Volume 1 – Arco 1
Capítulo 20: A conclusão da batalha
Alguns meses antes, uma semana depois de Ethan deixar Oldale, a pequena cidade recebeu a visita de um par de Padres. Um era magro, com quase três metros de altura, enquanto o outro era um gordinho com um sorriso bondoso e resquícios brancos na careca.
A presença do mais alto dava um sentimento de estranheza. O nome do baixinho era Carmeliu e ele portava a alcunha de Santo, o que atraiu muitos olhares admirados dos devotos.
— Bem, que belo dia, nessa bela cidade… não concorda?
— Hunf.
Demorou, mas os dois chegaram no hospital em que Ethan se hospedou e então chamaram o médico que cuidou dele. A missão tirou o sono de Corneliu a algum tempo, visto que era incomum que o seu mestre se interessasse por humanos, ainda mais os jovens.
Entraram na sala do médico quando a porta se abriu. O doutor se mostrava estranhamente assustado enquanto olhava para o seu colega.
— Na-não esperava vo-vocês até a semana que vêm…
— Bem, sabe como a vida de santo é. — Acariciava a barba com o mesmo sorriso gentil mas com um brilho maldoso nos olhos. — Temos muito o que fazer…
O médico soltou um riso nervoso enquanto lembrava do quão única era a existência daqueles que dominaram todos os 7 Sacramentos e tirou de sua bolsa um frasco.
— Aqui… o sangue de Ethan.
— Obrigado… terá seu pagamento amanhã.
Nisso, tão rápido quanto chegaram, a dupla saiu para a próxima missão que teriam, uma que envolvia diretamente o incidente de Cucko e o único sobrevivente.
Se a batalha de Jack contra Hector era uma dança mortal, a luta que se seguiu era como uma troca constante de aço e faíscas. Enquanto Ethan tentava não lutar apenas com os músculos e combinava seu estilo com o de Hector, ainda assim era mais agressivo que o assassino.
Sempre que uma oportunidade surgiu, tentava um ataque. Ainda assim, mesmo que estivessem a alguns minutos na luta, não conseguiu acertar um único golpe até então.
— Qual o problema, Ethan? Parece esgotado.
— Arf Arf cala o diacho da boca!
Avançou e tentou outro corte, que foi defletido pela Zanbatou de Jack. Pulou encima da lâmina para evitar ser separado em dois e acabara sendo jogado para cima com um movimento.
Girou no ar e tentou uma estocada no trapézio do inimigo.
Vendo Ethan chegar, deu um passo para a direita e avançou a sua espada para cima, forçou o rapaz a usar a Bento para bloquear, mas a força o atirou para longe. Rolou no chão e se levantou.
Sentiu o pânico bater quando viu a placa de aço prestes a cortar-lhe e imediatamente pulou para trás. Ainda assim, não teve tempo de processar o fato de que quase morrera e teve que bloquear outro corte com a Bento, que tremeu nas mãos.
Foi lançado contra um grupo de bandidos e todos caíram no chão. Foi o primeiro a se levantar e sair dali, o que o permitiu ver o corpo dos soldados Aristocratas serem esmagados.
Aterrizou no chão e pulou em direção do guerreiro. Sacou rapidamente a Bento e tentou cortar a cabeça do outro fora, mas Jack pulou para trás e se colocou novamente na distância de 2 metros que sua Zanbatou alcançava.
— Nada mal… recuperou um pouco do espírito de luta?
— Fica quieto!
Ambos voltaram a trocar faíscas. Naquela dança, Ethan notou como não havia espaço para hesitação. Era matar ou morrer, mas…
— Pare de se segurar!
— Hou, então você percebeu. — A Zambatou o jogou contra uma parede, mas o rapaz se levantou e voltou para a briga.
“Diacho… é quase como se ele lesse meus movimentos antes mesmo de eu os realizar…” Suspirou e tentou se acalmar. “O Porqueira, ficar se lamentando não dar em nada.”
Teve que desviar de outra espadada da Zambatou enquanto tentava fincar a espada no olho de Jack, que desviou da técnica e contra-atacou com um soco no estômago.
“Olha só…” Arregalou os olhos com o sorriso do jovem e se afastou. “Ele sabia que eu ia me segurar e contraiu os músculos…”
Soltou um sorriso selvagem e voltou a atacar o rapaz com ainda mais ímpeto. “Nada mal… nada mal mesmo… esse garoto está evoluindo conforme lutamos! Mesmo que eu force ele numa posição, ele consegue sair dela quase que instantaneamente… é como aquele Ladino.”
Deixou que Ethan entrasse dentro do seu campo e desviou de outra estocada.
