Volume 1

Capítulo 23: A Sacerdotisa

Os olhos de Sienna voltaram ao normal e ela caminhava devagar, seguindo a beldade que os guiava pelo salão. Por alguma razão, conseguiu jogar Blackjack com uma maestria incrível.

Ela não conseguia compreender essas estranhas coisas. Desde que chegou ao mar, os pesadelos pararam de assombrá-la por um tempo, mas nunca esqueceria deles.

Junto aos pesadelos, sentia aquela mesma dor de cabeça penetrante, que também lhe assombrava; esta, por sua vez, não partia, sempre retornando em momentos como esse.

Contudo, ela não se perdeu em tais pensamentos por muito tempo. Naquele momento, o seu foco era na mulher à sua frente e na esperança de reencontrar a sua mãe.

Chegando próximo da área vip, um som de passos rápidos ressoou e, junto deles, um monte das beldades corriam de um lado para o outro, todas nervosas.

Todo o Cassino pareceu mudar por um momento. Os antes animados apostadores ricos encolheram-se como coelhos medrosos e até os mais arrogantes calaram-se, testemunhando em silêncio os sons de passos que chegavam perto.

Até a beldade que acompanhava Sienna abaixou a cabeça e os puxou para um canto mais afastado do salão.

Sienna olhou para Afreim buscando por uma explicação, mas o homem parecia tão confuso quanto ela.

Logo um grupo pequeno saiu de dentro da área vip. Era um total de seis pessoas. Na frente, dois homens altos de cabelos e olhos dourados surgiram, carregando sacos de algo inidentificável.

Atrás seguiam três mulheres que possuíam cabelos também dourados e longos, chegando próximo da cintura, mas os olhos eram tampados por faixas escuras e vestiam-se com véus negros e roupas sacerdotais brancas.

Contudo, a mulher no meio do grupo foi a que mais chamou a atenção da menina. Ela também usava uma faixa tampando os olhos, mas esta era dourada e os cabelos não eram dourados, mas sim escurecidos, chegando próximos ao chão.

As suas vestes sacerdotais eram também negras e cobriam ainda mais o corpo dela, porém o seu rosto descoberto tinha uma pele lisa e brilhante, que destacava o rosto e lábios finos da mulher.

A maioria dos homens ricos no salão não se aguentavam e disfarçadamente olhavam na direção dela, desejando do fundo dos seus corações que ela fosse deles.

Sienna olhou para a mulher e, em seguida, focou o olhar no comerciante. O homem parecia o próprio ceifeiro da morte de tão pálido, parecia que iria desmaiar a qualquer segundo.

O pequeno grupo andou em direção a saída, passando do lado da garota.

A forte dor de cabeça atacou outra vez enquanto o grupo passava silenciosamente ao lado dela. Afreim suspirou aliviado quando nada ocorreu, no entanto algo interrompeu o seu alívio.

Do nada, Sienna agarrou o braço da sacerdotisa do meio. Os homens na frente olharam para trás com expressões enojadas e as mulheres atrás esposaram uma surpresa incomum para uma situação tão simples, como se aquilo nunca tivesse, ou pudesse ocorrer.

A beldade caiu de joelhos no chão e puxou Afreim também.

— Senhora! D-desculp...

Era tarde demais. Um dos homens na frente soltou o saco no chão e um barulho alto ressoou quando um monte de moedas de ouro caiu de dentro dele.

De repente, das mãos do homem surgiu um brilho forte e um machado de guerra vermelho fogo começou a surgir rapidamente, criando um calor surreal nos arredores.

E ele cortou na direção de Sienna, preparado para eliminar a criança da face da terra!

Entretanto, uma mão fina de pele suave interrompeu o ímpeto do ataque. Era a própria sacerdotisa.

— Senhora? — A voz grave do homem soou, enviando ondas de energia pulsante em todas as direções.

Em seguida, uma voz tão suave como o próprio algodão abateu a todos dentro do Cassino. Até aqueles que estavam distantes conseguiram escutar.

— Está tudo bem, Cavaleiro — disse a sacerdotisa calmamente. — É apenas uma criança, deixe-a.

A beldade e Afreim engoliram seco aliviados. O homem resmungou um pouco, abaixou a sua arma que desapareceu em pleno ar e recolheu as moedas caídas. Sienna, por outro lado, ainda continuou com o aperto no braço da mulher até que deu por si.

Ela deu um passo para trás nervosa e rapidamente se desculpou:

— Me perdoe, senhora. Não sei o que deu em mim!

 — Eu não me importo, garoto. Mas tenha mais cuidado da próxima vez, tudo bem?

— É claro!

Ao terminar de falar, Sienna acabou levantando a cabeça por um segundo, mostrando o seu par de olhos para a mulher. Ela os abaixou em seguida e, como a mulher não esboçou reação, acreditou que não os havia visto.

A sacerdotisa deu um leve carinho na cabeça de Sienna e abriu um largo sorriso que voltou a preencher o coração dos homens.

— Senhora... — O outro guarda falou. — Precisamos partir de imediato.

