Volume 1

Prólogo

Com passos leves, silenciosos e ágeis, a jovem atravessou o corredor de tijolos de pedra, trajando uma armadura negra que a envolvia dos pés ao pescoço, deixando à vista uma única túnica amarronzada que escondia seu cabelo e rosto. 

Dois soldados de elite, guardando o majestoso portão do Salão do Trono, bocejavam entediados enquanto seus olhos vagueavam pelas estátuas de pedra cinzentas que ladeavam o corredor — as lâminas dos seus gigantescos machados de rocha apontando ameaçadoramente para qualquer intruso. 

Foi só num breve momento de distração entre um dos bocejos que um deles avistou a jovem passando pelas estátuas, talvez tarde demais se fosse um invasor. 

— Alto! Identifique-se, quem vem aí?! — exclamou o soldado menos experiente, sendo rapidamente repreendido pelo outro com um olhar afiado como o de uma lâmina. 

A jovem parou por um instante, erguendo a cabeça para encarar os soldados com olhos decididos e penetrantes. O guarda mais experiente, reconhecendo sua presença imponente, abriu caminho para a jovem passar, enquanto o outro continuava a ficar em seu caminho, hesitante. 

Foi então que seus olhos se cruzaram, um par de olhos púrpuros, em um confronto silencioso. O soldado sentiu um arrepio percorrer todo o seu corpo, como se estivesse diante de uma fera feroz. Ele engoliu em seco, enquanto observava a jovem com um misto de medo e fascínio. Seus olhos pareciam lâminas afiadas, cortando tudo o que encontravam pela frente, e nem sequer pareciam notar sua existência. 

Com um passo para trás, o soldado voltou à sua posição de guarda, incapaz de encarar os olhos dela outra vez. Ele sabia que ela era uma força a ser respeitada, e não ousaria desafiá-la novamente. 

A jovem se aproximou do grandioso portão, observando-o por um momento. Era feito de ouro maciço, cravejado de joias e esculpido com a imagem de um leão majestoso. Seu peso era colossal e uma dezena de homens fortes precisariam se unir para abri-lo, mas ela o fez com um único empurrão, tão forte que o som de um trovão ressoou pelo salão, assustando os nobres que lá estavam, deixando os guardas em alerta e chegando aos ouvidos do rei. 

A jovem teve em vista todo o salão. Aristocratas, nobres, comerciantes, o alto clero, a realeza e os mais altos comandos do exército também a tinham em vista, principalmente sua alteza real. 

— Atreve-se a invadir o Salão do Trono?! — Um guarda lançou-se na direção dela, com a lança apontada para o seu rosto, porém seu ímpeto foi interrompido. 

Ficou incrédulo quando a invasora misteriosa agarrou a madeira logo abaixo da lâmina com uma única mão e impediu o seu avanço. 

— O quê? Solte imediatamente... – gritou o soldado, tentando se desvencilhar da jovem que o segurava com apenas uma mão. Ele usou toda a força que tinha para tentar libertar sua arma, mas ela era forte demais e com uma única mão o dominava completamente. 

Sem demonstrar reação as súplicas e, com um movimento lento e leve, ela começou a erguer o objeto, elevando-o cada vez mais até os pés do soldado deixarem o chão. Ele lutou para se segurar na madeira, sem ainda compreender o que ocorria. 

O soldado olhou em volta, desesperado, e se perguntou por que os outros não vinham ajudá-lo. Começou a sentir um frio na barriga ao perceber que estava à mercê da invasora, e sem chances de libertar sua arma. 

De repente, a jovem jogou a arma dele para o lado com desdém, fazendo-o cair de bunda no chão. Ele ficou parado atônico, sem saber o que fazer, e sentiu apenas a sua lança cair por cima do seu colo. 

— Como você pôde? — disse ela, sacudindo a cabeça de um lado ao outro ainda calma. Sua voz era recheada de emoções. Fúria, decepção, melancolia. — Sempre tive em mente que você era uma pessoa terrível, porém nunca me passou pela cabeça que poderia ser tão deplorável, ignorante e insensível. Você não é um Rei. Você é um lixo que se veste de ouro. 

Sua voz ressoava pelo grande salão e alcançava o homem no topo das escadas. Os homens e mulheres que também estavam ali não ousavam soltar um som e apenas abriam caminho para ela. 

