Volume 1
Capítulo 4: Na Capital Ancestral (1)
“Nós estaremos chegando em Garm dentro de poucos instantes. Todos os passageiros, por favor, preparem-se para o desembarque.”
“…Mmn.”
Uma voz despertou Menou de seu sono.
Ela parecia estar sonhando com o passado, mas qualquer lembrança que ela estava revivendo se foi quando acordou.
Elas estavam no vagão econômico. O trem logo chegaria à última parada; os condutores estavam verificando cada vagão.
Depois de tudo que aconteceu, Akari ficou exausta, e até Menou acabou caindo no sono em seguida. Enquanto ela pisca ainda sonolenta ao seu redor, ela vê os demais passageiros começando a recolher seus pertences.
Após o incidente terrorista, os passageiros foram transferidos para um trem diferente.
Uma vez que todos se acalmaram, Menou e Akari passaram a noite nos assentos do vagão econômico do novo trem. Eles ofereceram assentos melhores como gratidão por suas ações prestativas, mas Menou firmemente recusou por excesso de cautela, só para prevenir que de alguma forma elas acabassem no mesmo vagão que Ashuna apesar de tudo.
Depois disso, as coisas procederam fluentemente, e elas chegaram em Garm. Momo provavelmente estaria em um trem mais tarde.
Akari estava encostada a Menou enquanto dormia. Seus cabelos longos e escuros fazem cócegas no pescoço de Menou, enquanto seus longos cílios flutuam durante seu sono.
Ela estava completamente indefesa.
Claramente, ela confia totalmente em Menou. Seria um absurdo duvidar disso depois delas terem sido capazes de se conectar tão harmoniosamente via Força Etérea.
Enquanto sente o peso e calor da Akari adormecida contra ela, Menou não deixa de se perguntar o porquê.
Faz apenas três dias que elas se conhecem.
Mas não era um sentimento ruim.
Menou observa o rosto meigo e adormecido de Akari por um momento antes de gentilmente balançar seu ombro.
“Acorde, Akari. Estamos chegando.”
“Hã—? …Ah. Tá. Já é de manhã?”
“É sim. Bom dia, dorminhoca.”
“Ahhh, puxa vida. Por que a noite tem que acabar? Eu quero dormir mais um pouquinho… Então, boa noite, Menou. Zzzz…”
“Não seja boba. Acorde.”
“Phweee?!”
Quando Akari estava começando a voltar a dormir, Menou belisca levemente sua bochecha. Akari berrou, mas Menou a ignorou e começou a recolher suas coisas.
Finalmente acordando, Akari bocejou e se esticou.
“Ahhh… Então nós estamos chegando naquele lugar, é?”
“Exato. Dê uma olhada.” Menou aponta para a cidade, que estava visível pela janela.
O trem estava rapidamente se aproximando de uma cidade feita em sua maior parte de pedra. No coração da cidade estava o antigo castelo real e uma grande catedral. Ambas são estruturas com histórias célebres, mas a característica mais famosa da capital ancestral Garm é a Luz Etérea ascendente do outro lado da cidade.
“Nossa! O que é aquilo!? É tão brilhante! Parece o sol!”
“Heh. Impressionante, não?”
Akari esqueceu sua sonolência e exclamou delirantemente, e Menou sorriu com orgulho.
A luz parecia chegar até os céus. Era o fulgor da barreira para a veia astral. Uma das maiores conquistas da igreja na tecnologia usando Força Etérea, ela retira poder da veia terrena e o conecta com a veia celeste, assim os assentamentos habitados por humanos ficam protegidos da Fronteira Selvagem.
Blindada pela luz radiante, o ponto inicial da rota de peregrinação fronteiriça também era a antiga capital do Reino de Grisarika.
“Aquela é a capital ancestral Garm.”
Elas chegaram ao destino onde Akari seria morta.
*
A capital ancestral Garm.
Era a antiga capital real do Reino de Grisarika e ainda uma grande cidade na divisa com a Fronteira Selvagem. Garm é uma cidade muito segura, conhecida por suas lindas paisagens. Como resultado, recebe uma grande quantidade de turistas. Uma vez que descem na plataforma, Menou confiantemente lidera o caminho até a estrada principal e além de uma praça com chafariz, indo em direção à catedral no distrito central. A Arcebispa Orwell estaria lá para recebê-la.
Seguindo Menou, Akari observa a arquitetura de pedra ao seu redor, com seus olhos brilhando.
“Menou! Ei, Menou! Eu quero muito passear!”
“Justo. Se tivermos tempo. Mas agora temos coisas a fazer, então terá de esperar até mais tarde. Nós dificilmente poderemos passear sem assegurar um hotel.”
“Mais tarde, então! É uma promessa. Um encontro! Então não pode quebrá-la, ouviu!?”
“Sim, sim.”
Akari parece muito hiperativa no momento, foi o que Menou pensou enquanto distraidamente respondia a garota. Era porque a cidade era tão paisagística, ou porque ela estava à espera de voltar logo para o Japão? De qualquer modo, a Ádvena estava tão inquieta que elas acabaram andando de mãos dadas.
Caso contrário, Menou temia que Akari se perdesse caso tirasse os olhos dela por um segundo. Qualquer chance que tivesse, Akari puxava Menou pela mão para um lugar ou outro. Menou sentia que estava levando um cão particularmente grande para uma caminhada.
“Uau, Menou! Aquela construção é tão linda! É um castelo! Podemos entrar lá!?”
“Ah, aquele é o antigo castelo real.”
Akari estava agitadamente apontando para o castelo cercado por um fosso. Atualmente, parte dele é aberto ao público para passeios, enquanto outras partes eram usadas como uma estação para a Ordem dos Cavaleiros desempenharem seus deveres de segurança pública.
Aquele é o último lugar que Menou queria se aproximar nesta cidade.
“Nossos assuntos serão resolvidos aqui. Aquele lugar não está no caminho.”
“Ahhh, paraaa…”
Menou arrasta a garota relutante. Em pouco tempo, elas chegaram em uma catedral angular feita de pedras brancas.
Este lugar tem um campanário com um relógio e um topo afiado, do qual os transeptos se propagam em todas as direções. Esta é uma igreja com grande valor histórico, o ápice de um estilo arquitetônico que prosperou aqui há cerca de cem anos atrás.
“Ooh, este lugar também é lindo.”
“Estamos aqui a trabalho, não lazer. Mas o interior é ainda mais impressionante que o exterior, então talvez nós possamos dar uma boa olhada ao redor quando terminarmos.”
“Beleza!”
Quando Menou declarou seus assuntos, elas foram escoltadas para dentro da catedral, então Orwell deve ter avisado sobre a situação de antemão.
Realmente, a ornamentação interior era ainda mais detalhada que a do exterior. Por cima, há um teto arqueado, com vitrais decorativos por todo lado. Possui uma formidável presença, e é tão finamente bem feito que os detalhes são severamente acentuados.
“Nooossa… Que legal…”
“Feche a boca, Akari. Parece uma idiota.”
A boca de Akari estava entreaberta enquanto olhava ao redor, mas ela a fechou imediatamente ao ser repreendida por Menou.
“Idiota, né…? Sabe, Menou, você consegue ser bem má às vezes. Mesmo eu gostando tanto, mas taaanto de você! Eu acho que você poderia demonstrar um pouco mais de amor por mim!”
“Eu não sei o quanto é esse ‘taaanto’ exatamente, mas eu só sou má quando você faz idiotices.”
“Waaah. Como você pode ser tão cruel comigo quando eu estou quase voltando pra casa!?”
“Eu estou normal. Eu sempre sou perfeitamente normal.”
O par se provoca enquanto caminha pela igreja.
“Mas você não está errada. Este lugar é realmente notável. Na verdade, esta é a primeira que entro aqui—é bastante avassalador.”
Embora pareça que Menou está concordando com Akari, ela na verdade estava observando algo bem diferente.
Como Menou tem conhecimento íntimo de estudos de conjuração como a heráldica, materialidade e outros tópicos relativos, ela consegue entender de uma perspectiva prática o quão incrível é esta catedral. A construção detalhada certamente possui apelo estético e um estilo histórico de arquitetura.
Entretanto, é mais do que apenas beleza.
Esses detalhes possuem um uso muito prático.
A catedral também serve como um abrigo de evacuação de emergência. Se os brasões de conjuração que parecem decorações forem ativados, provavelmente o local se tornaria uma fortaleza impenetrável. Além de criar uma barreira exterior ao redor, também criaria divisas interiores. Inspecionando a construção dos brasões por pura curiosidade, Menou continuou andando, ambas sendo levadas até uma sala fechada para o grande público.
Aguardando-as lá dentro, estava uma mulher idosa escoltada por uma jovem sacerdotisa.
