A Lenda do Destruidor Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 4: O Velho Guerreiro

Com o estômago cheio, emocional renovado e mente descansada, Ethan retomou sua caminhada para a Vila dos Ladrões. O rapaz não podia deixar de treinar.

Nunca teve nada que o tornasse especial, sempre foi apenas ele mesmo. A melhor forma que podia se descrever era alguém normal e medíocre.

Agora que despertou esse talento, conseguia entender um pouco a lógica de seu pai e irmãos.

Mesmo que se esforçasse fisicamente, a falta dos resultados esperados fez com que desanimasse e parasse.

Pensou em se tornar um mago ou outra classe intelectual, e sempre leu muito, ainda assim, entendia que apenas essa inteligência não lhe seria útil no trabalho.

Claro, se fossem uma família um pouco mais abastada, poderiam pagar a Taxa familiar, e, como resultado, iria para uma escola. Infelizmente, a realidade era outra.

Pelo fato de que seu avô tinha muitos irmãos, o bisavô não conseguiu pagar tudo que devia, de forma que foram delegados a uma vida rural.

Agora podia pagar a taxa familiar. Tinha dinheiro o suficiente e, sendo só ele, não se preocuparia com possíveis aumentos.

Essa verdade fez com que seu coração batesse mais rápido e um sorriso de clara felicidade abrisse em seu rosto.

O problema era que o nome da família havia sido borrado, o avô nunca falava da vida de nobre que viveu até os 7 anos.

De certa forma, podia se tornar um nobre, mas teria que inventar algum outro nome, visto que o original fora perdido no tempo.

Algo que não o agradava.

Corria a algum tempo, e nada da Cidade de Lockust aparecer, assim como os mercadores.

Claro, cidade de Oldale era isolada, e tinha apenas três estradas que saiam dela, enquanto cidades médias tinham o triplo disso, então talvez não fosse tão estranho assim.

Lockust era uma cidade média que ocultava muitos segredos. Apenas 7 rotas de comércio foram catalogadas. Ethan achava que devia ter mais.

Essa era uma rota que não fora listada nos livros que leu.

A cidade portuária de Seaside ficava na direção leste, e, exatamente por ser uma das únicas 3 cidades portuárias de Gália, era esperado que houvessem mais rotas de comércio naquele lugar.

Sentiu um pouco de irritação quando lembrou da Organização dos Países do Mundo Livre.

Gália era um pequeno arquipélago que estava próximo aos territórios inexplorados, e, justamente por isso, não havia tanta proteção disponível para os cidadãos em caso de uma invasão.

Justo por conta das reformas do novo Rei, que trouxe melhoras nas condições do povo, a OPML provavelmente estaria feliz com a destruição do pequeno reino.

“Acho que… com tudo que aconteceu, tive sorte em nascer nessa época.”

Olhou para o céu, que começava a ter algumas nuvens escurecendo-o, o que fez com que tivesse saudade da eterna primavera de Cuckoo.

Curioso como era, tentou achar as runas que tornavam aquilo possível, visto que magia tinha suas limitações.

Ainda podia lembrar dos risos de seu avô, que tentou a mesma coisa na sua idade, com os mesmos resultados.

Por mais que estivesse magoado com seu avô, não pôde deixar de sentir a nostalgia daquelas memórias. Suspirou e então olhou para o céu uma vez mais.

Aproveitaria o tempo escuro para dormir um pouco. Quando reclinou a cabeça na grama, caiu no sono.

Duas horas depois, anoiteceu. O rapaz acordou com um grito.

Ainda estava cansado, mas não conseguiria voltar a dormir, por isso, foi em direção a floresta, visto que tinha fome.

Caminhou com ansiedade nos passos. O sentimento de claustrofobia, junto ao silêncio, só contribuíam para o medo que sentia.

O luar não alcançava a mata, por isso quase tropeçou várias vezes em raízes e gravetos. Mesmo com as lanças, não se sentia seguro.

Chegou numa clareira onde a luz era forte, mas não pôde relaxar, pois ouviu rosnados de uma direção específica. Virou-se e se deparou com cinco pares de olhos amarelos.

Eram aqueles animais que caçavam as ovelhas da família. Lembrou das vezes que foi mordido, que quase morreu.

Eram lobos.

