Volume 2
Capítulo 76: O Preceder do Mergulho
— Não. Isso não vai acontecer — afirmou Celina com firmeza rejeitando a proposta.
Colth se mantinha pensativo naquela elegante sala reservada da fortaleza voadora, enquanto esperava com a guardiã de Tera pelos outros dois. No mesmo corredor onde Mon estava recluso, a iluminação era serena, vinda de velas em suportes de ferro por todas as paredes revestidas de madeira nobre, e a atmosfera era menos carregada do que o cativeiro do homem animalesco próximo dali.
O rapaz olhou para Celina com um misto de determinação e compreensão:
— Eu disse que faríamos o que fosse necessário para convencer Dilin a nos ajudar.
— Você ouviu o que Koza disse? — Celina continuou, a intensidade de suas palavras refletindo sua preocupação sincera. — O irmão dela está consumido pela magia de Rubrum. Sua consciência já não é mais humana. Você teria uma chance muito pequena de conseguir trazê-lo de volta.
O guardião de Anima desviou o olhar para o chão, pensativo, sua expressão carregada de conflito interno.
— Depois do que eu ouvi... sabendo que esses dois foram forçados a lutar ao lado de Lashir, eu deveria tentar ajudá-los.
Celina franziu o cenho, frustrada: — O que a Lashir fez não é da sua responsabilidade.
Colth suspirou, sua voz carregada de culpa e desejo de fazer o certo: — Eu sei... mas eu posso ajudar.
A garota ergueu a mão, pronta para dizer mais alguma coisa, mas a dor em seus olhos mostrava o quanto aquela ideia a angustiava. Ela não queria imaginar perder ele, isso incluía arriscar a vida para trazer alguém de volta da escuridão de uma magia corrompida. Recolheu a mão.
Colth finalmente encontrou o olhar dela novamente, o seu próprio expressando a complexidade de suas emoções:
— Não podemos deixar essa oportunidade de contarmos com a ajuda de Dilin passar, principalmente quando essa oportunidade vem acompanhada de salvar alguém de uma perversidade tão grande.
Celina fechou os olhos por um momento, deixando escapar um suspiro frustrado. Ela sabia que não podia mudar a mente de Colth, mas também não podia deixar de se preocupar com ele. Ainda assim, tentou mais uma vez:
— E se ela não cumprir com a parte do trato dela? Ela não parece muito confiável.
No mesmo momento, a porta dupla do quarto se abriu e revelou Dilin adentrando ao cômodo enquanto acompanhada de Koza:
— Eu ouvi isso — disse ela, sua voz ecoando com autoridade. Seu belo rosto tinha um sorriso neutro enquanto seus olhos brilhavam com um desafio implícito.
Celina não recuou: — Não me importo que ouça. Não temos nenhuma garantia sua de que nos ajudará após nós trazermos o Mon de volta.
— “Nós”? Você quer dizer o Colth, né? — Dilin afiou os olhos — Você mesmo, só está aqui como uma mera acompanhante, guardiãzinha.
— Sua...
Colth interrompeu a resposta irada que estava por vir de Celina. Ele colocou o braço frente a ela apaziguando: — Calma.
— Se duvida tanto de mim — Dilin continuou —, podemos fazer algo sobre isso.
Ela avançou com confiança até o centro da sala, unindo-se a Colth e Celina. Seu tom agora estava impregnado com uma dose cavalar de provocação:
— No meu mundo, em Nox, acordos entre clãs eram frequentemente selados por meio de núpcias. Afinal, não seria bem visto um parceiro trair a sua amada, ou vice versa.
O mero uso da palavra "núpcias" fez com que Celina soltasse um suspiro gelado. A ideia era tão inesperada e absurda que parecia uma piada de mau gosto.
Dilin não pareceu se importar com a reação da outra, mantendo seu sorriso enigmático:
— Colth é um guardião, então eu não estaria me rebaixando. Ele também chega bem perto do meu nível de beleza e temos objetivos alinhados de reconstruirmos esse mundo. — A baixinha se virou ao rapaz quase como se o desafia-se. — O que você acha, Colth? Consigo um mestre de cerimonias em questão de minutos.
— O que eu acho? — murmurou Colth espantado, enquanto uma série de pensamentos girava em sua mente. Ficou momentaneamente atordoado, suas palavras travadas em sua garganta ao tentar processar a sugestão repentina.
— Isso é ridículo. Como você pode falar algo assim com tanta tranquilidade?! — vociferou Celina com o tom carregado de indignação e surpresa ao mirar seus olhos assíduos sobre a pequena guardiã de Nox. — Não se brinca com sentimentos desse jeito.
— Hahaha! — Dilin forçou a risada. — Você é muito ingênua. Eu sou a guardiã de Nox, estou ofertando ao Colth a honra de estar ao meu lado, essa é a minha garantia. Assim como os meus servos, ele estará seguro e eu terei meu irmão de volta. Uma negociação justa.
