Volume 3

Prólogo: O Triste Dragão

— Diga a verdade, Raishin! Você realmente odeia a Yaya tanto assim!?

A enfermeira Yaya estava chorando enquanto avançava.

Raishin movia-se para trás em sua cama e falava com os olhos semicerrados.

— Antes que eu te responda, primeiro jogue fora essa seringa gigantesca.

— Is- Isso é uma ferramenta necessária para sugar seus verdadeiros sentimentos.

— Isso não passa de coerção! Você apenas quer me obrigar a dizer o que você quer ouvir!

Este era o primeiro andar da Faculdade de Medicina. Ao lado do Consultório, havia uma Enfermaria para os estudantes.

Feridos na batalha do outro dia, tanto ele quanto Loki haviam sido admitidos na Enfermaria. No momento, Loki estava na cama ao lado da de Raishin, lendo um livro grosso sobre artes mágicas com uma expressão azeda no rosto.

Talvez ela pensasse que aquilo que Raishin havia dito fizesse sentido, pois Yaya jogou a seringa gigante para o lado.

Raishin suspirou aliviado e, em seguida, coçou a cabeça com força.

— Bem, não é como se eu odiasse você ou nada assim.

— Isso quer dizer que você gosta de mim, certo? Você ama profundamente a Yaya, certo?

Yaya estava lentamente avançando na cama. Ela estava mordendo seus lábios brilhantes, seus olhos estavam úmidos e suas bochechas estavam ligeiramente coradas devido a paixão. Ela olhava profundamente para Raishin.

No momento, ela estava próxima o bastante para que ele sentisse o calor do corpo dela. Um odor suave e delicado emanava dela. Raishin começou a se sentir zonzo, mas conseguiu manter o controle sobre seus sentidos e empurrou Yaya para longe.

— Pare com isso. Lembre-se, por que nós cruzamos os vastos oceanos, vindos do outro lado do planeta? Foi para passear? Uma lua de mel?

— Bem...

— Nós temos um trabalho a fazer, uma missão que temos que concluir a qualquer custo. Este não é o momento e nem o lugar para falar ou mergulhar em uma paixão.

Era um argumento razoável. Yaya hesitou, sentindo-se desapontada.

Raishin suspirou, passando a mão na cabeça de Yaya.

— Eu não odeio você e penso em você como uma parceira importante. Isso já não é o bastante?

— Ab- Absolutamente não é o bastante.

— Não me dê esse tipo de resposta negativa assim tão depressa! Eu usei toda a bondade no meu coração para chegar a isso!

Yaya irrompeu em lágrimas.

— A Yaya deu o seu melhor para preparar seus avanços e tentou usar todos os caminhos e formas de tentação, mas não há o menor sinal de que o Raishin tenha sido tentado... a Yaya realmente não tem nenhum charme?

— Antes que eu comente sobre o seu “charme”, considere o fato de que estamos em uma Enfermaria, ok? Este é um espaço público, tudo bem? Se você começar a agir de forma estranha em um lugar como este, tenho certeza de será uma violação da ética moral.

— Desde que o amor entre nós exista, isso é algo que pode ser facilmente superado!

— Não descarte a ética assim tão facilmente! Antes de falar de amor, primeiro vá aprender algum senso comum!

Parecia que ela estava ficando cansada de toda a conversa. Yaya estava de joelhos e lentamente deslizava em direção a Raishin.

Havia um brilho nos olhos dela, como se ela fosse um gato que havia acabado de encurralar um rato — ou mais precisamente, como o de um tigre.

Por outro lado, o corpo dele ainda estava ferido. Se ele tivesse que enfrentar uma disputa de força bruta, cada um dos possíveis resultados nos quais ele podia pensar seriam desfavoráveis a ele.

Nada bom. Se ao menos houvesse um salvador em algum lugar...

— Ah, Irori! Bem na hora!

— Eh!? Onee-sama!?