Viu um deles uivar, todos agiram como um grupo. Nervoso, pôs a lança a frente e matou aquele que liderava o ataque, mas o peso foi o suficiente para a madeira quebrar.

Pegou outras duas a tempo de desviar de mais dois, usou a segunda para dar uma forte paulada no que estava mais perto. A primeira foi usada para perfurar o crânio do terceiro.

O rosnado atrás de si fez com que desviasse e usasse a lança livre para cegar um olho. Tirou a lança do cadáver a tempo de usar as duas como um escudo improvisado do quinto.

As garras alcançaram o braço e sentiu a dor do corte. Empurrou a besta para longe e saltou para trás.

Não registrou o uivo, apenas atirou a madeira contra o lobo a direita, que morreu. Pegou outra lança e cortou a barriga do lobo da esquerda, que caiu no chão.

O quinto não parou e pulou sobre si.

O escudo improvisado o salvou, por mais que a força tenha o derrubado. Deu um forte chute no lobo, que aranhava seu rosto.

Livrou-se daquela situação e se levantou. Captou o movimento daquele que estava na esquerda, usou a lança como proteção.

Olhou amedrontado para os dentes do animal, que quebraram a madeira.

Cravou a lança na mão direita no estômago e usou os restos da que estava na esquerda para afastar o último.

Pegou a penúltima arma e avançou contra o quinto, usou uma para redirecionar a boca do animal, enquanto a mais recente perfurou a garganta.

Estavam mortos.

Suspirou aliviado, com nojo de si mesmo. Não era por ter matado lobos, pois era uma questão de sobrevivência.

O que o assustou foi o vazio dentro de si, que crescia e o englobava.

Não sentiu nada.

Um uivo foi ouvido de longe, o que causou medo dentro de si. Correu para fora da floresta, viu alguns lobos próximos de si e abaixou a cabeça para desviar de um deles.

Como naquele fatídico dia, não ligou para as possíveis quedas ou obstáculos. O medo fez com que o instinto de sobrevivência falasse mais alto.

Estava a alguns metros da saída…

Sentiu-se esperançoso ao avistar o brilho rúnico da estrada, contudo algo o derrubou. — Bosta de Raiz!

A dor de ter dentes cravados na carne trouxe um grito e lágrimas nos olhos. Não queria morrer, não ali. “Não vô deixa que acabe aqui… ainda não fiz o que quero fazê.” Lembrou da risada de Agar. “Preciso matar aquele filho duma égua…”

O peso aumentou sobre suas costas e mais lobos começaram a arranhá-lo e mordê-lo. A dor era tanta que começou a delirar e, dessa forma, num último esforço desesperado, pediu para que alguém ou algo o salvasse naquele momento.

Foi então que um milagre ocorreu.

 

Na floresta onde Ethan foi atacado, o ranger de uma cadeira de balanço foi ouvido dentro de uma cabana. Um velho samurai repousava, as roupas surradas mostravam a experiência e simplicidade que carregava.

O quimono era bege e largo, parecia ter sido feito para um não-humano. Um antigo compatriota.

Foi colher flores naquela noite e encontrou o rapaz, que estava para ser morto.

Ouviu um grunhido e notou a expressão que Ethan fazia, assim como as manchas de sangue, prova que teria que trocar as ataduras.

Para um observador atento, também era possível ver que ele queimava de febre, coisa que preocupou o idoso. Puxou um trago do enorme cachimbo. O rapaz quase acordou, mas voltou a dormir.

Queria o rapaz acordado de uma vez para fazer algumas perguntas e despachar ele pra fora de sua cabana.

Conforme o tempo seguia, mais e mais o rapaz parecia atormentado. A ansiedade o fez considerar acordar o rapaz. Nesse momento, Ethan abriu os olhos enquanto gritava, o que resultou num susto.

— Pirralho idiota! Não faça isso de novo! Salvo seu couro e tu quase me causa um infarto. Os jovens de hoje em dia não sabem o que é gratidão…

Ignorou os grunhidos do velho ranzinza, pois sua mente ainda não havia se recuperado do choque. No entanto, ela pareceu retomar o foco ao notar a cabana de madeira onde estava, algo que o confundiu tanto quando o preocupou.

Estava feliz que escapou da morte, mas não conseguia deixar o pensamento de que pudesse ter entrado numa situação pior do que a de antes. Chacoalhou a cabeça para espalhar os pensamentos pessimistas e a tontura. Estava vivo, e era isso que importava.