Esta mulher estava usando trajes sacerdotais feitos com um tecido grosso de cor branca, bordado com linhas douradas. Sabendo que apenas a arcebispa tinha permissão de usar tais vestes, Menou curvou sua cabeça em reverência.
“Arcebispa Orwell. É uma honra ser recebida pela senhora.”
Elas haviam se comunicado através do altar antes, mas esta é a primeira vez que Menou a encontra oficialmente em pessoa. Seguindo o exemplo de Menou, Akari rapidamente abaixou a cabeça.
“O prazer é meu. Eu estou ciente da situação, então permitam-me tratar do assunto. Em pouco tempo, tudo estará resolvido… Srta. Akari, eu entendo que tenha passado por alguns infortúnios, mas peço que fique tranquila agora.”
“O-obrigada!”
Evidentemente sentindo a seriedade da arcebispa, Akari respondeu com uma voz aguda e nervosa.
Orwell sorriu calorosamente em resposta, e então virou sua atenção para Menou.
“Srta. Menou, uma vez que a cerimônia para enviar a Srta. Akari de volta para casa seja realizada, o que planeja fazer? Se desejar embarcar em uma peregrinação além da fronteira, nós podemos arcar com suas despesas de viagem.”
“Sério? Muito obrigada…!”
“Ah, não há de quê. Agora, a cerimônia estará pronta depois de amanhã. Eu adoraria sentar e conversar com você antes disso.”
“Sim, claro.”
Como Akari estava presente, a história oficial era que elas estavam preparando uma cerimônia para enviá-la de volta para seu mundo, mas na realidade, a intenção é matá-la.
Menou já havia sido informada de que levaria um tempo para preparar a cerimônia. Ao curvar-se educadamente, Orwell sorriu.
“E mais uma coisa, Srta. Menou. Incluindo hoje, você ficará na cidade por três dias, sim? Tem algo que eu gostaria de solicitar a você, se não se importa.”
“…É-é claro.”
*
Quando a sacerdotisa assistente da arcebispa lhe trouxe alguns documentos, Menou soltou um enorme suspiro em sua mente.
Não é de se admirar que ela se tornou a suposta arcebispa benevolente. Claramente, ela não é o tipo de pessoa que oferece as coisas gratuitamente. No entanto, Orwell é gentil o bastante para fornecer uma estadia de hotel enquanto elas estiverem em Garm.
O hotel empresta e administra antigos monastérios e igrejas que foram remodelados para tais fins. Normalmente, hospedar-se em construções tão culturalmente importantes é consideravelmente custoso. Mas Menou e Akari ficarão neste de graça.
“Ela realmente não precisava fazer isso…”
Menou nunca havia sido condicionada a algo tão luxuoso em todas as suas missões como uma Executora.
Executoras da terra santa são vistas como parasitas por outras paróquias. Embora elas sejam classificadas como parte da Faust de qualquer forma, o trabalho é inegavelmente imundo. Como elas aparecem e agem fora da linha de comando local, e até reivindicam despesas para suas missões, as Executoras são frequentemente desprezadas abertamente pela Faust e suas respectivas paróquias.
Normalmente, apenas ser ignorada seria um tratamento preferível, porém agora Menou está sendo hospedada em um hotel de luxo, servida com um sorriso e concedida total cooperação em sua missão. Isto é inaudito. Menou expressou sua gratidão por Orwell.
Uma certa idiota estava balançando os ombros de Menou, inconsciente de seu estado mental.
“Ei, podemos passear agora? Menooou? Vem, vamos! Ainda é tardezinha. Nós somos jovens, então nossa noite só está começando, não é? Não ééé?”
“Para de me sacudir! Hoje não. Tenho que redigir uma lista de despesas para minha peregrinação.”
“Ahhh, para! Vamos nos divertiiir. Eu quero sair com você, Menou! …Você não quer sair comigo?”
“Eu quero calcular minhas despesas. Sinceramente. Desesperadamente.”
“Mrr…”
A expressão de Akari mudou de súplica para uma careta, Menou não dá atenção a ela, em vez disso ela se concentra no mapa. Orwell providenciaria despesas para ela. Seria cortês apresentar uma projeção compreensível.
Completamente ignorada, Akari rola na cama.
“Menou, você é tão crueeel… O que aquela velhinha pediu para você fazer, afinal?”
“Nada tão importante.”
“É mesmo? Mas se você fizer, elas te darão dinheiro para, uh…aquela coisa de peregrinação na fronteira, né?”
“Sim. Cruzar a divisa significa atravessar a Fronteira Selvagem, então é bem difícil.”
Menou explica indiferentemente para Akari enquanto calcula o saldo necessário para sua peregrinação além da divisa.
“Você mencionou essa Fronteira Selvagem no trem, não foi? O que é isso, exatamente?”
“Basicamente, é um termo geral para áreas onde os humanos não podem se assentar. É um ambiente perigoso, mas há uma trilha relativamente segura através dela chamada rota de peregrinação. Por outro lado, lugares onde a humanidade foi capaz de se estabelecer e criar uma comunidade são conhecidas como ‘nações’... Mas você logo voltará para o seu próprio mundo, então não precisa se preocupar com tudo isso.”
“Ceeerto…”
O assunto deve ter ficado muito complexo, pois Akari não fez mais perguntas. Provavelmente ela só queria a atenção de Menou e não se importava muito com a realidade dos fatos.
“Mas se não vamos passear, acho que vou tomar um banho.”
“Aproveite. É ótimo que cada quarto tenha sua própria banheira e chuveiro.”
“Pois é. Ah, já sei. Por que não tomamos banho juntas? Podemos lavar uma a outra!”
“Lavar uma a outra? Escuta…”
Akari estava agindo como se tivesse pensado em um plano genial. Menou suspira.
“Sabe, não é a primeira vez que eu noto, mas…você realmente deveria ser mais cuidadosa sobre ficar íntima das pessoas tão rápido. Você sabe disso, não é?”
“Hã? Nem, não é bem assim.”
Elas se conheceram há menos de três dias, e ainda assim, Akari estava convidando-a para um banho juntas. Menou virou as costas para o seu trabalho, mas o rosto de Akari subitamente estava quase encostando no dela.
“Eu te falei quando nos encontramos pela primeira vez, lembra? Que pareceu obra do destino.”
Menou olha para ela dubitavelmente, pega desprevenida pela expressão de Akari.
A garota está surpreendentemente séria.
“Se você acha que eu agiria assim com qualquer um, está completamente enganada! Eu só estou tentando ficar mais aconchegada pertinho de você porque eu gosto muito de você, Menou. Além do mais, você parece aquele tipo de pessoa que não repara nos sentimentos dos outros a não ser que esfreguem na sua cara.”
“Isso…não é verdade?”
“Ah, não?”
Akari estreitou os olhos e franziu os lábios.
“Então você sabe como eu estou me sentindo neste exato momento? Eu quero passar o pouco tempo que me resta aqui com você! Você entende, Menou?”
“Certo. Vá tomar o seu banho, por favor. Sozinha.”
“Hmph! Você não entende.”
Por que essa garota estava tão triste por ter insistido em tomar banho com uma pessoa que ela acabou de conhecer? Menou a enxotou com uma mão.
Realmente, o afeto de Akari por ela é um mistério.
Ela conseguia entender o apego de Momo, já que se conhecem há tanto tempo, mas ela e Akari mal se conhecem. Desde quando se encontraram pela primeira vez, a afeição completamente vulnerável de Akari por ela é simplesmente bizarro.
“Destino, ela diz…”
De onde ela tirou essa ideia? Menou sempre tenta ser sociável com seus alvos em uma missão, mas ela nunca encontrou alguém tão agressivamente amigável. Akari parece realmente acreditar em coisas como destino, mas Menou não consegue entender o raciocínio por trás de sua conclusão confiante, não importa o quanto ela tente.
“Certamente deve haver uma razão…”
Mas como ela não consegue descobrir, só lhe resta a curiosidade.
Todavia, talvez não haja necessidade de se preocupar mais com isso. Menou pegou os documentos de Orwell e os examinou novamente.
Em acréscimo ao pedido da arcebispa, eles contém detalhes sobre a cerimônia para destruir Ádvenas. Elas não puderam discutir esta informação pessoalmente, já que Akari estava presente.
“...Parece que tudo deve correr como planejado.”
Era algo bom, então por que ela se sente um pouco triste com isso?
Ao escutar a água correndo do chuveiro, Menou saiu para a varanda.
Porém, não foi para respirar ar fresco.
“Queriiida!”
Como Menou suspeitou, Momo apareceu do nada e grudou-se nela.
