Volume 3

Capítulo 2.5: Os Olhos Traiçoeiros (2)

Uma vez que elas reservaram um quarto em uma pousada, Menou e as duas garotas foram arranjar comida.

O aroma temperado das barracas de rua as deixavam ainda mais famintas. Havia mesas e cadeiras ao ar livre, completas com guarda-sóis para proteger os clientes da luz do sol.

Menou, Sahara e Akari sentaram-se em uma dessas mesas.

“Pois é, a Menou tinha uma personalidade totalmente diferente quando criança. Ela era super avoada e estranha. Dava vontade de pegá-la e levá-la para longe.”

“Uau!” Akari exclamou com os comentários quase criminosos de Sahara enquanto ambas mordiscavam carne. “Puxa, também quero ver a Menouzinha! Me pergunto se poderia encontrar uma foto ou qualquer coisa…!”

“Receio que eu não conseguia usar conjurações de registro na época, Akari… Embora eu suspeite que outra pessoa possa ter conseguido algumas na surdina.”

“Quer dizer que pode mesmo haver algumas imagens da infância de Menou por aí!?”

“Infelizmente, não seríamos capazes de examiná-las. Mesmo neste mundo, existem alguns monstros violentos que impediriam tal ato.”

“…Vocês duas poderiam parar com essa besteira logo?” Menou encarou furiosamente o par enquanto animadamente conversavam sobre ela.

Ainda era cedo para a hora do almoço, então o lugar estava bastante vazio. Além das três garotas, havia um rapaz, completamente coberto com um manto de couro grosso, comendo sozinho em uma mesa atrás delas.

Mantos com capuz para bloquear a luz do sol eram extremamente comuns aqui. Quando elas estavam cruzando o deserto, Menou e Akari usaram roupas semelhantes, apesar de terem trocado para suas roupas habituais, já que aqui elas estavam na sombra.

“Esqueça o passado—vamos falar do presente, Akari. Não há nada que você possa fazer sobre seus hábitos de hibernação? Sou só eu, ou isso piorou ainda mais ultimamente? Está baixando a sua guarda.”

“Acho que não há nada que eu possa fazer a respeito disso. Quando acordo, tudo o que penso é sobre o quão sonolenta estou.”

“Te entendo.” Sahara entrou na conversa. “Dormir é mais importante do que qualquer outra coisa. O sonho que você está tendo importa mais do que seus planos para o dia. E um sono profundo importa mais do que ficar de vigia. Não é?”

“É sim!”

As duas preguiças humanas uniram as mãos.

“Se eu tivesse que apontar algo que pudesse vencer o meu sono, seria a Menou. Então, se você me der um beijinho de bom dia, levantarei da cama num piscar de olhos!”

“Vejo que ainda está sonhando mesmo no meio da tarde. Coitada.”

Mrr. Não critique antes de experimentar! Aqui, vou lhe mostrar como é efetivo—aiê!”

Akari se inclinou na direção de Menou, que deu um peteleco em seu nariz. A garota de cabelos pretos deu a ela um olhar de reprovação com lágrimas nos olhos, mas Menou fingiu não notar enquanto dava outra mordida.

“…Nossa, vocês duas são mesmo íntimas.”

“Claro que somos! Menou é a minha melhor amiga!”

“Eu diria que vocês duas também ficaram muito próximas em tão pouco tempo.” Menou observou.

“É claro. Akari e eu compartilhamos um interesse comum.”

Elas estavam na metade da refeição quando sua conversa foi interrompida. Um grupo de homens apareceu na visão de Menou, fazendo um pedido em um cesto de comida.

“Ótimo, está vazio aqui.”

“Aposto que vai ficar cheio logo. Viemos em boa hora.”

“É, acho que é meio cedo para almoçar.”

Eles conversavam ruidosamente enquanto pegavam sua comida e debatiam sobre onde se sentar. Menou os observava com o canto do olho.

Eram três homens no total. A julgar por seus músculos e equipamentos, pareciam familiarizados com lutas. Todos os três usavam peitoral de couro e carregavam armas gravadas com brasões. Tradicionalmente, ninguém além da Ordem dos Cavaleiros da Nobreza tinha permissão para carregar uma arma em público, mas esta regra não se aplicava na Fronteira Selvagem.

Esta área não pertencia a nenhuma nação, afinal. Não havia sentido em tentar aplicar suas leis aqui.

“Cacete, estou fami—oh-ho?”

Enquanto um dos homens ia sentar-se em um assento vazio, seus olhos pousaram em Menou e suas companheiras.

De certa forma, era inevitável. A combinação de beleza e compostura de Menou era o suficiente para atrair qualquer um, independentemente da idade ou do gênero. E enquanto sua aparência deslumbrante por si só era normalmente admirada de longe, sua expressão suave quando ela falava com Akari a tornava ainda mais amigável.

Além disso, Akari era uma linda garota, com seus traços faciais adoravelmente jovens. Seus seios notavelmente grandes eram atraentes de uma forma diferente de Menou. E então havia Sahara, que parecia uma beldade submissa, desde que não abrisse a boca.

“Ei, meninas. Por que não se sentam com a gente?”

Este era um dos poucos oásis no deserto. Não era de bom tom causar problemas em uma parada de abastecimento como esta, mas esses homens não eram exatamente de princípios elevados por natureza. Eles começaram ousadamente a chamar as três belas jovens.

“Acabamos de terminar o trabalho, mas é chato pra caramba descontrair só com marmanjos. Por que não dividem a mesa com a gente? Não vamos sacanear nem nada, juro.”

A intenção provavelmente era mais importuná-las do que um convite sério; seu real objetivo era simplesmente brincar com algumas moças como um entretenimento para acompanhar suas bebidas. Os amigos do homem gargalhavam, enquanto aquele que havia falado se aproximava das garotas, encorajado pelos aplausos e vaias dos seus amigos.

Menou não notou mais motivos obscuros, mas ele as estava incomodando.

Weh…” Akari escondeu-se atrás de Menou com olhos amedrontados. Mesmo após os incidentes que ela se envolveu até então, a jovem garota não conseguia se acostumar com violência. A simples visão de um homem robusto indo em direção à elas era o suficiente para provocar terror nela. Sahara não parecia particularmente incomodada e continuou tranquilamente comendo sua refeição.

Menou também não entrou em pânico. Ela simplesmente baixou o garfo para deixar a mão direita livre.

