Volume 1

Capítulo 59: O Imprevisível se Apresenta

— O que foi que aconteceu aqui? — perguntou Colth espantado com o que estava diante dos seus olhos em meio a avenida principal de Albores.

O rapaz acompanhou Garta, Goro e o esquisitão Índigo. Deixaram para trás o subterrâneo do casarão de Tolson, o falecido ministro da Defesa, e avançaram pelas ruas residenciais da Capital, rapidamente chegaram à avenida principal do império e em seguida ao palácio real. Desde então não encontraram uma alma viva no dia ensolarado da região Central. Mas o que fez eles pararem e ficarem boquiabertos foi a vista que tinham do palácio.

O belo prédio luxuoso tinha parte de suas paredes desmoronadas assim como parte do muro que circundava a propriedade e fazia a segurança do lugar.

— Vejam! — exclamou Goro. Avançando em corrida até o portão principal escancarado da residência real.

Os outros o seguiram ao notarem a preocupação dele. Haviam soldados estirados pelo calçamento polido manchado de sangue. Quando se deram conta, perceberam que se tratavam de cadáveres. Os uniformes indicavam que se tratavam dos guardas, oficiais que faziam a segurança do palácio, eles foram completamente esmagados por algo incrivelmente poderoso.

Era inacreditável que o lugar mais seguro de Albores, havia sido completamente obliterado. Colth pensou alto:

— Quem faria algo assim?

— Quem teria poder para isso? — complementou Garta. No momento que o fez, foi interrompida por um fraco tossir vindo debaixo dos escombros que antes eram os altos muros do palácio.

Colth e Goro rapidamente se apressaram para ajudar, quem quer que estivesse soterrado por aquelas pedras, tinham a esperança de salvar uma vida ali.

Removeram os escombros com as próprias mãos e finalmente acharam o dono daquela tosse.

— Cof, cof. O que foi que aconteceu? — perguntou o anfíbio ao ver a luz do Sol novamente.

Koza estava levemente ferido, e parecia ter acabado de acordar após perder a consciência, ainda não havia recuperado as suas noções, mas já conseguia perceber que a situação não era das melhores.

— Eu é quem deveria fazer essa pergunta — retrucou Goro.

— Droga... eu não me lembro muito bem. Eu estava no ombro da Celina, prestes a entrar no palácio, quando algo nos acertou repentinamente e... ai, minha cabeça.

— Pega leve aí, sapo falante — preocupou-se Goro ajudando a criatura a sair do meio dos escombros.

— Talvez tenha sido algum ataque dos rebeldes, ou uma criatura sombria — pensou alto Garta observando os grandes estragos ao prédio luxuoso à sua frente.

— Não foi uma criatura sombria — afirmou Índigo analisando —, eu saberia. Também não vejo marcas ou ferimento de balas, e os guardas parecem terem focado em apenas uma direção antes de suas mortes. Isso foi feito por alguém, por apenas uma pessoa.

— Como pode ter certeza? — retrucou Garta.

— Eu já vi algo parecido...

— Aí! Vocês! — gritou um rapaz em meio a avenida, às costas do grupo. — O que aconteceu aqui?

Colth percebeu que Garta tensionou seus músculos. Não era para menos, ela já conhecia aquele indivíduo, e não tinha boas recordações.

O rapaz pedante caminhou pela avenida se aproximando do palácio, seu cabelo arrojado e seu rosto fechado continuavam a presumir o seu caráter violento. Gritou com ainda mais empenho:

— Eu perguntei, o que aconteceu aqui?!

— Ah, pronto. Mais um confuso sem saber de nada — comentou Goro.

— Bernard, não foi você quem fez isso? — indagou Garta estranhando tudo aquilo. Aquele rapaz impetuoso era o seu primeiro palpite para a autoria daquela destruição, mas a sua pergunta evidenciava o contrário.

— Eu? Por que eu faria isso? — rebateu feroz. — Tanto faz, vocês devem estar aqui para tentar resgatar a deusa Tera, certo? Eu já adianto que não vou deixar, eu protegerei meu objetivo.

— Não há mais motivos para proteger esse objetivo vazio, Bernard — disse Índigo direto.

— Você? Está ajudando esses estúpidos? Eu já sabia que você era um peso morto para Lashir. Ela deveria ter me deixado acabar com você antes que desse trabalho.

— Isso não importa mais, Lashir está morta. E o tão sonhado fim do ciclo de destruição dela chegou.

— ... — Bernard ficou pensativo enquanto metralhava o homem encapuzado com os seus olhos raivosos. — O que você disse?

— Não há mais motivos para lutar, Bernard. Não temos mais dívidas com aquela mulher.

— Dívida? Acha que eu estive ao lado dela por conta de dívidas? — sorriu o rapaz cheio de si. — Eu estive do lado dela, pelo poder. Esse era o único motivo. Eu a respeitava, mas tudo bem... a morte dela significa que eu não preciso mais me conter para acabar com você. — Mostrou seus punhos.

— Vocês — índigo se virou para o grupo que lhe acompanhava —, precisam achar a guardiã de Tera e impedir que ela desfaça a barreira da deusa.

