Volume 1
Capítulo 5: Desde o começo do começo
Em meio à neve que caía, as duas se destacavam com suas cores vivas.
Uma mulher encantadoramente voluptuosa, e uma bela jovem.
Ambas usavam quimonos sedutores. A garota estava segurando um guarda-chuva, para proteger a mulher da neve.
A primeira vista, pareciam irmãs. A mulher era como uma linda rosa e a garota como um crisântemo— elegantes, existiam muitas diferenças entre elas, mas suas feições eram semelhantes.
— É isso, não é?
Chegando a uma determinada propriedade, elas atravessaram o portão enegrecido.
Parecia ter ocorrido um incêndio. A propriedade havia sido devastada por ele, tornando-se apenas uma sombra do que já havia sido. O cheiro de queimado impregnava o lugar e o chão estava coberto por uma fina camada de fuligem.
No meio de tudo isso, havia um garoto solitário.
O frio no ar era suficiente para cortar a carne nua, mas o garoto estava despido da cintura para cima, fazendo gestos com os dedos, como um eremita da montanha. Um pergaminho de aparência antiga estava aberto diante dele enquanto ele concentrava sua energia mágica e a despejava na marionete a sua frente.
Trêmulo, como um recém-nascido aprendendo a andar pela primeira vez, a marionete deu passos cambaleantes para frente.
O garoto estava controlando o movimento da marionete. Todo o seu corpo estava encharcado de suor. Ele estava tão concentrado que parecia que ia estourar uma veia, mas desproporcionalmente aos seus esforços, a marionete moveu-se apenas um pouco.
Com raiva e respiração irregular, ele cerrou os dentes com força o suficiente para quebrá-los enquanto socava o chão, irritado.
Seu rosto parecia horrível. Suas bochechas estavam ocas e seus olhos fundos. No entanto, suas pupilas brilhavam com uma forte luz, fazendo com que ele parecesse medonho. Parecia que ele estava prestes a morrer a qualquer momento.
O garoto olhou para o pergaminho com os olhos avermelhados, antes de fazer os movimentos mais uma vez. Ele começou a armazenar energia em um ponto abaixo do umbigo, e então—
Ele vomitou sangue com uma tosse terrível.
Atormentado com a tosse, ele caiu de costas e parou de se mover.
—Esse era o momento adequado. A mulher saiu de debaixo do guarda-chuva que a jovem estava segurando, e caminhou em direção ao garoto.
— Esse foi um bom esforço, garoto.
— ... Eu não sou um ‘garoto’.
O garoto respondeu com uma voz rouca. Ele ainda estava consciente. Sua resistência física era surpreendente.
— É verdade. Você possui um nome, e ele é Raishin.
Um olhar cauteloso penetrou em seus olhos. A mulher deu uma risada zombeteira.
— Eu sei muito sobre você, garoto. Você é o único sobrevivente do clã Akabane.
— ... Quem é você?
— Você não é muito aplicado, não é garoto? Você nasceu em uma casa de marionetistas, mas mesmo assim não sabe quem sou eu.
Virando-se para a jovem, ela acenou para ela.
A garota pareceu entender o que fazer. Sem qualquer instrução específica da mulher, ela parou diante do garoto, virou-se de costas e tirou o quimono.
O garoto se assustou, mas ele já não tinha mais forças para cobrir os olhos.
A pele da garota era de uma beleza rara. Sem nenhuma marca ou defeito de pele, ela era como um bom campo de neve.
No canto inferior esquerdo de suas belas costas, acima de seu quadril, havia uma inscrição que havia sido entalhada nela.
Lia-se Karyuusai.
Esse nome era conhecido em todo o mundo. Mesmo o alto escalão das Forças Armadas a reconhecia como a artesã mais promissora de sua geração.
Então— Essa garota é um autômato?
Os olhos do garoto arregalaram-se. Ele ficou chocado com a vivacidade de sua pele. A sensação que ela passava era exatamente a mesma que a de um ser humano.
— Ela é bonita, não é? Este é um dos membros do trio Setsugetsuka, Yaya da Lua.
— ...!?
Ela já havia ouvido falar de sua existência anteriormente, o tesouro de Karyuusai, as Setsugetsukas.
Elas nunca haviam sido reveladas ao mundo até então. Não importava o quanto rica fosse a garota, ela jamais poderia possuir uma.
Portanto, atualmente, a única pessoa que poderia ter a posse das Setsugetsukas era o próprio criador das mesmas.
Seu sangue, espalhado pelo rosto, se contorceu quando ele soltou uma risada fraca.
— Você tem que estar brincando comigo... Karyuusai é... um bêbado gordo, que adora mulheres e que se entrega descontroladamente aos prazeres da vida...
— Oh, então você me conhece depois de tudo. Sim, é tudo verdade. Eu amo vinho, mulheres e música.
— Isso quer dizer que foi você... que criou a Guarda Imperial... Oborofuji...
A mulher virou a cabeça, como se o assunto fosse tedioso, e falou com um tom de voz estranhamente deprimido.
— Aquela coisa foi um erro.
— Um erro...!? Aquele monstro... que mudou... completamente a paisagem do campo de treinamento em Fuji?
— Ele não era nada bonito.
O garoto ficou sem fala. A mulher continuou a falar.
— Neste mundo fugaz, no entanto, nada é inútil— graças a este fracasso, minha fama cresceu significativamente. Acho que você poderia dizer que eu sou uma celebridade agora. E eu possuo influência sobre a alta hierarquia do Exército.