O rapaz desviou de um soco se agachando, mas um chute o fez voar contra um grupo de ladinos. Nisso, desviou dos cortes daqueles ao seu redor e se afastou de novo enquanto deixava Jack cair e cortar os próprios aliados com a espada.
Avançou e tentou uma Patada Leonina contra o pescoço do lutador, mas a Bento foi interceptada e teve que se afastar para evitar um soco.
Soltou um suspiro cansado, voltou a correr e falhou em mais ataques. Aquele ciclo se repetia, e mesmo que dobrasse o foco, apenas se frustrou.
“Droga… esse cabrunco tá lendo minha mente, por acaso?” Pulou na Zambatou e tentou uma estocada no olho do loiro, mas foi jogado para o alto.
Olhou para baixo e viu seu inimigo se preparando para o cortar em dois. Pôs a espada à frente do corpo e recebeu o ataque. Seu corpo foi lançado contra uma janela e só se deu conta dos arredores alguns segundos depois.
Se tratava de um barzinho. A recepcionista olhava para ele com claro medo, enquanto escondia algo atrás de si.
Só então que Ethan reparou na criança, que não devia ter mais de 4 anos. Tentou se levantar, mas mal conseguia se equilibrar. “Misericórdia, achei que essa desgraça de vila só tinha ladrões.”
Olhou novamente para a criança, que carregava uma pequena foice com corrente de madeira. Era um brinquedo, mas o menino carregava aquilo como se fosse um amuleto de proteção.
Aquilo o lembrou de um dos bandidos, que carregava a mesma arma. A criança se pôs entre ele e a mãe. “Claro… óbvio que aquele cara teria uma família…” Levantou-se e olhou para fora.
— Então, como vai ser? Quer que eu entre aí ou vai vir até aqui?
Levantou-se, caminhou até o adversário e se pôs entre a família e o monstro.
— Tu não para de falar, hein? — Dava o seu máximo apenas para ficar de pé, levantar a espada era um esforço hercúleo, mas não desistiu.
Não importava o quão machucado estivesse, nem que não tinha nenhuma energia.
Ethan estava disposto a lutar até o fim.
Correu e balançou a Bento, como um animal selvagem. Não parou um único momento, nem para descansar, nem para hesitar.
Os choques não importavam, o tremor nos braços era irrelevante. Apenas uma coisa lhe interessava, uma única coisa que o fazia seguir adiante, sem hesitar ou fraquejar.
A espada em suas mãos.
Era estranho. Cada golpe defendido, cada colisão de aço, cada onda de choque… tudo era eclipsado pela vibração que ressoava da espada e enchia seu interior.
Como uma voz que gritava, ela rugia para que continuasse. Para Ethan, aquele pedaço de aço era um poderoso imperador, e ele era o súdito leal. Como um gladiador, levantava de novo…
E de novo.
E de novo.
Não importava a força dos golpes, os machucados, apenas um sorriso selvagem se mantinha presente no rosto, uma expressão que fora copiada por Jack. Ambos balançavam as armas e riam.
Desviou de um corte do gigante de aço e cravou a Bento no braço do inimigo. Em seguida, foi lançado para longe com o balançar do mesmo membro. Ajeitou o peso e bloqueou o ataque seguinte com a espada.
Bateu na parede de novo.
Alguns inimigos tentaram se aproximar do que era um adversário caído, mas tiveram o pescoço separado do tronco. Ethan pulou de volta à ação e, com várias cambalhotas, cortou a carne exposta do “Dragão em forma humana”.
Jack não ficou atrás e pisou no chão com tamanha força que criou uma onda de choque, que mandou todos ao redor para longe. Em seguida, correu até o rapaz caído e tentou o finalizar.
Indo contra a lógica, o jovem Destruidor se levantou e desviou da estocada, em seguida, tentou perfurar a garganta do inimigo, mas a Bento foi detida pela mão encouraçada, e Ethan foi atirado para longe.
Rolou no chão e se levantou, desviou da espada e tentou continuar o ataque, mas foi barrado pela placa de ferro, que o jogou contra a parede. Com uma cambalhota, ele se atirou de volta para a luta e os dois seguiram naquela dança mortal, com uma expressão eufórica no rosto de ambos.
Ethan tentou cortar o lado de Jack mas um puxão no pé o enviou contra o chão. Com um forte chute no punho, desvencilhou-se do homem e aterrizou no chão. Foi forçado a desviar de um corte que rachou o chão. Uma euforia tomou parte de si após dar um forte soco.
Em seguida, usou da Patada Leonina para cortar o peito do loiro. Estava para continuar o ataque mas o pulso foi segurado pelo oponente, que sorria feito um louco.
