Volume 2

Capítulo 5.5: Donzela Banhada em Sangue (2)

NT: Leve alteração, “Dupla Invocação” virou “Invocação Dupla”


Uma vez em segurança, Akari foi escoltada até um quarto na igreja.

Sicilia tinha total ciência de que Akari possuía um Puro Conceito, portanto ela fez todo o possível para garantir que Akari não ficasse agitada de forma alguma.

Assim, Akari, ainda no mesmo estado de plena consciência, sentou no quarto e esperou.

“Puuuxa… A Menou é tão legal…”

Fazia um bom tempo desde que esta Akari teve sequer um pouco de interação com Menou. Ela sentiu tanto a falta dela que começou a chorar, apesar de tudo. Espero que Menou não tenha achado aquilo muito suspeito…, ela se preocupou.

Este incidente em Libelle estava cheio de voltas e reviravoltas. Enquanto Menou estivesse a salvo, tudo bem, mas esses eventos incertos podem ter um efeito no futuro.

Olhando pela janela, Akari observou a ilha.

“Bom, eu não realmente me importo da Momo estar acamada por causa de um veneno, mas… O que foi tudo isso afinal?”

A distribuição daquela substância desconhecida que Manon Libelle chamava de “monstrina” era a fonte de toda essa estranheza? Akari suspirou, frustrada por as coisas terem acabado antes que ela chegasse ao fundo de tudo.

E então, de repente, a Ilha Libelle explodiu.

“Hã?” Akari ficou sem palavras com a vista súbita e aparentemente impossível.

Segundos após ela testemunhar essa insanidade, ouviu-se um estrondoso rugido e um tremor imenso que abalou o chão e Akari junto.

A Ilha Libelle foi destruída por um monstro bizarro e alongado. Sua cabeça era lisa e achatada como um peixe, mas a maior parte do resto do seu corpo era um caos medonho de tubos estranhos. Era tão gigantesco que Akari não conseguia ver todo o seu corpo, mesmo da janela da igreja, que dava para a ilha.

Um monstro indescritivelmente gigante havia emergido do centro da pequena ilha, quebrando-a em torrões de terra.

Quando o monstro apareceu, ele lançou pedras enormes e nuvens de poeira para toda a parte, além dos tremores sacudindo a terra. O menor movimento do monstro evocado criava ondas no oceano, virando os navios que estavam atracados no porto.

Se os resquícios da pseudo-igreja que Menou havia criado não tivessem entorpecido o ímpeto das ondas e ricocheteado os fragmentos da ilha, a cidade de Libelle teria indiscutivelmente sofrido danos imensos.

Mesmo assim, não era o suficiente para prevenir qualquer prejuízo totalmente.

Pedregulhos choveram no porto.

Estes eram os restos de uma ilha, mesmo que fosse pequena. O impacto criou mais tremores, e várias casas desmoronaram apenas na faixa de visão de Akari.

Sua mente ficou em branco. O que tinha acabado de acontecer? Ela não entendeu.

“O que é aquilo…?”

Isso era muito diferente de tudo que havia acontecido antes. Mesmo Akari nunca tinha visto uma ilha explodir em pedaços. Houveram outras ocasiões em que aconteceram coisas com as quais Akari não estava familiarizada, mas isso estava em uma escala muito maior.

Porém, ela rapidamente voltou a si.

Menou estava no Castelo Libelle. E agora este foi destruído sem deixar rastros.

“Menou está—”

“Você não pode.”

Ela estava prestes a ir investigar se Menou estava a salvo quando alguém falou com ela.

Akari paralisou e virou para ver uma garotinha com características elegantes e um simples vestido branco. Ela entrou no quarto de Akari, parecendo completamente inabalada com os eventos repentinos.

“Você não pode ir. Se você for lá, não será nada divertido. Por que não brinca comigo aqui?”

Akari arregalou os olhos num instante. Ela ergueu sua mão no formato de uma arma, com Luz Etérea rodeando seu dedo indicador.

Eram seus instintos, não sua lógica, que gritavam um alerta.

É ela.

Ela era o combustível da violência que Manon Libelle nunca teria conseguido cometer por conta própria. Ela era a aparição do monstro que explodiu uma ilha inteira. Todos os tabus de inconcebivelmente grande escala que estavam ocorrendo nesta cidade—e a menina diante dela era a raíz de tudo.

“Quem é você? …Não, melhor. O que é você?”

“Mm? Talvez eu deva me apresentar.”

A menina formou um biquinho com os lábios, e seus olhos brilharam com luz vermelha. Percebendo que ela iria usar uma conjuração, Akari também lançou a Luz Etérea na ponta de seu dedo.

Força Etérea: Sacrificar—Conluio do Caos, Puro Conceito [Maldade]—Evocar [Tenho duas esquisitices no bolso.]

Força Etérea: Conectar—Vínculo Indevido, Puro Conceito [Tempo]—Invocar [Suspensão]

Ambos os braços de Pandæmônio derreteram.

Ao mesmo tempo, ela foi atingida pela Luz Etérea que foi disparada pelo dedo de Akari. A menina congelou no tempo, incapaz de mover um fio de cabelo. Ela estava prestes a usar algum tipo de conjuração, mas Akari assumiu que agora ela estava incapacitada e abaixou seu dedo.

Pandæmônio era uma criatura completamente desconhecida para Akari. Elas nunca haviam se encontrado antes… razão pela qual ela foi pega de surpresa quando dois braços retorcidos saíram dos bolsos de sua saia.

“Hã!?” A exclamação de surpresa de Akari foi interrompida quando ambos os braços envolveram sua garganta.

Pandæmônio havia usado seus braços como sacrifício para evocar dois braços demoníacos. O inesperado par de braços que emergiu dos bolsos de Akari apertou seu pescoço.

“Nn…gh…”

Lágrimas brotaram em seus olhos por conta da força ao redor de sua garganta enquanto ela ofegava por oxigênio.

Os braços que ergueram Akari do chão possuíam várias bocas. Elas moveram seus lábios e dentes perfeitos em uníssono, falando com a voz da menina.

“Espero que tenha entendido agora. Eu sou Maldade.”

A voz soou distante para os ouvidos de Akari. Sua visão estava ficando turva. Isso não era bom. Akari forçou-se a permanecer consciente e lançou Luz Etérea de seu dedo.

Força Etérea: Conectar—Vínculo Indevido, Puro Conceito [Tempo]—Invocar [Fratura]

Os braços foram rasgados por fraturas no tecido do espaço-tempo.

Perdendo seu apoio, Akari também caiu no chão.

Ela estava livre dos braços retorcidos, mas para usar outras conjurações, Akari foi forçada a liberar a Suspensão em Pandæmônio. Os braços rasgados caíram com as palmas no chão e agilmente usaram seus dedos para chegar até ela. Em seguida eles saltaram no ar e se fixaram nos ombros da menina que agora estava descongelada no tempo.