Elas estão numa varanda no terceiro andar, mas Menou não ficou surpresa quando sua assistente a abraçou com força.
“Sua Momo estava tããão preocupada por ter te deixado naquele trem que quase morri de solidããão!”
“Você fez um bom trabalho. E estou surpresa por você saber onde me encontrar.”
“Mas é claaaro! Eu irei procurá-la, seja no fogo, dilúvio ou até mesmo na Fronteira Selvagem, queriiida!”
Fazia apenas um dia desde a última vez que fizeram contato, mas Momo esfregou seu rosto no de Menou como se fosse uma reunião há muito aguardada.
“Ahhh. Eu não acredito que tinham terroristas no nosso treeem. Ah, escuta só, queriiida. Uma princesa cavaleira malditinha chamada Ashuna apareceu, e ela era ainda pior que os terroristas, saaabe. Momo se esforçou taaanto para mantê-la longe de você, queriiida. Aquela princesa metida tem instintos tão aguçados quanto os da Mestra. Ela era tão irritante que eu queria esmigalha-la até a morte, mas eu me segurei. Em vez disso, eu encerrei nossa lutinha e fugi, então fiz ela perder o meu rastro. Não está orgulhosa de euziiinha?”
“Sim, sim. Muito bem.”
“Hee-hee.”
Menou acariciou os cabelos macios de Momo, a qual ficou com as bochechas fervendo de alegria.
“Estou tão feliiiz. Eu basicamente vivo para o seus elogios, sabiiia?”
“Está bem, está bem. Então, Momo, se importa de me fazer um favor?”
Uma vez que Momo se acalmou um pouco, Menou puxou os documentos que ela recebeu na igreja, assim como também um relatório dos eventos no trem da sua perspectiva.
“...Nós finalmente nos reunimos, e você já quer falar de trabaaalho? Você é tão cruel.”
“Bom, estamos no meio de um serviço agora. Não posso evitar.”
Momo fez um beicinho, mas era uma solicitação direta da própria arcebispa. Orwell está fornecendo fundos para Menou atravessar a fronteira, e até chegando ao ponto de forjar documentos para ela. Como ela está em débito com alguém de posição superior, Menou não poderia recusar o pedido.
Momo franziu ainda mais ao aceitar os documentos e inspecioná-los.
“Uma série de desaparecimentos, ééé? Hmm… E todas as vítimas são mulheres jovens? Talvez seja um caso de tráfico humano na cidaaade?”
“Não parece ser. Elas já investigaram os bordéis, e não acharam nada fora do comum.”
O pedido de Orwell era uma investigação de um surto de desaparecimentos acontecendo na cidade, o qual ela havia mencionado previamente em uma chamada enquanto Menou estava na capital real.
“Há um número considerável de pessoas desaparecidas e nenhuma delas foram encontradas. Não me admira a arcebispa estar tão preocupada.”
“Hmm. Talvez alguns hereges estejam coletando sacrifícios para invocar demônios?”
“Parece que pode estar relacionado a um Conceito de Pecado Original, mas ainda não temos informações suficientes para afirmar com certeza.”
“Verdaaade. Sendo assim, isso não faz parte dos deveres dos cavaleiros? Por que a arcebispa está nos pedindo algo assim? E como ela espera que façamos isso em três dias, afinaaal…?”
“Não esperam que resolvamos—ela disse que apenas quer uma nova perspectiva. E se não encontrarmos nada, tudo bem, de acordo com ela.”
As queixas de Momo estavam corretas, mas Orwell parecia estar completamente ciente de tudo aquilo.
Uma Executora tem uma perspectiva diferente de cavaleiros comuns e sacerdotisas. Não há dúvida de que a arcebispa pediu isso a ela na esperança de talvez descobrir uma nova pista.
Este incidente estava acontecendo em seu próprio território, afinal. Não é à toa que ela esteja disposta a tentar todo e qualquer meio.
“Então, é só dispensaaar.”
“Não posso fazer isso. Eu devo à ela.”
“Waaah. Às vezes a sua diligência é uma falha. Como este lugar fica na divisa da Fronteira Selvagem, um crimezinho é inevitável, na miiinha opinião. Ah, então o que você vai fazer amanhã?”
“Er, amanhã…”
Menou tinha planos, mas ela desviou o olhar culposamente.
“Eu, er…vou passear…com a Akari.”
“………………”
O olhar de Momo era indescritível.
Os documentos em suas mãos amassam com a força que ela cerrou seus punhos. Mesmo sem olhá-la nos olhos, Menou começa a suar frio sob a pressão vindo do olhar gelado de Momo. Ela cuidadosamente olha em outra direção.
Menou realmente se sente mal por basicamente ficar de bobeira enquanto empurra o trabalho para sua assistente.
“Sim, claaaro. Ela precisa ser protegida, afinal. Sua Momo entende. Se jovens mulheres estão sendo sequestradas nesta cidade atualmente, não podemos deixar aquela peituda vagando por aí sozinha. E você não pode investigar esses incidentes com uma garota absolutamente inútil em suas mãos, é claaaro.”
“E-exatamente. Fico muito feliz por compreender, Momo! Não esperava menos da minha querida assistente!”
“Certameeente.”
Enquanto Menou falou de forma um pouco apressada, Momo a agraciou com um amável sorriso.
“Momo te ama taaanto, querida, então eu farei qualqueeer coisa que me disser… E eu acabarei com esta investigação num instante, espere para veeer!”
Por bem ou por mal, Momo parecia querer acelerar logo o processo. Menou se sente pior com a situação, mas ela rapidamente muda de assunto.
“E a arcebispa irá preparar um salão cerimonial para dar um fim ao problema de Akari. Ela disse que ficará pronto depois de amanhã.”
“Ohhh? A arcebispa desta nação é realmente muito cooperativa. Uma cerimônia para matar Ádvenas… Eu nunca ouvi falar de algo assim aaantes.”
“Nem eu. Mas suponho que seja porque a política geral da Mestra fosse para nós mesmas descobrirmos.”
“Ahhh…sim, a Mestra é bem particular. Ela realmente odeia conjurações cerimoniais, já que requerem um grupo graaande, também.”
“Uhum.”
Não importa a Missão, sua antiga Mestra nunca sugeriu cooperar com alguém. As outras pessoas são apenas ferramentas para serem utilizadas, e até mesmo as mais próximas de você sempre devem ser tratadas com suspeita de serem entidades proibidas, de acordo com sua desnecessariamente profunda paranóia. Sua ênfase nessa abordagem de loba-solitária era evidente em sua educação no monastério, também.
Enquanto Momo acena, concordando com a avaliação de Momo, ela se lembra de mencionar algo a mais.
“Ah, é mesmo. Momo.”
“Siiim?”
“Tenha cuidado com a Ordem dos Cavaleiros nesta cidade.”
Algo que um dos terroristas lhe disse ecoou em sua mente.
“Se não chegarmos até Garm, seremos enforcados de qualquer jeito.”
Em outras palavras, se eles conseguissem chegar até Garm, teriam um plano para sua fuga.
Isso significa que os terroristas no trem estavam quase que seguramente trabalhando com alguém nesta cidade. Menou suspeita que os co-conspiradores em questão sejam a Ordem dos Cavaleiros da capital ancestral.
Havia o fato de que os terroristas sabiam o paradeiro de Ashuna, que é da realeza, mas também uma cavaleira. O fato deles terem conseguido de algum modo armas proibidas como revólveres Etéreos e a Pedra Vermelho Primário. E o fato de que estavam confiantes de que poderiam escapar se chegassem à Garm, apesar dos seus crimes. Juntando todas as peças, a pressuposição deles estarem conectados à Ordem dos Cavaleiros faz sentido, uma vez que eles são responsáveis pela aplicação da lei em Garm, uma cidade margeada com a Fronteira Selvagem.
Isto é apenas um palpite, claro. Menou não tem provas.
No entanto, a probabilidade é muito alta. Pode não ser toda a Ordem dos Cavaleiros, mas parte deles devem ser corruptos.
“Está beeem. Entendiii.”
O conselho de Menou foi breve, mas Momo parece ter compreendido.
Vendo Momo descer da varanda na escuridão, rápida e cautelosamente para não ser vista, Menou tocou o laço preto que Momo deu à ela quando eram crianças.
Ela usa este laço desde então.
“...Talvez eu devesse comprar algo para a Momo.”
Ela murmura seu pensamento em voz alta. Momo não era apenas sua assistente. Ela é sua subordinada, mas aquela que ela sempre pode confiar mais do que qualquer outra pessoa.
Menou não sente nada além de gratidão por ela.
Eu encontrarei algo que ela possa gostar quando Akari e eu sairmos amanhã, e comprarei para demonstrar minha apreciação, ela decidiu.