Nervosamente engolindo em seco devido a culpa, Yaya de forma afobada se virou.

Entretanto, não havia ninguém esperando sob a porta.

Momentaneamente, ela sentiu-se aliviada. Virando lentamente a cabeça para trás, a visão de uma cama vazia a cumprimentou.

Uma brisa fria soprava pela janela aberta, fazendo com que as cortinas balançassem.

Lágrimas começaram a rolar pelo rosto de Yaya.

— Ele fugiu!

(Poxa, a Yaya pode ser um incômodo às vezes...)

Um pouco farto, Raishin inclinou-se contra o encosto de um banco, tentando recuperar seu fôlego.

Ele estava no telhado da Faculdade de Medicina. Sob o céu azul e limpo, lençóis e uniformes brancos estavam balançando, criando um contraste tão grande que chegava a machucar os olhos apenas por ficar olhando.

Ele tinha saltado pela janela e fugido temporariamente, mas quase imediatamente depois ele voltou para o prédio da Faculdade de Medicina e escapou para o telhado. Em princípio, idiotas que foram admitidos na Enfermaria não tinham permissão para passear do lado de fora.

(Isso tem acontecido há vários dias, hum... Yaya agindo como uma garota mimada...)

Ele estava hospitalizado há dez dias. Durante os cinco primeiros dias, em contraste com seu comportamento atual, Yaya tinha estado com o melhor dos humores.

O ponto de virada havia sido o sexto dia, quando Frey veio para uma visita.

Desde aquele dia, Frey passara a levar o almoço para ele todos os dias. Mesmo que ela tivesse aulas pela manhã e estivesse ocupada com a Festa Noturna a noite, ela continuava fielmente a levar o almoço. Era como uma obediente esposa visitando seu marido.

(Bem, não é como se nós estivéssemos tendo algum tipo de relação amorosa, é mais como se ela apenas tivesse um forte sentimento de obrigação em relação a mim, eu acho...)

Deixando escapar um suspiro, ele deitou no banco. Uma sombra passou sobre sua cabeça.

Pensando que a sombra lembrava a forma familiar de um pequeno dragão, ele rapidamente sentou-se.

— ...apenas um pássaro, hum?

A asa branca voando pertencia a uma pomba. Não era nada parecida com Sigmund.

(Isso me lembra. Eu não tenho visto ela por aí ultimamente.)

A Mestre de Sigmund, Charlotte Belew.

Alguém que, como Raishin, tinha poucos amigos e por isso eles tinham ficado próximos... embora, na melhor das hipóteses, ainda fosse questionável se ele poderia continuar a dizer que ela era sua amiga.

“Você é realmente, realmente um idiota maior que o Big Ben! ”

Dez dias atrás, pouco antes de Raishin partir em sua imprudente excursão, Charl havia gritado isso para ele e saído correndo, aparentemente com lágrimas em seus olhos. Desde então, ela não havia ido visitá-lo nem mesmo uma vez.

Era possível que ele a tivesse deixado com raiva?

(Isso seria ruim... hum?)

Olhando na direção das folhas esvoaçantes, uma pessoa de pé na beira do telhado chamou sua atenção.

Raishin, que por um momento, a confundiu com uma outra.

(Charl...?)

Não, aquela não era ela. Charl tinha um cabelo dourado que brilhava sob a luz. A garota no telhado tinha cabelo loiro pálido ao invés disso. O modo como ela usava a boina também era muito diferente, voltado para baixo para cobrir seus olhos de um modo bastante antiquado.

A garota não havia notado a presença de Raishin e estava olhando para a Torre do Relógio.

A Torre do Relógio estava generosamente decorada. Flores adornavam a Torre até onde suas hastes podiam alcançar e várias bandeiras tremulavam ao vento. Se ele prestasse atenção, podia escutar o som fraco de uma banda tocando.