Evidentemente considerando-as um grupo de jovens inofensivas, o homem descaradamente se sentou em um assento vazio na mesa delas.

“Vocês são um pouco jovens demais pro meu gosto, mas em poucos anos, serão verdadeiras formosuras. Se nos fizerem companhia enquanto comemos, convidaremos vocês para—”

“Tenho que dizer, isso parece totalmente forçado.”

Hunh?

Enquanto o homem grunhia, confuso por ter sido interrompido, o ar de repente esfriou.

Uma lâmina foi apontada para a garganta do homem.

“Você está tentando flertar conosco porque somos garotas, mas não menciona o fato de eu estar usando uma túnica de sacerdotisa. O que está fazendo?”

Levou menos de um segundo para Menou sacar a adaga do cinto oculto em sua coxa e pressioná-la na garganta do homem. Para uma não-combatente como Akari, provavelmente até pareceu que a adaga surgiu na mão de Menou do nada.

O homem parecia surpreso por uma faca ter entrado em cena em resposta a sua cantada. Ele respondeu com uma voz rouca. “C-calma aí. Só porque você é uma sacerdotisa não significa que a gente—”

“Responda a pergunta.”

A ponta da lâmina espetou sua garganta, perfurando a pele e por pouco tocando a artéria abaixo sem realmente danificar nenhum vaso sanguíneo. Se a mão de Menou tremesse mesmo que levemente, sangue espirraria por toda parte.

Isso definitivamente era uma reação exagerada para apenas uma ligeiramente mal-intencionada tentativa de cantada.

O estrondo de vidro quebrando ecoou.

Akari tremeu com o barulho repentino, enquanto Sahara olhava para a origem. O rapaz que estava sentado sozinho em uma mesa ficou pálido e deixou seu copo cair, evidentemente chocado com a ameaça de derramamento de sangue iminente.

Ao contrário da reação das outras duas ao copo quebrado, Menou não moveu sua lâmina um milímetro. Com seu comando sobre seu corpo, ela era muito inabalável para ser afetada por interrupções externas. Um pequeno ruído não era o suficiente para fazer sua mão se mexer.

“Ouvi dizer que pequenos criminosos abundam na Fronteira Selvagem central. Faz sentido que um oásis no meio desta não seja exatamente seguro, eu suponho.”

Era inevitável que alguns indivíduos tivessem ideias nojentas quando três jovens mulheres apareciam em tal lugar, especialmente quando cada uma delas tinha um tipo diferente de beleza. Elas atrairiam homens, quer quisessem ou não—se Menou não estivesse claramente usando um traje de sacerdotisa.

“Em um lugar tão sem lei, por que alguém seria tolo o suficiente para abordar uma sacerdotisa por vontade própria, assumindo que pode dar conta só porque somos mulheres?”

Sacerdotisas eram fortes. Qualquer um envolvido em maus atos mostrava-se especialmente ciente do poder de uma sacerdotisa escolhida pela Faust.

Pessoas de má índole evitariam sacerdotisas como a praga.

Tinha que haver algum motivo para este homem tentar abordá-las de qualquer maneira. Era possível que ele fosse realmente tão estúpido, mas esses homens pareciam mais racionais que isso. Apesar de seus modos e postura grosseiros, eles ainda faziam o mínimo de esforço para serem sensatos no que diziam. Mesmo que eles estivessem famintos por companhia feminina, deveriam ter bom senso suficiente para evitar uma sacerdotisa.

E mesmo assim, não o fizeram. A conclusão mais natural era que seus esforços para abordar as garotas fossem uma encenação.

“Eu estava com um pressentimento sobre isso desde ontem.”

A esta altura, os rostos dos homens perderam toda a emoção.

Além dos dois que ainda estavam na própria mesa, até o homem com a faca na garganta estava quase sinistramente sem expressão, sem um sinal de medo. Três olhares frios focaram em Menou.

“Vocês estão com aqueles sequestradores, não estão?”

Tsk!

Os outros dois homens entraram em ação apesar da faca na garganta de seu companheiro, saltando e agarrando suas armas. Sua falta de preocupação com as próprias vidas era igual à dos sequestradores do dia anterior.

Matar um deles não os afugentaria. Avaliando que o tempo que levaria para matá-lo poderia custar-lhe a luta, Menou retirou sua arma do homem à sua frente. Enquanto ela saltava para trás, colocando distância entre eles, Sahara entrou em seu lugar. Ela bloqueou um golpe de espada de um dos homens com seu braço direito artificial.

Houve um som agudo de metal batendo em metal.

Ugh, meu ombro sentiu essa.” Sahara resmungou, com seus olhos ainda parecendo sonolentos enquanto bloqueava a espada.

Seu braço protético era feito de aço e movido por uma conexão de Força Etérea. Como as integrantes da Faust carregavam escrituras em suas mãos esquerdas, elas favoreciam armas que poderiam ser usadas apenas com os braços direitos. A arma de Sahara era seu próprio braço protético de aço.

Ela o usou para empurrar a espada, fazendo o homem cambalear alguns passos.

“…Você tem muita coragem para apontar uma espada para mim.”

“Hã? Fica fora disso, vadia.”

“Receio que não posso fazer isso.”

Enquanto dividia sua atenção escutando a conversa deles, Menou carregou sua adaga com Força Etérea e começou a construir uma conjuração. Haviam três homens diante dela com lâminas à mão, mas havia outro alvo mais urgente que Menou tinha de lidar primeiro.

Força Etérea: Conectar—Adaga, Brasão—Invocar [Fio Etéreo]

Antes que os homens pudessem corrigir suas posições, ela invocou a conjuração do brasão. Em seguida, Menou arremessou a adaga—e a mirou diretamente atrás dela.

Gah!

Um grunhido ressoou. A adaga que Menou arremessou sem olhar atingiu o rapaz na mesa atrás delas diretamente na mão. Uma arma Etérea caiu de suas roupas. Menou puxou o fio de Força Etérea conectado ao cabo da adaga, trazendo-a de volta à sua mão.

O rapaz, que parecia tão alarmado por se envolver nesta situação crítica, na realidade estava trabalhando com os outros homens. Ele estava usando seu manto de corpo inteiro para preparar uma arma Etérea por baixo. Sem dúvidas o plano era ele atirar em Menou por trás enquanto ela estava distraída pelos agressores.