Foi algo tão grotesco que beirava o cômico. Akari colocou a mão em seu pescoço machucado e tossiu repetidamente.

Essa introdução havia revelado a identidade da menina mais do que qualquer explicação poderia.

Um Erro Humano: a forma final de um Ádvena.

Maldade, você disse? Não sei como você apareceu, mas por que está se metendo no meu caminho?”

“Oh? Bem, se você fosse até lá, estragaria toda a diversão. Isso iria arruinar toda a ideia do filme, não acha?”

Por que essa menina estava falando sobre filmes? Akari franziu a testa. Mas se a causa das irregularidades estava bem na frente dela, então isso simplificava as coisas.

“Se foi você que chamou aquela coisa, então tudo que tenho que fazer é te derrotar.”

Se ela derrotasse essa criatura, tudo voltaria ao normal. Não haveria mais desenvolvimentos inesperados.

Pandæmônio arregalou os olhos em uma demonstração melodramática de choque.

“Mm! Mm-mm-mm! Me derrotar? Você realmente acha que pode fazer isso de alguma forma?” Pandæmônio riu e abriu os braços, convidando Akari para um ataque. “Sei que sou fraca, mas você é ainda mais fraca! Nem disso você sabe, sua bobinha do Tempo? Você é apenas uma perdida que não sabe de naaada. Vamos começar, está bem? Nós teremos nossa própria briguinha divertida bem aqui!”

Menou e Akari.

Mesmo cada uma estando em lugares separados, elas foram confrontadas exatamente pela mesma garotinha.

 

*

 

Seus olhos se encontraram por um momento no ar.

Menou estava trocando olhares com um olho tão imenso que parecia que o mesmo poderia engoli-la inteira. O globo ocular enorme deslocou, traçando o arco parabólico de Menou pelo ar.

Ela podia claramente ver a si mesma refletida nas lentes cristalinas do olho. Só o globo ocular do monstro era maior do que a altura de Menou. A noção de irrealidade fez a cabeça de Menou girar.

E então, o globo ocular do monstro piscou.

Menou voltou a si como se tivesse se libertado de uma paralisia do sono.

A criatura que havia acabado de irromper da ilha era um monstro de classe couraçado tão enorme que não parecia nada além de uma parede de perto. O choque das ondas em seu surgimento lançaram Menou e Ashuna voando. O globo ocular gigante acompanhando Menou era um de vários em seu corpo bizarro.

Mesmo enquanto navegava pelo ar, Menou procurou por Ashuna.

Se ela atingisse o chão daqui, ela poderia aterrissar ilesa com a ajuda do Aprimoramento Etéreo e da postura correta, porém seria muito mais difícil se ela caísse no oceano. Com as ondas ferozes batendo como estavam, ela poderia facilmente ser puxada para baixo pela corrente e se afogar. Isso valia para ambas.

Enquanto girava, ela avistou cabelos dourados por um instante. Ela os perdeu de vista novamente no mesmo instante, mas um vislumbre de sua localização era tudo que Menou precisava.

Força Etérea: Conectar—Adaga, Brasão—Invocar [Fio Etéreo]

Formando uma linha de Força Etérea, Menou a arremessou para Ashuna.

“Sua Alteza!”

“Entendi!”

Percebendo seu plano imediatamente, Ashuna pegou a adaga e a puxou para trazer Menou até ela. As duas praticamente se colidiram. Ashuna apanhou Menou em seus braços e rodeou-se com luz de Aprimoramento Etéreo.

O par já havia atingido o topo de seu arco parabólico e começado a descer. Deixando Ashuna tomar conta da aterrissagem, Menou carregou sua adaga com poder novamente em um instante.

Força Etérea: Conectar—Adaga, Brasão—Invocar [Vendaval]

A rajada de vento da adaga desacelerou a velocidade de sua descida.

A conjuração de brasão de Menou não era forte o bastante para fazer ambas flutuarem. Por ora, elas planaram pelo ar, visando terra firme.

Uma vez que aterrissaram, Menou se estabilizou e olhou para o monstro gigantesco.

Era tão enorme que ela prendeu a respiração.

Ela supôs que podia compreender que o inimigo havia quebrado sua barreira de pseudo-igreja. Esse era um dos lendários Erros Humanos, afinal. Sua força estava simplesmente em outro nível. Poderia ser possível para ela quebrar até uma barreira usando a veia terrena com pura força bruta.

No entanto, ela nunca poderia imaginar que sua oponente destruiria a ilha inteira para escapar da pseudo-igreja.

O monstro gigante despedaçou a barreira de Menou e fisicamente destruiu toda uma ilha no meio apenas surgindo dividido no meio—não, ele havia aberto a boca, tão imensa que parecia dividida em duas. A boca do monstro constituía mais da metade do seu corpo, então abri-la dava a sensação de que seu corpo estava partindo-se no meio.

A besta imponente retorceu-se de um lado para outro.

Pandæmônio pulou do topo de sua cabeça, a qual estava tão no alto que seria preciso esticar o pescoço para enxergar. Girando elegantemente no ar, ela aterrissou em pé. Sem qualquer Aprimoramento Etéreo, as pernas finas da garotinha não conseguiram suportar o impacto; a parte inferior do seu corpo foi esmagada, e o impulso resultante fez sua cabeça bater no chão, onde se desmanchou feito um tomate.

Até Ashuna se mostrou chocada com um suicidio tão estranho e sem sentido, mas isso não significava nada.

“Bu!” Pandæmônio saiu voando do seu próprio cadáver polposo como uma caixinha de surpresa grotesca.

Enrijecendo seu rosto, Ashuna tomou uma postura defensiva. A menina respondeu seu olhar rodopiando em uma dancinha, girando e posando como se quisesse se exibir.

Testemunhando a imortalidade de Pandæmônio pela primeira vez, Ashuna fez uma careta.

Ah-ha-ha, te peguei?”

“Entendo… Então isso é um Erro Humano. Nunca vi um pessoalmente antes, mas certamente são animais.”

“Mm, isso foi cruel. Você chamaria uma garotinha fraca como eu de animal? Com licença! Eu sou um monstro muito fofinho!”

Pandæmônio, que havia morrido com o único propósito de surpreender Ashuna, sorriu brilhantemente.

“Então, que história é essa de 'fortalecer a barreira’?”

A voz cruel, porém infantil, agitou os tímpanos de Menou.

“Este aqui ficou super, super forte devorando sua própria espécie por aaanos. É um pouquiiiinho diferente dos recém-nascidos com os quais vocês lutaram antes.”

As ondas de choque da aparição do monstro gigante ainda reverberavam. Pandæmônio rodopiou com a música de fundo das ondas violentas e dos gritos na cidade.