Ela riu violentamente. E olhou nos olhos do garoto.
— Influência o bastante para conceder o seu desejo, garoto.
— Meu... desejo...?
— Sim. Eu posso ajudá-lo a encontrar a pessoa que você odeia tanto a ponto de querer matá-la.
— ...
— Para ir contra ele, eu irei até mesmo te emprestar o melhor autômato do mundo.
O garoto moveu suas pupilas horizontalmente, permitindo que seu olhar recaísse sobre a bela garota que estava ao lado da mulher.
Se as Setsugetsukas fossem mesmo tudo o que os rumores diziam ser, então poderia ser possível—
— Diga, garoto. Torne-se meu.
Era um olhar penetrante. A mulher, leve e gentilmente, tocou o rosto do garoto.
O corpo do garoto ficou tenso. Era como se um animal feroz estivesse olhando para ele.
O que surgiu nos olhos do garoto foi a mesma emoção que sentimos ao encarar algo totalmente desconhecido: medo instintivo.
Entretanto, ao mesmo tempo, ele estava encantado por ela.
Toda a intensidade de sua existência o cativou, sendo tanto um veneno quanto o antídoto para o mesmo.
— A estrada diante de você divide-se em dois caminhos, garoto. Você pode congelar até a morte aqui, ou você pode—Raishin encarou a visitante inesperada, mudo diante de seu súbito aparecimento.
Não havia maneiras de ele estar enganado. Sua beleza fascinante era exatamente a mesma de quando ela havia aparecido para ele pela primeira vez, há dois anos. Em nada inferior as marionetes que ela criava, ela era tão deslumbrante quanto qualquer uma delas. Além disso, os voluptuosos seios que haviam hipnotizado Raishin estavam tão sensuais como sempre.
Como naquela noite, hoje também havia uma bela jovem acompanhando-a. Seu rosto lembrava o de Yaya, mas seu cabelo era prateado e seu olhar era mais digno. Além disso, era mais alta também.
— Shouko, por que você...
Ela pôs seu dedo sobre meus lábios.
— Raishin. Tem algo errado?
A chefe do dormitório olhou para fora de seu escritório com uma expressão de dúvida em seu rosto. Raishin pensou ‘oh merda’, mas conseguiu dizer:
— Nada. Está tudo bem.
A cabeça da chefe do dormitório retornou para dentro do escritório.
—Ela não pode vê-las?
— Vamos para o seu quarto.
Shouko sussurrou em seu ouvido. O leve cheiro de seu perfume de jasmim levou a chefe do dormitório a franzir a testa, desconfiada, mas mesmo em seus mais profundos sonhos, ela não poderia imaginar que havia uma beleza inigualável parada ali.
A arte mágica de esconder sua presença. Isso era algo em que a autômato irmã de Yaya era bastante hábil.
Tendo entendido a situação, Raishin fingiu um certo ar de ignorância para a chefe do dormitório enquanto se retirava para o seu quarto.
Se ele fosse honesto, porém, tudo o que ele queria fazer naquele momento era sair a procura de Charl, mas uma vez que Shouko havia saído de seu caminho apenas para visitá-lo, ela não era uma pessoa que pudesse ser ignorada.
Voltando para o quarto, Yaya mal havia pulado em sua direção quando ela parou devido à surpresa.
— Shouko!
Shouko olhou para ela como uma mãe olharia para um filho.
— Você parece bastante enérgica, Yaya.
— Sim. As funções de Yaya estão perfeitamente normais.
— Se você está perfeitamente normal, por que existem traços de lágrimas em seu rosto?
Alguém a cortou abruptamente. A bonita jovem que caminhava atrás de Shouko repreendeu Yaya.
Yaya deu um passo para trás, exibindo plenamente sua cautela.
— ... Desde quando você está aqui, Irori nee-sama?
— Oh? Você está num ponto em que nem mesmo consegue contar o número de visitantes? Ou será que seus olhos estão com problemas? Eles estão aí apenas como enfeites?
— Isso foi apenas sarcasmo. Yaya está completamente focada.
— Com uma atitude assim, com certeza você só tem causado problemas ao Raishin, não é mesmo?
— I-isso não é verdade...
— Então você não tem tido desilusões com o Raishin e ficado ressentida com ele, queimado de ciúmes por causa de suas suspeitas equivocadas, chorado, perdido a compostura e tido acessos violentos de raiva ciumenta?
— Na-na-na-na-não, eu na-na-na-na-não.
— Realmente, você deveria aprender com Komurasaki. Ela não se queixa por ter que executar tarefas simples, não se deixa levar por delírios de amor e apenas trabalha duro para cumprir com o seu dever. Em primeiro lugar, você—
— Uu... nee-sama é sempre tão má comigo...
Ignorando as duas irmãs, Raishin puxou uma cadeira para Shouko e serviu-lhe um pouco de chá.
— Então Shouko, por que você está na Academia?
É desnecessário dizer que a segurança da Academia era bastante rigorosa. Entrar escondida com um autômato era uma coisa perigosa de se fazer. Mesmo que se diga ‘entrar escondida’, ela estava coberta por uma arte mágica que eliminava sua presença.
— Eu não podia ficar parada, pois estava preocupada com você, garoto.