“Falei que parecia forçado.”

Haviam quatro oponentes ao todo. Menou segurou sua adaga em punho, observando-os.

Ela imaginou que o verdadeiro ataque viria de outro lugar precisamente porque o homem as abordou tão ostensivamente. Estava claro para ela que a atuação deles, incluindo o momento em que Menou percebeu isso, fazia parte de um plano de ataque maior.

Até mesmo os homens que fizeram uma encenação para abordá-las eram apenas chamarizes. O verdadeiro agressor era o rapaz aparentemente irrelevante na outra mesa. Ironicamente, foi por conta de sua coordenação tão impecável que Menou foi capaz de prever o planejado ataque surpresa do seu ponto cego.

“Flarette… Eu não deveria esperar menos.”

Sem dar uma olhada em sua arma Etérea caída, o rapaz andou para ficar junto dos outros três agressores. Ele parecia ser o líder. Qualquer fingimento de ser um transeunte inocente agora havia sumido completamente. Seus olhos frios e reptilianos estavam fixos em Menou.

“Abateu a supressora de flagelo dracônico, Arcebispa Orwell. Repeliu um dos Quatro Principais Erros Humanos, Pandæmônio. Eu assumi que esses rumores eram exagerados, mas parece que havia alguma verdade neles, afinal.”

“Tenho certeza de que não sei do que está falando.” Menou encolheu levemente os ombros, tentando mudar de assunto.

Akari já sabia desses dois casos, então tudo bem, mas havia uma chance de que eles pudessem revelar mais sobre a identidade de Menou. Ela ainda estava escondendo de Akari o fato de que era uma Executora.

“Não suponho que entregaria a garota tranquilamente, correto?”

“Terei que recusar. E quanto a você? Estaria disposto a se render e arrepender-se de seus pecados?”

“Deixe-me contar-lhe uma coisinha.”

Mas que olhos desumanamente frios, Menou pensou, e então notou algo. O olho direito do rapaz era um protético extremamente bem feito.

Menou elevou seu nível de cautela em relação a este homem. Para pesquisadores de tabus, pessoas do submundo e semelhantes, partes artificiais não eram sempre apenas para compensar uma perda. Às vezes, elas eram colocadas para ocultar receptáculos Etéreos especiais.

“Nosso grupo trabalha diretamente para Genom Cthulla.”

“Genom Cthulha?” Menou arregalou os olhos para o nome.

Esse foi um nome inesperadamente grande. Sahara não havia dito nada sobre a Corrente de Ferro estar ligada a Genom. Ou talvez ela também não soubesse.

Mas a surpresa de Menou só apareceu por um segundo.

“…Entendo. E?”

Além do rapaz líder, os outros homens hesitaram ligeiramente, parecendo surpresos que a ameaça não funcionou.

Menou estreitou os olhos friamente. “Genom Cthulha. Um nome assustador, certamente. Se ele realmente estivesse aqui, imagino que eu nunca seria capaz de vencer.”

Akari, que estava prendendo a respiração, parecia chocada. Do seu ponto de vista, aquilo deve ter soado como uma incomum demonstração de fraqueza por parte de Menou.

Mas Menou estava sendo sincera.

Genom Cthulha: também conhecido como Traficante de Armas, Matador de Sacerdotisas, e Assassino de Cores Primárias, entre inúmeras outras alcunhas. Seu nome estava gravado no topo da lista de procurados em todo o continente.

Embora ele fosse conhecido como um vilão que causou estragos em inúmeras nações, ele eventualmente se aventurou na Fronteira Selvagem do leste, onde poucos humanos se atreviam a pisar. Ela era temido como um monstro nascido da Plebe e considerado o indivíduo mais forte deste continente.

Se ambos lutassem mano-a-mano, até mesmo Menou muito provavelmente não conseguiria competir.

“Mas ele não deixará a Fronteira Selvagem do leste.”

Era uma história famosa.

Genom Cthulha obteve êxito na proeza até então desconhecida de atravessar a Fronteira Selvagem do leste, mas foi capturado pela Sociedade Mecânica no processo. Como ele era um dos pilares fundamentais da Fourth, o fato dele estar preso na Fronteira Selvagem do leste foi considerado um dos principais fatores que levaram à captura do Diretor e até mesmo a queda da Fourth.

“Se ele for incapaz de vir aqui mesmo que eu elimine vocês, não há nada de assustador em apenas ouvir o seu nome. Se vão alegar ter a proteção de alguém, ao menos escolham uma pessoa que de fato possa vir em seu auxílio.”

“Está dizendo que não somos uma ameaça? Claro, ele provavelmente não virá pessoalmente. Mas você não pode ser tão ignorante ao ponto de não saber o que significa ter o apoio dele.”

“Suponho que não…”

Talvez a alegação de que sua organização trabalhava para Genom não fosse apenas um blefe. Isso certamente explicaria seus equipamentos excepcionalmente bons.

Assustadoramente, Genom tinha uma aliança com a Sociedade Mecânica e enviava armaduras e armas de alta qualidade para as organizações que trabalhavam para ele. Embora ele mesmo não pudesse sair da Sociedade Mecânica, ele usava esses grupos para espalhar seu reinado de terror.

Menou sabia de tudo isso, e mesmo assim sorriu destemidamente.

“Por que não descobrimos?”

A tensão no ar subiu imediatamente.

Ambos os lados estavam prontos para uma luta. Enquanto Menou e o rapaz se encaravam, o ar ficava mais pesado ao redor deles. A tensão chegou ao limite, chegando à dureza do vidro que ameaçava quebrar ao menor movimento.

Menou continuou encarando o inimigo, tomando cuidado para manter a guarda alta.

Embora ela estivesse mantendo uma atitude insolente para que não a subestimassem, esses homens certamente não eram oponentes a serem desprezados. Não havia comparação aqui com os comparsas da Fourth contra quem elas lutaram na cidade portuária de Libelle; esses homens eram habilidosos o suficiente para rivalizar com os cavaleiros que ela enfrentou no Reino de Grisarika.

Ela poderia lutar com eles enquanto protegia Akari sem se machucar? Nem mesmo Menou tinha certeza.

Ambos os lados estavam prontos para entrar em batalha a qualquer momento.

“Genom não pode deixar a Fronteira Selvagem do leste, hmm?” o rapaz murmurou pensativamente.