Sentado no trono, estava o tal Rei. Tinha um ralo cabelo branco que era quase totalmente escondido pela grande coroa dourada na cabeça. Era acima do peso, consequência de uma vida sem esforço, mas também não era um glutão exagerado, talvez porque os achava ridículos. Vestia-se das melhores roupas e usava das mais caras joias. Seus olhos eram profundamente roxos, e de um tom profundamente escuro — até um cego possuía mais luz no olhar.   

Ele sentava de pernas abertas, com a cabeça recostada no punho, com uma falsa expressão complacente, e com um irritante sorriso de escárnio. 

— Ousa falar desta com o Rei? Ajoelhe-se agora! — Mais uma vez o soldado tentou atacá-la.  

Desta vez ela não seria tão gentil. Tomou outra vez o cabo da arma e ergueu o corpo dele por inteiro, arremessando-o contra os degraus que levavam ao trono. 

Seu corpo voou por vários metros e jogou-se com impacto no chão, quebrando alguns tijolos de pedra e também alguns ossos no processo. Vomitava e engasgava-se com sangue, enquanto erguia um dos braços na direção do Rei, que nem o olhou nos olhos. 

Duas lanças penetraram seu corpo logo em seguida. Uma no coração e a outra no pescoço, terminando com a sua vida. 

— Desculpe, minha filha. Há alguns muitos incompetentes que não a conhecem. Punirei todos os responsáveis por designaram está coisa como um dos meus guardas — proclamou com desinteresse o Rei, enquanto o corpo do soldado era carregado por outros dois. — E por que me trata dessa forma, minha querida? Não deveria estar nos protegendo na fronteira? 

A jovem retirou o capuz da cabeça, revelando longos fios pratas que escorriam até a altura da cintura. Estava com a boca entreaberta e as sobrancelhas franzidas. 

— Realmente ele foi tolo, e você ainda mais de mandar assassinar um homem que o defendia. — Defendia-o por razões próprias, pensava ela, mas ainda sim o defendia. — O que será que passa pela cabeça destes vários outros bajuladores? Talvez comecem a temer que você também os mate por um capricho, então essa fina corda segurando a espada que impede sua cabeça de rolar partirá, Rei-Tolo.  

Os olhos dela viajaram pelo salão, encarando o rosto dos nobres. O Rei também seguiu seu olhar. Toda vez que ambos olhavam para algum deles, eles desviavam o olhar, abaixavam a cabeça, ou mordiam os lábios.  

A máscara de complacência do Rei afinal caiu. 

— Não me chame de Rei-Tolo, criança infeliz — Bateu o homem com os punhos contra a madeira do trono. — Diga logo a que veio. Não tenho muito mais tempo a discutir com você. 

—  Sei dos planos que tem com os porcos reunidos neste lugar. Mandou que redirecionassem minhas tropas sem meu comando para que reforçasse sua guarda pessoal e não achou que eu descobriria? Quer fugir e abandonar o povo a mercê dos demônios invasores! 

— Suas tropas? Todos os homens e mulheres deste país pertencem a mim, menina. Ainda lhe fiz um favor. Poderia acompanhar sua família em retirada e certificar-se de que ficaríamos bem. Somos a realeza, o pilar desta nação, e o povo entende isso. Quando o mal partir, poderei reconstruir tudo das cinzas. 

— Fugirá então com o rabo entre as pernas e nem lhe pesa a alma saber que abandonará crianças, mães, país e filhos. Depois ainda me proíbe de chamá-lo de Rei-Tolo, pois é o que tu és, tolo demais. 

— Calada! — O rosto redondo do Rei ficou coberto de vermelho como um grande tomate. — A coroa sobre a minha cabeça ainda me faz um verdadeiro Rei. Se irão morrer milhares, ou centenas de milhares de pouco me importa. Sua cabeça ainda não está rolando no chão, porque é minha filha. 

— Minha cabeça não está rolando no chão, porque você e qualquer um dentro deste castelo é incapaz de fazê-la rolar. Infelizmente, teria que verdadeiramente testar este fato para que a sua também pudesse rolar. 

Os guardas sacaram as armas com a ameaça, porém tremiam como galhos finos ao vento. Quem entre eles poderia enfrentá-la?  

