Volume 1 – Arco 1
Capítulo 20: Carlos
A porta do apartamento foi aberta num único movimento da Letícia. Ela queria fazer uma surpresa, mas acabou se surpreendo com o estado do lugar.
Logo após a porta ser aberta o cheiro de álcool misturado com o odor de vômito inundou seu nariz. Letícia, rapidamente tapou o nariz para não respirar o que vinha do apartamento.
— Carlos, sou eu Letícia... Carlos?
Letícia chamava pelo Carlos, enquanto entrava no apartamento. Com o nariz tampado, via como o apartamento estava bagunçado desde a última vez que esteve neste lugar. O pior era que não fazia nem mesmo uma semana. Havia várias garrafas de bebidas alcoólicas espalhadas no chão, comida estragada na mesa e até mesmo uma poça de vômito no meio da sala.
"Como ele conseguiu deixar esse lugar desse jeito em menos de uma semana?"
O apartamento não parecia um lugar habitável do jeito que estava. Letícia franziu a sobrancelha vendo como ele tinha ficado.
— Carlos? Carlos?
Letícia continuava chamando, mas não recebia resposta nenhuma. Enquanto procurava ao redor ela viu um rastro de sangue que ia para a cozinha, cacos de vidros estavam espalhados perto da entrada.
"Ele se machucou de novo?"
Aquela não era a primeira vez que isso tinha acontecido e Letícia quando caminhou até a cozinha ela viu o que já esperava que tinha acontecido. Sentado no chão e encostado na geladeira estava um homem com sua perna sangrando vestindo uma blusa rasgada e cueca. A trilha de sangue que Letícia tinha visto ia até ele.
O homem estava com uma pele branca devido a estar muito tempo longe do sol, o cabelo bagunçado caia em seus ombros e escondia seu rosto. Também era o cabelo que mais chamava a atenção, o homem parecia ter cerca de vinte anos, mas o cabelo dele era prateado.
Ele parecia ter vivido por muitos anos, no entanto a sujeira cobria o leve brilho que antes seu cabelo emanava. A barba por fazer e as unhas grandes completavam a visão desleixada do homem.
Quando Letícia se aproximou dele, o cheiro do corpo estava horrível. Não era para menos, visto que estava vivendo num lugar como aquele e parecia não ter tomado banho há anos.
Letícia retirou um pouco do cabelo do rosto do homem e viu os olhos dele que tinham perdido a muito tempo seu brilho. Os olhos negros pareciam engolir toda a luz e não eram mais vívidos. Se não fosse o leve movimento em seu peito, pela sua aparência alguém o confundiria com um homem morto.
Puxando o homem para se levantar, Letícia carrega-o até o banheiro e coloca-o dentro do box. Ela continua segurando o homem para que ele não caia e liga o chuveiro. A água caía no corpo do homem e alguns respingos caia na Letícia a fazendo se arrepiar com a água fria.
Foi nessa situação que ela segurou o homem por mais de cinco minutos embaixo do chuveiro. Letícia encarava o homem, se alguém a visse veria a preocupação que ela tinha com aquele homem. Mas toda aquela preocupação passou quando viu sua primeira reação.
— Essa água está fria! — O homem apenas olhou para Letícia com o canto dos olhos quando falou. Em seus olhos que antes pareciam vazios agora tinha um leve brilho.
— Isso é o que você merece por fazer eu me preocupar com você. — Um leve sorriso estava no rosto da Letícia quando ela soltou o homem.
Após Letícia soltar o homem ele encostou na parede do box e deixou seu corpo deslizar se sentando no chão enquanto a água do chuveiro ainda caía no seu corpo. Ele ainda não parecia bem, mas levantou a cabeça para olhar Letícia. O cabelo prateado molhado estava grudado no rosto e em seu olhar não havia sentimento algum. A voz do homem soava tão indiferente.
— Primeiro o Thiago e agora você veio. Vocês não tem nada melhor pra fazer ou vocês marcaram pra estragar meu dia?
— Você deveria me agradecer de vir aqui em vez de falar essas besteiras. Eu estava preocupada. — O leve sorriso da Letícia desapareceu quando ela repreendeu o homem.
— Se já viu que eu estou bem vá embora. Eu estou ocupado.
— Ocupado? Você fica o dia todo aqui bebendo.
— É uma boa ocupação, então não me atrapalhe.
Letícia suspirou e, então falou:
— Eu falei com a Gabriela e ela conseguiu uma missão pra você.
— Missão? Eu não quero nenhuma missão. Diz pra Gabriela que eu recusei. — O homem continuava do mesmo jeito embaixo do chuveiro.