Seu olhar se desviou de Menou. Enquanto seu olho falso não se mexia, seu olho esquerdo pousou diretamente em Sahara.

“Quem sabe por quanto tempo será esse o caso?”

A sobrancelha de Menou tremeu. Antes que ela pudesse perguntar o que ele queria dizer, o rapaz recuou.

“Vamos embora.”

Com esse comando calmo, os homens imediatamente recuaram em direções diferentes.

Menou começou a avançar instintivamente, mas logo decidiu não persegui-los. Mesmo que seus inimigos estivessem de costas, ela não podia deixar Akari para trás.

“Ufa…” Akari soltou um suspiro de alívio quando a tensão foi drenada do ar. “Eu estava morreeendo de medo. Qual era o problema daqueles caras afinal? Assustador…”

“Pois é, concordo. Que tipo de caras implicariam com jovens indefesas?”

Embora Sahara concordasse com Akari, ela não estava nem um pouco mexida. Igualmente aliviada por terem conseguido resolver as coisas pacificamente, Menou deu a última mordida em sua comida.

 

*

 

Após o incidente no almoço, Menou trouxe Akari para o local de encontro que Momo havia designado.

Ela não tinha motivo para trazer Akari junto para se encontrar com os cavaleiros que estavam perseguindo os executivos da Corrente de Ferro, mas não podia deixá-la sozinha, especialmente logo depois de terem sido atacadas. Sahara, no entanto, decidiu seguir seu próprio caminho assim que soube que Momo poderia estar lá.

“É um prazer recebê-las. A jovem mestra já me informou tudo.”

O local de encontro era uma pensão pintada de branco próxima da orla do oásis. Quando elas chegaram, uma jovem moça usando um traje de empregada apareceu para recebê-las, evidentemente a recepcionista.

O design do traje da empregada parecia estranhamente familiar. Enquanto Menou fuçava suas memórias, a empregada as levou para dentro, onde ela sorriu e abriu um grande roupeiro.

“Aqui, uma muda de roupa para vocês. Por favor, não tenham pressa.”

O sorriso brando que Menou estava usando congelou em seu rosto.

O roupeiro estava cheio de trajes de banho.

“…Perdão?”

Por que estavam oferecendo trajes de banho para uma reunião com os cavaleiros? Algo não se encaixava.

“Por que está nos oferecendo essas?”

“Como assim? Isto é uma praia particular, é claro. Ou vocês trouxeram seus próprios trajes de banho?”

Menou sentiu como se elas estivessem sendo forçadas a alguma forma estranha de assédio, mas a empregada parecia igualmente confusa com sua pergunta.

No entanto, isso não esclareceu nada. No mínimo, Menou estava ainda mais confusa.

“Uma praia particular?”

Momo não havia escrito uma única palavra sobre isso.

Isso tinha que ser algum engano. Todavia, os olhos de Akari já estavam brilhando.

“Brincar na água com a Menou usando um traje de banho em uma praia particular…!”

Por alguma razão, suas expectativas estavam claramente tomando uma direção estranha.

No momento em que Menou pensou ah não, já era tarde demais. Na verdade, ela agora percebeu porque o traje da empregada parecia tão familiar.

Era um traje de empregada do Reino de Grisarika.

A própria Menou já havia usado um antes, embora alterado por Momo, então não havia dúvida. Este era exatamente o mesmo uniforme que as empregadas usavam no palácio real de Grisarika.

Servos usando uniformes do Reino de Grisarika cuidavam deste edifício.

Houve a menção de uma “jovem mestra.”

E alguém teve a coragem de marcar a reunião em uma praia particular.

A essa altura, era óbvio quem estava esperando para encontrá-las.

Menou rapidamente olhou em volta. Enquanto procurava por uma saída, alguém agarrou firmemente o seu braço.

“Menou. Não seja egoísta, ouviu? Temos assuntos a tratar aqui, lembra?”

A excitação de Akari havia selado completamente qualquer meio de fuga.

 

*

 

Menou estava na praia arenosa em um traje de banho.

Entre o sol quente e as águas claras, nadar no oásis era um passatempo muito agradável. Como era uma região desértica, a água sempre estava morna e a areia sob os pés absolutamente escaldante. Se o sol fosse um pouco menos intenso, poderia até ser o lugar perfeito para um dia de praia.

Deixando a pensão branca para trás, elas estavam cercadas por árvores altas em todas as direções. Uma garota que parecia fazer parte dos funcionários aqui estava em pé no espaço aberto próximo ao edifício, usando um maiô branco e um chapéu de palha que cobria seu rosto enquanto preparava algumas bebidas vivamente coloridas.

Era, sem dúvida, uma praia particular.

“Bem, acho que não tem nada de errado…”

Menou não protestou porque estava com vergonha de usar um traje de banho ou algo assim. Ela simplesmente não gostava de ser compelida a abrir mão de suas armas e equipamentos.

“Me pergunto se esta era a verdadeira razão desde o princípio…”

Era uma explicação forçada, mas pelo menos fazia sentido para ela.

Construir uma área de piscina particular no manancial de um oásis era um nível inacreditável de extravagância. Quem seria rico e poderoso o bastante para ocupar parte de um oásis? Menou já tinha uma boa ideia da resposta enquanto sentia a areia sob seus pés descalços.

Vestida para a praia, Menou estava usando um traje estilo biquíni com um sarongue enrolado na cintura. Como se sua figura não fosse agradável o suficiente aos olhos, seus pequenos traços faciais pareciam elevá-la a outro nível. A linha de sua cintura fina e pernas longas criavam uma visão deslumbrante e uma silhueta estonteantemente bem equilibrada.

E ela não estava sozinha.

“Menou! Então? O que achou do meu corpinho de praia?” Akari veio correndo atrás dela.

Ela estava usando um biquíni adornado com babados adoráveis. Sua pele parecia macia e suave, sem uma única imperfeição. Suas feições de rosto de bebê contrastavam com sua figura peituda. Enquanto ela corria pela areia, as linhas de suas pernas eram tão sensuais que chegavam a ser quase escandalosas. Em suma, o traje de banho extraia totalmente os encantos de Akari de uma maneira diferente da de Menou.

Exibindo seu traje, Akari olhou para Menou com os olhos brilhando em óbvia antecipação de elogios.