Os monstros que Menou havia, por muito pouco, conseguido lidar antes eram apenas “recém-nascidos”.

“Afinal, tempo era o que não nos faltava. No nevoeiro branco, era apenas uma solidão interminável e venenosa.”

Aquele monstro era o único sobrevivente da luta de mil anos entre os monstros, aquele que havia devorado as ilhas do sul que foram seladas no nevoeiro de Marfim com a Pandæmônio.

E agora, este havia voltado sua atenção para a cidade Libelle. Esse monstro era grande demais para sequer tomar conhecimento de indivíduos como Menou e Ashuna. Com apenas uma mordida, ele poderia destruir metade da cidade e fazer uma marca permanente no continente. Essa era a escala desse inimigo terrível.

“Então… o que fazemos agora?” Ashuna olhou para Menou.

O monstro gigante era uma coisa, mas sua evocadora, Pandæmônio, agora estava indefesa. Ao que tudo indicava, pelo menos, ela aparentava poder ser facilmente abatida com um ataque. A menina parecia preparada para ser capturada a qualquer momento.

Na realidade, ferir Pandæmônio seria simples. Em sua curta batalha, Menou soube que Pandæmônio não tinha estratégias de batalha. Os monstros que ela produzia também não, geralmente apenas atacavam sem nenhum senso de inteligência. Eles pareciam estar sob o comando de Pandæmônio, mas ela não emitia nenhum tipo de ordem à eles. Em teoria, ela possuía muitas fraquezas.

Mas qual era o sentido?

Ela era capaz de evocar a si mesma sacrificando seu próprio cadáver. Em essência, isso significava que ela poderia tecnicamente evocar monstros infinitos, também.

Elas não podiam matá-la, não tinham uma maneira de selá-la e ela nunca ficaria sem recursos.

Realmente, ela tinha o poder para exterminar a humanidade e destruir o mundo inteiro.

Menou respirou fundo. “Não precisamos fazer nada.”

“O quê?”

Enquanto Ashuna olhava para Menou, confusa, o monstro gigante, que havia crescido selado no nevoeiro horripilante, lançou-se para frente para dar uma mordida no continente.

Menou não se moveu. Não é que ela não podia—ela simplesmente previu que não havia necessidade de fazer nada sobre o monstro.

Sua suspeita estava certa.

Um nevoeiro apareceu.

Ele surgiu do espaço vazio e enrolou-se em volta do monstro, agarrando-se à ele intensamente e limitando seus movimentos. Chocantemente, ouviu-se sons quebradiços vindo do imenso monstro cedendo à pressão do nevoeiro.

Cobrindo o monstro completamente, o nevoeiro fluiu do mar para a terra, chegando ao lugar onde Menou e companhia estavam.

“Mm! Acho que ainda não posso trazer meus amigos para fora, afinal. Este é fraco, mas ainda é um dos meus favoritos… Acho que levará um tempo até que o nevoeiro cruze todo o caminho até aqui.”

Analisando tudo que Pandæmônio havia dito até então, os pensamentos de Menou chegaram à outra conclusão.

Exatamente como ela pensou, a menina diante delas não era seu maior problema.

“Pandæmônio.”

“O que foi, moça?”

“Você não é a verdadeira, é?”

A declaração repentina de Menou fez Pandæmônio pausar pela primeira vez.

Ela piscou algumas vezes, e então finalmente suspirou.

“…Mm.” Ela sorriu docilmente. “O que será que me entregou?”

“Sabia.”

Menou havia suspeitado vagamente há um tempo. Os monstros que Pandæmônio evocou estavam longe de ser fortes.

E o nevoeiro que cercou o monstro consolidou sua teoria.

“Se seu monstro que existiu por mil anos ainda está aprisionado pelo nevoeiro, não há como você ter escapado completamente da névoa. É como você disse—até você mesma é uma Pandæmônio ‘recém-nascida’, não é?”

A menina havia dito que evocou aquele monstro gigante do nevoeiro. Se a barreira havia realmente enfraquecido o bastante para a própria Pandæmônio escapar, então não havia como ainda ser capaz de deter um monstro que a servia.

Em outras palavras, a menina na frente dela era apenas um pedaço da verdadeira Pandæmônio, que ainda estava selada no nevoeiro.

“A verdadeira você está no nevoeiro. Estou certa de que você estava testando isso agora, também, mas… os monstros no nevoeiro estão atrelados a verdadeira Pandæmônio no fim das contas. Essa versão de você não pode controlá-los.”

“Uhum! Afinal, sou apenas uma marionete. Eu mal consegui colocar meu dedo mindinho para fora.”

Seu dedo mindinho.

A menina que havia evocado enormes quantidades de monstros e destruiu uma ilha inteira era apenas uma minúscula fração de um todo. Por dentro, Menou ficou horrorizada pelas palavras da menina, ainda mais porque provavelmente era a verdade.

“Ela é como um farol que eu posso me conectar por apenas um momento, mas… parece que o nevoeiro acaba vindo e me selando. Neste momento, é como uma caixinha de surpresa que só pode ser usada uma vez. O nevoeiro torna tudo inútil, até eu.”

O fato de que a verdadeira Pandæmônio estava selada dentro do nevoeiro era uma boa notícia.

Ela ainda era incapaz de libertar suas hordas de monstros que estavam selados lá dentro. Por isso ela produziu esse pequeno pedaço de si mesma e tentou formar um novo exército de monstros em Libelle.

O nevoeiro que estava fluindo do monstro sobre o oceano estava claramente objetivando a Pandæmônio. Tênue a princípio, ele ficou cada vez mais espesso, fluindo ao redor da menina e tentando encobri-la.

“Agora que está preso no nevoeiro, este corpo também é inútil. E como você descobriu meu truque, vamos prosseguir para o clímax!”

Força Etérea: Sacrificar—Conluio do Caos, Puro Conceito [Maldade]—Evocar [Me dê muitas pernas.]

A parte inferior do corpo da menina inchou.

Sua parte inferior foi oferecida como sacrifício e mudou de forma. Ambas as pernas se fundiram, e depois cresceram. Isso não era uma pequena evocação como as que ela fez até então. Pandæmônio estava despejando todos os sacrifícios que lhe foram dados em Libelle nesta evocação para refazer seu próprio corpo.

Em pouco tempo, ela ficou grande o suficiente para romper o nevoeiro e olhar a cidade por cima.

“Esta é a última das minhas jogadas clássicas! Você tem que usar toda sua força para ficar super grande!”

A Pandæmônio refeita correu pelo chão. Ela ainda tinha a parte superior de uma garotinha, mas da cintura para baixo, ela havia se transformado em uma centopéia gigante. No entanto, ao invés de patas de insetos, o monstro estava se movendo com membros humanos.

Com seu novo corpo de centípede, Pandæmônio sorriu e avançou sobre Menou e Ashuna.

