Volume 1 – Arco 1
Capítulo 1: Decisão
Coturnix japonica, também conhecida como Codorna Japonesa. É um belo pássaro encontrado por aqui. Eles possuem penas pintadas sobre uma base marrom escura e uma faixa branca sobre seus olhos.
Vê-los voando em volta da escola é comum por estarmos perto de um rio. E agora, estou olhando para um em cima de um dos galhos da cerejeira centenária que deu nome a esta escola.
Essa árvore se tornou um grande mistério em nossa cidade. Parece viver no seu próprio tempo, sem seguir as estações do ano. Por vezes floresce no inverno, outras tem sua forma sem folhas na primavera. Esse ano, suas folhas amareladas dizem que para ela é como se fosse o outono.
Um pássaro livre em cima de uma árvore que segue suas próprias regras. Olhando para ele, a única coisa que me vem à mente, é a inveja.
Sim, invejo um pássaro, invejo sua liberdade. Não, liberdade eu tenho, acho que seria mais o fato de poder voar por aí sem ter que cumprir regras.
Sim, queria ter a coragem de viver assim. Tenho liberdade para isso, mas não tenho a coragem de fazê-lo.
Putz! Eu nem sei mais o que quero, nem me lembro mais como fiquei assim.
Olha só, esse pássaro é macho, posso ver daqui uma coloração avermelhada em seu peito. E agora, nem consigo mais organizar meus pensamentos.
Bom, acho melhor colocar meus pensamentos em ordem. Estou dentro de uma sala de aula, olhando pela janela uma codorna macho em cima de um galho da cerejeira que não segue as estações do ano, pensando na minha vida tediosa e tentando me lembrar o do porquê estar assim.
É, não ajudou tanto quanto pensei que ajudaria. A minha carteira fica na parte dos fundos da sala, a sala 1305-E. Ela fica perto da janela, então, é muito comum me verem olhando pela janela durante as aulas.
As pessoas dessa sala... não, diria que as pessoas dessa escola me acham estranho. Eu percebo como olham para mim, mas isso é de se esperar já que não falo com nenhum deles… bem, diria que não falo com ninguém além da minha família.
Vivo isolado no meu próprio mundo e não tenho coragem de sair dele. Desde criança, nunca vi motivos para me relacionar com outras pessoas, mas sempre tive um sentimento inexplicável.
Esse sentimento de que algo está faltando; o de seguir em uma jornada a procura de algo que nem ao menos sei o que é, e mesmo assim não posso viver sem ele, mas mesmo assim saberia quando o encontrasse.
Até que um dia, seis mêses atrás, esse sentimento mudou. Nesse dia foi quando a vi pela primeira vez. Seu nome é Xia Bianlai, uma aluna chinesa transferida para minha sala.
Seu corpo magro, curtos cabelos negros e olhar penetrante fez esse sentimento desaparecer. Enfim eu tinha encontrado o que tanto procurava; ou era isso que eu achava.
Desde a primeira vez que a vi, sempre quis falar com ela. Queria lhe dizer sobre esse sentimento dentro de mim, mas nunca tive coragem. Ela também não parece alguém com muitos amigos. Desde que chegou, todos que tentaram ser amigos dela foram ignorados. A não ser as duas pessoas que estão sempre com ela: Alicia Castilho e Donavan Panagos. Eles foram transferidos junto com ela e parece que se conheciam há muito tempo.
Pelo que ouvi falar, Castilho Alicia veio da Espanha. Seu corpo esbelto combinava com seu longo cabelo castanho, o qual tem um leve cacheado nas pontas e, ao contrário da Xia Bianlai, seus fartos seios chamavam a atenção dos garotos da escola.
Já Donavan Panagos era um garoto muito magro. Ele tinha um cabelo preto longo que cobria seu rosto e, por ser alto, andava um pouco curvado.
Os três normalmente estavam juntos, chegavam juntos e saíam juntos da escola.
— Hishima-san... Ei Hishima-san...
A voz que eu ouvi era conhecida, mas eu não me importava se alguém estava me chamando. O que eu queria era continuar olhando aquele pássaro na árvore e pensar mais um pouco, mas a dor que eu senti ao ter algo acertado em minha cabeça me fez olhar para quem tinha me atingido, enquanto minha mão alisava minha cabeça no local do impacto.
Aquela que me chamou era a minha professora e pela expressão em seu rosto, ela não estava nada contente. Os outros alunos riram depois da professora ter lançado um giz a mais de cinco metros de distância e me acertado.
— A vista estava boa?
Me levantei rapidamente da carteira e depois que todos pararam de rir, pude finalmente dizer algo.
— Me desculpe, professora.
— Sente-se, Hishima-san. Quero ver você depois da aula, entendeu?
As palavras da professora vieram junto com um olhar sério que me fez tremer. A única coisa que consegui fazer foi abaixar a cabeça e respondê-la arrependido enquanto me sentava:
— Sim, professora.
— Castilho-san, responda à questão dois.
— Sim, professora. — Alicia Castilho se levantou rapidamente respondendo a professora.
Eu estava sentado quando Alicia Castilho começou a responder à questão dois. Ela tinha a atenção de todos enquanto falava. Sua voz era encantadora e sua pronúncia era tão perfeita que nem parecia que havia se mudado há pouco tempo para cá.