Ela olhou para ele com olhos sedutores. Seus seios estavam pressionados um contra o outro e a parte posterior de seu pescoço estava perigosamente visível, levando Raishin a segurar seu nariz.
A fria intenção assassina de Yaya vagava atrás dele, fazendo seu sangue gelar.
— Não me provoque dessa forma! Há uma razão legítima para você estar aqui, certo?
— O Canibal Candy pode vir a ser um oponente mais problemático do que nós pensávamos.
— ...!
Parecia que ela tinha obtido a posse de novas informações. Instintivamente sentando-se um pouco mais reto, Raishin esperou até que ela continuasse. No entanto, Shouko tomou um longo gole de chá, e mudou de assunto, irritando-o.
— Essa foi uma ação extremamente imprudente, garoto. Ouvi que você entrou em uma disputa contra outros dez autômatos.
— ... Era um contra um no começo.
— E então você acabou sem destruir nenhum.
— Eu destruí alguns. Metade foi obra da Charl, mas no fim, os dez acabaram como sucata.
A lente escondida sob o tapa-olho brilhou. Ele sentiu o olho movimentando-se em sua direção como se estivesse dentro de um buraco profundo, e percebeu que havia parado no meio do caminho.
— Não entenda errado, garoto. Marionetes não são humanos.
Aquelas foram palavras afiadas. Os ombros de Yaya endureceram com o comentário cortante.
— Sua ingenuidade beira a arrogância. Até que seu coração pare, um autômato não irá morrer. Seus atos de compaixão um dia poderão voltar
como uma facada nas suas costas. A ambição que você tem não é tão simples a ponto de você alcançá-la sem que tenha que sujar suas mãos. Pegue este sentimentalismo e o atire nas profundezas da Terra.
— ... Eu não posso seguir essa ordem.
Ele sabia que estava sendo infantil, mas mesmo assim Raishin teimosamente se recusou.
— Autômatos tem um senso de si mesmos. Eles podem sentir dor e também podem sentir prazer. Eles ainda possuem corações. Como isso os faz diferentes de seres humanos?
— Criança tola... Você ainda não compreende nada, garoto.
Com uma pitada de piedade em sua voz, Shouko friamente falou.
— Se você matar um humano, a lei irá classificá-lo como assassinato — Se você destruir um autômato, isso é considerado apenas como destruição de propriedade. Não interessa o que você pensa, garoto. Abra seus olhos para a realidade. Há um abismo separando os dois.
— Mesmo assim, para mim, os autômatos são como humanos também. Se você parar o coração de um autômato, é o mesmo que matar um ser humano. Não me importo com o que a sociedade diz, isso é o que significa ser um marionetista para mim.
— ... Isso vai ficar cada vez pior, sabia?
— Estou preparado para isso.
— Entendo. Nesse caso, tente o máximo que puder prender-se a esses seus princípios otimistas.
Embora ela tenha sido direta, um fraco, mas inesperado sorriso surgiu em seus lábios.
Raishin estava cativado por ela. De todos os rostos sorridentes que havia visto até o momento, aquele era o mais belo.
— Sobre o Canibal Candy.
Bebericando seu chá, ela voltou para o tema em questão.
— É um inimigo muito maior do que você pensa que é. Garoto.
— Maior...?
— Os militares pensaram que as pessoas que haviam desaparecido poderiam fornecer alguma pista sobre a identidade do Canibal Candy. Naturalmente, eles imediatamente começaram a investigar o paradeiro das vítimas. Entretanto—
— —Elas não puderam ser encontradas.
— Exatamente. Cerca de vinte garotos e garotas apenas evaporaram e desapareceram da face da Terra. O Canibal Candy não está apenas devorando autômatos, ele também está acabando com seus proprietários—ou possivelmente com seus cadáveres. Devido ao que estamos vendo, é possível que ele esteja mesmo comendo-os.
Esconder um cadáver exige uma grande quantidade de esforço. Um grande número de assassinatos forma desvendados graças a problemas no momento de se esconder o corpo das vítimas. Enterrar os corpos em terras recém-cavadas. Dividir o corpo deixaria uma grande quantidade de manchas de sangue para trás. Em primeiro lugar, apenas mover o corpo já seria bastante complicado. Mantê-los vivos e escondê-los parece uma opção mais fácil.
No entanto, estamos falando de um número grande de pessoas. Alguém ser capaz de confinar todas elas era impensável.
É por isso que ela se referiu ao inimigo como ‘maior’?
— A Academia, a Família Real ou mesmo o governo Britânico podem estar envolvidos de alguma forma.
— ... Você suspeita que a Academia possa estar ajudando o Canibal Candy?
— Não é o que parece para você? A Academia é vigiada tanto pela segurança quanto pelo Comitê Disciplinar. Se alguém tentasse alguma coisa, as duas camadas de proteção iriam agir no mesmo instante.
No entanto, a verdade era que o Canibal Candy ainda estava à solta.
Além disso, muitos estudantes haviam desaparecido e as razões por trás de seus desaparecimentos ainda eram desconhecidas.
Se a Academia estivesse puxando as cordas por trás de tudo, então, a decepcionante falta de resultados, de repente, passaria a fazer sentido.
Mas isso significaria que o Comitê Disciplinar, a segurança e mesmo o corpo docente eram todos inimigos— não é?
— Não é tarde demais para você lavar suas mãos sobre o assunto, sabe?
Por um breve momento, Raishin sentiu-se tentado a tomar esse curso.