— Justa? Isso está me parecendo outra coisa.
— Pense o que quiser — Dilin arqueou uma sobrancelha, como se a reação de Celina fosse algo completamente desprezível. — Você não tem relevância nessa negociação mesmo, pobre guardiã de Tera com o mundo devastado e sem deus.
— Dilin, isso não é... — Colth tentou intervir, mas suas palavras foram abruptamente interrompidas pela resposta veementemente irada de Celina. O rapaz desapareceu em meio a discussão das duas:
— Ah?! — Bufou a guardiã de Tera. — Se você guardou tão bem o seu mundo, porque não está voando com sua ilhota pelo SEU mundo? De qualquer maneira, Colth jamais aceitaria tal proposta vinda de uma mimada como você, Dilin.
— Como ousa?! — rebateu em mesmo tom irado a guardiã de Nox, avançou encarando a oponente. — Eu acabo com você em um estalar de dedos, garota. E quem decide isso é o Colth. Ele pode tomar as suas próprias decisões.
— Não! Eu já disse, o Colth não vai se envolver com você!
Enquanto a discussão ganhava cada vez mais calor, Colth lançou um olhar perplexo à Koza, como se buscasse alguma orientação em meio ao turbilhão. A pequena criatura respondeu com um olhar solidário, indicando que precisavam intervir antes que a situação saísse do controle.
— Eu estou tentando reconstruir o mundo que você deixou nesse estado, sua medíocre! — argumentou Dilin encarando de perto os olhos ferventes de Celina.
— Eu vou mostrar quem é a medíocre, sua mascote.
— Do que você me chamou? Repete!
Koza, agindo rapidamente, saltou entre as duas mulheres antes que pudessem partir para um confronto físico. Ergueu as patas em um gesto de rendição, tentando apaziguar o clima explosivo e pousou no ombro de Celina. — Podem parar! Isso tudo nem tem motivo! — gritou a criatura. — Já temos uma solução. Colth já se decidiu!
Os olhares de ambas as mulheres se voltaram para o guardião de Anima, exigindo uma explicação.
— Já decidiu? — perguntou Celina mirando os olhos no rapaz.
“Ah, Koza, seu... Jogou toda a responsabilidade para mim, né?” pensou Colth antes da resposta:
— É... já decidi, sim.
— Não me diga que vai aceitar ajuda dessa menina? — indagou Celina em expectativa.
— Cala a boca, guardiãzinha. E então, Colth? — perguntou Dilin, elevando o queixo com certa tranquilidade desaforada.
— Eu aceito o acordo, sem casamento. Aceito trazer o Mon de volta, desde que você nos ajude, Dilin. Não precisamos de garantia, confio nas suas palavras.
Celina e Dilin trocaram um olhar odioso, seus rostos expressando claramente que não estavam totalmente satisfeitas com a decisão. Ambas viraram o rosto em simultâneo.
— Que seja, então — completou Dilin e caminhou para fora do quarto.
— Espero que não se arrependa dessa decisão — finalizou Celina sobre Colth ao alcançar uma poltrona no final da sala e se sentar despencando o seu peso com os braços cruzados e o rosto fechado.
— É. Eu também — sussurrou o rapaz ainda tentando entender sobre o que havia concordado que as deixou tão irritadas.
Ele relaxou os ombros como se tivesse saído da situação mais tensa de sua vida. Koza parou a sua frente observante:
— Foi a decisão correta.
— Sério? Parece que a Celina me odeia agora.
— Exatamente. Como eu disse, a decisão correta — Koza repetiu, ignorando o olhar intensamente desconfiada do rapaz. Ele mudou de assunto: — Mas voltando ao foco, Colth. Falei com a Dilin. Há algo que você precisa saber antes de mergulhar na consciência do Mon — disse Koza com seriedade, sua expressão mostrando que estava prestes a discutir algo importante com o guardião de Anima.
***
Após um curto descanso, o grupo retornou ao quarto onde Mon estava preso, a atmosfera estava tensa e carregada de expectativa. A luz fraca da pequena janela ao fundo continuava soturna iluminando o local, dando uma sensação de melancolia ao ambiente. Colth estava de pé, diante da figura imponente e corrompida de Mon, preparando-se para usar sua magia de Anima e adentrar à mente dele.
Koza e Dilin se posicionaram na lateral do cômodo, esperando o final da preparação. Celina observava Colth com preocupação estampada em seus olhos. Ela se aproximou e colocou sua mão no ombro dele suavemente. Seu toque era reconfortante.
— Por favor, tenha cuidado. — Sua voz estava carregada de sinceridade e afeto. Parecia querer falar mais, mas se conteve.