*
No dia seguinte, o passeio das duas correu tranquilamente.
Sendo a antiga capital real do Reino de Grisarika, a capital ancestral Garm carrega uma lendária história.
A capital foi realocada por necessidade quando uma mudança na veia astral resultou na limítrofe entre Garm e a Fronteira Selvagem, uma região onde assentamento humano é impossível. Ao mesmo tempo, é praticamente intocada pela civilização moderna. Muitos aventureiros visam em fazer uma fortuna encontrando e vendendo itens raros que não podem ser feitos pelas mãos humanas, então agora que Garm faz fronteira com este lugar, existem mais pessoas desse tipo na cidade.
Embora a mudança nas demandas ocupacionais tenham resultado em uma ligeira redução na segurança pública geral, a capital ancestral é tão vívida quanto era em seu princípio. Em meio a próspera multidão, Menou e Akari fizeram um tour pelas maiores áreas de turismo.
Logo será o terceiro dia delas na cidade.
Menou está conduzindo Akari até a catedral.
“Todos os nossos passeios foram tããão divertidos!”
Tudo nesta cidade parecia notavelmente novo para os olhos de alguém vindo do Japão como Akari. Ela parecia absolutamente encantada enquanto andava ao lado de Menou.
Se ao menos você soubesse, pensou Menou.
A Executora já estava muito familiarizada com o fato de que a beleza desta cidade esconde toda a sua obscuridade abaixo da superfície.
“Este mundo é supimpa!”
“Fico feliz que pense assim.”
Mas não havia necessidade de revelar tudo isso à Akari. Em vez disso, Menou simplesmente concordou.
Até a manhã do dia seguinte, a vida de Akari neste mundo já terá terminado. Até onde ela sabia, ela retornaria para o Japão. Menou a enganou para acreditar nisso.
Na verdade, sua vida acabaria completamente.
A jornada de Menou com Akari estava acabando mais cedo do que ela esperava quando descobriu a imortalidade de Akari. Ela morreria nesta cidade, e Menou viajaria sozinha em sua peregrinação fora desta nação. Isso marcaria o fim desta missão.
Akari saltita perto de Menou, alheia de seus planos.
Ela está segurando a mão de Menou, balançando para frente e para trás alegremente, até que chegam numa certa barraca.
É uma venda principalmente para turistas. Além dos itens pré-produzidos, os clientes podem criar simples acessórios artesanais. Essencialmente, é uma atração turística que permite às pessoas fazerem suas próprias lembrancinhas.
Akari percebe o olhar persistente de Menou imediatamente.
“Está interessada naquela barraca, Menou?”
“...Suponho que sim. Se importa de dar uma olhada?”
“Nem um pouco!”
Como elas saíram cedo do hotel, elas ainda tinham um tempo antes do encontro marcado com Orwell. Menou chamou a mulher dona da barraca.
“Eu gostaria de fazer um desses, por favor.”
A maior parte dos acessórios em exposição são de metal, mas o que chamou a atenção de Menou foi um elástico de pano.
A mulher entregou os materiais, e ela começou a fazer dois daquilo. Decorações de metal que tilintam poderiam dificultar a furtividade, então ela se limitou a um pequeno realce em cada um. A comerciante sorridente murmurou em aprovação ao seu toque delicado, então Menou murmurou agradecimentos vagos enquanto trabalhava, afastando Akari quando se aproximava. Em pouco tempo, Menou terminou seus dois elásticos.
“Pronto. Terminei.”
Menou não é dessas que se elogiam, mas ela achou que ficaram simples, porém fofos.
Akari olhou para o produto final com olhos brilhantes.
“Ei, Menou. Como você fez dois, isso deve significar que…você quer combinar comigo!”
“Hm, não?”
“Não!?”
De onde ela tirou essa ideia? Menou cuidadosamente colocou os elásticos comprados em uma bolsa.
“Isso é para uma subordinada minha. Ela está sempre cuidando de mim.
Ela estava fazendo aquilo com o mesmo pensamento que teve no dia anterior: um símbolo de gratidão para agradecer Momo por todo seu esforço.
Akari inchou as bochechas irritada.
“Por quê!? Estamos prestes a dar adeus uma à outra, e você não vai me dar nada!?”
“Er…”
Ela sabe complicar as coisas, pensou Menou, mas empurrá-la friamente apenas iria piorar as coisas. E no ponto de vista de Akari, elas realmente estavam prestes a tomar caminhos separados.
Akari encarou Menou intensamente. Sentindo a oportunidade de mais negócios, a vendedora usou o seu melhor sorriso.
Ah, está bem. Menou suspira.
“Deixe-me ver isso.”
Ela alcançou e removeu a tiara que Akari estava usando para fazer algo diferente dos elásticos.
Os dedos de Menou se movem agilmente, formando uma flor feita de pano. Ela a amarrou na tiara como uma decoração, colocou de volta na cabeça de Akari e sorriu.
“Pronto. Está linda.”
“…Hee-hee.” Akari sorriu, se olhando no espelho da barraca e corando alegremente. “Você tem bom gosto, Menou. Eu também gosto disso em você.”
“Obrigada. É o acessório perfeito para alguém que só tem corações e flores na cabeça, por assim dizer.”
“Ei, você acabou de falar algo super cruel, não foi!?”
Menou ignora o grito de Akari enquanto paga a comerciante. O real motivo para ela ter escolhido uma flor decorativa era simples.
Era uma oferenda, um tributo à morte iminente de Akari.
*
Assim que deixaram a barraca de acessórios, Menou e Akari se dirigem à catedral, onde uma grande quantidade de adoradores e turistas estavam deixando a capela. Elas teceram seu caminho contra a correnteza da multidão até a sala na qual elas haviam sido levadas antes, e encontram Orwell esperando por elas.
“Bem-vindas. Por aqui, Srta. Menou. Você também, Srta. Akari.”
“Sim, senhora.”
“Está beeem!”
Orwell lidera o caminho, com sua bengala em mãos. Menou e Akari a seguem pela sala da capela até o interior do santuário.
“Eu sei que estou indo pra casa, mas eu meio que gostaria de poder ficar um pouco mais, sabe? Provavelmente, eu nunca mais poderei ir a outro mundo de novo.”
“Escute, Akari. Você não deveria falar essas coisas.”
“Realmente. Há algumas pessoas que desejam voltar para casa, mas não podem. É melhor apreciar sua sorte.”
“Hrmm, verdade. Sinto muito. Isso não foi muito considerável da minha parte,” Akari se desculpa humildemente. Sua habilidade de ser compreensiva é uma de suas qualidades, pelo menos. “Eu só queria passar mais tempo com a Menou, nada mais.”
“Nossa. Vocês duas parecem ter se tornado bem íntimas.”
“Claro que sim! Não é, Menou?”
“Uhum. Sim.”
Elas conversam à toa enquanto caminham pelo corredor e descem uma escadaria. Elas parecem estar se dirigindo para o mausoléu debaixo da catedral. O som de seus passos lentos se misturam com os da bengala nos degraus de pedra, ecoando enquanto as três descem as escadas com pouca iluminação.
Na base dos degraus elas se deparam com uma enorme porta.
Era uma porta de pedra sem nenhuma fechadura ou maçaneta, mas que possui um mecanismo especial o qual identifica pessoas através de sua energia. Orwell coloca sua mão na porta.
Força Etérea: Conectar—Porta, Brasão—Autenticar [Abrir Porta]
O gesto delicado da arcebispa abre a porta.
Por trás dela haveria um salão cerimonial para destruir Ádvenas independente de seus Puros Conceitos.
A missão de Menou chegaria ao fim em breve.
*
Enquanto isso, Momo fazia seu caminho pela rede de esgoto debaixo da cidade.
É escuro, úmido e imundo. O som da água correndo pelos canais subterrâneos era qualquer coisa, menos aprazível, com o borbulhar grosso e enjoativo agarrado a seus ouvidos.
Garm é um local de turismo muito movimentado. A higiene de sua superfície é uma parte necessária dessa imagem. Os habitantes mais pobres ficam longe das áreas de passeio, nos subúrbios que surgiram no subterrâneo.
Embora eles apoiem a base da sociedade, eles são tratados como um lixão que nunca viram a luz do dia. Se algo obscuro fosse acontecer nesta cidade, nove em cada dez vezes, aconteceria no massivo sistema de esgoto subterrâneo.
A outra possibilidade era que os sequestros de mulheres jovens estivessem acontecendo fora da cidade—em outras palavras, na Fronteira Selvagem—mas Momo duvida disso.
“Tenha cuidado com a Ordem dos Cavaleiros nesta cidade.”