— Tá, claro — aceitou Colth, sabendo que aquilo era prioridade.

— E Garta, se encontrar a Iara, certifique-se de mantê-la segura, por favor.

— Pode deixar — acenou positivamente a guardiã de Finn. — E você?

— Não se preocupe, eu já dei conta desse aí — afirmou convencendo os outros.

Colth, Garta e Goro acompanhado de Koza, correram apressados em direção as ruínas do palácio. Apenas Índigo ficou para trás, junto de seu colega que não media o tom:

— Sabe que eu vou acabar com você e logo vou matar todos eles, né? — perguntou Bernard bruto.

— Não, você não vai passar daqui.

— E quem vai me impedir? As suas mascotes?

— Pode apostar.

— Ahhh!!! — gritou Bernard avançando até inimigo ao seu ataque em estilo inconsequente.

 Se distanciando dali, Colth adentrou ao palácio pela grande abertura feita a força por um poder absoluto capaz de destruir uma parede de pedra de quase um metro de espessura.

Já no interior da residência real, o grupo liderado por Garta se deparou com mais destruição e corpos de soldados sem vida.

— Quem poderia ter feito isso? — perguntou Goro, espantado por tamanho arrasamento.

— Hm? — murmurou Koza pensativo ao ombro do indagador. — Isso não importa, temos que ir rápido até a deusa Tera.

Colth e Garta concordaram ao cruzarem os seus olhares preocupados. A resposta pairava no ar, mas eles se recusavam a aceita-las desse modo, devia haver outra explicação. Deixaram isso de lado e rumaram rápido para as escadarias internas do palácio luxuoso.

Garta reconheceu o caminho, mas não era preciso mais do que isso, o rastro de corpos com a vestimenta do ministério da Defesa manchados de sangue entre os degraus dos lances de escadas, saltavam aos olhos.

Não perderam tempo e avançaram apressados para o ponto mais profundo que aquela escadaria luxuosa levava.

E lá estava a porta dupla imensa de metal, danificada, como todos os outros móveis do porão escuro gélido com as paredes pintadas em sangue dos guardas que um dia protegeram o palácio. Avariada, a porta revelava a passagem para a sala em que Garta já estivera, o cativeiro de Tera. Ela engoliu seco antes de continuar apressada em direção a uma luz constante que vinha de dentro daquela cela.

Quando atravessou a porta, acompanhada de Colth, Koza e Goro. Ficaram estarrecidos. A resposta óbvia que eles tanto negaram, havia se confirmado.

Celina estava em frente a barreira que enclausurava a sua própria deusa. Interna àquela prisão de pura magia cristalina, Tera preocupava-se com os olhos sobre sua subordinada. Quando viu a chegada do grupo liderado por Garta, ela logo se voltou a eles em súplica:

— Vocês! Devem parar essa garota! — gritou a deusa Tera beirando o desespero.

As palmas das mãos cintilantes de Celina se apoiavam à barreira mágica enquanto a própria voltava os seus olhos submersos em lágrimas para os outros.

Colth foi atingindo por aquele olhar no mesmo momento. Aqueles olhos geralmente eram inofensivos e tão memoráveis quanto uma poça de água num dia chuvoso, mas quando demonstravam algum sentimento, eram surpreendentemente poderosos e perturbadoramente notáveis.

— Por favor... — clamou Celina com o rosto encharcado de suas próprias lagrimas — Façam ele parar.

— Ele? — perguntou Garta sem entender.

— Ela vai destruir a barreira! — Alertou Tera.

— Destruir? — disse Celina. As palavras saíram de sua boca. Mas o seu tom e ousadia não eram dela. — Bobinha, por que eu destruiria a barreira, se eu posso simplesmente reduzi-la até você não caber mais nela.

— Hueh? — Tera conhecia o dono verdadeiro daquelas palavras. — Hueh, o que você está fazendo? Controlar o corpo da minha guardiã contra a sua vontade? Isso não estava no nosso acordo.

— Você continua sendo a mais ingênua, não é, irmã? — Disse o deus de Anima através das palavras de Celina. — Eu vou acabar com você, aqui e agora.

— O quê?

— Vou abrir caminho para a mamãe. Finalmente vamos unir todos os mundos. Eu serei a escuridão, para que a luz dela brilhe ainda mais.

— ... — A deusa de Tera se calou com um passo para trás, dentro daquela prisão mágica. Não podia fazer nada além de observar a sua morte se aproximar.

Com o passo para trás, Tera se chocou com o fundo da barreira, finalmente percebeu que a sua prisão, a esfera imaterial de magia, estava diminuindo em tamanho. Apressou-se em seu clamor para o grupo liderado por Garta:

— Vocês, tem que impedir isso, agora!

Garta se prontificou de imediato. Voltou-se a Celina e avançou para tentar qualquer coisa.

A guardiã de Tera, a garota em lágrimas, suplicou com toda a sua força:

— Por favor, não! Não se aproximem! Eu não quero machucar mais ninguém. — Foi em vão, Garta continua em sua direção. — Por favor, não...

