Volume 1 – Arco 1

Extra: Sebastian

O território Millard, pertencente ao Império Archive, tinha o dobro de tamanho em comparação com muitos outros territórios. No entanto, por suas terras inférteis e seu clima oscilante, era um dos poucos onde seu próprio povo acabava morrendo de fome.

Sebastian, filho de um casal que serviu aos Millards — a família nobre pobretona — passou praticamente toda a vida neste infeliz lugar.

Na sua infância, por ter tido a chance de conhecer o chefe anterior da família, aquele que parecia ser uma boa pessoa, sempre dando o melhor por seu território, acreditava que sua mentalidade seria passada ao seu filho, Rais, o atual chefe dos Millards, e as coisas iriam melhorar.

Contudo, infelizmente, nada do tipo aconteceu.

Assim que ele se foi e seu primogênito herdou sua posição, os problemas no território apenas começaram a piorar…

◇◆◇◆◇

Em um certo dia, Rais apareceu com  Valéria, uma jovem moça que dizia fazer parte de uma família de barões do sul.

Mais tarde, essa mesma figura se tornou sua esposa e lentamente começou a mostrar sua verdadeira face.

A agora condessa, antes de se envolver em inimagináveis tipos de luxo, havia aumentado os impostos cobrados à sua população e cortado o pagamento daqueles que eram fundamentais para o território se manter sem tantos problemas.

Já Rais nunca levantou um único dedo sequer para tirar satisfação ou resolver qualquer um dos infortúnios causados por sua mulher.

Com mais um passar dos tempos, as crianças dos Millards nasceram...

Thomas, o primeiro filho, era um figura sábia e peculiar. Entretanto, por  sua magia estar abaixo da média, acabou perdendo a chance de ser o próximo herdeiro e foi encarregado a um cargo oficial do governo em uma cidade do interior.

Cliff, o segundo filho, era completamente diferente do seu irmão. Ele era um jovem vaidoso que possuía uma grande afinidade com magia. No entanto, faltava-lhe uma habilidade vital que todos os governantes deveriam possuir: Empatia.

Já diferente de seus irmãos, Aqua, a terceira filha, era ainda mais inteligente, bondosa e carregava um forte senso de justiça. 

Contudo, claro, não era como se isso valesse algo nesse tempo, pois no império, o rito de sucessão sempre caía sobre os homens — logo, no caso de uma família ter apenas garotas, era comum receber um genro de outro nobre. — Então, era até meio óbvio também que mesmo que Cliff não fosse o próximo sucessor do território, um genro, escolhido a dedo por Valéria, acabaria ocupando o lugar.

E mesmo que esse escolhido não passasse de um fantoche, os cidadãos não acabariam ajudando muito. Eles, definitivamente, apoiariam qualquer um que fosse escolhido por um dos donos do território onde vivem.

◇◆◇◆◇

Uma vez que Sebastian sentiu que um futuro sombrio era a única coisa que estava por vir, um raio de esperança brotou.

Da filha do visconde Maguire, a amante de Rais, o atual chefe dos Millards, Grey nasceu.

No entanto, assim que a igreja o registrou com insuficiência de mana, tal criança, que desde o nascimento recebeu muito amor de sua mãe, testemunhou a súbita mudança de ares.

Sua primeira família, os Maguire, aqueles que esperavam um herdeiro "forte", forçaram a sua separação materna. Logo, o jovem Grey não teve outra escolha e, completamente, se tornou parte da família de seu pai...

À vista de todos, Grey Millard era estranho. Ele não enfrentava Valéria, sua madrasta, mesmo que ela fosse a errada, e sempre estendida uma mão amiga para os criados.

Já eles, por terem medo de Cliff e da condessa, mantinham distância de sua figura —  não podiam esquecer que vinham de famílias pobres, cujo pagamento obtido por seus trabalhos era a única coisa que os mantinha vivos. — Logo, ficar contra as vontades dos dois indivíduos vaidosos, era algo não viável.

Entretanto, tudo mudou depois de um tempo…

Ao desaparecer por algumas horas, Grey causou uma grande confusão. Porém, depois que foi encontrado, ele parecia ainda mais estranho. 

Claro, não foi algo ruim já que foi essa súbita mudança que o fez, pouco a pouco, conseguir quebrar as amarras colocadas por sua madrasta sobre os criados.

Assim, não demorou muito para que todos eles, inclusive o velho mordomo, Sebastian, criassem laços com sua pessoa. 

Da família Millard, Grey era uma das únicas crianças que possuía uma grande bondade — claro, não era como se isso fosse capaz de mudar algo nesta terra e família podre — no mínimo, você precisaria ser tão sagaz quanto o chefe anterior do território.

Sabendo muito bem sobre isso, Sebastian apenas continuou a observá-lo por um tempo. E, logo, não pôde deixar de se espantar com os resultados.

Primeiramente, ele notou que a força corporal de Grey tinha ultrapassado em muito a de um adulto: A criança podia levantar facilmente um jarro cheio d'água com apenas uma mão. 

Segundamente, tinha ouvido boatos que essa mesma figura usava magia para caçar; soube também que ele até podia manipular o vento sem um único cântico.

Terceiramente, Sebastian soube através de rumores que Grey estava indo para o Ripple fazer negócios com um comerciante. De acordo com suas informações, a criança estava fazendo negócios na casa dos milhões.

E como se esses fatos não fossem suficientes — após ouvir suas ideias sobre a reforma agrícola — Sebastian percebeu que havia cometido um enorme mal-entendido.

Seu jovem mestre não podia nem mesmo ser comparado com o chefe anterior dos Millards; ele parecia mais um gênio sem limites nascido em uma época sem esperança...

Entre aqueles no território Millard, o único que mais conhecia Grey, agora, era Sebastian.

Por outro lado, todos tinham conhecimento sobre suas chances de se tornar o próximo chefe da família; eram microscópicas. Pois, além de ter que enfrentar a oposição de Valéria, teria que competir com os outros candidatos. E, claro, se os Maguire soubessem de sua genialidade, eles, imediatamente, tentariam pegá-lo de volta.

Em resumo, sua possibilidade não era apenas baixa e sim tão pequena que se podia dizer que é impossível.

Mas mesmo assim, Sebastian, para salvar o povo de seu território do colapso, não via outra escolha senão apostar tudo naquela jovem criança.

O velho que vivenciou de tudo e mais um pouco, tinha novamente esperanças; em seus olhos tomados pela escuridão, uma chama ardente se acendeu.



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