Momo entendeu completamente o significado das palavras de Menou. Se os cavaleiros estão potencialmente conectados aos canalhas conhecidos como aventureiros, que trabalham na Fronteira Selvagem, então havia apenas um lugar para ir e investigar: a parte da rede de esgoto abaixo do antigo castelo real, onde os cavaleiros agora usam como sua base.
Ela usou o primeiro dia para mapear uma rota de infiltração e nos outros dias entraria na rede de esgoto e faria o seu caminho até a área próxima ao castelo.
Com apenas três dias, se uma pista não rendesse qualquer resultado, a investigação chegaria ao fim. Ou era o que ela pensava—mas durante o trajeto, ela descobriu uma passagem secreta que levava a um local muito incomum.
“Uaaau. Muito bem, Momo.”
Murmurando elogios para si mesma, Momo caminha pela passagem.
É um lugar estranho. A passagem é feita de algo como pedra escura polida. As paredes parecem engolir a escuridão, criando um espaço liso. Foi obviamente intencionado para ser usado em algum tipo de ritual, mas nem Momo tem conhecimento do propósito desses materiais.
No entanto, a julgar pela limpeza impecável da passagem, definitivamente ainda é usada e preservada.
Enquanto Momo continua cautelosamente andando pela passagem, ela congela de repente.
Depois da curva, ela sente a presença de outra pessoa.
Era apenas uma pessoa. Quem quer que seja, é forte. E também parece ter notado a presença de Momo.
Momo puxa uma serra de seu traje sacerdotal.
A outra pessoa também parece ter ficado ciente de que havia sido notada. Não fazia mais sentido em se esconder. Decidindo capturar a pessoa viva e arrancar informação dela, Momo pula na curva—mas quando ela vê o rosto do seu alvo, ela solta um grunhido.
“Ugh.”
“Oh-ho?”
Momo franziu a testa, e a outra pessoa também para imediatamente.
“Ora, se não é a Momo! Que coincidência!”
Uma voz inadequadamente brilhante ecoa pela passagem escura.
Não era ninguém menos que a Princesa Cavaleira Ashuna, com uma aparência tão graciosa e decorosa quanto sempre mesmo neste estranho lugar escuro. Há pouco mais de um dia, elas tiveram uma briga até a morte, mas agora ela balança ambas as mãos alegremente, como se tivesse acabado de se deparar com uma velha amiga na rua.
“Este é o nosso segundo encontro fortuito em um espaço tão curto de tempo. Jamais imaginei que você estivesse aqui—estou ainda mais certa de que isso deve ser obra do destino!”
“Ah, por que não morde a língua e morre, heeein…?”
Momo suspira profundamente, mas como a princesa não parecia ter intenção de atacá-la, ela guardou sua serra. Ashuna é conhecida por perambular pelos lugares e enfiar seu nariz em todo tipo de assunto, mas ela não é uma cavaleira de Garm. Ela não poderia estar conectada a este incidente em particular.
Momo continuou em frente para prosseguir com sua investigação, e Ashuna ficou ao seu lado e começou a segui-la como se fosse perfeitamente natural. Mesmo quando Momo a encarou por um momento, Ashuna parecia totalmente despreocupada.
“Que estranho. Este não é o tipo de lugar que uma sacerdotisa comum vagaria, ou é?”
“A igreja está me fornecendo fundos para uma peregrinação em troca de um pequeno favor. Isso pode ser novidade para você, Princesinha, mas dinheiro é muito importante, saaabe.”
Momo carregou suas palavras da maneira mais fustigante possível, mas Ashuna acenou tranquilamente.
“Ah sim, faz sentido. Inclusive, seu apelido para se dirigir a mim é deveras adorável. Eu também pensei isso no trem.”
“Como ééé?”
“Bom, eu nunca fui chamada desta forma por alguém, então é bem revigorante. Por favor, me chame de Ashunazinha de agora em diante, Momo!”
“Ugh! Eu nunca conheci alguém tão irritante na minha vida!! Vá se matar!”
Não importa quanto abuso verbal Momo lançasse sobre ela, não parecia incomodar a princesa. Momo estalou a língua irritada e decidiu mudar de tática. A confiança de Ashuna é alta demais para ser afetada por ataques sobre sua pessoa, então talvez ela possa focar em sua arma.
“Essa espada parece medíocre. O que aconteceu com aquele brinquedo real que você estava usando aaantes?”
“Ah, sim, ela ficou um pouco danificada durante nossa luta. Eu levei até o meu ferreiro mais confiável para reparos. Esta é uma reserva, vê? Dificilmente digna para minha habilidade com espada, com certeza, mas servirá por agora.”
Apesar da atitude obviamente sarcástica, a arrogância e tolerância de Ashuna parecem não ter limites.
“Aquela nossa batalha no trem foi eletrizante. Fazia muito tempo desde que alguém fez o meu sangue ferver! Como pôde fugir antes de terminarmos? Eu fiquei tão insatisfeita que tive que vir aqui para afogar as mágoas… Mas como isso me levou a encontrá-la novamente, claramente os céus estão do meu lado!”
“Eu devia tê-la matado. Eu sabiiia…”
“Hrmm? Não seria um enorme problema se uma mera sacerdotisa assassinasse um membro da família real?”
“Se elas encontrassem seu precioso corpo real lá, eles assumiriam que você tinha apenas sido morta pelos terroristas. E nada maaais.”
O par incompatível continuou andando pelo corredor sombrio. Em sua maior parte é um caminho em linha reta, e não há sinais de nenhuma outra pessoa. Suas vozes ecoam enquanto elas continuam caminhando.
“Falando sobre a nossa batalha no trem, eu senti uma sensação estranha no finalzinho. Você tem ideia do que causou aquela sensação arrepiante, Momo?”
“Como eu deveria sabeeer?”
Momo fingiu ignorância dando os ombros, mas a verdade era que ela tinha um palpite da fonte daquela sensação estranha.
Akari Tokitou.
Após ler e digerir o relatório de Menou sobre a situação que se desdobrou no trem, Momo havia formado uma teoria de que Akari talvez tenha voltado no tempo durante o processo.
A julgar pelos documentos que Menou lhe deu, havia uma alta possibilidade de que o trem estava destinado a sofrer um acidente que resultaria em diversas causalidades. Na realidade, se Akari tivesse ficado no vagão econômico e esperado, nem mesmo Menou poderia ter sido capaz de impedir o acidente de acontecer.
Porém, o desastre massivo foi evitado—porque Akari reverteu o tempo e o preveniu.
Akari deve ter perdido a memória de ter feito isso no processo. Momo suspeitou que a causa da sensação desagradavel foi algo similar à cinetose, uma vez que o mundo mudou o curso que deveria ter tomado.
Foi um feito tão massivo que foi fisicamente nauseante, mas tal coisa só seria possível com o poder aterrorizante dos Puros Conceitos, o qual é o exato motivo do porquê seus usuários precisam ser destruídos com grande prejuízo.
“Entããão? O que você está fazendo aqui, afinal, Princesa Ashunazinha?”
“Ah, bem. Quando cheguei em Garm e me dirigi até o antigo castelo real para prestar minha homenagem, eu farejei um fétido cheiro de conluio, então não consegui evitar. Eu decidi seguir os rastros e secretamente acabei neste subsolo.”
“Hrmm.”
Então a intuição de Momo estava certa.
Os instintos da Princesa Cavaleira para essas coisas é impressionante. Momo despreza Ashuna, mas tinha que reconhecer suas habilidades apesar de tudo.
“E a avaliar pela existência deste local bizarro, parece que eu acertei em cheio, como de costume. Meus instintos nunca mentem.”
Enquanto Ashuna se gaba, as duas param repentinamente.
Elas chegam no fim do corredor escuro e encontram um salão cerimonial.
Era uma cúpula gravada com brasões elaborados. Haviam estátuas gigantes instaladas em todas as quatro direções e dois imensos pentagramas sobrepostos no centro da sala.
A atmosfera geral parece antiga, mas todos os materiais são recentes.
“Certo, um salão cerimonial de alto nível fora da minha especialidade. O que raios é isso? Eu mesma não faço ideia.”
“Oh. Sua obsessão por lutar é tanta que seu conhecimento sobre tudo mais é o mesmo de uma crianciiinha, Princesa Ashunazinha.”
“Realmente. Por isso fico feliz de tê-la comigo, Momo. Investigue por mim.”
“Uuugh…”
A área de expertise de Ashuna obviamente está em batalha. Momo também pende para esse lado, mas ainda é uma Executora assistente. Portanto, a construção desta cerimônia em particular caiu diretamente dentro do seu campo de estudo.
“Isto é um local de testes para teletransporte.”
Sua investigação parece ter sido um fracasso, embora não inteiramente sem resultados. Muito provavelmente, esta era uma zona experimental para convocação de Ádvenas que ocorreu na capital real.
“As estátuas em cada parede transcendem fronteiras ao se oporem ao conceito das direções cardinais. Os pentagramas sobrepostos representam a união de dois planetas em fases diferentes. Tem mais além disso, mas esclareci o básico.”
Força Etérea: Conectar—Escritura, 1:1—Invocar [Transcreva o milagre perante os meus olhos, pois este deve ser registrado.]
Enquanto Momo inspeciona a área, ela invoca uma conjuração, gravando uma imagem da sala em sua escritura como prova.
A princípio, ela assumiu que as mulheres sequestradas tinham sido trazidas aqui pela passagem subterrânea e usadas como material para convocar demônios, mas não havia sinais de que isso tivesse ocorrido. O que aconteceu aqui foi indubitavelmente uma atividade proibida, mas este salão cerimonial era uma prova de heresia cometida pela Nobreza, e não estava relacionado com os desaparecimentos recentes.
“Teletransporte, é? Então os experimentos e preparativos para a convocação de Ádvenas na capital real foram realizados aqui.”
“Provavelmente.”
Conjuração é a arte de dispor o poder de uma alma para se materializar na forma de um fenômeno específico. Há um limite para o quanto um único indivíduo consegue realizar.
Entretanto, tudo isso muda no caso de níveis extraordinários de poder como os de um Puro Conceito, o qual um indivíduo normalmente nunca deveria ter. Uma ideia construída no decorrer do tempo da história humana poderia naturalmente se tornar uma forma de conjuração; tocar na energia das veias astrais, a qual percorre a veia celeste e a veia terrena do planeta; e criar um ponto de poder único. Como resultado, o conceito em si assume uma enorme quantidade de poder na forma de Força Etérea.
A técnica proibida conhecida como Conjuração de Conceito extrai desse espaço irregular, o qual se torna um ponto para acumular poder, então é capaz de conjurações que distorcem as regras da realidade.
“Você não está aborreciiida, Princesinha Ashy? Isso significa que existe provas para o crime de seu pai, sabiiia?”
“Ah, tudo bem.”
Ashuna é uma integrante da Nobreza. Momo estava em alerta para a possibilidade dela tentar destruir a evidência e cortá-la para silenciá-la, mas a princesa não demonstra intenção alguma de atacar.
“Eu também não irei tolerar ninguém que cometa tolices desta natureza. A punição deve se adequar ao crime, mesmo que tenha sido cometido pela minha própria família.”
“Ohhh? Como você gosta de tudo que é poderoso, eu pensei que adoraaava Ádvenas, Princesinha.”
“Não me menospreze, Momo. A alma humana alcança a luz de energias através de estudo e treinamento intensivos. A verdadeira beleza da força consiste no esforço necessário para conquistá-la. Mas este não é o caso com Ádvenas. Eles não são nada além de vítimas.”
“Hm.”
De fato existe uma espécie de conjuração em espaços irregulares onde um poder além de qualquer indivíduo normal se acumula, mas o único modo de extrair e usar o poder puro do conceito é convocando um humano de outro mundo e atribuindo os poderes deste mundo em suas almas no processo.
Nenhuma outra cerimônia poderia fundir um conceito inteiro em uma alma.
Por isso, o poder assustador que habita em um Ádvena é conhecido como um “Puro Conceito,” mas isso realmente não se alinha com a apreciação estética de poder que Ashuna tanto se gaba.
Mesmo assim, Momo não se importa nem um pouco com Ashuna. Não era isso que ela tinha sido instruída a investigar, mas se ela repassasse uma imagem deste lugar para a Santa Inquisição na capital real, certamente seria um belo presente. Espero que a querida me elogie, também, ela pensou, continuando a gravar imagens da sala.
“Mas, é estranho eles terem sido capazes de reproduzir isso com tanta exatidão. Duvido que a Nobreza tenha conhecimento e habilidade para fazer isso, mesmo se conseguissem materiais da Fronteira Selvagem com aventureiros, saaabe?”
“Hrm?” Ashuna inclina a cabeça com a afirmação de Momo. “O que você…? Ah, entendi. Estou surpresa de saber que você é tão facilmente influenciável, Momo. Então você realmente veio aqui como um ‘favor,’ não é?”
Ashuna acenou como se tivesse feito uma conexão que explicasse tudo.
Momo franziu com o tom, de certa forma, desapontado de Ashuna. Ela nunca foi influenciada por ninguém exceto a Menou. E ela nunca se referiu à existência de Menou na frente da princesa.
“O que quer dizeeer?”
“Pense um pouco. Não é tão difícil de descobrir, é?”
Ashuna sorriu cheia de si e apontou para Momo.
“Antes de mais nada, é óbvio que a Faust e a Nobreza desta cidade estão em conluio. A Faust deve ser o cérebro.”
“Como é?” Momo parou por um momento.
Dessa vez, Ashuna sorriu travessamente, contente por tê-la pego desprevenida.
“Como há uma cerimônia de teletransporte instalada aqui, a Faust de Garm deve estar conectada com a convocação na capital real, também. Eu pensei que você estava aqui em Garm para investigar seu próprio pessoal por dentro, mas… Heh. Como você falou que é um ‘favor’ para a igreja, acho que você é bastante ingênua no fim das contas, Momo. Não acha isso fofo?”
“E o que a faz dizer iiisso?”
“Meu pai—na verdade, toda a nossa família real—não tinha o conhecimento ou materiais para tentar realizar essa cerimônia. Se a questão for de onde eles conseguiram essa tecnologia, a primeira suposição que vem à mente é que eles tinham apoiadores na Faust.”
Isso é verdade.
Agora que Ashuna mencionou, Momo reparou que deveria ter suspeitado tanto quanto ela no mesmo instante.
“A catedral fica logo ao lado do antigo castelo real. Estranhamente conveniente, se você parar para pensar. Isso os coloca na posição perfeita para fazer algo como isso. Eu imagino que haja uma passagem subterrânea que conecte ambos.”
Como a capital ancestral Garm fica tão distante da capital real, e foi a própria arcebispa que solicitou a investigação, nunca ocorreu a Momo suspeitar da Faust.
“Se a escala é tão grande assim, o arquiteto pode ser até mais poderoso que uma bispa. Diga-me, Momo. Suponho que você não irá me contar quem pediu para você investigar como um ‘favor’, certo?”
Momo ignorou Ashuna.
Ela parou de gravar imagens em sua escritura; suas prioridades foram subitamente reformuladas. Na cabeça de Momo, não havia benefício em ficar aqui por mais tempo. Ela tinha que reportar isso à Menou imediatamente, então ela abriu sua escritura e começou a conjurar.
Força Etérea: Conectar—Escritura, 1:4—Invocar [A vontade do Senhor é transmitida por todo o céu e terra, reinando—
“…Tch!”
A conjuração para comunicação que ela havia usado no trem foi bloqueada, a construção se desfez no meio do processo.
Momo rapidamente olhou ao redor do salão cerimonial, mas ela não conseguia localizar um intermédio que pudesse estar bloqueando sua conjuração. Parece ter reagido à sua tentativa de feitiço, mas seria muito difícil para Momo detectar a fonte enquanto conjura ao mesmo tempo.
Momo franziu, com sua escritura ainda aberta. Ashuna olhou curiosamente para ela.
“Isso foi uma comunicação? É exclusividade da Faust, não é?”
“Poderia ficar quieta, por favooor? Se você pudesse morrer e ficar em silêncio para sempre, eu agradeceria maaais ainda.”
“Foi bloqueado? Momo. Poderia tentar de novo para mim?”
O rosto de Momo fica ainda mais tensionado. Ela já planejava outra tentativa de qualquer forma. Se não funcionasse, ela deixaria este lugar de uma vez e entraria em contato com Menou do lado de fora.
Força Etérea: Conectar—Escritura, 1:4—
Justo quando Momo sentiu a interferência novamente, Ashuna falou. “Hrmm. Suponho que seja aqui, aqui e aqui.”
Ashuna brandiu sua espada na parede algumas vezes. Assim que ela arranhou os brasões que estavam gravados ali, Momo sentiu o poder que estava inibindo sua conjuração de comunicação se dispersar.
Invocar [A vontade do Senhor é transmitida por todo o céu e terra, reinando vastamente.]
Um pouco surpresa com seu sucesso, Momo rapidamente se conectou com a escritura de Menou e repassou um breve resumo de suas descobertas.
Ao terminar de escrever a informação com Força Etérea, ela vira na direção de Ashuna, que estava ansiosamente espiando a escritura para observar o processo.
“O que foi, Momo? Não precisa me agradecer. Poder testemunhas uma comunicação de tão perto assim é uma chance em—”
“Está bem. Até mais.”
“—Ei, espera. Que frieza.”
Momo não se dá o incômodo de agradecer Ashuna enquanto se apressa para sair. Ela precisa correr para a catedral e encontrar Menou. Assim que ela se virou para voltar à superfície—
Força Etérea: Auto-Conectar (Condições Atendidas)—Passagem do Salão Cerimonial, Brasão—Invocar [Cerimônia da Decadência]
Força Etérea: Fundir Materiais—Pedra Vermelho Primário, Conjuração do Selo Interior—Invocar [Vermelho Primário, Dragão da Fúria]
Força Etérea: Sacrificar—Pecado Original, Inveja: Corpo, Espírito, Alma—Convocar [Pecado Original, Torção]
Diante dos olhos de Momo, a passagem escura que elas tomaram para chegar até aqui começou a se deformar.
Era uma armadilha que havia sido preparada usando um brasão de ativação condicional. Haviam materiais e brasões encravados debaixo da pedra escura, e eles ativaram quando detectaram intrusos no salão cerimonial.
De dentro da passagem veio o som de algo nascido de uma conjuração sombria e abissal.
“Aha. Lá vem. Bom, faz sentido eles não permitirem que intrusos encontrem a prova de suas transgressões sem preparar algumas armadilhas.”
Por alguma razão, Ashuna parecia contente e brandiu sua espada.
Era uma arma de reserva improvisada. Mesmo não estando em sua força total, a Princesa Cavaleira parecia genuinamente empolgada com a promessa de um inimigo forte.
Ao que parece, o que quer que tenha sido criado na passagem estava se aproximando. Pode-se ouvir um som quase que aquoso de algo rastejando e uma série de passos maçantes que estremecem a sala subterrânea.
Momo e Ashuna se envolvem com a luz de Aprimoramento.
“Vamos lutar lado a lado desta vez, Momo. ‘O inimigo de ontem é o amigo de hoje.’ Um provérbio antigo excelente.”
“Ah, tudo beeem. Eu também quero acabar looogo com isso.”
Dois inimigos emergem: uma medonha criatura semelhante a uma corda que se contorce conforme avança, e um dragão vermelho sem asas com passos altos e barulhentos. Ambos são grandes demais para um humano comum batalhar.
“Heh-heh. Um soldado conjurado com forma de dragão e um demônio convocado, é? Excelentes oponentes. Nunca pensei que veria algo do tipo fora da Fronteira Selvagem. E há um para cada uma de nós—perfeito. Qual você prefere? Suspeito que o demônio seja mais do seu agrado.”
“Eu ficarei com o dragão. Obrigaaada. Você pode ir em frente e ser espremida até a morte por aquela coisa, Princesinha Ashy.”
Momo odeia Ashuna o bastante para desejar a sua morte, mas no momento, elas precisam trabalhar juntas.
São duas bestas pressionando elas. Elas precisam cuidar rapidamente de ambos.
Se o palpite de Ashuna sobre o arquiteto estiver correta, então a pessoa que estava correndo o maior perigo atualmente era ninguém menos do que o indivíduo que Momo mais se importa.
*
Até mesmo Menou nunca tinha visto o salão cerimonial para o qual Orwell as levou.
Tem o estranho formato de cúpula, perfeito para um salão cerimonial. O formato esférico é o mais próximo da perfeição neste mundo. As impecáveis paredes brancas estão gravadas com vários brasões, mas o revestimento nas paredes é especial. Mesmo com o extenso conhecimento de Menou, ela não conseguia identificar quais materiais foram usados para tornar a parede tão perfeitamente branca.
Há um altar instalado no centro do salão, onde mais de dez sacerdotisas estão preparando a cerimônia.
Geralmente, qualquer conjuração em larga escala que interaja com a veia astral ou a Dimensão do Conceito requer um grande número de pessoas. Menou e Orwell assistem aos procedimentos em uma área separada. Sentada no altar, parecendo entediada, Akari ocasionalmente sorri e acena para Menou com as mãos. Ela parece estar bem despreocupada.
Fora do salão cerimonial, Menou acena de volta.
A flor decorativa na tiara de Akari balança gentilmente.
Menou sente uma pontada em seu peito.
“Vocês parecem ser bem próximas. É difícil acreditar que se conheceram há poucos dias.”
“Sim, bom… Foi assim que ela agiu comigo o tempo todo.”
Menou se sente ainda mais confusa sobre o forte apego de Akari por ela. Porém, ela ignora isso. Não há necessidade de se aprofundar mais neste assunto.
Afinal, Akari estava prestes a morrer.
“Eu peço desculpas por todo o incômodo, Arcebispa Orwell. Não sei como te agradecer…”
“Não se preocupe. Afinal, tenho certeza de que isso não será fácil para você.”
Menou fica em silêncio com a resposta inesperada. Agora que Orwell colocou isso em palavras, ela se deu conta do verdadeiro significado da dor que estava perfurando seu coração e fechou seus olhos.
É culpa.
Ah, eu sou tão cruel.
O pensamento enterrou-se em seu peito. Menou já matou pessoas antes. Por que agora ela se sente particularmente emotiva sobre assassinar Akari?
Eu sou a vilã.
Enquanto Menou afunda em silêncio, Orwell faz um olhar leve.
“Não há necessidade de comparar-se àquela sua Mestra, está bem? Aquela garotinha estranha sempre foi qualquer coisa exceto normal, por bem ou por mal.”
Ao escutar a arcebispa referir-se a sua instrutora como uma “garotinha,” Menou se lembra do quão vasta é a diferença entre suas experiências.
“Aquela garota sempre resolveu tudo sozinha, mas isso não significa que você precisa fazer igual. Podem haver momentos como este, onde alguém conhece um método do qual você não tem ciência. Não há vergonha em aceitar ajuda dos outros; na verdade, é frequentemente necessário para resolver um problema.”
“...A senhora tem razão, é claro.”
“Heh. Eu sempre tive curiosidade sobre você, também, uma vez que ela te acolheu. Fico contente de finalmente podermos nos encontrar desta forma, não apenas por transmissões.”
“Fico lisonjeada por ter interesse em alguém como eu.”
“Não deve rebaixar-se tanto, Srta. Menou. Você é uma das poucas escolhidas que carregam o fardo de um papel oposto ao meu. Eu nunca a subestimaria.”
Sem dúvidas, Orwell provavelmente salvou mais pessoas que qualquer outra nesta cidade.
Não foi apenas a cidade natal de Menou. Havia também a questão de batalhar e defender-se contra a ameaça iminente da Fronteira Selvagem. Sem mencionar os trabalhos de caridade que ocorrem nesta nação sob sua liderança. Ela trouxe salvação a muitos outros em seu caminho para se tornar a arcebispa.
Realmente, ela é o oposto de Menou.
Então suas palavras carregam muito mais peso.
“Você é uma parte necessária deste mundo. Quero que você se dê conta disto.”
“...Sim, senhora.”
Orwell pareceu adivinhar corretamente a hesitação de Menou, mas seu sorriso gentil não oscila.
“Espero que você realmente entenda isso um dia.”
Sua experiência é incomparável. Sempre que Menou interage com Orwell, ela dolorosamente se lembra de sua própria imaturidade.
Menou resolveu assistir a cerimônia até o final. Ela não poderia desviar o olhar, nem mesmo no momento da morte de Akari. Este é o seu papel—e é tudo que ela pode fazer agora.
Enquanto foca sua visão, Menou percebe que sua escritura estava piscando com Luz Etérea.
Era uma mensagem de Momo. Ela começou a abrir sua escritura, mas parou ao lembrar-se de que estava ao lado de sua superior. Seria rude ler uma mensagem no meio de sua conversa.
Ao invés disso, ela sondou as leves alterações na forma que a energia reage em sua escritura. As mensagens transmitidas desta forma são compostas usando Força Etérea. Se o controle da destinatária sobre seu poder for preciso o bastante, ela pode saber o conteúdo da mensagem sem abrir o livro.
Enquanto Menou lê a mensagem de Momo, uma onda de choque atravessa sua mente. Todas as diferentes peças que vieram à sua cabeça se juntaram para formar uma conclusão.
“…Arcebispa Orwell.”
“Sim, Srta. Menou?”
Força Etérea: Conectar—
Assim que terminou de absorver a informação que lhe foi enviada, Menou silenciosamente carrega sua escritura com poder.
“Sobre a cerimônia que Akari irá realizar. A senhora adquiriu os materiais de antemão, correto?”
“Sim. Por quê?”
Escritura, 3:1—
Menou colocou Akari no altar, convencendo ela de que era uma cerimônia de retorno. Ela fez isso pois Orwell, por vez, disse à Menou que esta era uma cerimônia para destruir um Puro Conceito. Os preparativos estavam sendo feitos diante dos seus olhos.
Então Menou falou muito casualmente enquanto começou a conjurar no fundo de si mesma.
“Que tipo de cerimônia é esta, exatamente?”
“Nossa,” Orwell murmurou. Seus olhos notaram a escritura de Menou, e ela sorri calmamente.
“Você recebeu uma mensagem, hmm? Nunca imaginei que alguém encontraria aquele lugar e escaparia da armadilha… Parece que eu desconsiderei uma possível ameaça.”
Ela não parece agitada, mesmo assim ela também não nega nada. Instantaneamente, Menou cria certeza.
Orwell é sua inimiga.
Menou lançou a conjuração que estava criando discretamente.
Invocar [E o inimigo iminente ouviu o badalar do sino.]
Luz Etérea irrompe da escritura de Menou, formando um sino de uma igreja artificial.
É um poderoso ataque que envia uma clangorosa onda de energia com poder em todas as direções. Com seu alcance e intensidade, não é um ataque fácil de ser defendido de forma alguma.
Sobretudo, Orwell não estava segurando sua escritura. Não havia razão para não tomar vantagem desse fato.
Primeiro, o ataque preventivo iria suprimir as demais sacerdotisas assim como Orwell. Talvez houvesse um brasão de barreira para protegê-las, mas o alcance do ataque impediria qualquer pessoa de se mover. Usando isso como ponto de partida para sua estratégia, Menou já se prepara para seu próximo ataque em sequência.
Orwell move sua mão levemente.
Como sempre, sua mão estava apoiada em sua bengala, a qual suportava seu corpo envelhecido. Quando sua mão enrugada se moveu, ela revelou gemas incrustadas na ponta que brilham como as três cores primárias.
Menou arregalou os olhos.
Força Etérea: Conectar—Cajado Sagrado, Tríade Primário—Invocar [Três Cores, Dez Eras, Centenas Florações, Mil Guerras]
A conjuração de Orwell instantaneamente esmagou a de Menou.
As três cores primárias misturadas juntas, desabrocham-se em dez cores, depois se transformam em cem tons brilhantes que então formam linhas de Luz Etérea em números que poderiam facilmente chegar a mil.
Os incontáveis raios coloridos florescem, colidindo contra a pseudo-igreja que Menou criou, e destruindo-a.
A velocidade e amplificação da conjuração foram assustadoras.
Menou poderia invocar uma conjuração com sua escritura tão rapidamente quanto qualquer brasão, mas uma habilidade capaz de superá-la não é qualquer uma. Os feixes de luz destroçaram seu sino antes que pudesse badalar uma única vez, e imediatamente caíram sobre Menou. Ela conseguiu evitar um ataque direto pulando para fora de seu alcance, mas o alvo de Orwell não parecia ser Menou em si.
Os raios de luz perfuraram o chão, criando uma abertura.
“?!”
O salão cerimonial no mausoléu subterrâneo ocultava um espaço ainda mais profundo. Sem ter onde se apoiar, Menou começou a cair.
“Menou?!”
Akari gritou por seu nome no altar, alarmada pelo desenvolvimento súbito.
Mas Menou mal podia salvar a si mesma, quanto mais a outra garota. Enquanto ela estava caindo em um espaço vazio junto com os destroços do chão que estava abaixo de seus pés, um raio de luz foi em direção à sua mão. Incapaz de desviar no meio do ar, ela não podia fazer nada para impedir que sua escritura fosse atingida e pegasse fogo.
“Akari, fuja!”
Com este breve clamor, ela carregou energia em sua escritura antes que queimasse ao ponto de se tornar inútil, escolhendo a melhor conjuração possível disponível nas páginas que ainda estavam intactas.
Força Etérea: Conectar—Escritura, 13:13—Invocar [O espírito de um mártir é tão precioso que é praticamente um tolo.]
A escritura explode com um lampejo violento.
Foi uma autodestruição, não tão destinada como um ataque quanto como uma forma de manter sigilo sobre o conteúdo da escritura. A implosão fez o chão desmoronar ainda mais. Provavelmente não alcançou o salão cerimonial, mas certamente foi grande o bastante para afetar o local onde Orwell estava. A arcebispa possivelmente se protegeu com o brasão defensivo em suas vestes, mas desde que tivesse perdido seu apoio e caísse com Menou, seria bom o suficiente.
Akari não estava contida de alguma forma. Menou tinha esperança de que ela pelo menos tivesse tido o senso de fugir sob a cobertura da distração explosiva.
A gravidade puxa Menou para baixo, mais fundo do que o salão cerimonial onde Akari estava no altar. O buraco não era especialmente fundo. Em pouco tempo, Menou aterrissou, e ela prontamente sacou a adaga do cinto ao redor de sua coxa.
A sala que ela se encontra é um estranho local de testes. Em severo contraste com a pureza da sala acima, este lugar fede horrivelmente a sangue e agonia.
O porão de pedra contém camas alinhadas em intervalos regulares. E deitada sobre cada cama havia uma jovem mulher.
Cobertas frouxamente sobre as camas, todas estão com suas entranhas removidas. Suas cabeças estão abertas, seus crânios vazios, e o sangue delas estava sendo extraído, deixando-as em um estado quase que mumificado. Os olhos das jovens mulheres estavam abertos e turvos, jamais sendo capazes de demonstrar uma faísca de vida novamente.
No centro do laboratório, entre as partes humanas presas no teto, haviam dois frascos gigantes.
Um frasco estava coletando elementos vermelhos dos corpos humanos, para assim não desperdiçar os materiais de sobra dos experimentos. O outro contém resíduos de material humano que foram separados do vermelho.
Quantas vidas foram usadas para extrair esses materiais?
Os frascos, maiores até do que Menou, estavam mais da metade cheios.
“…Eu tenho muito o que aprender, me deixando ser enganada tão facilmente pela promessa de ajudar com minha missão,” disse Menou.
“Parece que sim. Mas você ainda é bem jovem, então não precisa ficar abalada com isso. Quanto mais velha, mais covarde uma pessoa se torna, e naturalmente ela aprende como manipular os jovens no processo.”
Uma linda escadaria se materializou, vindo do buraco pelo qual Menou caiu. Composta pelas três cores primárias, é substancial o bastante para suportar Orwell, permitindo com que ela desça até o chão calmamente e em segurança.
Orwell sorri gentilmente. Seu olhar compassivo parece o mesmo de sempre.
Frustrada por ter sido separada de Akari, Menou é forçada a confrontar a verdade que ela não queria reconhecer.
Orwell é a arquiteta por trás dos desaparecimentos que ela mesma pediu para Menou investigar—e não apenas isso.
A hipótese de Menou de que a Ordem dos Cavaleiros nesta cidade era corrupta foi ingênua. Havia alguém muito pior que trabalhou com os terroristas Plebeus, conduziu experimentos humanos, e finalmente forneceu à Nobreza a tecnologia para convocar Ádvenas.
Todos os incidentes que Menou encontrou nesta nação foram obra da arcebispa.
“Você é calma e paciente para a sua idade—talentosa, também—mas lhe falta a cautela e a covardice daquela garota—Flare. Sem isso, você não será uma Executora devidamente temível.”
“Me dói ouvir isso.”
Se Orwell, a líder da Faust desta nação, fazia parte dessa conspiração, então não é de se admirar que o rei da Nobreza se atreveu a realizar uma convocação tão confiantemente.
Se elas fossem lutar aqui e agora, o maior problema seria os materiais entalhados no cajado de Orwell.
Os cristais vermelho, azul e verdade são itens proibidos e raros que nunca deveriam estar nas mãos de uma mulher santa.
“Agora, Srta. Menou. O quanto você sabe sobre os cristais de Cor Primária, pode me dizer?”
“Eu sei que eles são feitos das três cores mais puras deste mundo: vermelho, azul e verde. Fazendo parte da Dimensão do Conceito, a qual foi formada pelos poderes do planeta e pela história humana, essas pedras permitem acesso e conjuração dos Conceitos das Cores Primárias que pintam este mundo. Os materiais também podem expressar qualquer cor no mundo através da conjuração.”
O questionamento de Orwell foi educado como sempre, então Menou respondeu com a mesma expressão calma.
As pedras de Cores Primárias não são as únicas ameaças desta luta. A conjuração complexa que Orwell usou em seu último ataque foi executada com fascinante delicadeza. Sua habilidade de controlar a Força Etérea, algo muito importante no processo de conjuração, é claramente superior à de Menou.
“Com essas pedras, imagino que alguém do seu nível possa até criar mundos conjurados inteiros, Arcebispa Orwell.”
“Correto. Não esperava menos da pupila daquela garota. