Volume 1
Capítulo 5: A Forma Herdada
Shizu havia partido. Partido, depois de me dar um objetivo final pelo qual lutar.
Até agora, eu basicamente tinha reagido às coisas conforme elas chegavam, lutando para manter minha cabeça acima d’água. Agora, porém, tenho uma motivação para reunir algumas informações sobre esse “Lorde Demônio”. Foi um trabalho que aceitei de cara, mas também uma promessa. E sou um homem que mantém suas promessas.
Além disso, não estava de mãos vazias. Ela me deixou algumas novas habilidades — a habilidade única, Divergente, e a habilidade extra, Controle de Chamas.
Oh, certo. Eu comi Ifrit também, certo? Ele não era muito parecido comigo, mas acabou sendo um indivíduo forte — avaliado acima de A, na verdade. Uma cobra ou lobo não teriam chances de lidar com ele, com certeza, dado que nenhum dos ataques deles poderia perturbá-lo. Demorou muito para passar de A, e agora podia-se ver o porquê.
Ainda tinha muita pesquisa a ser feita sobre minhas habilidades. Mas! Antes disso, havia algo ainda mais importante que precisava verificar.
Isso mesmo — transformar-me em uma pessoa real!
Me aventurei dentro da nova tenda que os hobgoblins tinham preparado para mim, me certificando duplamente de que todos os visitantes se afastassem antes que eu fechasse a porta.
Heh-heh-heh… Hah-ha… Ah-ha-ha-ha-hah!
Três níveis de riso e, então…
— ...Transformar!
Não foi acompanhado por nenhum efeito sonoro legal, mas executei Mímica: Humano em mim assim mesmo. Entretanto…
“…Huh? Whoa, whoa, whoa.”
Não houve a fumaça preta que eu esperava.
“Que diabos?” pensei, quando percebi que meu campo de visão estava um pouco mais alto.
Braços e pernas surgiram, e minha forma azul clara tinha se transformado em um tom de carne.
Hmmmm? Não tinha certeza do que aconteceu, mas algo me dizia que não era o que planejava. Não tinha um espelho em mãos, o que era um saco. Contudo—
Não queria admitir, porém estava familiarizado com essa forma, afinal. Era uma de muito tempo atrás, talvez trinta anos ou mais.
Era como o mundo parecia para mim quando ainda tropeçava na escola primária.
Espere um pouco…
Estava animado demais para notar, mas havia uma diferença-chave.
Não estava lá.
Minha suposta recém-nascida virilidade, que estava esperando ver abaixo. Não estava lá!
"Que porra!"
Estremeci internamente quando dei outra olhada na minha virilha. Apenas confirmei o pior. Era suave como a bunda hipotética de um bebê.
Voltando a pensar, isso não foi algo que me incomodei de verificar quando me transformava em outros tipos de monstros. Mas suponho que faz sentido. Se nunca tivesse que eliminar dejetos de meu corpo, que uso eu tinha para órgãos associados? E se não precisava me reproduzir — ainda estava em conflito sobre isso, porém se não precisava, então por que me incomodar com genitais?
É assim que estava, e isso é tudo. Era convincente de uma maneira estranha, mesmo que me levasse a um profundo sentimento de luto.
De repente, fui tomado por um impulso de tocar o topo da minha cabeça. Senti o cabelo macio lá em cima, me fazendo suspirar de alívio. Pelo menos não tinha a forma de um alien espacial!
“Isso é um passo à frente! E, pensando bem, eu era uma gigante bola de pelos em forma de lobo. Não. Essa é uma linha de pensamento perigosa.”
De fato, porém pensei que teria uma cabeça mais legal. Por que estava entrando em pânico? Precisava somente aceitar a verdade sobre o que aconteceu. Era difícil de engolir, mas pelo menos não era mais um slime.
É uma pena ser incapaz de ver meu corpo inteiro, pensei. E a habilidade de Replicação, que acabei de pegar de Ifrit?
Parece uma boa ideia. Fez um ótimo trabalho, Rimuru. Não sabia se funcionaria, entretanto valeria a pena.
Névoa negra saiu do meu corpo, formando uma fígura humana na minha frente. Parece ter funcionado. Foi executada em um instante, revelando...
— Oh, merda. Péssimas notícias.
Primeiro de tudo, minha aparência. O cabelo era cinza prateado, com um leve toque de azul, completando com um par de grandes olhos e um charmoso e jovem rosto... feminino? Masculino? A falta de genitais fazia isso ser insignificante, contudo, em termos de aparência, eu parecia mais uma garota do que um garoto. Provavelmente graças à Shizu; não havia mais características que podia identificar como minhas.
Não era uma recriação perfeita dela, entretanto. A cor do cabelo era uma coisa, todavia os olhos dourados eram outra. Veldora os tinha também, o que é um traço comum entre os monstros mais fortes.