Se ele fingisse não ter visto nada de estranho—Não é como se a Academia fosse desaparecer se ele apenas continuasse vivendo fingindo ignorância. No máximo, o Conselho Estudantil iria explorá-lo.
Raishin tinha um objetivo. Um inimigo que ele deveria derrotar a todo custo.
Se ele se envolvesse desnecessariamente em outros assuntos e acabasse morrendo, então a única pessoa que ele poderia culpar seria a si mesmo.
Mesmo assim.
— ... Tem alguém que eu não posso abandonar.
Tendo percebido algo, Raishin murmurou em voz alta.
— Ela é irremediavelmente precipitada, bárbara, mal-humorada e sempre está sozinha. Mesmo assim, ela não é uma má pessoa.
Suas palavras vieram aos poucos, enquanto ele continuava dando voz aos seus pensamentos.
— Por alguma razão que eu desconheço, ela está agora mesmo caçando o Canibal Candy. Ou, possivelmente, este poderia ser o objetivo dela desde o começo... Ao menos é o que eu penso. Além disso, eu tenho um débito de gratidão com ela... então eu acho que sou obrigado a ajudá-la de alguma forma... Argh, caramba, que saco!
Despenteando o cabelo, Raishin levantou a cabeça.
Olhando diretamente para o rosto de Shouko, ele disse a ela.
— Eu quero ajudá-la.
— ... Você se esqueceu de nossa aposta? Você apostou sua vida, garoto. Se você for egoisticamente e morrer como um cão em algum lugar sem a minha permissão, eu nunca irei perdoá-lo.
Raishin roeu os dentes. Shouko estava certa. Assim como ela disse, ele não podia sair e morrer assim por conta própria. Colocar sua cabeça desnecessariamente em perigo era imperdoável. No entanto—
Ele também não poderia apenas abandonar Charl.
Vendo a frustração de Raishin, Shouko suspirou.
Não era um suspiro de resignação, não era um suspiro para zombar dele, era apenas um suspiro genial.
— Yaya, venha aqui.
Yaya correu. Shouko colocou a mão sobre seu peito.
Momentaneamente, uma onda percorreu o corpo de Yaya.
Raishin não tinha ideia do que estava acontecendo. Porém, os olhos de Yaya começaram a girar e ela começou a cair para trás.
— Yaya! Você está bem!?
Ele rapidamente segurou-a. Os olhos de Yaya ainda giravam, mas ela não parecia estar ferida.
Sem lhe dar qualquer chance de levantar suas dúvidas, Shouko começou a jogar informações para ele.
— O Kongouriki de Yaya é inigualável sob o céu— mas, mesmo assim, há algumas coisas contra as quais ela não pode ir contra. Por exemplo, o circuito Gram da Tyrant Rex.
— O canhão de luz do Sigmund?
— Essa não é a descrição mais exata de como ele funciona. Simplificando, a luz é o resultado. Quando a atmosfera é destruída, a luz é produzida.
— Você sabe que tipo de circuito mágico é?
— Eu posso mais ou menos adivinhar. É uma fórmula secreta que está intimamente ligada ao modo como o universo funciona. Devido a isso, não há nenhuma contramedida contra ela. Não importa o quanto duro ou o quanto espelhado seja o objeto, ele será completamente impotente diante da arte mágica. Basicamente, desde que tenha forma, ele será aniquilado. Se Yaya fosse atingida por isso, ela morreria.
Raishin sentiu Yaya se agitar um pouco em seus braços.
— Mais uma coisa, os inimigos naturais de Yaya são o vento e a água.
— Estados fluidos...?
— Sim. Não importa o quanto forte Yaya possa ser ela não pode bater em algo que não tenha forma. Tenha cuidado quando encontrar oponentes que não tenham um corpo físico.
— ...Tudo bem.
Vendo ambos concordarem, Shouko estava satisfeita.
— Bem então, desculpe-me por segurá-lo por tanto tempo. Tenham cuidado.
— Sim. Vamos, Yaya.
— Entendido!
Depois de se certificar que Yaya estava em boas condições, Raishin correu para fora do quarto.
Enquanto Raishin e Yaya partiam, a irmã mais velha de Yaya— Irori, assistia-os sair com sentimentos complicados em seu interior.
— Raishin ficou um pouco mais calmo. Naquela época ele era como um feroz cão das montanhas.
Shouko deu uma baforada em seu cachimbo, antes de suavemente responder.
— A passagem do tempo lustra um homem. Assim como o ódio e a raiva.
— Mesmo assim, para que o Raishin atire-se de cabeça no perigo por causa de outra pessoa—
— Aquele garoto ficaria feliz em ficar na extremidade mais fina de um galho se isso significasse a felicidade de outra pessoa.
— ... Eu sempre pensei que Raishin fosse implacavelmente motivado apenas por seus próprios interesses. Que ele iria ficar bem mesmo que os outros se machucassem, desde que isso pudesse ajudá-lo a alcançar o seu objetivo.
— Fufu... Então isso significa que você é ainda menos concentrada do que Yaya. Não me lembro de ter feito seus olhos para serem tão ruins, Irori.
Palavras ásperas ditas de forma suave, Shouko havia levemente repreendido Irori.