— Emile — disse o Rei, ficando de pé — obedeça-me apenas uma única vez na vida. Viajaremos para as ilhas ao norte. Os demônios não conseguem atravessar as águas do mar. Partirei ainda hoje com minha comitiva, com suas irmãs e sua mãe. Junte-se a nós, ou morrerá como um rato qualquer. 

— Ratos são aqueles que fogem. — Emile se aproximou um passo de cada vez do Rei. — Enviou o Duque Sandrini para as linhas de frente, moveu e recolheu todas as riquezas que poderia, trouxe seus apoiadores para a Capital e expulsou os bons nobres e aristocratas. Nunca planejou ao menos tentar defender sua nação. Seu plano sempre foi fugir como um covarde. 

Sentia tamanha fúria que chegava a se contorcer por dentro. Como aquele homem sentado de pé na sua frente poderia ter o mesmo sangue que corria por suas veias? Como um dia pude chamá-lo de pai?  

— Se sabe de tudo, então o que veio fazer aqui? Acha que consegue deter aquele monstro? Acha que consegue enfrentar sozinha as legiões de demônios e bestas? Desapareça da minha frente. Saia imediatamente deste lugar! 

— Estarei sim saindo. Cumprirei o papel que nossos antepassados prometeram ao povo que nos colocou coroas e nos proclamaram Reis. Foi o povo que nos tornou quem somos. Você não é especial ou diferente de ninguém, Rei-Tolo. 

Neste instante, Emile e o Rei estavam frente a frente, olhando-se olho no olho. As cores púrpuras de seus olhos nunca pareceram tão desiguais sob a luz. 

— Você estará sozinha, “Cavaleira Santa” — ironizou ele. 

— Se dependesse de você, sempre estaria. Não posso encostar um dedo em você, porém também não pode colocar um dedo em mim. — Ela respondeu sem hesitação. Não eram palavras sem valor e isso era expresso no rosto de terror de cada soldado no lugar. — Antes de ir, preciso te dizer apenas uma coisa e o único motivo de ter vindo aqui.  

— E o que poderia me surpreender vindo de você? — riu ele. 

— Sandrini sempre soube de tudo. Ele sabia que planejava mandá-lo para a morte nas linhas de frente; que planejava fugir no momento que os demônios marcharam em nossa direção. Ele sempre soube e mesmo assim seguiu todas as ordens, para proteger o povo. Se existe um Rei de verdade nesta nação abandonada pela Deusa Hela, este Rei é Sandrini. 

O Rei-Tolo mordia os próprios dentes, sua expressão tão feia quanta a de um demônios e a palma da sua mão sangrava. Com a última das palavras saindo da boca dela, ele perdeu completamente a razão. 

Quando notou, seu punho já havia atravessado mais de meio caminho e era tarde demais para parar. Ele socou o rosto limpo da sua própria carne e sangue, mas foi como socar um muro de tijolos. Seus dedos estalaram como nunca deveriam estalar e gritou alto, segurando o pulso quebrado. 

Emile passou a língua pelo lábio levemente cortado e cuspiu no chão. Virando-se de costas e andando calmamente na direção da saída. Os soldados colocaram lanças contra seu rosto, porém ainda tremiam assustados. 

— Deixem-na partir — esbravejou o Rei de joelhos com dor e fúria. — Isso dará mais tempo para que possamos fugir de qualquer maneira. 

Muitos guardas soltaram suspiros aliviados e abriram caminho. Os nobres mantiveram silêncio, assombrados pelo medo, mas ainda tinham sorrisos de escárnio escondidos.  

A jovem cavaleira dos olhos púrpura e dos cabelos prateados partia de cabeça erguida e cercada de urubus, escutando ao fim a última fase que ouvirá de seu antigo pai: 

—Hoje eu perdi uma filha! — O monarca tinha o orgulho ferido. 

 

Montada em seu cavalo, Emile atravessou o campo de batalha. Atrás dela, uma centena de soldados a seguiam e, atrás deles, uma dezena de magos.

— O Duque abriu caminho! E se eliminarmos os demônios ancestrais, isso afetará a força do inimigo por completo! — gritou Emile aos seus companheiros.

Emily não era uma soldado. A jovem apenas treinou a vida inteira como uma guerreira e provou ser versátil em Magia e Aura, assim, tornou-se uma Cavaleira.