Se não fosse a sua aparência típica da Europa, todos a confundiriam com uma japonesa. E foi enquanto a olhava que tive um sentimento estranho; era a sensação de estar sendo observado. Rapidamente me virei para olhar em volta.
Foi quando nossos olhos por um curto momento se cruzaram. Aquele olhar penetrante me fez arrepiar; era como se ela estivesse olhando dentro de mim. Sim, Xia Bianlai estava me observando por alguma razão; provavelmente era pelo ocorrido há pouco tempo. Esse momento não durou muito, pois ela logo se virou para frente.
Ultimamente, estou com a sensação de estar sendo observado e hoje eu a vi me olhando. Será que é ela que está sempre me observando? Não, deve ser apenas impressão minha. Não há razão para ela me observar.
Acho melhor não pensar muito sobre isso, deve ter sido apenas minha impressão. Talvez, seja porque hoje eu estou um pouco mais desligado que o normal. Acho melhor continuar a assistir a aula, esperar ela terminar e ir pra casa aproveitar esse dia que era pra ser especial, já que nesse dia, há dezessete anos, eu nasci.
*****
— Aaahhh! Aquela professora é o demônio em forma de mulher! Me fazer ajudá-la até o anoitecer arrumando aquilo.
Kishito Hishima andava pelas ruas desertas à noite na parte residencial da cidade. Seu descontentamento era visível em seu rosto e as reclamações em voz alta o fariam passar por louco se outros o vissem daquele jeito.
Era seu aniversário e teve que trabalhar até tarde, fazendo seus planos irem por água abaixo. Ele iria pra casa e faria um belo jantar, mas ao invés disso, estava voltando pra casa com uma marmita comprada no mercado.
Depois de tanto reclamar, Kishito continuava seu caminho para casa agora com o corpo encurvado que enfim estava cedendo ao cansaço de todo o trabalho que teve com a professora.
Ele já estava se conformando ao ver o quão ruim foi o dia, mas foi quando um pensamento lhe fez entristecer ainda mais: "Esqueci de comprar o isopor."
Kishito continuava seu caminho para casa enquanto andava passou em frente um beco sem saída próximo a sua casa quando ouviu um barulho de gemido.
Ele parou e olhou fixamente para o beco enquanto tentava ver alguma coisa na escuridão, mas só conseguia distinguir uns sacos de lixo.
Humm, Hummm, crash, crash.
O gemido agora veio junto com um barulho de algo se movendo em meio ao lixo. Forçando mais a sua visão, conseguiu ver uma figura jogada em meio aos sacos de lixo.
Ele não queria ir até lá, pois sabia que seria perigoso. O certo a fazer seria ligar para a polícia para alguém averiguar o que estava acontecendo, mas um sentimento estranho percorria seu coração.
Poderia ser curiosidade, mas nunca foi curioso a ponto de colocar sua vida em risco. Sua cabeça estava pensando em várias coisas que poderia estar acontecendo naquele beco e por isso seu coração batia cada vez mais forte, no entanto, ele não resistiu e andou em direção ao beco.
Os passos que Kishito dava eram curtos, suas pernas tremiam enquanto avançava aos poucos. Ele sabia que tinha algo errado ali, mas, mesmo assim continuou. A cada passo que dava seu coração batia mais rápido.
Foi então que chegou perto da figura jogada em meio ao lixo, era uma pessoa lá. Seu coração continuou batendo rápido, mas dessa vez parecia diferente. Ele olhava fixamente para ela e então paralisou.
Uma garota desmaiada estava na sua frente. Sua pele branca e lisa dava um contraste com seu cabelos negros e curtos. Seu corpo magro era encantador e quanto mais olhava mais fascinado ficava.
Alguns segundos depois, finalmente percebeu o que estava acontecendo: Xia estava desmaiada no meio do lixo. Observando-a melhor, viu que estava machucada. Vários cortes em seu corpo sangravam e mancharam sua pele branca, seu uniforme estava todo ensanguentado. Olhando aquela cena, Kishito pegou seu celular e discou para uma ambulância.
Tuu... Tuu... Tuu...
O telefone chamava enquanto olhava para Xia desmaiada. A mãe dele era médica e sempre lhe ensinou a não mexer na vítima. Ela estava respirando, ele podia ver, por isso o melhor era esperar os paramédicos chegarem para ajudá-la.
Tuu... Tuu... Tuu...
O telefone continuava chamando quando Kishito viu algo que mudaria sua vida. Era algo pequeno que estava marcado na pele da Xia; era uma tatuagem de um pequeno pássaro localizado entre seus seios.
A tatuagem normalmente estaria escondida debaixo do uniforme, contudo, como estava rasgado a tatuagem ficou à mostra.
A situação tinha mudado completamente. O simples fato dele ter visto a tatuagem mudou tudo. Se a ambulância a levasse, algo ruim poderia acontecer e não a veria nunca mais.
Ele ficou em dúvida, não sabendo o que fazer, mas uma voz lhe alertou para a urgência de uma decisão.
— Alô qual é a emergência? Alô? Alô? — A voz no outro lado do telefone insistia por uma resposta.
Kishito sabia que algo deveria ser feito, mas o que ele não sabia era que a decisão que tomou mudaria sua vida para sempre.