— O garoto não é cruel, mas as circunstâncias que o atingiram certamente eram. O destino ofereceu a ele uma mão cruel. Você o vê como alguém motivado apenas pelo próprio interesse, mas sua conduta atual deve-se ao fato dele agir motivado por vingança—Resumindo, desde o começo do começo, o garoto já era assim, alguém que iria demonstrar compaixão até mesmo com o mais amargo dos inimigos.
— Você está se referindo a ele demonstrar compaixão pelas circunstâncias do inimigo?
Shouko não respondeu. Ela apenas continuou fumando serenamente o seu cachimbo.
A inquietação de Irori rapidamente aumentou.
— Senhora. É mesmo uma boa ideia deixar Raishin sair assim? Como você disse anteriormente, Raishin estará lidando com um adversário formidável...
— Você está preocupada com a Yaya? Você sempre a amou cegamente.
— O QU—!? Não há nenhuma maneira de eu deixar meus sentimentos pessoais...
Sua pele branca tornou-se escarlate, e ela agitou freneticamente as mãos em sinal de negação.
— Não há razão para se preocupar. Eu removi a restrição de Yaya.
Irori ficou ainda mais preocupada enquanto mais perguntas empilhavam-se em sua mente.
— ... Raishin ficará bem? E se ele for completamente consumido por Yaya...
— O garoto não é assim tão fraco.
— Você tem certeza? Raishin tornou-se um marionetista apenas alguns anos atrás— se posso ser franca, ele é como um filhote de pássaro que ainda não aprendeu a voar. Estou certa de que se você explicar a situação a ele da maneira apropriada, ele será capaz de entender que ainda não tem o nível necessário.
— Ao contrário do inimigo, o garoto calculou de forma completamente errada a sua própria força. Ele apenas não percebeu isso ainda. Ele não se deu conta de que foi abençoado com um talento inato.
Shouko soltou uma pequena risada enquanto se lembrava de algo.
— Quando nos encontramos pela primeira vez, o garoto estava treinando com uma marionete de madeira.
— Madeira?
Uma marionete de madeira que não tinha o Coração de Eve instalado, por isso tratava-se apenas de uma simples boneca de madeira.
Obviamente, isso significava que ele não tinha qualquer forma de autonomia. Assim, baseava-se exclusivamente na energia mágica de seu marionetista para tudo — o marionetista tinha que controlar a tensão nas articulações, o equilíbrio e os movimentos globais. Mesmo para alguém dotado de telepatia ou um asceta das montanhas que tenha se dedicado a um rigoroso treinamento, ainda seria uma proeza difícil de ser realizada.
Irori estava honestamente chocada. Raishin havia começado apenas há dois anos, mas naquele momento ele já possuía energia mágica o bastante para controlar uma boneca de madeira. Com seus olhos em suas costas, Shouko assentiu.
— O irmão do garoto é capaz de controlar um boneco de madeira a ponto de torná-lo realista. Entretanto, ele não podia fazer isso— e por isso é marcado como talentoso. No entanto—
Seus longos cílios agitaram-se para baixo quando ela distraidamente suspirou.
— Um marionetista comum não seria capaz nem mesmo de colocar um boneco de madeira de pé.
No máximo, eles seriam capazes de mover um único membro na melhor das hipóteses.
— Fufu... Você realmente é um garoto assustador.
— O clã Akabane era uma família de adivinhos. Ouvi dizer que eles eram hábeis nas artes de exorcismo e no uso de shikigami. Você está tentando dizer que o talento dele é algo esperado, uma vez que ele descende desta linhagem?
— Sim, e isso não é maravilhoso? Entretanto, sorte e azar são apenas dois lados da mesma moeda. É exatamente por ele ter o sangue dos Akabane que ele sofreu o infortúnio de ter sua família destruída.
A boca de Irori fechou-se. Detalhes da infância de Raishin, de seus irmãos sendo atacados e da tragédia do clã Akabane eram escassos.
Tanto sua Senhora quanto Raishin recusavam-se a falar longamente sobre o assunto.
Entretanto, ela pensava que a situação estava boa desse jeito.
Ela estava conformada em esperar até que Shouko quisesse falar sobre o assunto. Até lá— e mesmo depois disso, as três irmãs iriam se esforçar para serem de ajuda a sua Senhora usando o melhor de suas habilidades.
Tendo chegado a uma conclusão, Irori deixou o assunto de lado e mudou os tópicos.
— Raishin será capaz de derrotar o Tenzen?
— Quem sabe? Isso é algo que ele terá que descobrir.
— Você está dizendo que a possibilidade existe, então?
Shouko não respondeu, lançando seu olhar para as figuras que desapareciam enquanto fumava seu cachimbo.
Depois de um tempo, ela abruptamente murmurou.
— Essa conversa de vingança é ridícula.
— Eh—
— Se ele soubesse a verdade, o garoto certamente iria me odiar.
Um sorriso solitário que até então nunca havia sido visto, surgiu em seu rosto.
O módulo de pensamento de Irori logo começou a transbordar de dúvidas.
No entanto, seu cérebro logo retornou de seu estado caótico assim que ela deixou que todos os pensamentos evaporassem.
Mesmo que sua Senhora conhecesse a verdade, estava tudo bem mesmo que ela não soubesse.
Irori olhou pela janela, para a lua pendurada no céu noturno.
Seus pensamentos lembravam uma oração silenciosa enquanto ela abaixava a cabeça.
Boa sorte, Raishin.
Com Yaya logo atrás, Raishin saiu do dormitório Tartaruga.