Celina retirou uma das mãos da esfera de energia que aprisionava a deusa e a apontou para a guardiã de Finn em ofensiva contra sua própria vontade:

— Não!!! — gritou ela em desespero.

Garta foi empurrada para trás, contra sua própria corrida, e de imediato ajoelhou-se em dor:

— Ahhh!!! — gritou ela recebendo o efeito da magia de Tera que continuava a ser despejada sobre o seu corpo.

— Garta! — preocupou-se Colth avançando em socorro.

— Para!!! Por favor, seja lá quem você for, para!!! — gritou Celina implorando em choro para a voz que consumia os seus pensamentos enquanto continuava a usar a sua magia para definhar a guardiã de Finn.

Colth se apressou e, ao aproximar-se de Garta, usou o seu instinto protetor, defendeu a mulher em sofrimento e tirou ela dali.

O rapaz protegeu a guardiã de Finn e a recolheu em seus braços. Garta tentou manter-se, mas perdeu a consciência e apagou fadigada no mesmo momento.

— Garta... — preocupou-se Colth. — Merda... — sussurrou se punindo e imaginando o quão forte a magia de Celina podia ser. Ela nem havia concentrado todo seu poder na guardiã de Finn, e mesmo assim, a deixou fora de combate em menos de dois segundos.

— Hahaha — gargalhou Hueh em contraste ao choro de Celina. A garota voltou a focar as suas mãos na barreira que cercava a deusa Tera.

A cela de magia diminuiu ainda mais. Tera já havia de se espremer para caber no espaço físico de sua prisão. Novamente, gritou desesperada, dessa vez para o seu emissário de confiança, aquela era a sua última esperança:

— Koza! Mate a garota.

— Mas, minha senhora... — espantou-se a criatura no ombro de Goro.

A deusa não pensou duas vezes e, mais uma vez, ordenou:

— Mate a guardiã!!!

Koza fechou os olhos em penitência antes de aceitar as ordens. A criatura saltou dos ombros de Goro em direção a Celina e, ainda no ar, transformou-se.

Seu corpo ganhou forma, suas patas e garras se alongaram. Das suas costas, duas enormes asas escamosas surgiram e alcançaram o teto de pedra destruindo parte da estrutura do local. Poeira foi erguida e escombros derrubados por todos os lados.

Colth espantou-se. Já havia visto aquela grande criatura escamosa e a reconheceu de imediato sussurrando abismado:

— Dragão esmeralda... o destruidor da cidade Rubra.

O rapaz ficou boquiaberto ao perceber que aquela criatura, que se assemelhava a uma salamandra gigante com asas, esteve ao seu lado todo aquele tempo. Ficou ainda mais impactado ao notar que ele avançava em uma ofensiva violenta em direção a Celina. Colth deixou o corpo de Garta seguro ao chão e rapidamente se atirou frente ao ataque do dragão:

— Koza, não! — abriu os braços implorando o refletir.

A criatura parou o avanço de sua corrida pressionando suas garras sobre o chão de pedra para frear bruscamente o seu ataque. Contestou imediatamente:

— Saía da frente, garoto — ordenou com a voz muito mais grave e poderosa do que o normal —, não há outra alternativa.

— Do que você está falando? É a Celina — disse Colth tocante. — Vai mesmo machuca-la? E aquela conversa de protege-la?

— As coisas mudaram, não está vendo? Já não é mais a Celina, é o Hueh, o deus de Anima.

— Mas a Celina ainda está ali!

Koza mostrou-se pensativo por um segundo vendo o lacrimejar nos olhos da guardiã, mas não tinha mais tempo para se decidir. Voltou a caminhar desviando-se do corpo do rapaz em direção à garota apavorada:

— Não há o que fazer. Agora, saía da frente.

— Espera... — Colth se colocou mais uma vez à frente da criatura impedindo a sua passagem. — Me dá uma chance. Eu vou traze-la de volta.

— O que pretende fazer? — Koza deu a mínima atenção necessária.

— Eu vou entrar na cabeça dela, assim como fiz com a Lashir.

— Isso pode até ter dado certo com a Lashir, mas agora você não vai enfrentar apenas uma guardiã.

— Está falando do Hueh? Eu o enfrento...

— Um guardião contra o seu próprio deus? Assim que você atacar Hueh, o seu pacto será desfeito, sem mais magia de Anima para você. Mesmo que esse seja um preço que esteja disposto a pagar, não se esqueça de que você estará na consciência da Celina, ficaria preso lá pelo resto da sua vida sem possibilidades de retornar.

— Uma chance, é a única coisa que te peço... Koza — apelou para o emocional —, pela Celina.

A criatura escamosa com grandes dentes que mal cabiam em sua boca suspirou com incerteza:

— Uma chance, dez segundos.

Colth não perdeu tempo, se virou rápido e correu para alcançar Celina que se mantinha concentrada a barreira de magia. Por algum motivo, não foi atacado. O rapaz respirou fundo tomando fôlego:

— Por favor, que isso dê certo. — levou sua mão até o ombro de Celina e a repousou entre seus cabelos se imaginando nos segredos mais obscuros da garota.



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