Agora que ele parava para pensar nisso, supostamente iria acontecer uma Cerimônia Memorial para comemorar o centenário da construção da Torre do Relógio, ou pelo menos era isso que ele tinha escutado.

A garota colocou as mãos sobre o parapeito.

Fosse devido a sua leitura da situação ou devido a algum tipo de intuição, os sinos de alarme começaram a soar na cabeça de Raishin.

Nada bom, ele pensou. A essa altura seu corpo já havia entrado em ação. Raishin correu com suas pernas, das quais haviam acabado de retirar o gesso. Enquanto isso, a garota subiu no parapeito com um só impulso.

Assim como ele previu, ela subiu no parapeito e lançou seu corpo no espaço vazio diante dela.

Raishin se lançou sobre o parapeito, perseguindo a garota sem nenhuma hesitação ou plano.

Agarrando o braço dela no meio do ar, ele se segurou no parapeito com a mão livre.

Ele sentiu um súbito aumento de peso. Uma dor aguda percorreu sua clavícula direita, fazendo com que ele, involuntariamente, perdesse um pouco da aderência. Sua mão começou a escorregar do parapeito com velocidade, pois o excesso de peso puxava Raishin para baixo. O telhado estava a seis andares de altura. Diretamente abaixo deles estava o terraço de pedra. Se eles caíssem diretamente, não sairiam com apenas ferimentos leves!

— Yaya! Venha a mim!

Rezando, ele chamou o nome de sua parceira. Obviamente, não havia como sua voz chegar até ela. Entretanto...

O pensamento por trás disso, chegou.

Com um estrondo, uma janela no primeiro andar quebrou e uma sombra negra surgiu através dela.

Uma escura e fantasmagórica aura parecia estar emanando da coisa que saiu pela janela. Era uma garota de cabelo preto.

Um pequeno chifre, que brilhava como se fosse feito de diamante, estava saindo de sua testa.

(Yaya...!? O que é esse chifre...!?)

Não, isso não era importante agora. Raishin engoliu as palavras que estavam para sair de sua boca e estendeu a mão direita para sua parceira.

Ele concentrou sua energia mágica. Todo o corpo de Yaya foi preenchido com o poder. Aproximando-se da parede, ela gentilmente segurou a mão de Raishin, travando sua queda. Ao mesmo tempo, ela cravou seus dedos na parede, forçando-os a desacelerar.

Um som de destruição pode ser ouvido enquanto os dedos de Yaya arrancavam pedaços da parede a medida em que eles desciam.

E então, com um baque suave, eles finalmente pousaram.

— Obrigado, Yaya. Você salvou...

— O Raishin é um idiota! Por que você faria algo tão imprudente quanto isso!?

No momento em que ele abriu a boca, foi repreendido.

O chifre na testa dela estava desaparecendo. Em seu lugar, os olhos dela estavam cheios de lágrimas.

— ...eu não pude fazer nada. Essa aqui saltou do telhado do nada.

A situação era estranha. Raishin virou o rosto, como se estivesse tentando escapar e notou algo incomum.

Todo o corpo da garota que ele estava segurando estava tremendo.

— Ei, tudo bem com você? Você está ferida em algum lu...

— Nããããã!! Um homem!!

Ela, de repente, o empurrou.

Por estar despreparado para este súbito ataque, Raishin não pode reagir e acabou caindo para trás.

A garota se escondeu atrás de alguns arbustos, e espiava por eles com medo. Como Raishin pensava, o rosto da garota realmente lembrava o de Charl, mas aquela expressão assustada no rosto dela não lembrava em nada a de Charl.

— Por que você fez isso assim do nada!?

A garota levantou-se em estado de choque. Puxando a boina para baixo com ambas as mãos, ela o usou para cobrir o rosto.

— Desculpe! Desculpe! Desculpe! Desculpe! Desculpe!

— Ah, não, eu não estou bravo com você nem nada do tipo. O que aconteceu com você? Você está ferida em algum lugar?