 

*

 

Força Etérea: Conectar—Vínculo Indevido, Puro Conceito [Tempo]—Invocar [Aceleração]

O braço de Akari atingiu o corpo de Pandæmônio.

Sua oponente havia vencido a Suspensão antes. Portanto, Akari usou Aceleração nela mesma e moveu-se mais rapidamente do que os olhos podiam ver para quebrar os membros de Pandæmônio.

Mas de nada serviu.

Apesar dos ossos de seus quatro membros estarem quebrados, a menina não mostrava sinais de sofrimento. Seu corpo caiu no chão, derreteu e desapareceu, e uma nova menina bloqueou a porta em seu lugar.

“Nada mal. O que vem a seguir?”

Akari quase xingou em voz alta.

Parecia não haver sentido em tentar capturá-la ou feri-la. Contudo, ela não parecia interessada em atacar Akari, também. Ela enfrentava os ataques de Akari de frente, e se ela levasse danos sérios, ela apenas sacrificava seu próprio corpo e se evocava novamente. Desta forma, o processo se repetia.

“Sua… O que você quer?”

“Vejamos. Que tal dizermos que eu queria conversar com outra pessoa da minha terra natal?”

“Sem chance.” Akari respondeu instantaneamente. Sendo ela mesma uma Ádvena, certas coisas eram óbvias para ela.

A menina na frente dela era sem dúvidas um Erro Humano. Ela havia ido além do estado atual de Akari e se destruiu há muito tempo.

“Você não tem nenhuma memória, tem? Sobre o que poderíamos conversar?”

“Mm…” Pandæmônio riu.

Cada uso de um Puro Conceito corroia a alma do usuário. Claro, sua mente tentava se proteger contra isso, mas não era uma defesa perfeita. Tal como Akari disse, Pandæmônio há muito havia perdido todas as suas memórias de longo prazo. Qualquer personalidade e recordações que ela parecia ter estavam apenas na superfície.

Puros Conceitos desgastam a alma e o espírito impiedosamente. Essa menina já havia esgotado suas memórias há mil anos atrás.

“Isso é verdade. Mas não acha que está sendo tremendamente fria?” Pandæmônio olhou no rosto de Akari, suas mãos cruzadas atrás das costas. “Tudo que você parece se preocupar é com aquela garota que você viaja ao lado. Você deixou tudo para trás para vir aqui, não foi? Você não é deste mundo. Alguma vez você pensou sobre o Japão e—?”

“Não preciso.” Akari interrompeu com uma voz sombria. “Não preciso daquele mundo antigo. Não que eu me lembre muito dele de qualquer maneira. Tudo o que sei é que não havia nada de bom naquele lugar.”

Ela se lembrava desse sentimento muito claramente. Havia algumas coisas que ainda estavam presas a ela: Pessoas que ridicularizaram e fofocavam sobre outras. Palavras que abatem o espírito e criam rachaduras no coração. Um grupo que atormentava sua alma.

“Um mundo como aquele realmente vale alguma coisa?”

“Claro que vale.” Pandæmônio respondeu instantaneamente. “Quem é você para julgar quanto vale um mundo? Isso é tão egoísta. O mundo não existe para seu bem. Nós existimos para o bem do mundo. Escute—sabe porque eu vim aqui te ver?”

“Não era porque somos da mesma terra natal?”

“Claro que nããão!” Pandæmônio riu, dispensando sua própria razão como mentira. “Eu só queria te agradecer, só isso.”

“Me agradecer?”

“Claro. Foi graças a você que eu consegui sair do nevoeiro, sabia? Então eu queria expressar minha gratidão. Eu até evoquei aquele grandalhão só para você ficar sozinha.”

Ela não havia apenas evocado o monstro gigante para lutar contra Menou e Ashuna.

Ela destruiu uma ilha inteira só para manter Menou e Akari separadas.

A garotinha curvou sua cabeça para Akari. “Obrigada. Eu consegui ter esse gostinho de liberdade, tudo por sua causa.”

“Por minha causa…?”

Akari não entendeu. Ela nunca tinha visto Pandæmônio antes e certamente nunca havia feito nada à ela. Nem uma vez, mesmo em todas as linhas do tempo que ela vivenciou.

“Mm! Então você não sabe. Você não tem ideia de como sua Regressão funciona, nem mesmo de onde nossos Puros Conceitos vêm! Você não sabe de nada!” Pandæmônio sorriu e abriu seus braços em um gesto dramático. “Você regrediu, não foi? Todo este mundo, de novo e de novo e de nooovo. Você é a pessoa do Tempo, aquela que está sempre regredindo o mundo, não é? Eu ouvi de dentro do nevoeiro. O som de você rebobinando o tempo de novo e de novo, lapidando nosso mundo.”

Este Erro Humano, que havia sido selado por mil anos, sabia exatamente o que Akari havia feito. Foi ela quem contou a Manon sobre os atos de Akari.

“Portanto, o nevoeiro se abriu, também.”

A distorção havia colocado uma enorme pressão sobre o nevoeiro branco, o qual mantinha afastado até o fluxo do tempo. E por conta disso, a diferença no tempo entre o nevoeiro e o mundo exterior se tornou um peso cada vez maior, causando uma fenda no nevoeiro. Foi há três semanas atrás, antes de Menou chegar a esta cidade. O fato de que Pandæmônio foi libertada e conheceu Manon naquela época estava longe de ser coincidência.

Foi no mesmo momento em que Akari foi evocada a este mundo. Mais especificamente, foi no exato momento em que ela usou a Regressão do Mundo.

“Você realmente achou que as coisas estranhas acontecendo nesta cidade não tinham nada a ver com você? Não seja boba. Tudo, tuuudo é culpa sua!”

Pandæmônio estendeu as mãos.

“Como você causou tantas distorções no tempo, o branco perpétuo distorceu, também. Graças a você, eu consegui espremer para fora só o meu dedo mindinho. Foi assim que eu consegui vir a esta cidade. Eu gostaria que você distorcesse as coisas ainda mais, só que, mm… Suponho que isso talvez não seja possível.” A garotinha tocou em sua testa. “Você perdeu um monte de suas memórias, não foi?”

Ela estava absolutamente certa.

Akari estava bem ciente de que suas próprias memórias estavam desvanecendo. Eram as memórias mais vagas que desapareciam primeiro. Atualmente, ela havia esquecido a maioria de suas memórias mais recentes no colégio, também. E uma vez que todas as suas memórias do Japão sumissem, provavelmente as deste mundo desapareceriam em seguida.

A Akari que normalmente estava com Menou não tinha ciência de sua própria perda de memória. Afinal, é difícil ter consciência de algo que você não sabe que perdeu.

Mas esta Akari sabia do problema maior dessa perda.