O toque de recolher já havia passado. A chefe do dormitório gritou para que ele voltasse, mas como tratava-se de uma emergência, ele a ignorou. Ter que explicar que esse era um assunto relacionado ao Comitê Disciplinar, o qual ele estava ajudando, seria muito problemático.
Seguindo as luzes do lado de fora dos edifícios, ele correu na direção do dormitório Grifo. O vento frio da noite acariciou a parte posterior de seu pescoço, fazendo seu corpo tremer.
A conversa que ele havia tido com Felix anteriormente, agora estava sendo reproduzida em sua mente.
— Ei, Felix.
Raishin queria perseguir Charl, mas uma mão em seu ombro o impediu de fazê-lo.
Felix estendeu a mão em um gesto apaziguador.
— Eu sei o que você quer dizer, Raishin. Primeiro, deixe-me apenas dizer que eu não duvido de forma alguma do seu relacionamento com Charl.
— Então por que você disse tudo aquilo?
— Obviamente, foi para o seu próprio bem.
— —O que você quer dizer?
— Se eu não tivesse dito aquilo, ela teria continuado a agir de forma imprudente, não? Ela é ruim em cooperar com os outros e agir sozinha seria extremamente perigoso.
Raishin ficou em silêncio. Ele não conseguia pensar em uma resposta. Ele estava certo de que o Canibal Candy era perigoso e que era pouco provável que Charl seguisse as instruções do Comitê Disciplinar.
Entretanto, enquanto era lógico, ele não poderia aceitar isso, e Raishin obstinadamente prosseguiu.
— ... Mesmo que diga isso, você não pode negar que feriu Charl.
— Depois de cuidarmos do Canibal Candy, eu irei me desculpar pelo que disse.
Havia mais sinceridade do que o usual nos olhos de Felix enquanto ele dizia isso.
Com a lembrança chegando ao fim, Raishin estalou a língua.
Quando eles cuidarem dessa questão, poderá já ser tarde demais.
Charl não era tão forte ou tão distante quanto ela fingia ser.
(Não faça nada imprudente, assustadora garota dragão...)
— —Raishin!
Yaya gritou em aviso. Ele estava perdido em seus pensamentos, então sua atenção ao que acontecia ao seu redor havia diminuído. De repente, ele notou pela primeira vez a presença de alguém se aproximando a frente.
Com reflexos preparados para o combate, ele estendeu a mão na direção de Yaya. A outra parte teve a mesma reação e apoiou seu corpo. Capturando a luz das lâmpadas ao redor deles, algo brilhava em sua mão.
Era o brilho frio do metal—uma faca.
Algo parecia suspeito enquanto a altura da pessoa desconhecida e causava uma sensação de déjà vu. O corpo era esguio e conservador, com o cabelo na altura dos ombros e um par de óculos que davam um ar intelectual... Essa pessoa era—
— Lisette! Sou eu!
— Raishin Akabane...
Baixando a lâmina, ela acendeu uma luz em sua mão para verificar o rosto de Raishin.
Ela estava sozinha. Como sempre, seu autômato não estava a acompanhando.
— Você está procurando pela Charl?
— Sim. Por uma questão oficial, eu estava apenas em meu caminho até o dormitório Tartaruga.
— Você estava me procurando?
— Conhecendo você, eu senti que você viria correndo para fora.
— —Isso seria fé em mim?
— Não fique tão empolgado, seu verme terrestre.
— ... Minha culpa. O que você quer de mim, então?
— Para onde você estava indo?
— Na sua direção. Eu queria ouvir as suas considerações.
Lisette tinha uma expressão nublada no rosto enquanto soltava um suspiro exageradamente alto.
— Charlotte não tem um grande círculo de amizades. Se ela não estava com você e está apenas andando sem rumo por aí, a situação é realmente desesperadora.
— Uhuh. Você poderia dizer isso de uma maneira mais clara?
— Simplificando, eu não tenho ideia de para onde ela possa ter ido.
Pressionando o dedo contra os lábios, ela estava perdida em pensamentos. Em seguida, algo ocorreu a ela, fazendo com que ela se virasse para encarar Raishin.
— Você esteve com ela durante todo o dia, não esteve? Ela disse alguma coisa?
— Não, nada... De qualquer modo, eu acredito que Felix seja a causa do desaparecimento.
— Isso é uma fraca tentativa de transferir a culpa para outra pessoa a fim de esconder sua própria incompetência, seu verme tubular?
— Por que todos os seus insultos são baseados em vermes?
Naquele momento, Raishin notou algo com o canto do olho e virou-se para os arredores.
— ... Está ficando um pouco agitado por aqui.
Olhando atentamente, ele podia ver as sombras se movendo entre as árvores e no topo de prédios. Embora estivessem habilidosamente escondendo suas presenças, os cinco sentidos de Raishin eram mais aguçados do que os de uma pessoa normal. Desde que ele parasse de se mover, ele podia senti-los.
Lisette olhou para eles também, antes de falar com hesitação.
— A verdade é que o Comitê Disciplinar está concentrando todo o seu esforço na busca por Charlotte.
— O que, ela é assim tão importante— espere, vocês não estão suspeitando dela, estão?
Se o Comitê Disciplinar estava correndo atrás dela, isso significava que eles acreditavam que ela era o Canibal Candy?
Lisette nem mesmo mexeu uma sobrancelha, mas Yaya levou às mãos a boca em estado de choque.