Com uma expressão mais calma, focou-se nos arredores. A cabana era de madeira, velha, polida e estava bem cuidada, sem nenhum sinal de cupins. Havia um cheiro caseiro ali que o rapaz atribuiu as paredes, a sua cama era confortável, por mais que o resto do local tivesse uma aparência dura e ríspida.

A temperatura também estava ao seu agrado, algo que rapidamente atribuiu às diversas Runas entalhadas na parede.

Runas ambientais, que possuíam a função de deixar a temperatura agradável. Por mais que a função fosse simples, como todas as outras, o arranjo era difícil de fazer.

Necessitava-se de uma superfície para entalhar o Núcleo Rúnico, um ambiente fechado e conhecimento sobre línguas antigas, algo que sempre foi um impossibilitador do seu estudo de Runas.

O rapaz percebeu, com clara surpresa e incredulidade, a vasta quantidade de armas ao seu redor, que reluziam, mesmo com idade avançada. Era uma coleção incrível, que podia pertencer a um general ou um nobre, mas que eram daquele senhor idoso e maltrapido.

Armaduras, espadas, claves, chicotes… de tudo havia um pouco. Junte isso com a forma de como elas brilhavam e percebeu, com certo choque, o carinho do Samurai para com elas. Não sabia de onde veio, mas o respeito que sentiu pelo velho naquele momento era natural.

— Vejo que meus companheiros lhe chamaram a atenção!

— Companheiros? — O rapaz olhou ao redor, analisava cada arma e pegava cada detalhe. Sentia-se impressionado, assim como… melancólico. Era como um cemitério aonde guerreiros repousavam.

— Sim. Cada uma delas pertenceu a um membro do meu grupo. Essa aqui... — Tirou um martelo de guerra de um gancho de metal, que prendia-o sobre a madeira. — se chama Berta, ela pertenceu a uma Meio-orc de mesmo nome. E esse é Sven. — Dessa vez, tirara um machado de lâmina dupla, grande o suficiente para ser empunhado com as duas mãos.

— Cada um deles pertenceu a um membro de seu grupo? Mas são tantas!

— E como são, não é? — Os olhos do Samurai então se perderam em memórias há muito vividas. — Eramos um grupo chamado de “Foice da Doninha” e nos especializávamos em ataques rápidos e pesados. Se bem que nos chamar de grupo é um desserviço. Eramos um esquadrão da associação.

Reconheceu o nome logo que o ouviu. Como não saberia? Seu avô certa vez contou para ele sobre esse grupo, junto com as façanhas que os tornavam respeitados e temidos por toda a associação.

O fato de que seu avô admitiu temê-los já mostrava o quão perigosos eram.

O espadachim levantou-se e então pegou algumas armas dali, alisando-as com certo cuidado e carinho que aqueceram o coração do rapaz. — Nós eramos realmente um grupo incrível, sabe? Nos chamavam só quando precisavam de um monstro de classe 2-A, ou superior, morto.

Olhou surpreso para o homem. Mesmo com as histórias de seu avô, saber que esse grupo lidava com seres daquele nível era, por si só, impressionante. Pasmo, sentiu mais admiração ainda e, como nos velhos tempos, sentou-se com ansiedade para ouvir mais uma história.

Monstros de classe 2-C já eram difíceis de matar para um Mármore, e monstros de classe 2-B precisavam de um grupo de Mármores para serem caçados. Assim sendo, um monstro de classe 2-A precisava de, ou um grupo de 100 Mármores de classe baixa, ou de 10 de classe média. Saber que o mínimo que eles cassavam era do topo da segunda classe era quase inacreditável.

Mesmo impressionado, mesmo que esperasse uma história, não pôde deixar de sentir certa pena do guerreiro quando reparou na tristeza que brotou em seu rosto… além disso, reconheceu o olhar colérico, um que o Samurai tentava manter longe de si. Sua curiosidade foi captada.

— E? Que diacho aconteceu?

Ahh, é simples. Nosso grupo tinha a sinergia perfeita quando se tratava de agressão, além de sermos fortes. É que, em nossa última missão, o segundo em comando nos traiu. Eu era só um recruta, ainda assim, pude ver meus companheiros morrendo um por um.