Menou estendeu a mão silenciosamente, beliscou a barriga de Akari e a puxou, esticando sua barriga macia.

O sorriso de Akari congelou. Menou calmamente olhou para ela e deu um pequeno aceno de cabeça.

“……”

“……”

Elas trocaram olhares. O silêncio caiu sobre as duas garotas. Mas não mudou a realidade. A carne que Menou beliscou estava, sem dúvida, se esticando. Isso era tudo o que importava.

“……Talvez você pudesse se esforçar para perder peso?”

“Esta foi a pior reação que eu poderia imaginar…!”

Foi um golpe crítico.

A pura força da resposta intrépida abateu a excitação de Akari e a fez cair de joelhos na praia arenosa.

“Perder pe… espera, o quê? Eu não estou tão gordinha assim, estou? Comparada a outras garotas no Japão, eu era… hã? Qual era minha categoria mesmo? Não consigo me lembrar da média… Como exatamente eu…? O que é normal…?”

“Você ainda está numa faixa aceitável. Mas se baixar a guarda, essa sua barriga mole vai sair do controle num piscar de olhos.”

“Menou… Menou, você… tem um corpo maravilhoso. É como a forma ideal, sem um único defeito…! Um corpo perfeito…!”

“Obrigada.”

Enquanto Akari tocava seus braços e barriga, desesperada com a diferença entre elas, Menou deu de ombros. Ela simplesmente tinha muito mais treinamento e exercício em seu currículo. Comparado ao corpo esponjoso de Akari, a pele de Menou era muito mais suave e macia. Era discutível qual das duas era melhor de tocar, mas quanto a quem estava mais próxima das proporções ideais, Menou tinha uma clara vantagem.

Weh… Agora me sinto envergonhada de mostrar tanta pele em público… Por que meu eu passado pensou que era uma boa ideia tentar fazer a Menou se apaixonar por mim em um traje de banho?”

“Porque você é uma idiota?” Menou expressou seus pensamentos ao ouvir o plano superficial de Akari. “Você não tem autocontrole e se deixa levar pelo momento. Mostre um pouco mais de autodomínio.”

“Eu seeei, mas…!”

Enquanto Akari tardiamente ficava vermelha e cobria a barriga, Menou impiedosamente deu o golpe final.

“Se está envergonhada, deveria ir nadar. Dessa forma, queimará um pouco de gordura.”

“Tá booom.”

Menou observou Akari se arrastar melancolicamente em direção à água, depois dirigiu-se para a pensão. Agora que conseguiu afastar Akari, ela abordou a garota servindo bebidas.

“Dois drinques, por favor. Qualquer um serve.”

“É pra jááá.” A garota usando o chapéu de palha e maiô branco olhou nos olhos de Menou, com seu cabelo rosa balançando ao vento.

Seus olhos encheram-se de lágrimas e ela uniu as mãos.

“Você está tããão fantástica em seu traje de banho, queriiida…!”

A garota no adorável maiô não era outra senão Momo.

Enquanto ela olhava ardentemente para Menou, seus olhos encheram-se com todos os elogios que ela conseguia reunir, ela falou com uma voz trêmula. “Sua amada Momo… nunca foi tão grata ao Senhor pelo dom da vida quanto neste momeeento…! Dou graças pela bênção deste diiia!”

“Essa pode ser a primeira vez que vejo você orar sinceramente ao Senhor…”

“No que me diz respeito, o Senhor é apenas uma conveniente criação do homem, então isso foi apenas uma metáfora para expressar que você é simplesmente divina, queriiida!”

Não foi por acaso que Momo teve as notas de fé mais baixas da história do seu monastério. A maneira que ela disse isso tão despreocupadamente faria alguém questionar se ela era realmente uma integrante do clero. A parte mais triste era que este era o Modus Operandi de Momo.

“A propósito, tem alguma informação importante para mim? Odeio admitir, mas como tenho viajado com Akari, tem sido difícil coletar muitas notícias.”

“Informação, hmm? Deixe-me ver…”

Momo tocou no queixo em um movimento fofo, mas calculado, procurando em suas memórias.

“Sobre o leste, ouvi dizer que o Diretor escapou da prisão no Reino de Grisarika, e houve desertoras da Faust nas linhas de defesa da Fronteira Selvagem do leste, e por aí vaaai. Não há muitas notícias do oeste, no entaaanto.”

Er… Essas parecem ser notícias bem grandes.”

“Bem, elas não afetam diretamente nenhuma de nós, entããão…”

“Suponho que não, mas…”

Qualquer uma dessas questões poderia seriamente mudar o estado do mundo.

Era bem verdade que elas já haviam passado pelo leste. Era um alívio saber que não havia nenhuma atividade violenta acontecendo na parte oeste do continente, para onde elas estavam se dirigindo.

“Aliás, sobre por que você escolheu este lugar para nossa reunião…”

Certamente, elas poderiam evitar ser notadas em uma praia particular. Mas alguém poderoso o suficiente para ter tal espaço dificilmente o ofereceria como esconderijo para alguns cavaleiros comuns.

Foi nesse preciso momento que a pessoa exata que Menou estava esperando decidiu emergir da pensão.

“Olá, ‘querida’. Há quanto tempo.”

A jovem mulher de classe alta cumprimentou Menou no tom casual de quem vê uma velha amiga, seu cabelo loiro tingido de vermelho logo atrás dela. Como se suas roupas habituais não fossem provocativas o suficiente, seu maiô era arrojadamente ousado. O design único e peculiar era radicalmente revelador; claramente, ela estava um ou dois passos à frente de seu tempo.

Era, de fato, Ashuna Grisarika em carne e osso.

“Trajes de banho são esplêndidos, não são? Roupas feitas para exibir a beleza natural do corpo humano sob o sol—são magníficas aos meus olhos. E são ainda mais refrescantes à beira da água! Na verdade, eu gostaria de poder desfilar pela cidade vestida assim!”

“Você é demente?”

Ela parecia 30 por cento mais animada do que de costume, talvez porque seu maiô era 30 por cento mais revelador do que sua vestimenta habitual. No entanto, não havia nada relacionável sobre sua excitação para qualquer outra pessoa presente. Momo, especialmente, calou-se mal-humorada e recusou-se a olhar nos olhos de Ashuna.

“Então, o que achou? Agradável, não? Ninguém além da família real do Reino de Grisarika tem posse de uma praia particular aqui no Oásis de Balar.”