Raishin encarou Lisette com um olhar interrogativo.
Lisette hesitou um pouco antes de ceder e, resignadamente, confessar a verdade.
— Mais cedo, um grande número de circuitos mágicos foi encontrado no quarto de Charlotte.
—Circuitos mágicos?
Ela estava se referindo aos que o Canibal Candy havia removido...?
— Isso é impossível!
— É a verdade. A pessoa que os encontrou foi o chefe do dormitório.
Ele analisou os fatos em sua cabeça. Parecia que alguém estava tentando incriminar Charl—Não, não era isso. Se Charl realmente fosse o Canibal Candy, sua arte mágica aniquilaria os circuitos mágicos. Se alguém estava tentando incriminá-la, fazer isso teria o efeito oposto.
Então, isso quer dizer que Charl estava acumulando circuitos mágicos por razões desconhecidas por Raishin...?
Considerando-se a força de Charl, existia também a possibilidade de ela poder usar um ataque que deixaria os circuitos mágicos intactos.
— Nós ainda temos que verificar se os circuitos mágicos são mesmo aqueles que o Canibal Candy havia removido. Um dos professores está analisando-os neste momento, mas uma vez que estão em péssimo estado, os resultados sairão apenas amanhã.
Raishin permaneceu em silêncio enquanto continuava a pensar.
Julgando que ele não seria mais útil a ela, Lisette deu meia volta.
— Nos separamos aqui. Eu deveria estar retornando da busca nesse momento—
— Espere.
Em dúvida, Lisette chegou a um impasse.
Querendo confirmar uma coisa, Raishin escolheu suas palavras cuidadosa e deliberadamente.
— Seria correto dizer que, no momento, eu sou alguém que está auxiliando o Comitê Disciplinar?
— Correto.
— Nesse caso, eu gostaria da sua cooperação para realizar uma investigação.
Com seu interesse despertado, Lisette virou-se para encará-lo.
— O que você quer fazer?
— Eu gostaria de confirmar uma coisa com os meus próprios olhos.
Raishin disse-lhe onde gostaria de ir.
Lisette estava chocada. Um raro olhar incomodado surgiu em seu rosto.
— Esse é... um lugar onde eu não possuo autoridade para lhe conceder acesso.
— Qual permissão é necessária, então?
— ... Me dê um minuto. Eu preciso discutir isso com Felix primeiro.
— Então você irá ajudar?
— Dadas as circunstâncias atuais, sim. Não importa que você seja uma larva de mosquito sem cérebro, para solicitar algo assim durante uma emergência como essa, deve significar que há alguma razão por trás disso, não?
Embora estivesse um pouco incomodado com algumas das coisas que ela havia dito, Raishin assentiu.
Lisette disse a ele que teria que fazer um telefonema e retornou ao caminho.
Por um breve instante, Raishin e Yaya foram deixados sozinhos no frio.
Yaya permaneceu fortemente presa a ele, então o frio não o incomodou muito. A espera, por outro lado, estava excessivamente difícil de suportar.
Talvez as negociações não tenham ido bem, ou ela tinha esquecido completamente de mencioná-lo, ou talvez ela tivesse sofrido um acidente no meio do caminho; Lisette ainda não havia retornado.
A espera ansiosa durou vários minutos. Finalmente, Lisette retornou—
— Seja grato. Felix falou com o Comitê Executivo.
Resumindo, eles tinham conseguido a permissão.
— Eu irei guiá-lo. É o mínimo que posso fazer, já que estamos cooperando com isso.
— Eu te devo uma.
— Eu terei que recusar sua gratidão. Essa é apenas uma parte de minhas obrigações, afinal.
Falando secamente, Lisette começou a andar na frente de Raishin.
Ela os levou para o bloco mais importante da Academia.
Contornando o auditório central, passando por trás da torre do relógio e cortando a residência do Diretor, havia um grande prédio retangular que se assemelhava a uma lápide.
O prédio na qual todas as máquinas importantes eram guardadas, o Armário.
— Antes de entrar, você deve saber que sua entrada está sujeita a uma condição.
A expressão em seu rosto era cinco vezes mais grave do que o normal enquanto ela falava em tom de alerta.
— Lá dentro, inúmeros autômatos estão armazenados em estado de hibernação. Não é preciso dizer que todos eles estão completamente indefesos. Se você assim desejasse, poderia destruí-los facilmente e seus proprietários não seriam capazes de participar da Festa Noturna.
— Não seja ridícula. Eu não desceria até esse nível.
— Só estou dizendo que a possibilidade existe, sua espuma de lagoa.
— Então, agora eu fui rebaixado a um micro-organismo? Tudo bem, eu entendi. Deixarei Yaya aqui.
— Raishin...
Yaya olhou para ele com um olhar preocupado em seu rosto. Seus grandes olhos brilhavam, refletindo a luz em sua mão. Ela parecia indefesa e inocente como um filhotinho.
— Grite se algo acontecer. Seria trágico se você fosse atacada pelo Canibal Candy.
— Yaya vai ficar bem, Mais importante, Raishin...
— Não se preocupe. Eu estarei com a Lisette.
— Ficar sozinho com essa mulher significa que sua castidade está em perigo...
— ... Você ainda está falando sobre isso?
— Você não tem com o que se preocupar, boneca obcecada por sexo. No improvável caso dele me atacar, eu morderei minha língua.
