direito de querer reaver o Shin, isso não é algo pelo qual eu possa reclamar. O problema é que aqueles caras não querem apenas recuperá-lo, mas também planejam matá-lo.

— E por que isso importa?

— Ei, Alice. O Shin me odeia, certo?

Uma pergunta exorbitante. Alice parecia confusa, mas assentiu em resposta.

— Ele disse que gostaria de desmembrar você.

— Esse mesmo Shin usou as palavras “por favor” comigo.

Raishin ergueu o rosto triunfante, olhando diretamente para Shouko, que estava diante dele.

— Ele me disse para, por favor, proteger a senhora dele em seu lugar. Ele me disse para proteger sua mestra, desconsiderando completamente a própria vida— eu gosto desse tipo de ser humano.

Seus olhos colidiram. O olhar poderoso de Shouko e o olhar direto de Raishin.

O rosto severamente rígido de Shouko de repente relaxou.

— ...E agora você até mesmo aprendeu a usar palavras matadoras.

Shouko havia falado com um tom muito baixo. Ela ignorou a confusão de Raishin enquanto continuava com suas palavras.

— Eu já o conhecia bem, mas, aparentemente, tudo o que eu disser será inútil com esse garoto rebelde.

— Afinal, dizem que não há remédios para estupidez.

— Você é muito vaidoso, jovem. Você acha que é um Deus agora? Você acredita que, se assim o desejar e desde que pague com o seu sangue, você pode destruir qualquer tipo de dificuldade que enfrente?

— Isso não é verdade. É só que...

— Você pensa assim. Mas— essa presunção certamente também foi capaz de mudar o destino de muitos.

Shouko moveu seus olhos para Charl, Frey, Loki e Yaya, nessa ordem.

Como eles teriam recebido essas palavras?

Todos tinham uma expressão séria em seus rostos enquanto olhavam na direção de Shouko com olhos determinados.

Voltando seu olhar novamente para Raishin, Shouko mencionou uma última coisa, como se estivesse lhe dando um aviso final.

— Nós não saberemos o que a Academia fará. Tenha muito cuidado.

— Nós vamos conseguir de algum modo. Eu— não, ninguém mais será capaz de nos derrotar tão facilmente.

— É isso que estou te dizendo que é ser vaidoso. Mas eu acho... que não é necessariamente o mesmo que ser orgulhoso.

Shouko sorriu levemente. Raishin assentiu em resposta.

— Vai ficar tudo bem. Além disso, você não precisa se preocupar com uma guerra mundial ou ter quaisquer registros acadêmicos apagados. Nós temos uma estrategista deturpada do nosso lado, alguém que gosta mais de enganar os outros do que de saborear suas três refeições diárias.

Raishin tocou o ombro de Alice depois de se virar na direção dela.

— Você vai conseguir de algum jeito, certo? Antecipar qualquer coisa que o Diretor possa fazer, encurralar aqueles caras e, além de reaver o Shin, silenciar a Alemanha— Você pode criar um método assim tão ideal.

Alice baixou o olhar para o chão, incapaz de controlar suas emoções, mordendo os lábios e tremendo.

Ela então ergueu o rosto, exibindo seu característico sorriso sarcástico.

— Essa é uma pergunta tola, Raishin. Quem você pensa que eu sou?

— Mas como podemos fazer isso? Existe alguma forma de evitar uma guerra mundial?

— Existe. Faremos uso do seu gatilho.

Alice olhou para o centro da Academia, para o bloco onde se localizavam as principais instalações.

Havia uma enorme estrutura retangular, semelhante a uma lápide, erguida naquele local.

A chave para escapar desta situação desesperadora estava lá dentro—



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