— Por que você está perguntando se ela está se sentindo bem, Raishin?

A voz fria de Yaya cortou o ar. Raishin a ignorou e andou até onde a garota estava.

— Ei, você é uma suicida ou algo assim? Por que você saltou do telhado daquele jeito?

A garota segurou sua boina com firmeza enquanto lentamente se afastava. E então...

— Ir- Irracional.

— Hum?

— Sua interferência, homem desagradável, me atrapalhou! Por que você tinha que me salvar...!?

Enquanto chorava, a garota começou a culpar Raishin.

— Tome a responsabilidade por isso! Compense-me!

— Responsabilidade... bem, mesmo que você diga isso...

— Mate-me! Se você não vai fazer isso, ao menos suje-me!

— O que seria “sujar” você?

— Apenas siga seus desejos carnais e viole-me! Eu já não me importo mais com isso, então, por favor, faça como desejar! Deixe vazar toda essa luxúria!

— Até parece que eu faria isso! Que tipo de pessoa você acha que eu sou!?

Aquela conversa deu um novo ânimo em sua parceira e Yaya sorriu como um demônio assassino.

— Você a ouviu, Raishin. Vamos sujar essa vadia.

— Você não precisa dizer o mesmo que ela!

Naquele momento, a garota saltou para fora dos arbustos e saiu correndo enquanto ainda chorava.

— Ah, ei! Espere!

A garota não estava correndo particularmente depressa. Na velocidade em que ela estava, ele poderia facilmente alcançá-la. Entretanto...

O estrondo no chão significava que um misterioso terremoto estava acontecendo e os pés de Raishin ficaram enraizados no chão.

Yaya estava fungando enquanto avançava lentamente em sua direção.

— Uma vez que você foi cativado por ela, você estava prestes a sujá-la, não estava... enquanto seguia seus instintos carnais, você estava deixando vazar toda a sua luxúria...

— O qu... não! Como se algo assim fosse mesmo acontecer! Leia a atmosfera, Yaya!

— Mesmo que você continue ignorando as investidas da Yaya... quando aquela vadia provocou você, você...!

Não houve tempo para acalmá-la. Yaya voou na direção de Raishin, agarrando o pescoço dele com as duas mãos.

Sua insatisfação concentrada veio à tona, pois Yaya estava usando mais força que de costume. Sua traqueia estava sendo comprimida e o fluxo de sangue para o cérebro foi interrompido. A consciência dele estava rapidamente desaparecendo—

Um grande rugido pode ser ouvido.

Yaya foi surpreendida e largou Raishin. Raishin abriu os olhos enquanto tossia e recuperava o fôlego, apenas para ver que o céu acima dele havia sido dividido em dois.

Uma brilhante e deslumbrante luz estava atacando a Torre do Relógio. Como se fosse manteiga em uma frigideira, a Torre do Relógio rapidamente começou a se desintegrar, fazendo com que a terra voltasse a tremer levemente.

Era como olhar para a Torre Inclinada de Piza. Não, era ainda pior. A Torre do Relógio estava inclinada em um ângulo muito maior.

A Torre do Relógio era um símbolo da Academia Real de Maquinagem, Walpurgis. Com uma centena de anos de história, ela agora estava sendo transformada em um pó tão fino que parecia névoa. Era como se ela estivesse se desintegrando muito rapidamente.

Os participantes da Cerimônia começaram a fugir. A nuvem de poeira começou a envolver o céu diante de seus olhos, engolindo Raishin e Yaya.

Com a poeira piorando a visibilidade, por um breve segundo, algo pode ser visto fracamente.

Era uma silhueta flutuando. Com um cabelo dourado balançando, montada em cima de um dragão cor de aço, a figura calmamente observava a carnificina que havia sido iniciada por ela mesma.

Trazendo a mente a imagem dos Cavaleiros do Dragão das lendas, ela era tanto solene quanto bela. A sombra era—

— Charl...!?



Comentários