— Eu não vou atacar você! Vocês duas, parem com essa coisa sem sentido!
Terminando a conversa, Lisette tomou a frente mais uma vez e caminhou em direção ao prédio retangular.
Haviam sentinelas postados na entrada, e mais membros de segurança nas guaritas. Lisette apontou para sua braçadeira, para indicar que estavam ali a serviço do Comitê Disciplinar.
Aparentemente os guardas já haviam sido informados. Após o processamento da entrada deles, eles entregaram a ela uma chave mestra.
O interior do prédio era muito semelhante a sua fachada, carente de qualquer tipo de decoração que fosse. O piso, as paredes e o teto foram todos construídos com linhas retas, que transmitiam uma sensação de asfixia e de confinamento.
As luzes do interior estavam apagadas, então eles seguiram em frente apenas com as luzes de seus lampiões.
— Então, o que você gostaria de confirmar?
— O autômato de um aluno do terceiro ano. Se minha lógica estiver correta, então ele poderá vir a ser um indício decisivo para a localização do Canibal Candy.
— Nesse caso, nós devemos ir até o segundo andar. Por aqui.
— ... Eu posso te perguntar uma coisa?
— Eu não tenho namorado, mas eu preferiria morrer ao invés de fazer sexo com um playboy como você.
— ...
Foi um momento estranho. Lisette tossiu, aparentemente envergonhada.
— Isso foi uma piada. O que é?
— Que tipo de autômato é o do Felix?
Lisette pensou por um tempo, buscando em suas memórias antes de responder.
— Eu não sei exatamente muito sobre os detalhes, mas eu já o vi antes. Eu não sei se é verdade ou não, mas escutei rumores de que ele foi feito durante o período Renascentista.
— Portanto, é uma antiguidade?
— Isso não é algo que se possa simplesmente negar. O período Renascentista foi uma época da história em que inúmeros gênios andaram pela Terra. Técnicas que estão perdidas para nós, ainda existiam naquela época, e há artes mágicas daquela época que nós ainda temos que superar. O autômato de Felix é, teoricamente, uma das obras criadas por estes gênios.
— ... Isso não me surpreende. De qualquer forma, posso dizer que é um autômato bom o bastante para ser listado entre os Rounds.
Mesmo que fosse um remanescente do século passado, ainda era um autômato em uso ativo e, portanto, não poderia ser descartado como antiquado. Era, provavelmente, muito superior a obras de artesãos modernos, e possuía algum tipo de segredo.
— Então que tipo de circuito mágico está instalado nele?
— Bem, eu não sei muito a respeito... eu posso ser a assistente dele, mas também sou uma concorrente da Festa Noturna. Não é prudente revelar seus segredos para alguém que irá ser o seu oponente um dia.
— Acho que isso também não é surpreendente.
— É só—
— —Só o que?
— Quando estávamos praticando no campo antes, ele criou lava.
— Lava?
— Sim. Ele aqueceu a terra para criar trincheiras. Além disso, em outra oportunidade, ele controlou um denso nevoeiro e o jogou para confundir o time adversário.
— Nevoeiro... tem certeza de que não era apenas vapor?
Se fosse um circuito mágico que girava em torno de manipulação do calor, seria possível criar tanto lava quanto o nevoeiro.
— Não, era mais natural. Como se fosse uma extensão de seus nervos e sentidos.
— Que diabos é isso? A menos que ele estivesse usando diversas artes mágicas combinadas... mas isso não pode ser, algo assim deveria ser impossível.
De qualquer forma, ele seria um adversário problemático. Lava e nevoeiro eram ambos estados de fluidos sem forma.
Tendo chegado ao topo das escadas, Lisette chegou a um impasse.
— O Armário do Felix está no quarto mais distante atrás à direita.
— Tudo bem, eu não planejo ir até lá.
Os olhos de Lisette se estreitaram de perplexidade.
Pelo fluxo da conversa, ela teve a impressão de que eles estavam indo procurar o Armário de Felix.
Raishin tomou a chave mestra de sua mão e começou a andar na direção oposta.
Ele já havia compreendido o layout do prédio.
— Esse é—
Atrás dele, Lisette estava dizendo algo. Raishin a ignorou e abriu a porta.
Os Armários lembravam caixões e estavam alinhados em fileiras ordenadas.
Baseando-se nas placas de identificação, ele procurou para o Armário no qual estava interessado.
Em pouco tempo, ele encontrou o que estava procurando.
Código de Registro White Mist — Lisette Norden.
Suprimindo sua impaciência, ele usou a chave mestra para abrir a fechadura e retirou a tampa com um ar de determinação.
— ...!
Dentro do Armário havia um grande cilindro de vidro.
Parecia um tubo de ensaio gigante. O líquido que o preenchia cheirava como formaldeído. Envolta pelo líquido, assim como um espécime biológico, havia uma garota completamente nua suspensa no interior do tubo.
Não era um autômato.
Olhando para seu peito, ele era composto por tecido real e por carne real.
Raishin amaldiçoou sua própria tolice.
— Eu sou um idiota... Isso... Como eu não percebi algo tão óbvio?
Em outras palavras, desde o começo do começo ela tem estado aqui o tempo todo.
Suspensa dentro do cilindro de vidro estava—
O cadáver de Lisette Norden.
No momento seguinte, algo acertou Raishin por trás com tanta força que expulsou o ar de seus pulmões.