Volume 1

Capítulo 7: O Covarde Marujo

Sienna levantou devagar e observou a cabine escura. Morpheus continuava concentrado em seus projetos, não lhe dando atenção. Ela virou-se para Ângela, que possuía uma aparência muito melhor.

Suspirando aliviada, escutou o estômago roncar. Percebeu que não comia fazia alguns dias, a preocupação e estresse a fizeram esquecer por completo de uma das principais necessidades humanas.

Aproximando-se do homem, percebeu que o mesmo nem lhe daria atenção e, apesar da fome, não desejava perturba-lo. Ela caminhou devagar até à porta e saiu da cabine. Do lado de fora, o sol forte bateu em seu rosto. O brilho poderoso atacou seus e o calor intenso o corpo.

Após acostumar um pouco com o brilho, encarou o convés. Nele, uma dúzia de marujos corriam de um lado a outro, realizavam suas tarefas e nem davam atenção para a menina faminta.

— Que horas são? — perguntou-se passando entre o grupo de homens. — Será que já passou da hora do almoço.

Sienna não estava acostumada com tantas pessoas andando de um lado a outro, portanto tentou escapar da multidão e foi para um canto mais vazio do navio, onde sentou-se em uma sombra.

O estômago dela rugia como uma fera e o sol começava a lhe causar tonturas.

— Que fome...

— Ei! — Uma voz soou atrás dela — Está com fome, não é?

Virando-se, encarou o rosto do jovem Truman, que carregava consigo um saco de pano. Ela lembrava de tê-lo visto quando embarcou no navio, o jovem com um sorriso gentil, assim que salvou em sua mente.

Ela deu alguns passos para trás aguada e com uma expressão de estranheza, encarou o jovem.

— O que você quer? — interrogou com rispidez.

— Se acalme um pouco. — O jovem colocou uma mão dentro do saco e puxou algo para fora. Ao ver aquilo, Sienna inconscientemente estendeu a mão em busca do objeto. A cor vermelha característica, com um formato arredondado incomum e um cheiro doce, a fruta que a jovem mais gostava. — Você gostaria de comer uma maçã?

 

 

Truman não conseguia acreditar no que presenciou. Cada marujo recebia o direito de comer uma fruta após o almoço, mas, por querer guardar para um momento especial, ele sempre armazenava as suas. Durante toda a viagem, ele guardou as maçãs que recebia naquele saco.

Nesse momento, o saco estava jogado no chão e havia dúzias de caroços espalhados pelo lugar. Sienna devorou cada uma delas até sua fome ser saciada e, após tudo isso, ainda continuou comendo, em sua mão estava a última maçã vermelha.

Truman se perguntou: “Como uma criança consegue comer tanto?”

Um sorriso foi expresso no rosto dela quando terminou de comer a última maçã e jogou-se no chão descansando.

— Você deve gostar mesmo de maçãs? — O jovem se aproximou e sentou ao lado da menina. 

— Sim, eu amo!

Truman se apresentou para Sienna, os dois se complementaram e ela o agradeceu pela refeição. Um pouco curioso, Truman aproveitou a situação para perguntar:

— Você estão indo para onde?

— Para os Reinos Médios, não é para lá que esse barco vai? — A jovem virou a cabeça um pouco confusa.

— Não é isso que quero dizer... Bem, você está acompanhada daquele monstro e o nosso contratante, sabe... é bem estranho.  — Com um pouco de raiva, Sienna encarou o jovem que logo percebeu. — O que foi? Eu disse algo de ruim?

Sienna estava prestes a reclamar, irritou-se por ele ter chamado sua mãe de monstro, porém, realmente era verdade, Ângela era um monstro.

— Não, desculpe. — Ela voltou a sentar quieta. — Eu não sei. Vamos para outro reino, mas não conheço nosso objetivo. 

— Os Reinos Médios são um lugar perigoso, tenha muito cuidado. — O jovem desejava alertar ela sobre o que ouviu na noite anterior, mas o medo não deixava. — Os piratas são os piores.

— Então, os piratas ainda comandam os Reinos Médios? 

— Como assim ainda comandam? — perguntou o jovem confuso.

Sienna encarou o mar azul e sentiu a leve brisa bater. 

— Bem... — Ela começou a contar sobre os Reinos Médios: — Antes da Grande Guerra, os Reinos Médios eram apenas uma grande nação, o grande império do deserto, Orkenheim. Ele era governado pelo Rei dos Piratas e sua família, até que a Guerra estourou. O Reino foi destruído, o Rei dos Piratas desapareceu junto de sua família e o povo fugiu para o mar, onde os demônios não poderiam invadir.

— O Rei dos Piratas... — O jovem estava boquiaberto. — Como você sabe tanto?

— Eu li sobre isso em um livro — falou um pouco orgulhosa. — Além de maçãs, eu também gosto muito de livros.

Observando o sorriso puro da jovem, Truman ficou animado. Ele também era um sonhador, um entusiasta por aventura e conhecer sobre o seu lar, descobrindo que ele tinha uma história tão profunda o animou.

— Os Reinos Médios são tão grandes... Na verdade, o mundo é tão grande! — exclamou animado. — O meu sonho é conhecer todo o mundo e viajar até Gardenheim! Qual é o seu sonho, Sienna?

— O meu sonho?... — Aquela palavra entrou em sua mente, vasculhando pelo seu mais profundo ser e não encontrando resposta. — Eu acho que não tenho um sonho.

— Você não tem um sonho?! — Truman não poderia acreditar, para ele todos precisavam ter um sonho, até mesmo o capitão do barco, a pessoa que ele considerava menos sonhadora, possuía o desejo de ser rico. — Isso é inadmissível! 

Ele deu um salto, levando-se. De pé, encarou a jovem com os olhos em chamas.

— Eu estou satisfeita com um livro bom e uma vida pacífica.

— Você parece uma velha! —Ele colocou as mãos na cintura, olhou direto no rosto da menina e exclamou em alto e bom som: — Você vai ter um ótimo sonho, eu prometo que vamos encontrar um perfeito!

Sienna soltou um pequeno sorriso, não estava alegre, apenas não sabia o que fazer em tal situação. Logo, dois homens vieram e agarraram Truman.

— Você precisa trabalhar, deixe ela em paz — disse um deles.

Eles carregaram Truman para longe e ele apenas acenou para a menina, seu rosto demostrava nervosismo, algo que Sienna reparou. Sem ter muito mais o que fazer, ela foi observar o mar calmo.

 

 

Truman foi jogado contra um parede, ele tentou soltar um pequeno grito, mas foi interceptado por um dos homens.

— Moleque, o capitão não quer você tagarelando por aí. Fique longe da menina. — O homem cobriu a boca do jovem enquanto o outro brincava com uma faca.

Com terror, Truman parou de tentar gritar e ficou quieto. Apesar de sonhador, ele era um tanto covarde, não se atreveria em enfrentar ninguém no navio. Contudo, gostou muito de conversar com a menina, então buscaria outras maneiras de se comunicar escondido.

Após a ameaça, eles partiram e Truman ficou ali, caído no chão pensando em seus problemas. O capitão havia vendido os contratantes para piratas, mas, ele não concordava com aquilo de maneira alguma.

— Eu preciso salvar a menina. — Apesar de temer pela vida do homem de preto, ele se importava muito mais com a garota. Após aquela curta conversa, já considerava ela como uma amiga.

 

 

À noite, um pouco antes do toque de recolher, ele fugiu de sua cabine e, a passos lentos, aproximou-se da cabine onde estava a jovem. Com alguns toques, ela abriu a porta para ele. Sienna e Morpheus haviam concordado em ter aulas após a meia noite, então ela tinha algumas horas livres.

— O que foi? — perguntou Sienna em voz baixa. — Senhor Furlan não gosta de interrupções.

— Venha comigo — Ele chamou a jovem até o canto afastado do convés em que tinham conversado.

No objetivo, Truman travou. Ele não havia pensado no que dizer para jovem, não poderia simplesmente revelar o que o capitão disse, mas ainda queria conversar com a menina sobre os sonhos e manter ela por perto para caso algo ocorresse. Ele buscou algo em sua mente, até que lembrou do que ela disse sobre livros mais cedo.

“É isso!”, pensou ele.

— Sienna...

— Pode falar.

— Me ensina a ler!

Hã? — Para Sienna, ler era tão natural quando respirar, por isso sentiu-se tão confusa ao ouvir aquilo de Truman. Se para ela ler foi tão fácil, imaginou apenas uma situação.

“Truman deve ser um idiota.”

Ela concordou em ensinar ele, mas sem que soubesse, a percepção dela havia mudado. Truman não era mais o jovem gentil e entusiasta, ele era apenas um idiota em sua mente.

Naquele mundo, sobreviver era algo de muita importância, claramente. Deste jovem, a maior parte da população trabalhava em campos, então, escola era um luxo apenas para os ricos, assim como a escrita e leitura. Sienna não sabia desse fato, por isso considerou Truman apenas burro. 

Durante o dia, Sienna cuidava de Ângela, à noite, ensinava e conversava com Truman e, antes de dormir, recebia aulas de Morpheus. Essa rotina constante continuou por alguns dias, até que, finalmente, uma ilha foi avistada ao longe.

Truman observou o mar e percebeu algo se aproximando do navio.

— Preciso agir!  — disse ele.

Os piratas estavam chegando.



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