“Se quiser viver, provavelmente não deveria mais usar seu Puro Conceito. Você perdeu tanto das suas memórias que sua personalidade está totalmente diferente de como você era no Japão. Não é mesmo?”

Era verdade: A personalidade atual de Akari é muito diferente da pessoa que ela havia sido no Japão. Claro, seu tempo com Menou foi um importante fator contribuinte.

Porém mais ainda, foi a perda de suas memórias do Japão que mais influenciou sua mudança de personalidade.

Para a Akari atual, o tempo que ela passou com Menou constituía muito mais de suas memórias do que seu tempo no Japão. A versão dela mesma do Japão estava sendo reduzida a nada, transformando-a na Akari deste mundo.

“E daí?”

Mas ela não se importava.

Akari não tinha apego às memórias que ela estava perdendo. Realmente não a incomodava se os dezesseis anos que ela passou no Japão desaparecessem completamente.

Afinal, Akari ganhou algo neste mundo que ela nunca teve no antigo.

“Eu tenho uma amiga querida aqui em quem posso confiar minha vida.”

Akari apontou o dedo para a Pandæmônio sorridente.

“Uma amiga tão importante que, desde que me lembre dela, não me importo se perder minhas outras memórias.”

Seus dedos estavam fechados, exceto pelo polegar e o indicador, formando a figura de uma arma. Ela mirou diretamente em Pandæmônio e houve um lampejo de Luz Etérea.

Sem mais nem menos, outra memória desapareceu.

Essa se passou em uma sala de aula em sua escola no Japão.

Ela frequentava uma escola feminina, então todas usavam o mesmo uniforme. Às vezes, quando ela via dúzias de pessoas, todas usando a mesma roupa que ela, ela se sentia estranhamente deslocada.

Quando ela entrou na sala de aula, todas congelaram e olharam diretamente para ela.

A sala ficou fria.

Os olhares de suas colegas se tornaram hostis e a penetraram, como se todas elas estivessem olhando para algo desagradavel a distância, e depois mudaram para fingir não enxergá-la. Em uma sala cheia de pessoas, Akari constantemente se sentia sozinha.

Ela não tinha amigas. Mesmo alguém que ela pensava que poderia ser sua amiga rapidamente deixava de ser.

Pouco antes da aula começar, ela foi se sentar em sua carteira e notou algo.

Ela estava decorada com flores.

Um vaso branco barato estava em sua mesa, provavelmente comprado em uma loja de cem ienes, mas cheio com o que parecia um arranjo de funeral incrivelmente caro.

Era um trote antiquado, mas que a magoou mais do que o esperado.

Ela achava estúpido, mas não conseguia rir.

Apesar disso, ela lançou um olhar inexpressivo ao redor da sala de aula.

Uma delas desviou o olhar. Outra parecia desconfortável. Outra continuou fingindo não vê-la. E uma delas riu.

Ela apenas esqueceu mais um dos rostos das meninas.

“Não fique no meu caminho. Eu ainda posso morrer neste mundo. Não vou acabar como você.”

Akari nunca se tornaria um Erro Humano… porque havia uma garota que ela conheceu neste mundo que ela sabia que nunca esqueceria.

“Contanto que Menou me mate, estou bem com isso.”

Sua melhor amiga iria matá-la. E ao matá-la, sua melhor amiga viveria.

Akari acreditava nisso firmemente e, portanto, não hesitou.

“Você não se importa se ela te matar? Que linda amizade.”

O sorriso de Pandæmônio não oscilou diante do dedo indicador preenchido com poder de um Puro Conceito apontando diretamente nela.

“Por que você simplesmente não volta, então? Até suas memórias se esgotarem. Você pode apenas continuar repetindo, sabia? Até toda a sua personalidade sumir. Quanto mais você repetir, mais o nevoeiro branco se curvará. Você fará por mim o que eu não posso fazer por conta própria. É exatamente como aquela garota disse—você está agitando este mundo velho e estagnado. Tenho certeza de que você foi chamada a este planeta precisamente com esse propósito.”

Akari mordeu o lábio.

Tudo que ela queria era salvar Menou. Mas ao retroceder o tempo de novo e de novo com esse propósito, ela despertou esse monstro. Se a Regressão causaria a libertação de um monstro, então ela poderia aproximar o mundo da destruição toda vez que voltasse no tempo.

Mas se Menou fosse morrer, ela não hesitaria em usá-la novamente.

Menou já estava no coração de todas as memórias de Akari.

“Mas isso seria uma pena. Você nem sabe que está em um beco sem saída. Você realmente acredita que há uma chance de salvação? Ao contrário daquela garota que se esforçou tanto nesta cidade, você tem sido tabu desde o princípio, então não há nada no mundo que possa mudá-la!”

“Tem sim. Tem que ter! É para isso que serve este poder!”

“Não. Você não tem chance. Você nunca será capaz de obter o futuro que deseja. Você não pode salvar mais ninguém, bobinha. Você não pode nem mudar a si mesma.” Pandæmônio a rejeitou friamente. “Os Puros Conceitos em nossos corpos não são para nosso benefício. O planeta não os presenteia para nós por causa de uma pessoa.”

Agora, Pandæmônio estava aconselhando-a, como sua predecessora que caiu mil anos antes. “Você não sabe que a Regressão do Mundo não significa nada para as pessoas que podem se conectar às memórias do planeta?”

“As memórias do planeta?”

“Isso mesmo. As memórias deste planeta. Força Etérea. A origem do ‘Senhor’ que está escrito nas escrituras das sacerdotisas. Tenho certeza de que odiei isso acima de tudo.” A garota fez um beicinho adoravelmente. “Enquanto isso existir, você nunca conseguirá progredir, mesmo com um Puro Conceito. Pense beeem nisso, pessoa do Tempo. As vezes que você repetiu foram exatamente as mesmas de que você se lembra?”

O dedo de Akari tremeu.

A observação de Pandæmônio foi certeira. Toda vez que ela Regressava no tempo, as coisas sempre pareciam ligeiramente diferentes. Este incidente foi a maior mudança, mas o ataque terrorista no trem no Reino de Grisarika também foi um evento inesperado para Akari.

“Não é por acaso que você continua falhando. Alguém está mirando em você, não percebe? Por isso você falhou várias e várias vezes. Quantas vezes você repetiu as coisas sem se dar conta disso? Este mundo nunca tomará a rota que você quer. Outra pessoa está no seu caminho, essa é a razão.”

A primeira pessoa que lhe veio à mente foi a sacerdotisa de cabelo vermelho.

Aquela mulher alta que jogava a cabeça para trás quando ria, que era a própria encarnação da ruína e destruição.

Notando que Akari parecia ter alguém em mente, Pandæmônio aprofundou seu sorriso.