Esse título poderia ser apenas conquistado por aqueles que tinham um domínio alto e perfeito equilíbrio dos dois poderes. Verdadeiros mestres em combate, não importava se fosse em curto ou longo alcance.

Além disso tudo, Emile também era uma Cavaleira Santa, o mais alto e invejável nível que um cavaleiro poderia alcançar. A jovem princesa havia treinado a vida toda para aquele momento.

— Princesa... — Um soldado chamou, mas logo travou a sua fala e mudou o seu jeito de falar, pois Emily o encarou com fúria. — Capitã, estamos nos aproximando!

Olhou para o campo à frente. Além dos demônios comuns que circulava por ali, deparou-se com a imagem de dez monstros gigantescos.

Os demônios comuns tinham a pele preta, um corpo sem pelos, dentes afiados e garras, com a maioria andando em quatro patas. O tamanho das bestas alternava de um a três metros.

Contudo, os Demônios Ancestrais eram uma coisa muito diferente. Cada um tinha uma forma divergente, alguns pareciam humanoides gigantes, outros eram similares a dragões e até pássaros. O menor deles tinha mais de vinte metros. Agiam estranhamente, não eram selvagens como os demais demônios, apenas caminhavam destruindo tudo pelo caminho.

E, no meio desse caos, uma criatura destacava-se. Com a sua altura que superava os cem metros, um humanoide em chamas avançava, destruindo tudo pelo caminho. Por onde quer que passasse, apenas cinzas eram deixadas.

Entre o grupo, estava o verdadeiro perigo. Um dos humanoides possuía o corpo coberto de fogo e tinha dezenas de metros. Tudo por onde esse monstro passava era queimado por completo até as cinzas.

— Preparem-se! Eles não atacam quem se aproxima, mas caso sejam pegos serão pisoteados, queimados ou até congelados. Vamos acabar com tudo isso agora! — exclamou ela para os seus companheiros que responderam com um grito de guerra. Até mesmo os magos, conhecidos pela sua arrogância, berraram, desistindo das suas vidas para atacar.

E, assim, o grupo avançou. Emily pulou em cima de um dos demônios gigantes, esse que tinha a forma de um dragão negro sem asas. Seu tamanho era tão grande que não se podia enxergar a cabeça no topo das nuvens.

Os cavalos do exército eram treinados e seguiam o monstro de uma distância segura. Logo em seguida, os demais soldados começaram a escalar o dragão.

“Não tem nenhum monstro protegendo eles, essa é minha chance.”

Os olhos de Emily brilharam e um sorriso surgiu no seu rosto.

“Vou eliminar cada um deles”

Ah! Cuidado! — gritou um soldado.

— Protejam os magos! Precisamos escalar esse monstro!

Apesar de apenas caminharem, esses seres ainda esbarravam uns nos outros, apenas esse choque já era capaz de criar terremotos. O gigante de fogo se chocou contra o Dragão negro, isso criou uma onda de choque poderosa. Alguns soldados entregaram suas vidas para que os magos pudessem sobreviver.

“Eu posso morrer, mas vou levar esses demônios comigo.” Era um pensamento comum entre eles.

Depois de escalar a cabeça do dragão, Emily, os soldados sobreviventes e os magos tiveram uma visão de todo o campo de batalha. O dragão negro, visto de cima, parecia mais com uma cobra gigantesca, era o maior dos demônios.

Ao longe, Emily conseguiu ver uma figura voando. Esse homem vestia uma armadura completamente negra e tinha um par de chifres em sua cabeça.

— Hel... Então você também está aqui? — comentou observando o pequeno ponto negro no horizonte. — Ele está vindo nessa direção! Vamos acabar logo com isso.

— Sim, Capitã! — Todos gritaram em uníssono, começando a reunir mana.

Ventos fortes sopraram, os corpos dos magos começaram a secar e seus olhos brilhavam em uma cor azul forte. A atmosfera se tornou pesada e os soldados tinham dificuldade em conter o poder reunido.

Era uma quantidade de mana absurda. Magos eram especialistas em reunir essa energia, que era o que movia todo o poder, mas os guerreiros e soldados normais não estavam para trás nisso.