O jovem dedicou sua atenção completa ao velho. Conhecia bem o sentimento. — Normalmente, aquele homem seria o terceiro, talvez o quarto mais forte da nossa tropa em questão de força. Ainda assim, ele matou todos sozinho. O capitão, meu irmão mais velho, queria que eu sobrevivesse… e deu sua vida para que eu pudesse escapar.

O Samurai então tocou numa das duas espadas em sua cintura, e só então que Ethan percebeu as duas lâminas. — Essa é a minha espada, e essa… — Após segurar a empunhadura branca, tocou na outra, negra como ébano. — É a espada de meu irmão, que foi passada para ele por meu pai, e que antes pertencera ao meu avô… não sei quando minha família conseguiu essa arma, mas sei que, desde que tenha uma força de vontade absoluta, ela corta qualquer coisa.

O rapaz de cabelos negros pareceu pensar no que lhe foi dito e então, uma ideia surgiu em sua mente. — Quando foi isso?

— Uns cinquenta anos. Por quê?

— Bem… venho do vilarejo Cucko e… estou a campear alguém. Achei que esse caso tivesse relação com o filhote de encruzilhada.

O velho arqueou uma sobrancelha com o olhar sombrio do rapaz, junto ao veneno em sua voz, mas decidiu não comentar. Invés disso, perguntaria sobre a família do rapaz.

— Entendo… como vai o velho Edward? Ele deve ser bem famoso por aquelas bandas.

— Conheceu meu vô? — Ethan olhou surpreso para o velho guerreiro, que sorriu. Só então percebeu que eles deviam estar na mesma faixa etária. Ambos tinham cabelos grisalhos, se bem que no caso do Samurai seus cabelos eram mais descuidados e selvagens, além da barba que caia até a barriga.

Engoliu em seco ao pensar que, só talvez, houvesse algum fundo de verdade nas histórias de seu avô. Um pensamento que trouxe conforto para si.

O velho alisou a barba, surpreso com a notícia. Ele deixou um sorriso se formar em seus lábios. — Então, o desgraçado sortudo teve uma família! Kakaka, se ao menos os outros tivessem vivos para ouvir isso! E então, como ele vai?

A expressão do rapaz de cabelos negros foi tudo que o Samurai precisou para perceber seu erro. — Está morto, não é? — Viu o aceno do rapaz e pôs-se a pensar. — Bem, isso é uma pena. Aquele velho era uma boa pessoa, por mais covarde que pudesse ser. Mas então, o que faz longe do seu vilarejo? Quer seguir os passos de seu avô?

O jovem suprimiu uma careta de nojo ao pensar nisso. A mera ideia dele ser como aquele covarde, que estava disposto a vender sua alma para sobreviver, era repulsiva e lhe dava ânsia de vômito.

— Não… quer dizer… sonho em ser um Mármore, mas não é por isso.

O Samurai alisou sua barba enquanto lembrava do que sabia até então do rapaz. Conforme ia relembrando os detalhes, a coisa que mais lhe chamou a atenção veio para si. A forma como o rapaz não parecia ter paz alguma… isso pintou uma imagem triste em sua mente.

Mesmo tênue, um laço começou a ser formado.

— Estão mortos, não é? — Ao ouvir isso, as mãos do rapaz apertaram o tecido que o cobria, e lágrimas começaram a cair de seus olhos. — Sobrou alguém?

— Não… todos meus conterrâneos morreram… apenas eu sobrevivi. — O Samurai suspirou. Eles eram mais parecidos do que pensava.

— Quem é o responsável por isso?

— Agar… um demônio. — Sua voz tinha tamanha quantidade de veneno que o velho se assustou. Fazia tempo desde a última vez que não ouvia aquele tom… fazia tempo que sua voz não parecia tanto com a do rapaz.

Ao menos, com a idade, veio-lhe a sabedoria, e, com ela, veio paz. Precisou de anos de meditação e treino intenso para superar a morte de seus companheiros e, ao fazer isso, abandonou a ideia de vingança.

Era velho demais para isso.

Nisso, ambos ficaram num silêncio desconfortável. O homem olhou para Ethan e, só então, viu a forma como ele segurava a raiva, que clamava por ser liberta, tomou uma decisão. Não sabia se era o correto, mas não podia deixar um rapaz jogar sua vida fora.

Não como ele quase jogou.

— Me diz, garoto… quer que eu lhe treine para ser um Mármore?


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