“Então ouça, vou te contar algo muito interessante.” A garotinha se inclinou conspiratoriamente. “Eles nos chamam de os Quatro Principais Erros Humanos, mas na verdade, existiam cinco de nós que tentaram destruir o mundo: Dragão, Estrela, Receptáculo, Maldade… e Marfim. Nós cinco tentamos lutar contra a época.”

Essa menina deve ter tido um nome antes de se tornar um Erro Humano. Ela falou de si mesma do tempo em que ainda tinha nome. “Acho que nos esforçamos muito juntos. Pensávamos que não havia nada que nós cinco não pudéssemos fazer! Pelo menos, sinto que talvez esse tenha sido o caso.”

A civilização antiga confiava fortemente nos poderes dos Ádvenas. Eles eram capazes de fazer uso dos Puros Conceitos de maneira estável. Haviam alguns inconvenientes, mas ainda assim, eles conseguiam conviver com os Ádvenas sem os mesmos saírem do controle.

Mas havia uma razão pela qual esses Ádvenas ainda se rebelaram neste mundo.

“Existe. Um caminho para casa.”

Eles queriam voltar para o seu próprio mundo.

Tudo que eles queriam era voltar para casa, independente do custo. Eles estavam desesperados para retornar para suas famílias, seus amigos e as vidas que eles haviam deixado para trás no Japão.

Os lendários Ádvenas que são conhecidos agora como os Quatro Principais Erros Humanos.

Eles eram simplesmente japoneses que tentaram se rebelar contra este mundo e voltar ao seu lar, e falharam.

Mas isso não importava para Akari.

“Bom, eu não vou voltar.”

Ela não era como eles.

O único mundo no qual ela queria viver era este.

“Menou está neste mundo e em nenhum outro. Então não há razão para eu voltar para o Japão.”

“Mm-mm.” Pandæmônio riu. Ela formou um retângulo com seus polegares e dedos indicadores e olhou para Akari pelo enquadramento improvisado. “É maravilhoso. O tipo de amizade linda que é tão interessante ao ponto da pessoa querer assistir em um telão! Acho que essa última linha seria perfeita para um trailer.”

Força Etérea: Sacrificar—Conluio do Caos, Puro Conceito [Maldade]—Evocar [Voe pelo céu.]

Os braços da menina se transformaram até seus ombros, se tornando braços demoníacos alados que se prenderam em suas costas. Pandæmônio estendeu suas asas negras, torcidas e enormes, estremecendo o ar com cada batida.

“Até mais! Eu sempre saio assim que o filme acaba, coisa minha, então vou indo. Fique à vontade para apreciar os créditos, está bem?”

“…Eu acho rude não permanecer sentada até as luzes acenderem.”

“Mm?” Ela pareceu confusa por um momento, e então caiu na gargalhada.

Era o tipo de risada que combinaria com a garotinha que ela aparentava ser.

Ah-ha-ha! Essa foi boa! Talvez tenha razão! Sim, deve ser muito agradável poder conversar com as pessoas!”

Uma vez que sua risada desvaneceu, Pandæmônio levantou vôo ao céu.

Seus assuntos por aqui haviam terminado. Ela semeou as sementes malignas da dúvida no coração de Akari. Estava claro, pela forma como Akari observou a menina partir até perdê-la de vista, seu olhar oscilava com incerteza.

A firme crença de Akari na Regressão do Tempo foi abalada em seus alicerces pelas palavras de Pandæmônio.

 

*

 

O nevoeiro se espalhou até onde os olhos podiam ver.

Era denso e opressivo, preenchendo a visão com branquidão. Apenas uma pequena porção da barreira de névoa que havia selado Pandæmônio por mil anos, vazou com o surgimento do monstro gigante.

À medida que ele fluía do monstro para o oceano, o nevoeiro escoava em direção a terra—em direção ao seu alvo. Para Menou e Ashuna, era apenas um obstáculo para a visão, mas para Pandæmônio, carregava um peso evidente conforme se envolvia em torno dela.

Muito provavelmente, Pandæmônio logo seria presa pelo nevoeiro e imobilizada, mesmo se elas não fizessem nada. Ela parecia ter aceitado isso e estava usando todo o poder restante que tinha para lutar antes que fosse capturada completamente.

A parte inferior do corpo de centopéia avançou em direção à Menou e Ashuna.

A parte inferior de Pandæmônio havia se transformado em um inseto gigante tão largo quanto um homem adulto. Ao invés de pernas de centopéia, ela tinha membros humanos. E onde deveria ter uma cabeça de inseto, estava a parte superior de Pandæmônio, ainda com o formato de uma garotinha.

O corpo centípede enrolou-se em torno das duas jovens, tentando esmagá-las.

“Não me subestime, Pandæmônio.”

Força Etérea: Conectar—Espada Real, Brasão—Invocação Dupla [Corte: Expansão, Rajada de Chamas]

A espada de Ashuna produziu uma imensa lâmina de fogo.

Ela cortou o nevoeiro circundante, espalhando faíscas vermelhas.

“Você tem muita coragem em me desafiar para uma disputa de força bruta!”

A lâmina flamejante atingiu o corpo gigante da centopéia.

Ouviu-se um rugido alto o bastante para romper os tímpanos. O resultado foi instantâneo: o corpo centípede de Pandæmônio foi violentamente dilacerado. Pedaços dela voaram por toda a parte, jorrando fluídos corporais.

Mas a parte superior da menina não parecia preocupada com seu corpo destruído.

“Tem mais de onde isso veio!”

A centopéia era terrivelmente resistente. Cada um dos segmentos decepados do seu corpo ainda estava vivo. Eles rastejaram pelo chão com membros humanos, avançando na direção de Ashuna por todos os lados.

Força Etérea: Conectar—Escritura, 2:5—Invocar [Regozijai-vos, pois o muro que cerca um piedoso rebanho de ovelhas jamais ruirá.]

Uma barreira formada por uma conjuração da escritura deteve os fragmentos de centopéia agressivos.

Pandæmônio arregalou os olhos. Menou deve ter esgotado toda sua Força Etérea com todas aquelas conjurações da escritura de antes. Ela não deveria ser mais capaz de invocar—e então a menina se deu conta do que havia acontecido.

Quando ela se conectou com a veia terrena, o poder fluiu em seu corpo e restaurou sua Força Etérea. Sua exaustão física e mental devem estar mais profundas do que nunca, mas seu poder estava praticamente no ápice.

“Mm. Que corpo estranho você tem.”

“Não tão estranho quanto o seu.”

Quando a barreira de luz desapareceu, Menou atravessou o nevoeiro e saltou no ar. Seus movimentos eram tão ágeis que mal deslocavam a névoa.

Pandæmônio não perdeu tempo.

Força Etérea: Sacrificar—Conluio do Caos, Puro Conceito [Maldade]—Evocar [Bu. Adivinha quem está atrás de túúú.]