“…É mesmo? Devo dizer, a Srta. tem uma linhagem impressionante, Sua Alteza.”

“Não vou negar. Aliás, fiquei sabendo. Você deu uma surra em alguns delinquentes assim que chegou na cidade, não foi? Não esperaria menos de alguém que tanto estimei.”

“Obrigada, eu suponho…” Menou respondeu suavemente.

Akari começou a nadar de volta para a margem, provavelmente porque notou um rosto não familiar.

Menou olhou para sua ajudante. “Momo. Obrigada por tudo até agora. Se tivermos que lutar contra esses rufiões no deserto, poderia pedir a você para auxiliar Akari pelas sombras?”

“Eu não poderia me importar menos com o que acontece com aquela dona peituda, mas eu faria qualquer coisa por você, queriiida. Perfeitamente.”

“Obrigada. Me sinto melhor sabendo que posso contar com você, Momo.”

Assim que Momo se retirou para a pensão antes que Akari chegasse, Menou pegou a escritura que a garota de cabelo rosa estava escondendo sob sua bandeja de bebidas, invocando continuamente uma conjuração com discrição chocante.

“Ah!” Momo foi pega completamente desprevenida. Antes que ela pudesse reagir, Menou abriu a escritura furtada.

Ela foi direto para o primeiro versículo do primeiro capítulo.

A escritura carregada por sacerdotisas era um meio de conjuração altamente avançado, um receptáculo que podia invocar inúmeros tipos de conjurações. A página que Menou escolheu era capaz de registrar imagens e videos.

Nela havia uma imagem destacada de uma Menou em miniatura em seu traje de banho.

Este era um dos poucos defeitos da assistente talentosa de Menou, e era uma falha e tanto. Sabia, ela pensou, estreitando os olhos e enviando Força Etérea para a escritura de Momo.

“Quê!? Querida, espere por favor!” Momo clamou, mas Menou a ignorou. Ela não iria tolerar registros de sua pessoa, especialmente feitos sem permissão.

Força Etérea: Conectar—Escritura, 1:1—Invocar [Transcreva o milagre perante os meus olhos, pois este deve ser registrado.]

Após apagar o conteúdo da conjuração de registro, uma ferramenta exclusiva da Faust, ela devolveu a escritura para Momo. “Tome, pode pegar de volta.”

“M-minha coleção… Minha preciosa coleçããão de fotos da minha querida…! Essa é praticamente a única razão pela qual carrego esse livro estúpido…!”

Menou esperava sinceramente que aquilo fosse exagero.

Era o melhor para o bem de Momo se ela perdesse os frutos de seu mau hábito. Menou esperou muito tempo para ter uma chance de apagá-las, e agora Momo havia finalmente baixado a guarda. Seguramente, agora Momo aprenderia algumas conjurações da escritura mais úteis. Com o ânimo elevado, Menou alegremente enxotou Momo, que estava em lágrimas.

“Sim, sim, eu sei. Se apresse e esconda-se… Ah, é mesmo. Momo, lembra da Sahara?”

“Sahara? Ah, aquele pedaço de liiixo…”

Momo foi rápida em insultar a garota de seu monastério, sem saber que ela e Menou haviam se reunido recentemente.

“Pensei que já estivesse morta a essa altura. Ela ainda está viiiva? Se ela der as caras para qualquer uma de nós novamente, pretendo esmagar suas mãos estúpidas e costuraaar aquela boca dela.”

“Q-quem sabe? Me pergunto onde ela pode estar neste momento!”

Bem, isso não vai funcionar, Menou pensou, desistindo imediatamente enquanto via Momo ir para a pensão.

Atrás dela, Akari se aproximou e foi cumprimentada por Ashuna.

“Parece que temos uma novata, então deixe-me reapresentar-me. Sou Ashuna Grisarika. Então, posso perguntar qual é o seu nome, já que é uma amiga da querida aqui?”

“S-sou Akari. Sou uma pessoa perfeitamente normal que viaja junto com Menou.”

Essa auto-apresentação um tanto estranha foi o resultado de Menou alertando Akari para ter cuidado para não se revelar como uma perdida. Ela estava desenvolvendo o péssimo hábito de ser tão paranóica que acabava soando ainda mais suspeita.

Akari alternou seu olhar entre Menou e Ashuna, e então sussurrou para Menou.

“Por que raios ela está te chamando de querida? É alguma mania estranha de sacerdotisa?”

“Ela parece uma sacerdotisa para você? Pura, justa e forte?”

“Ela até parece forte, mas não muito sacerdotisesca, eu acho. Também não soa muito romântico quando ela fala. Ela só parece, uh, forte. É.

“Exatamente. Garanto que não é nada disso. Eu nunca iria querer uma querida assim.”

Enquanto sussurravam entre si, Ashuna apareceu no meio delas.

Hrm. Devo dizer, você não está sendo muito legal.”

Iih?!” Akari pulou, alarmada com sua proximidade repentina. Ela deu vários passos para trás, possivelmente intimidada por Ashuna. Akari podia ser surpreendentemente tímida às vezes. Além da expressão e aparência ousadas de Ashuna, ela era notavelmente alta para uma mulher, o que tornava sua presença ainda mais avassaladora.

Menou despreocupadamente se colocou na frente de Akari enquanto se dirigia a Ashuna com olhos estreitados.

“Apenas para confirmar, o que exatamente a Srta. está fazendo aqui, Sua Alteza?”

“Hmm? Por acaso, me deparei com esses cavaleiros enquanto caminhava pelo deserto para atravessar a Fronteira Selvagem central. Acabei ajudando-os com sua investigação, e então me imploraram para tornar-me sua líder. Eu não tinha motivo para recusar, então aqui estamos.”

A Princesa era tão carismática que se via liderando as pessoas onde quer que fosse. Menou não sabia se ficava impressionada ou apenas exausta.

“Esbarrei com Momo depois disso. Quando ela soube da nossa praia particular, ficou toda empolgada por alguma razão e me pediu para ajudar o seu grupo.”

Parece que Momo também estava envolvida na escolha deste local de encontro.

A entrada de Ashuna diminuiu a motivação de Menou consideravelmente.

Não podemos simplesmente deixá-la cuidar disso sem que eu me envolva? Se esperarmos alguns dias, podemos receber a notícia de que ela desmantelou o grupo Corrente de Ferro por conta própria… Menou estava começando a ficar excessivamente otimista até que Ashuna deu um tapinha em seu ombro com um sorriso simpático.