O real problema era aguentar tamanho poder, apenas Emily entre todos eles poderia executar uma magia dessas. Os cânticos ressoaram e o próprio espaço se distorceu, até o Rei e sua comitiva conseguiram sentir, ao longe, o poder gigantesco que estava sendo reunido naquele lugar.

Usando suas vidas como combustível, os magos continuaram a reunir mana. Eles entregaram tudo nas mãos de Emily. Os soldados, depois de entregar o poder, também ficaram exaustos. O primeiro mago despencou de cima da cobra gigante, em seguida, os demais caíram também. Todo o poder estava nas mãos de Emily

Arte da espada, que o poder dos deuses esteja em minhas mãos. Magia Divina: Espada da Abnegação!

A mana reunida se modificou e tomou forma, tornando-se uma espada com centenas de metros. A espada era toda branca do punho até a ponta. O poder dela cortava até mesmo o espaço ao redor. Emily sabia que possuía um poder surreal em suas mãos.

— O sacrifício de todos não será esquecido nunca... — Emily terminou suas palavras e cortou com a espada para baixo.

 

 

— Capitã, o que faremos agora? Apenas cerca de vinte soldados sobreviveram, não acho que consigamos sair do campo de batalha desta maneira.

— Não importa, nós cumprimos com o que viemos fazer. Os demônios ancestrais estão todos mortos...

— Capitã...

Emily mal se aguentava de pé, ela já havia aceitado a morte e apenas esperava. Ao redor do pequeno grupo que sobreviveu estavam exatos dez cadáveres, cada um pertencente a um Demônio Ancestral diferente.

No chão, na frente dela, havia uma pequena fogueira que a jovem mexia com um galho. Os demais soldados faziam coisas similares a sua capitã.

— Estamos cansados, apenas sente-se e aguarde seus últimos momentos.

Aquele soldado era ainda mais jovem que Emily e, apesar de tudo, continuava tentando seguir em frente. Emily achava que as ações dele eram pura ingenuidade apenas, mais ingenuidade que a dela. No entanto, aquele soldado se provou alguém incrível durante a luta.

— Você disse que Hel estava vindo, já que vamos morrer... Poderíamos ao menos levar um dos comandantes inimigos conosco!

O galho na mão de Emily quebrou, ela se lembrou de ter visto Hel quando estava em cima da gigantesca cobra.

— Mobilize todos, tragam os cavalos... Nossa luta ainda não acabou!

Com um sorriso no rosto, o jovem saiu correndo para notificar todos. Alguns poucos segundos depois, eles já estavam prontos para a luta. Emily montou em seu cavalo e outra vez atravessou o campo de batalha, logo atrás dela estava seu pequeno grupo de soldados.

Reunindo suas últimas forças, Emily invocou dez espadas brancas, que flutuavam em um círculo ao seu redor. O grupo passou pelo campo de batalha todo manchado de sangue, corpos e lama.

O som dos passos dos cavalos ressoava, mas logo foi substituído pelos gritos dos demônios. A jovem cavaleira e seu grupo passaram por hordas de monstros sem nem ao menos olhar para trás. As 10 espadas de Emily foram diminuindo aos poucos, até que sobraram apenas 3 delas.

 Contudo, Emily conseguiu chegar ao lugar em que desejava, mas não era um comandante que estava na sua frente e sim, o verdadeiro Senhor da Guerra.

Emily respirava com dificuldade, cada respiração que ela dava, mostrava seu estado físico e mental debilitado. Alguns segundos se passaram enquanto ela encarava seu inimigo em silêncio, mas logo o clima foi quebrado quando o cavalo em que estava caiu no chão, morto por exaustão.

Pulando de cima do animal, Emily tomou noção de seus arredores. A jovem estava cercada de todos os lados, haviam milhares de demônios ao seu redor. A cavaleira apenas segurou uma das três espadas e andou com calma na direção do inimigo.

— Então você foi a única que sobreviveu, isso é algo incrível — falou o Senhor da Guerra. Emily então percebeu, todos que a haviam seguido até ali caíram pelo caminho.

— É, parece que sim... — Ela apenas aceitou o fato.

Ele estava a poucos metros, ela conseguiu ver bem sua aparência. O homem era forte, mas também tinha um corpo esguio, uma pele branca e um belo rosto.