Os pedaços espalhados da centopéia se tornaram sombras pretas. Elas se reuniram, formando uma lança negra afiada, voando direto para as costas de Menou.

Mesmo se ela acelerasse com Vendaval, a sombra ainda a seguiria e alcançaria. Nenhum dos movimentos de Menou que Pandæmônio havia visto seria o suficiente para escapar desse ataque. A lança das sombras perfurou perfeitamente o corpo de Menou em pleno ar—ou assim pareceu.

Mas então, Menou desapareceu como uma miragem.

A sombra escura passou direto por sua pós-imagem, colidindo com a adaga no centro de seu contorno turvo.

“Mm?” Pandæmônio acompanhou o arco da adaga giratória com olhos curiosos.

Ela não usou nenhuma conjuração de brasão. A adaga também não era um receptáculo Etéreo capaz de produzir ilusões. E mesmo assim, algo havia criado uma imagem detalhada feita de Luz Etérea com a adaga no centro.

Camuflagem Etérea.

Foi uma aplicação de Aprimoramento Etéreo, então não houve indicação de quando foi invocado. Assim como Ashuna foi enganada no baile noturno, Pandæmônio foi iludida quanto a posição de Menou.

“Jogada traiçoeira, não?” Ashuna sorriu. Atrás dela estava Menou, perfeitamente imóvel. Mesmo em um estado de repouso, produzir sua própria imagem por meio de Fio Etéreo requiria um elevado grau de concentração.

Mas não havia necessidade de produzir a imagem por mais tempo.

Não havia mais nada protegendo Pandæmônio.

Menou começou a construir uma conjuração, enviando Luz Etérea fluindo pela escritura agarrada sob seu braço.

Força Etérea: Conectar—Escritura, 3:1—Invocar [E o inimigo iminente ouviu o badalar do sino.]

O badalar solene do sino pesou diretamente sobre Pandæmônio. Com cada estrondo, a sombra negra quebrava-se em pedaços cada vez menores e a parte inferior da centopéia começou a ruir. A conjuração rasgou impiedosamente todas as partes inumanas com seu som, até que tudo que sobrou foi a parte superior da garotinha.

“Mm-mm… Acho que este é realmente o fim agora.” O corpo de Pandæmônio começou a derreter. Ela havia usado toda a força vital sacrificada a ela.

“Deixe-me fazer uma última pergunta.” Menou manteve seu sino e distância enquanto falava. “Qual foi o seu objetivo tentando Manon e causando toda essa loucura em Libelle? Vingança contra o mundo que te selou? Ou está planejando escapar com seu verdadeiro corpo?”

“Mm, ambas estão erradas. Eu tenho meus gostos e desgostos, mas não carrego rancor meeesmo de alguém, sabe?” Enquanto seu corpo ruia, o tom da menina ainda era leve e contente como sempre. “Você ainda não entendeu, não é? Não tenho um objetivo—eu só queria desfrutar o processo. Estou estrelando um filme de monstro hoje, lembra? Existem diversos desfechos diferentes, mesmo aqueles nos quais eu perco. Eu gosto de finais felizes como esse, também. Digo, eu preferiria que pelo menos uma pessoa morresse, mas isso é apenas minha preferência pessoal, então não importa realmente.”

Ao se transformar de uma garotinha frágil a um monstro com um corpo inferior gigante de centopéia, Pandæmônio perdeu a habilidade de usar sua própria morte para evocar a si própria de volta à vida. Como mais da metade do seu corpo não era mais seu eu original, essa morte não contava como dela. Ela deliberadamente abandonou sua imortalidade improvisada e decidiu se transformar em um monstro gigante.

Afinal, essa Pandæmônio equivalia a apenas um único dedo mindinho, então não era uma grande perda. Como chamar um monstro para fora do Pandemônio, onde seu eu verdadeiro ainda estava preso, evocou a barreira de névoa também, ela evidentemente definiu que seria mais divertido usar todo o seu poder de uma vez nesta batalha.

Para Pandæmônio, combater neste mundo nada mais era do que entretenimento. Ela tomou suas decisões baseada não em benefícios, mas qual opção seria a mais divertida.

E é por isso que era tão difícil para Menou entender.

“Então, por quê? Se não tem um objetivo, então não vejo como mergulhar o mundo no caos seria divertido para você. Como pode achar as coisas que fez hoje divertidas, sendo que você sequer mais tem memórias ou personalidade!?”

“Porque eu sou Maldade.”

Enquanto se dissolvia em uma pilha de carne, a menina respondeu sem hesitar.

“Eu sou a raiz de toda a Maldade neste mundo.”

Essas palavras eram realmente de uma humana?

“Eu trago caos a este mundo. Trago carnificina a este planeta. Interfiro com qualquer coisa boa, tudo de acordo com o Puro Conceito atrelado a este corpo.”

A convicção desumana que ela falava era mais perturbadora do que a visão de seu corpo decompondo-se rapidamente.

Estava muito além da insistência de Menou de que ela mesma era uma vilã. Isso era um Erro Humano, nascido de um Puro Conceito que se atrelou a um espírito jovem e foi usado muito além do limite. A Maldade que conspirava com seu corpo estava falando de suas próprias regras não escritas.

“Eu sou Maldade. E a Maldade não perece. Eu sou a encarnação da Maldade que corre solta nos corações de cada humano nascido neste planeta.”

Ela era o resultado definitivo de um Ádvena que havia se fundido completamente com seu Puro Conceito.

Seu corpo, sua alma e seu espírito foram completamente tomados pelo Puro Conceito de Maldade. Parecia que ela ainda tinha uma personalidade, mas na realidade, esta já havia desaparecido. Suas memórias foram completamente esgotadas, consumidas pelos incontáveis anos e usos de seus poderes.

O único papel dessa menina era incorporar o conceito de Maldade que nasceu neste mundo.

“Então, vou lhe contar um segredo, moça. Você, que caminha no mundo ao lado do ainda não concluído Tempo. Você, que carrega um pequeno indício do Marfim—aquele que deixou de ser a última esperança de nós quatro e se tornou nossa ruína.”

Os incontáveis monstros que haviam se espalhado por todo o continente eram todos sua prole e uma parte de si mesma ao mesmo tempo. Grande parte dos maiores monstros estavam selados dentro do nevoeiro, mas ainda havia mais monstros e demônios na terra do que a humanidade poderia compreender totalmente.

A Maldade que nasceu de seus pensamentos e carne ainda continuavam a atacar e matar humanos ao redor do mundo em forma de monstros e demônios.

Essa era a verdadeira essência de perversidade.

Incidentes como este eram apenas uma pequena oportunidade extra para Pandæmônio.

“A Espada de Sal que destruiu Dragão, o mais forte dos Puros Conceitos dentre nós quatro! Um golpe mortal da arma que Marfim empunhou poderia destruir qualquer Tempo. Até mesmo a onipresente linha temporal se tornaria puro sal.”