— Não diga isso. Ela teve que cobrar alguns favores para conseguir essa missão. Depois do que você fez, você tem sorte que...
— Sorte? — O rosto do homem escureceu e seu tom ficou agressivo — O que aconteceu, foi sorte pra você? Eu pareço alguém que teve sorte? — O homem se levantou e encarou Letícia. — Se eu tivesse sorte, então ela... ela... Eu não teria... Eu...
As palavras pareciam não querer sair da boca do homem e seu rosto escureceu.
Bang.
O corpo do homem se chocou com a parede. Letícia o tinha empurrado contra a parede e tinha o braço pressionado no pescoço dele. Ela o encarava com raiva.
— Você acha que eu não gostava da Thamires? Você se esqueceu que eu também cresci com ela? Você acha que eu esqueci o que aconteceu naquele dia? Eu estava lá Carlos. Estava com todo mundo. Eu também queria culpar o Thiago por abandoná-la. Eu também queria te culpar por ir contra as ordens. Mas eu não posso e você sabe por quê? Ela não ia querer isso. Ela... — a voz da Letícia se acalmou — ela sempre quis nossa felicidade. Pense em como ela estaria se tivesse te vendo desse jeito.
Cof cof cof.
Carlos começou a tossir depois que Letícia parou de pressioná-lo.
Suspiro.
— Nós estamos preocupados com você Carlos. Nós sabemos que é difícil, entretanto precisamos seguir em frente. Você está a muito tempo aqui desse jeito, mas já está na hora de voltar. Vamos lá, ocupe um pouco sua mente, será melhor.
Letícia estendeu a mão para o Carlos. Ela esperava que ele iria voltar aos poucos ao trabalho, voltar aos poucos a viver. Mas Carlos ficou apenas parado e olhava para a mão dela. Ele a olhou e viu o rosto preocupado dela.
— Por favor, Carlos!
Carlos podia ver toda a tristeza nos olhos da Letícia, ela que era uma pessoa a qual conhecia há muito tempo estava preocupada com ele e estava triste vendo o daquele jeito. Ele estava pensando em continuar ali, porém não queria continuar a preocupando.
"Talvez... Esteja mesmo na hora..." pensou Carlos.
Ele decidiu não a deixar triste. Ele iria tentar não a preocupar. E como ela disse Thamires não ia querer o ver assim. Então, mesmo sem muita vontade ele acenou levemente a cabeça.
*****
Eu ainda sinto meu corpo.
Isso é bom, quer dizer que ainda estou vivo... Eu acho.
O lugar onde eu estou está quente. Ei, alguém poderia ligar o ar condicionado?
Droga. Meu corpo não se mexe. Não consigo nem abrir meus olhos. O que está acontecendo comigo?
Suspiro.
O que será que aconteceu depois que eu falei com a Laila? Eu não me lembro de nada, eu só sei que apaguei depois de falar com ela.
Será que eu a verei de novo?
Suspiro.
Eu penso nisso depois. Primeiro eu tenho que saber o que aconteceu comigo. Então, tenho que abrir os olhos.
Hmm~
Vamos... vamos... abra os olhos... Droga eu não consigo abrir os olhos.
Tá ok. Tá ok. Pense um pouco, Kishito. Pense num jeito.
A primeira coisa que preciso fazer é me concentrar em apenas uma coisa, eu preciso achar um lugar no meu corpo do qual posso mexer. Eu tenho que tentar um a um.
Ok. Vamos começar com a mão direita. Primeiro o dedo indicador.
...
Certo. Bora tentar mais uma vez o dedo indicador.
...
Tudo bem, o primeiro não foi. Agora vamos tentar o dedo médio.
...
*****
...
Esse foi o último dedo do pé. Merda, eu não consegui mexer nenhum dos meus dedos.
Suspiro.
E agora? O que mais posso fazer?
Tum tum.
Esse barulho é?
Tum tum.
Agora que parei eu consigo ouvir as batidas do meu coração. Eu não tinha percebido isso. Bem, pelo menos confirma que eu estou vivo ainda.
Hm. Mas o que é isso? É uma chama? É... parece uma chama. O que é essa chama? Eu sinto ela perto do meu coração. Ela parece tão aconchegante.
...
O que acontece se eu me concentrar nessa chama?
Isso...
A chama está aumentando.
Quanto mais eu me concentro nela mais aumenta... Agora está se espalhando como se cobrisse meu corpo.
Trimrimrimrim~
Um alerta? Isso é?