— Bem, vamos logo. — A sacerdotisa levantou-se e se despediu do grupo. Mas, antes de partir, ela cochichou no ouvido de Sienna. — Os seus olhos são lindos.

Em seguida, saiu andando para a saída. As outras mulheres seguiram atrás com expressões confusas e os guardas voltaram aos rostos frios de antes.

Assim que saíram do salão, um suspiro pareceu ressoar de todas as bocas do salão; alívio era a palavra certa para descrever os seus corações.

A beldade olhou para Sienna e exclamou.

— Garoto, você deu muita sorte. Nunca vi alguém sobreviver ao tocar uma sacerdotisa da Igreja de Hela.

Igreja de Hela... não é? — Sienna havia lido um pouco sobre eles no seu livro sobre A Grande Guerra, mas não havia muitas informações sobre.

— Garoto, você enlouqueceu?! Nunca mais faça isso! — Afreim correu até Sienna e gritou desesperado. — Aquele homem ia cortar você ao meio!

— Desculpa, não sei o que deu em mim. Quando eu me dei por mim, já estava segurando o braço daquela mulher.

— Hã? Arh! Deixe para lá! Ainda poderemos entrar na área vip? — perguntou o comerciante para a beldade.

— Sim, senhor. Vocês ainda são convidados e, como nada ocorreu, não precisam se preocupar.

— Arg! Que alívio. Venha, garoto.

Afreim puxou Sienna pelo braço, mas a atenção e o foco que possuía em salvar a sua mãe, redirecionou-se para aquele estranho encontro entre as duas.

“Aquela mulher... ela pode me dar respostas...”

Contudo, não pensou nisso durante muito tempo. Decidiu deixar aquilo de lado, porém só até conseguir trazer a sua mãe de volta.

 

 

Em outro ponto do salão, escondido em um lugar escuro, o familiar de Morpheus observava tudo.

— O que aconteceu aqui? O meu senhor não vai gostar disso.

O pequeno animal escondeu-se entre as sombras e tentou entrar na área vip, mas uma espécie de barreira o impedia de se aproximar de qualquer outro lugar.

— Acho que terei de entrar pessoalmente.

 

 

Em uma sala na área vip, Leon, o homem que Amon visitou na noite anterior, interrogava um jovem sentado à frente. Na cadeira não estava outro senão o próprio Truman.

— Já lhe disse tudo o que sei! — exclamou o jovem.

— Você quer mesmo que eu acredite que você aprendeu a ler sendo ensinado por uma menina mais jovem que você?

— Mas foi isso que ocorreu!

— Você pode não estar mentindo, mas está ocultando algo, moleque. E eu vou descobrir o que é!

Ele agarrou o rosto de Truman com força, pressionando as bochechas do antigo marujo.

— Senhor... — A mulher morena que tentou sequestrar Sienna surgiu na sala. — Uma de minhas irmãs disse que há algo que precisa da sua atenção.

— O que houve?

— Acreditamos que alguém descobriu como trapacear no Blackjack.

— Foi um mago?

— Não, senhor. Parece ter sido um comerciante junto de um menino. Minha irmã disse que o menino deu sinais para o homem.

— Ah. — Leon resmungou. — Irei me encontrar com eles, fique de olho nesse garoto por mim querida.

O homem prendeu as suas abotoaduras, arrumou os cabelos e olhou para o seu relógio de pulso, saindo elegantemente do salão e deixando apenas Truman e a mulher para trás.

 

 

Sienna chegou na área vip. O lugar era ainda mais luxuoso, em um nível que era até difícil olhar para os cantos sem que seus olhos doessem pelo brilho das joias e ouro.

Nesse lugar, as apostas eram tão altas que o preço mínimo equivalia a todo o dinheiro que Afreim apostou anteriormente. Dinheiro esse que ele havia economizado por anos.

Se antes o salão fedia a luxúria e avareza, agora ele fedia a todos os sete pecados capitais. Tornou-se difícil até respirar sem ser absorvido pela escuridão daquele recinto.

— Aproveitem a estadia. — A beldade entregou uma bebida para Afreim e deixou-os no salão.

O comerciante bebeu tudo em um gole quase que suplicando para que não desmaiasse, ou pior; quebrasse alguma coisa no salão. Qualquer coisa naquele lugar valia mais que a sua vida.

— O que faremos agora, garota?

— Precisamos descobrir algo sobre a minha mãe. Vamos andar pelo salão.

A dupla buscou informações sobre algum leilão ou até mesmo alguma venda de escravos, mas não houve nenhum resultado.

— Ninguém sabe de nada nesse lugar — comentou Afreim.

— Eles não desviaram o olhar ou gaguejaram, então acho que realmente não sabem nada sobre o assunto. Droga! Onde ela pode estar?

Quando estava para perder as esperanças, Sienna escutou uma música ressoando de um palco que havia no canto do salão e, junto disso, uma voz suave exclamou:

— O nosso queridíssimo anfitrião, senhor Leon, senhores!

O palco de repente se abriu e um homem elegante, usando roupas incomuns para a região, surgiu. Junto dele, a dor de cabeça de Sienna também voltou.



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