 O cabelo dele era todo preto, um tom muito escuro e seus olhos, sua característica mais marcante, eram vermelhos, uma cor parecida com sangue. Usava uma armadura negra, que era um equipamento normal dos membros do seu exército e caminhava tranquilo entre os demônios.

— Foi você que matou os demônios ancestrais?

— Sim, fui eu.

— Entendo.

O Senhor da Guerra invocou uma espada negra enorme, apenas a lâmina da espada era maior que o pescoço dela.

— Então você quer acabar com isso com suas próprias mãos. — Emily soltou uma leve risada ao terminar sua fala.

— Vai ser o jeito mais rápido.

— Você me subestima.

— Muito pelo contrário. — Os olhos do homem brilharam como um par de rubis. Os demônios que os rodeavam ficaram em silêncio, como estátuas de pedra.

Antes de começar, ela deu uma olhada para o céu, apenas nuvens escuras ocupavam o lugar. Ao olhar o chão, a princesa viu apenas lama e rios de sangue.

— Você sabe em que lugar nós estamos? — perguntou Emily, mas o Senhor da Guerra se manteve em silêncio. — Esse era o antigo Campo de Flores de Fiorne, dizem, que pessoas do mundo inteiro, vinham aqui apenas para vê-lo uma única vez em suas vidas. O primeiro Rei havia reunido diferentes flores de todos os lugares do mundo, era um lugar simplesmente maravilhoso.

— O que você quer me dizendo isso? — O homem lhe encarou mantendo um rosto frio.

— Nada, eu apenas gosto de flores. Apesar que meu ódio por esse lugar ser nítido.

— É só isso?

— Sim, é apenas um desabafo. Podemos começar.

Segurando sua espada com força, Emily se preparou. As outras duas armas lhe circulavam, subindo e descendo agindo de maneira imprevisível. Ela Reuniu suas últimas forças e entrou em postura de combate, o senhor da Guerra respondeu da mesma forma e segurou sua lâmina com força.

Um raio caiu e, como se fosse um sinal, os dois iniciaram o combate. Emily queria acabar com aquilo o mais rápido possível, ela acabaria com isso em uma única troca de golpes. E assim ocorreu, o impacto do ataque dos dois criou uma enorme cortina de fumaça.

Os demônios voltaram a ficar loucos, correndo pelos arredores e atacando uns aos outros.

— Parados! — A voz do Senhor da Guerra ressoou, fazendo os demônios pararem. Logo, a cortina de fumaça desapareceu.

A imagem do homem surgiu, três espadas perfuravam diferentes áreas de seu tronco, mesmo assim permanecia de pé. Emily estava caída no chão, com a enorme espada fincada em seu peito.

“Estou tão cansada... Sinto meu corpo tão leve.”

— Eu perdi... — Emily falou aceitando sua situação, mas o Senhor da Guerra entendeu como uma pergunta.

— Sim.

Alguns demônios foram se aproximando, desejando devorar o corpo de Emily, mas o homem apenas lhes deu um olhar, que os fizeram recuar.  

Emily ignorou as ações do homem e começou a se perder em pensamentos.

“Será que o Duque, meu tio e minha irmã estão bem? Ah... Eu me sinto tão cansada, já estou cansada de tudo isso.”

Lágrimas começaram a brotar dos olhos de Emile, ela começou a lembrar de todos os soldados e magos que lhe acompanharam em sua investida suicida.

A jovem se lembrou do Duque, lembrou de seu tio e sua irmã que, mesmo abandonados pelo Rei, permaneceram lutando.

Um último rosto surgiu em sua mente, o rosto de um velho amigo, um companheiro, uma pessoa que ela não conseguiu se despedir.

“Eu nunca estive sozinha...”

Não aguentando mais segurar, as lágrimas começaram a escorrer. A jovem cavaleira chorava como uma criança. Em seus últimos momentos, ela sentiu o Senhor da Guerra erguer seu corpo. O homem caminhava entre os demônios com ela em seus braços, desaparecendo em meio aos monstros.

Durante a Grande Guerra, em troca de sua própria vida, Emile Fiorne Sandriny feriu fatalmente o Senhor da Guerra, o fazendo recuar com seu exército. O corpo de Emile nunca foi encontrado, apenas um jovem soldado conseguiu voltar vivo e testemunhou tudo o que ocorreu na batalha.

Emile morreu como uma heroína.



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