“Parece que você já tem algumas informações, mas estamos atrás de um certo grupo de criminosos procurados. E acredito que você me deve um favor. Portanto, se nossos objetivos se alinham, por que não unirmos forças?”

“……” A expressão de Menou azedou.

Ela sabia exatamente a que Ashuna estava se referindo: a colaboração delas em Libelle. Ashuna fez grandes contribuições para a luta contra Pandæmônio, que estava causando uma enorme destruição com sacrifícios. Sem sua ajuda, os danos provavelmente teriam sido muito piores, e Menou poderia nem ter saído ilesa.

Acima de tudo, Ashuna não fuçou a identidade de Menou. Ela nem perguntou o seu nome. Isso era prova de que ela respeitava a posição de Menou. Claro, Menou poderia apenas fingir não se lembrar, mas com Ashuna, era melhor ser franca.

“Muito bem, Sua Alteza. Tenho uma ideia de onde esses criminosos podem estar, então vou compartilhar o que sei.”

“Perfeito.”

Com base nas informações que Menou obteve de Sahara, Ashuna provavelmente estava procurando por Miller e Wolff.

“Esses criminosos provavelmente fazem parte de uma organização de tráfico humano. E após me infiltrar na base deles outro dia, posso confirmar que ela provavelmente…”

Resignando-se, Menou revelou todas as suas informações sobre o grupo Corrente de Ferro no deserto.

 

*

 

“Ufa…” Menou calmamente fechou a porta atrás dela.

Ela havia acabado de terminar sua reunião com Ashuna e retornou à pousada. Além de discutir a situação atual, ela também descobriu que Manon ainda estava viva após seu encontro em Libelle. Havia muito em que pensar, mas ela tinha outra coisa para cuidar primeiro.

“Sente-se, Menou.” Aninhada na cama, Akari deu tapinhas no ponto ao lado dela. Seus lábios estavam virados para baixo formando um beicinho, e havia uma dobra entre suas sobrancelhas. Tudo sobre sua expressão e maneirismos indicavam: Estou furiosa com você neste momento.

Desgastada da conversa com Ashuna, Menou obedientemente se sentou.

“Eu posso ignorar a situação com a Sahara, está bem? Foi há muito tempo, então é normal.”

“Uhum.”

Do que ela está falando agora? Menou se perguntou, sem prestar muita atenção.

“Porém, mais importante! Aquela tal Srta. Ashuna que encontramos na praia. Qual é o seu relacionamento com aquela linda mulher!?”

“Que relacionamento…?”

Suas palavras eram ridículas, mas quando Menou considerou seriamente a pergunta, descobriu que era surpreendentemente difícil de responder.

De fato, qual era o relacionamento entre Ashuna e Menou? Elas não eram amigas, muito menos colegas. Na verdade, Ashuna era de uma família real da Nobreza, e Menou era uma Executora da Faust. Elas vieram de mundos totalmente diferentes. E este foi apenas o segundo encontro delas.

“Um relacionamento casual, eu suponho?”

“Eu não aprovo esse tipo de coisa de jeito nenhum!”

Por alguma razão, Akari conseguiu interpretar mal a resposta de Menou, o que apenas piorou seu temperamento.

“Você realmente poderia me tratar melhor, Menou! É exatamente como a Sahara disse. Você tem que perder esse hábito de seduzir mulheres onde quer que vá! Como meu coração ficará em paz assim!?”

“Você também não está deixando o meu em paz.”

“Ai, ai, ai, ai!”

Menou agarrou o rosto de Akari e impiedosamente a sujeitou a um clawhold. Uma vez que Akari se acalmou, ela a jogou na cama e foi até a mesa.

“E agooora? Está escrevendo um diário, Menou?”

“Não seja absurda.” Menou negou enquanto a garota de cabelos pretos rolava pela capa.

Ela estava usando o papel para desenhar um esboço das posições dos prédios na base que elas se infiltraram no dia anterior, excluindo os barracões e edifícios de um andar claramente agrupados.

Os prédios que restavam formavam um padrão estranho, de fato.

Havia quatro torres, uma em cada direção cardeal, posicionadas no muro perfeitamente circular. Fora isso, os outros prédios formavam dois pentagramas, se conectados com linhas. Estava em uma superfície plana em vez do tradicional salão cerimonial em forma de cúpula, mas, mesmo assim, não havia dúvidas.

“Um círculo de conjuração arquitetônico…” Menou murmurou, discretamente suficiente para que Akari não a ouvisse.

Pelo que ela percebeu, era um círculo de conjuração cerimonial para conectar um mundo diferente a este. A montagem da base combinava perfeitamente com um círculo de conjuração—mas não havia veia astral aqui. E Menou duvidava que eles pudessem ter Força Etérea o bastante para invocar tal conjuração, então ela escreveu uma hipótese no canto do papel.

Planejavam usar a Força Etérea de Akari?

Este foi seu primeiro palpite, mas ela rapidamente o riscou.

Usar um Ádvena para evocar um Ádvena era simplesmente sem sentido. Além disso, se eles tentassem extrair tanto poder dela, o Puro Conceito de Akari quase certamente ficaria fora de controle e causaria grandes danos.

“O que significa que eles devem ter algum outro objetivo…”

Como eles pretendiam usar esse círculo de conjuração?

A Sociedade Mecânica na Fronteira Selvagem do leste. Essa era, sem dúvida, a chave para o mistério, mas Menou não conseguia descobrir como eles estavam conectados. Também não havia tempo suficiente para investigar o objetivo do inimigo. Em sua reunião com Ashuna, elas concluíram que iriam atacar de uma vez.

“…Bem, possivelmente o destruiremos e nada disso importará.”

Assim, a primeira noite delas na parada de abastecimento, o oásis, chegou ao fim.

 

*

 

“Merda.” Wolff, o líder da organização de tráfico humano Corrente de Ferro, xingou quando ouviu o relatório de seu subordinado. “A Flarette é boa assim, é? E se ela está se unindo à Princesa Cavaleira, não podemos pôr as mãos nelas. Vamos dar o fora daqui.”

Sua decisão foi rápida quando Miller contou a ele o resultado da batalha.