E, calma aí, os olhos de Ranga não são um vermelho-sangue puxado pro dourado também? Embora mudem dependendo do quão animado está. Mesmo assim, talvez tenham mudado devido à minha influência sobre ele como seu nomeador.
Nada desta forma era meu. Neste mundo, a única coisa minha de verdade era a alma, pelo jeito. Este corpo era mais da Shizu, e, cara, ela deve ter sido uma menina bem amada... Minha pele era muito, muito suave, sem a textura emborrachada da minha forma de slime.
Então esta garotinha fofa estava de pé à minha frente, nua. Não que houvesse algo que precisasse esconder, então era mais pela ética. Se a polícia existisse aqui, eu estaria em sérios problemas.
Rosto fofo, hein. Tinha que dar os créditos à Shizu, porque, viu, ela foi abençoada pelos céus. Não fui muito feio quando jovem, mas ninguém me descrevia como lindíssimo, não importa o quão procure em minhas memórias.
"Preciso a agradecer, de verdade" pensei, amarrando uma manta ao redor do meu corpo e do doppelgänger.
Agora precisava pegar alguma roupa.
Certo, voltando ao tópico principal... Oh, merda. Minhas habilidades vieram para esta forma humana.
Algo que não considerei antes de conjurar a réplica era se meus pensamentos avançados me permitiriam uma conexão completa e em tempo real com minha cópia.
Nós dois eramos ambos "eu", de um jeito qual não havia diferenças destacáveis entre nós. Se as habilidades de Replicação de Ifrit não se comparassem a mim, seria somente uma imitação.
Tudo bem. Talvez não eramos tão idênticos. Uma grande diferença era a capacidade de magículas da cópia — podia suportar somente a quantia usada para criá-la, e eu podia "instalar" mais dentro, se quisesse.
Eu tinha uma boa quantia para usar, então, dependendo da aplicação, podia fazer várias coisas com ela.
Outro problema era que, enquanto Ifrit podia gerar dez ou mais cópias sem cansar, minha Replicação era tão complexa e detalhada que uma única cópia era o meu melhor.
Mesmo assim, podia fazer uma cópia de mim mesmo com todas as habilidades defensivas e ofensivas. Qualquer inimigo que visse esta habilidade acharia que eu estava trapaceando.
O motivo do terceiro e último "oh, merda": parecia muito natural tomar esta forma. Percebi quando vi que nenhuma névoa negra cercava mais meu corpo.
Por exemplo, minha forma de lobo negro.
Definitivamente usava a névoa para criar aquela forma, embora tivesse resultados mais fracos em comparação com o meu eu slime.
Era difícil perceber graças aos meus movimentos limitados disponíveis numa forma sem membros, mas as células de um slime eram poderosas — cada uma poderia servir como célula de um músculo, cérebro ou nervo. Viu o efeito de racionalização? Enxergar coisas com os outros, levar a informação ao sistema nervoso, depois ao cérebro — podia pular tudo isso. Até sem as melhoras do Sábio, meu reflexo estava acima de pessoas normais.
Transformar com a névoa negra, porém, criou um leve intervalo de tempo entre pensar algo e mover meu corpo como reação.
Isso, notei, era o que tornava a réplica "inferior" ao corpo real.
E para essa forma humana livre da névoa?
Você adivinhou: tinha os mesmos reflexos da minha forma normal de slime, e por isso parecia tão natural. Ter membros também melhorou minha mobilidade imensamente. Mesmo na forma infantil parecia mais fácil movimentar do que como slime, embora cansasse mais rápido.
A grande coisa era que a falta de névoa negra significava que, ao me tornar humano, custaria zero de magia. Quão conveniente! Com certeza estaria usando esta forma para a maioria das minhas atividades futuras.
Hora de tentar algo. Dei uma ordem à réplica, e foi um processo suave, que nem mover meu próprio corpo.
Névoa negra apareceu ao redor... e a cópia começou a amadurecer! Uma elegante visão: cabelo cinza longo, e uma aparência andrógina.
Perfeito! Poderia também moldar esta figura para parecer mais feminina ou masculina — máscula de verdade, obesa, ou idosa.
Conforme descobria as coisas, pude transformar em todos os tipos de figuras, usando magia para cobrir qualquer coisa que eu não tivesse, assim como transformações de monstros. Era uma boa forma de me dar mais força como um humano.
Prejudicava meu tempo de reação, mas quanto mais crescia, mais poderoso ficava. Velocidade era o mais importante em qualquer luta; sabia disso, porém ter um bom equilíbrio era algo qual podia experimentar nos próximos dias.
E então Satoru Mikami, um cara normal na meia idade vivendo uma vida perfeitamente excepcional, veio a gostar de sua inesperada reencarnação como um slime. Após adquirir a forma e emoções de uma certa mulher, ele também ganhou uma missão na nova vida.
E depois de um tempo, esse único slime chamado Rimuru teria o papel central em alguns dos mais tumultuosos tempos que o mundo já viu