Num instante, foi enviado contra a parede com tanta força e velocidade que a adrenalina e euforia nas veias o deixou e o cansaço retornou com tudo. Levantou-se a tempo de desviar de uma estocada e pôs a Bento como escudo.
O som de metal contra metal criou um susto na expressão e foi enviado para longe num instante. Olhou para a Zambato estendida enquanto caia contra soldados, ambos inimigos e aliados.
Forçou-se a levantar, tanto para seguir acordado quanto para não ser decapitado por um outro adversário, e partiu para a luta uma vez mais.
Conforme avançava, ouvia tudo dentro de si. Desde o tambor que era seu coração até o estampido em suas veias. Cada fibra do seu ser gritava e clamava para que não desistisse.
Os passos eram como raios, nunca marcam o mesmo lugar e sempre deixam uma marca. A dupla de olhos fitava o adversário, o peito ardia com um sentimento que só fora direcionado a poucos.
Naquele momento, Chris sentiu gratidão.
Era estranho para si. Sempre se considerou uma pessoa pacífica, que não gostava de ferir os outros… de fato, nem queria ser alguém violento mas, conforme os últimos meses passavam pela sua mente, percebera uma coisa incomoda demais.
Ele não havia mudado nada.
Seu sangue clamava por batalha, não por calmaria. O sonho que tinha seria trilhado por uma estrada de sangue e, somente quando derramasse lagos e lagos, poderia alcançar a glória.
Se tinha algo que mudou dentro de si era que não mais ignorava essa verdade.
Não só a aceitava de bom grado, também adorava o sentimento que vinha daquele fato, amava a forma como se sentia. A forma como chutou um dos adversários que estava no caminho e cortou o torço de outro, sem nem perceber se era aliado ou não… era orgásmica.
Havia muitos que tinha que agradecer. Eram tantas que tinha dor de cabeça só de contar.
Contudo, era grato.
Mesmo agora, enquanto via sua espada ser defletida pela manopla de Jack e sentia a dor da Zambatou perfurar o estômago, ainda era grato.
— Eu sabia… nós dois somos da mesma laia, eu e você — sussurrou o loiro, que sorria com carinho enquanto olhava para a expressão de dor que Ethan carregava. — Mesmo perdendo, ainda tá com esse sorrisinho de merda.
— coff… Perdi… coff…? — Soltou uma golfada de sangue enquanto segurava a mão de Jack com força o suficiente para tremer o metal da armadura. — Idiota… nós somos os… vitoriosos!
No momento em que ouviu aquelas palavras, o espadachim sentiu um enorme perigo e, então, uma dor no pescoço. Com reflexos tão rápidos quanto raios, pulou para longe e balançou a espada, mandando o corpo ensanguentado na direção de Hector.
Também notou como a lâmina do assassino estava coberta de sangue… e levou a mão até a jugular, o calor e umidade eram como lágrimas de uma mãe.
— Cacete… não esperava por essa… — Assim que disse essas palavras ele usou toda a sua força para quebrar o chão e fugir pelo subsolo. O pisão foi forte o suficiente para chamar a atenção dos dois lados.
— Jack… aquele Jack fugiu?
— Não pode ser…
— Não se desesperem! Ainda temos Sigma conosco!
O som de um objeto rolando no chão foi ouvido. — Desculpe-me… mas acho que deviam se render. — O sussurro foi alto o suficiente para todos no campo de batalha ouvirem, um frio se instalou no estômago de todos ali ao sentirem a presença do rei.
“Que monstro…” Ethan pensou, a luz deixando os seus olhos conforme o sangue escapava livremente do seu estômago. “A presença dele tá no nível daquele fio do cabrunco… Esse é o nível que eu tenho que alcançar?”
Alguns ainda se mantinham de pé, prontos para dar as suas vidas pela causa. Eram poucos e o rei gravou bem o rosto deles. Assim que piscou, desapareceu e cabeças começaram a rolar no chão.
O caos deu espaço para a esperança dos membros da facção imperial e eles começaram a lutar contra os inimigos que deram tanto problema.
Estava acabado em minutos.
Alvaro olhou triste para a figura de Ethan, que era suportada por Hector. Sabia bem que ninguém poderia sobreviver aquilo e estava pronto para aceitar a morte do rapaz, mas o olhar do jovem Ladino o parou.
— Por favor… alguém aí é médico? Preciso de um médico! Meu amigo está morrendo!
Infelizmente, aquela cidade era um lugar onde médicos honestos não pisavam.
Feliz aniversário para a minha pessoa.