Era uma lástima ter que abandonar este lugar depois de tanta preparação, mas sacrifícios precisavam ser feitos. Eles teriam que dispor do círculo de conjuração arquitetônico que haviam construído em sua base, pegando o dinheiro que haviam guardado e fugindo.

Raptar Flarette e sua companheira Ádvena não era uma necessidade, para começar. Eles apenas ouviram a informação sobre a presença do par de uma certa fonte e tentaram capturá-las, nada mais.

“Vamos fugir? Esta é uma chance boa demais para abrir mão.”

“De qualquer forma, essa informação é de um membro novo. Não há razão para arriscarmos nossas peles fazendo isso.”

Flarette, que estava fingindo ser uma sacerdotisa em uma peregrinação, e Ashuna Grisarika, a Princesa Cavaleira do Reino de Grisarika. Se eles tentassem colocar a mão nessa dupla, saíram com mais do que apenas uma leve queimadura.

“Odeio perder a Ádvena, mas é. Não faz sentido lutar contra a Flarette de frente quando você não conseguiu nem matá-la com um ataque surpresa. Se elas descobrirem para que serve essa cerimônia, estamos ferrados.”

Eles poderiam ser capazes de enfrentar uma ou duas sacerdotisas comuns. Mesmo que tais sacerdotisas se unissem a alguns cavaleiros para atacar a base, ele estava confiante de que seus homens poderiam usar a vantagem do campo familiar para virar o jogo contra eles. Afinal, o grupo criminoso de Wolff era muito mais bem armado do que qualquer grupo de bandidos comum. Eles tinham o apoio de Genom e, com isso, as amplas armas de conjuração que ele fornecia. Wolff e seus homens definitivamente estavam um passo à frente da maioria, mas ele não era presunçoso o suficiente para pensar que poderiam derrotar Flarette.

A geração de Wolff era da época de ouro da Flare. Ele estava bem ciente do que as Executoras realmente eram capazes.

“Se ela é a sucessora daquela mulher, não lutaria contra nós honestamente de qualquer maneira. Atacá-la primeiro era uma coisa, mas eu não quero receber o troco por isso.”

Wolff tinha grandes ambições; foi por isso que ele conseguiu subir até o topo em primeiro lugar. Quando sua organização começou a trabalhar para Genom Cthulha, eles conseguiram obter armas de conjuração de alta qualidade. A última coisa que ele queria fazer era colocar sua vida em risco em um cenário sem vitória, justamente quando as coisas estavam indo tão bem.

“Esta não será nossa única chance. Agora comece a se preparar para carregar as coisas e partir.”

“Mas também poderíamos enterrá-la aqui e agora. Esta é uma oportunidade perfeita.”

“Você tá sendo mesmo insistente, Miller.” Wolff olhou suspeitosamente para seu subordinado e braço direito, que normalmente não era tão persistente. “Sossega aí, tá bom? Pensei que fosse um cara mais esperto que isso. Você tem agido muito estranho desde que voltou da Fronteira Selvagem do leste.”

Era uma pena ter que deixar sua base, mas eles poderiam abandonar os membros de escalão mais baixo para ganhar tempo para sua fuga. A Corrente de Ferro estava se dissolvendo. Por ora, eles iriam se dispersar, se esconder no deserto e planejar seu retorno.

“Vou reunir os rapazes que vamos tirar daqui. Você fica encarregado de coletar as mercadorias e—”

Miller era o vice-capitão desta base. Ele estaria entre os membros que escaparam.

Wolff era decisivo, mas às vezes muito entusiasmado, então foi apenas graças ao apoio de Miller que ele chegou até aqui.

Um bang seco ecoou pelo ar.

Era o som de uma arma Etérea. Uma mancha vermelha se espalhou pelas roupas de Wolff por dentro.

“Maldito…” Wolff encarou Miller incrédulo. Quando ele viu a expressão desumana de seu braço direito, ele entendeu instintivamente.

O rosto e o corpo de Miller eram certamente dele. Este era o homem que tinha sido seu subordinado próximo por muitos anos. A lealdade deste homem não estava mais com Wolff, no entanto. Ele nem se importava com o que acontecia com a Corrente de Ferro.

Miller nem sequer piscou com as palavras de Wolff.

“Sinto muito, Wolff. Tenho que ativar esse círculo de conjuração, não importa o que aconteça. Você entende, não é? Eu recebi poder diretamente do próprio cara. É o meu dever retribuí-lo por isso. No pior dos casos, nem importa se vamos ganhar ou perder. De qualquer modo, isso vai ajudar a libertá-lo no fim das contas.”

“Você tá… de gozação…!”

“Não estou.” Miller puxou uma adaga que estava escondida na sala. Parecia muito semelhante a que ele viu Flarette carregando mais cedo naquele dia.

Então, ele apunhalou Wolff no ângulo perfeito para esconder o ferimento de bala.

“Esta é apenas a coisa racional a fazer.”

Wolff deu seu último suspiro justamente quando Miller terminou de falar. Olhando para o cadáver, Miller suspirou.

“…Então matar ele não subiu meu nível, né?” Ele murmurou. “Bem, vamos torcer para que os pontos de experiência de Flarette valham o esforço.”

Enquanto falava sozinho, ele bateu na janela, quebrando-a por dentro.

“Capitão Wolff! O que foi esse—?”

Um dos homens deles entrou correndo, alertado pelo som da arma Etérea seguido pelo vidro se estilhaçando. Ele parou quando viu a situação ali dentro.

“Mas o que foi que…?”

“Foi Flarette. Não sei se ela estava se vingando de nosso ataque essa tarde ou se ela ficou sabendo que Wolff e eu somos procurados, mas ela o matou—maldição.”

A voz de Miller tremia de fúria. Normalmente, ele era tão calmo que parecia ter sangue frio, então ouvir sua voz tremer foi um choque para seu subordinado.

“Ela provavelmente vai voltar nos próximos dias—para me matar. Mas se ela pensa que vai se safar por ter assassinado nosso líder, melhor pensar de novo.” Ele manteve sua voz fria, mas ameaçadora. “Se preparem para enfrentá-la quando ela voltar. Vamos usar seus corpos para ativar esse círculo de conjuração cerimonial.”

Afinal, foi por isso que matei Wolff.

Guardando essa última parte para si mesmo, Miller começou a dar ordens para o seu contra-ataque contra Flarette e seus aliados.



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