O rapaz virou-se para ela, sentindo o calor. Deu um sorriso fraco, expressando sua gratidão.
— Obrigado, Celina. Eu vou fazer o meu melhor para trazer o Mon de volta. Se algo der errado... bem, você sabe o que fazer.
— Nem pense nisso — disse ela em tom de despedida se afastando, seus olhos mostrando determinação, mas também preocupação. — Estarei aqui para ajudar, seja lá o que acontecer.
Colth assentiu e voltou sua atenção para a figura corrompida à sua frente que grunhia como um animal.
Ele respirou fundo, canalizando sua magia de Anima e se preparando para mergulhar na mente da monstruosidade que rugiu com a sua aproximação feito uma besta acorrentada. Mon se debatia como uma fera que se tornara, os sons das correntes eram ensurdecedores no cômodo tenso pelos olhos ferventes em ódio do prisioneiro.
— Eu estou pronto! — gritou o guardião de Anima, determinado, em sinal para Dilin no canto da sala.
— Finalmente, depois desse melaço todo aí... — respondeu ela revirando os olhos provocativos na direção de Celina e, em seguida, se preparando.
Esticou ambos os braços e mostrou as palmas das mãos cintilantes em direção ao seu irmão, fez uso da poderosa magia de Nox.
— Cárcere! — proferiu a guardiã baixinha. Sussurrou em seguida: — Desculpa, Mon...
A monstruosidade acorrentada rugiu mais alto, incomodado. Parecia ter seu corpo apertado por uma força invisível que o obrigou a ficar imóvel com a testa pressionada ao chão de pedra. Continuou rugindo como um animal selvagem refém de uma dor aprisionadora.
— Vai, agora! — gritou Koza.
Colth avançou. — Eu odeio essa parte! — Esticou o braço e pressionou a nuca do ser monstruoso com a palma de sua mão emitindo o brilho característico.
No momento que tocou a pele grossa de Mon, Colth despencou desacordado.
A sala silenciou-se.
Quando se deu conta, Celina viu o guardião deitado frente ao alvo animalesco conectados pela magia de Anima. Ambos em sono profundo.
— Deu certo? — perguntou ela.
— Sim... — respondeu Koza com a preocupação mirando Colth. Sussurrou: — Agora é com você, garoto.
No momento em que a pequena criatura disse suas palavras, o chão tremeu violentamente. Foi o bastante para fazer com que todos os que estavam acordados perdessem o equilíbrio por um momento.
Um som de explosão à distância acompanhou a trepidação enquanto eles recuperavam a estabilidade de seus corpos.
— O que foi isso? — Celina questionou Dilin, tentando entender a movimentação agitada repentina da ilha flutuante.
A pequena guardiã respondeu com um olhar confuso, ecoando o mesmo sentimento de incerteza.
Antes que pudessem entender, a porta do cômodo se abriu repentinamente, por ela, um dos guardas de armadura da fortaleza adentrou trazendo palavras ofegantes e esclarecedoras:
— Mestre Dilin, estamos sob ataque!
— Ataque? — rebateu ela impressionada. — Estamos pairando acima das nuvens, quem se atreveria a...
Arregalou os olhos entendendo o quão forte o inimigo poderia ser. Afinal, quem em sã consciência atacaria a fortaleza dos céus da guardiã de Nox? E quem teria tamanho poder e audácia para isso?
Ela apertou os olhos e respirou fundo enchendo os pulmões com sua bravura:
— Quem ousa nos atacar?!
— Algum tipo de máquina voadora, mestra — respondeu o homem com sua voz ecoando pela armadura metálica.
— Algum dano? — perguntou a líder analisando a situação.
— Lateral frontal atingida por uma explosão. Alguns civis feridos, possíveis mortes.
Dilin cerrou os dentes e incendiou os olhos com uma raiva palpável dominando um rosto normalmente tão belo e gracioso:
— Preparem as defesas! — ordenou ao guarda enquanto se apressava para fora do cômodo em direção ao barulho da explosão. Ainda antes de sair, determinou à Koza e Celina: — Fiquem aqui e protejam o Mon!
A guardiã saiu pelo corredor enquanto seus olhos cintilavam um brilho poderoso na mesma frequência que as palmas de sua mão. Gritou palavras sem um alvo especifico:
— Seja lá quem for, eu mesma vou mostrar a esse idiota com quem ele se meteu! Não pode sequer pensar que vai tocar no meu império e achar que vai sair impune.
Em uma fúria imparável percorria o corredor, o seu andar era tão pesado e poderoso que o piso de mármore rachava e afundava sob seus pés a cada passo. Ela avançou, determinada a enfrentar qualquer um que fosse o responsável por aquilo. Bramou com sua voz carregando a mesma energia pulsante de suas mãos:
— Eu vou acabar com você. Vou mostrar quem é a pessoa mais poderosa desse mundo.