“Por que você me contaria uma coisa dessas?”

Mesmo enquanto exigia isso, Menou sentiu instintivamente que o que a menina disse era verdade.

Afinal, se fosse verdade, isso atingiria o coração de Menou com ainda mais força. E Maldade sabia exatamente quais palavras iriam perfurar mais o coração de alguém.

“Mm-mm, já se esqueceu? Porque eu sou Maldade. Quando vejo pessoas sendo amiguinhas, é natural que eu queira acabar com uma coisa tão boa. Não se esqueça disso, está bem?”

A menina com o sorriso angelical desejava o caos acima de tudo.

“Agora você sabe que há uma maneira infalível de matar aquela garota.”

Finalmente, a destruição do seu corpo alcançou o rosto. Mesmo quando seus traços faciais derreteram e expuseram suas maçãs do rosto, ela nunca parou de sorrir.

“Parece que é só isso… mas não vou desaparecer. Mesmo que este eu não esteja mais aqui, ainda é impensável que eu possa realmente ter ido embora.”

Ela soltou uma última risada inocente, alegre e infantil ao dizer suas palavras derradeiras.

“Eu sou a Maldade que entra no coração de todos, até no seu!”

Digno de uma Maldade pior que qualquer monstro, demônio ou humano até o fim, Pandæmônio deixou um presente de despedida no peito de Menou.

Ela havia revelado um método infalível de matar Akari e romper o relacionamento delas para sempre: a Espada de Sal.

Assim que esta Pandæmônio morreu, o nevoeiro começou a se dissipar. O monstro que destruiu a cidade também se foi.

“Acho que realmente acabou dessa vez.” Ashuna balançou a cabeça e guardou sua espada. “Sinceramente, há muito que eu quero te perguntar, mas… Vou deixar passar só desta vez. Também estou me sentindo um tanto cansada, então vou me retirar. Dê um olá a Momo por mim.”

Sem mais cerimônia, a Princesa deu meia-volta e saiu, parecendo magnífica como sempre enquanto caminhava com seus cabelos loiros balançando.

Deixada sozinha, Menou apertou seu punho.

Ela tinha um destino agora.

A Espada de Sal: uma conjuração deixada para trás por Marfim, que havia selado ou destruído todos os Quatro Principais Erros Humanos. Menou usaria essa espada, que podia destruir qualquer Puro Conceito, para matar Akari.

Seu destino agora era o mesmo da última parada da jornada que fizera quando criança.

Menou fechou os olhos. Em algum ponto ao longo do caminho, tornou-se muito fácil imaginar o sorriso de girassol de Akari, florescendo na escuridão atrás de suas pálpebras.

Aquele sorriso descontraído sempre brilhou intensamente para Menou…

Na visão de sua mente, ela viu o sorriso de Akari se sobrepor ao sorriso do rosto ensanguentado de Pandæmônio.

“Se Akari vai se transformar em algo assim…”

Então seria muito melhor matá-la… com minhas próprias mãos.

Em meio ao nevoeiro remanescente, o futuro estava muito nebuloso para ter com certeza. Mas agora, sua jornada tinha um destino.

O extremo oeste, onde se encontrava a Espada de Sal.

Apesar de Menou não ter dito sua resolução em voz alta, seu rosto estava cheio de determinação sombria enquanto ela ia embora, abrindo caminho pelo nevoeiro.

 

*

 

Bem ao sul da cidade portuária, sobre o oceano…

O nevoeiro ainda estava profundo, denso e pesado como sempre. Em um reino cheio de puro branco até onde os olhos podiam ver, Pandæmônio soltou um suspiro após o filme de monstro improvisado que ela estava assistindo chegar ao fim.

“Mm… Eu sou tão fraca.”

Pandæmônio pôde ver e vivenciar tudo que seu dedo marionete fez. Claro, todas as conspirações sinistras e o caos que ocorreram em Libelle foram transmitidas à verdadeira ela no nevoeiro.

No final, isso resultou no desaparecimento de uma parte dela.

Pandæmônio olhou para sua mão direita.

Seu dedo mindinho direito não estava lá. Ela o cortou e sacrificou a fim de escapar pelo minúsculo buraco no nevoeiro, para criar um dedo marionete. Os sacrifícios para invocar uma Conjuração de Pecado Original eram irreversíveis; o pequeno dedo que ela perdeu nunca voltaria ao normal.

“Mas tudo bem.”

Para ela, o sacrifício que ela fez não era grande coisa.

Força Etérea: Sacrificar—Conluio do Caos, Puro Conceito [Maldade]—Envie [Volte agora, vamos para casa.]

Seu braço direito derreteu.

Ela sacrificou seu braço direito para realizar uma evocação. O monstro gigante que foi chamado para Libelle retornou para debaixo de seus pés.

Pandæmônio pressionou o coto do seu braço perdido contra o monstro.

Força Etérea: Sacrificar—Conluio do Caos, Puro Conceito [Maldade]—Retornar [Porque você pertence a mim.]

O monstro encolheu rapidamente. Sua enorme massa foi comprimida a um nível inacreditável, até que o outrora monstro gigante agarrou-se ao braço da menina, ainda vivo.

Um corpo usado como sacrifício, mesmo que apenas uma parte, seria perdido para sempre e nunca poderia crescer novamente.

Razão pela qual ela teve que simplesmente recolocar ao no lugar.

Afinal, cada um dos monstros neste mundo eram uma parte dela. A diferença entre o poder dela e o de seu dedo marionete nada mais era do que a quantidade de sacrifícios que ambas podiam oferecer.

Todos os monstros deste mundo nasceram e inundaram o mundo quando ela usou pela primeira vez o seu Puro Conceito de Maldade para abrir a porta do Pecado Original mil anos atrás. Ela era o deus desses incontáveis monstros, a raíz de todas as coisas ruins. Toda a Maldade que se manifestava neste mundo, fosse monstro ou demônio, era uma parte dela, e poderia ser sacrificada como tal.

Enquanto ainda existisse monstros e demônios no mundo, a verdadeira Pandæmônio nunca poderia ser destruída. O mesmo valia para o dedo marionete. O primeiro monstro que ela evocou foi o dedo marionete da Maldade. Foi só porque o mesmo foi morto depois que todos os monstros e demônios foram destruídos que o dedo marionete derreteu.

Levaria algum tempo até que ela se adaptasse ao seu novo braço direito. Ela não seria capaz de gerar um novo dedo marionete daquela mão por um tempo.

E foi por isso que ela decidiu se divertir com a outra.

No centro do nevoeiro branco, o qual vazou e ficou um pouquinho mais leve, a garotinha levantou sua mão esquerda e sorriu.

“A outra eu ainda parece estar indo muito bem.”

Um dos dedos da sua mão esquerda—o mindinho—não estava lá.



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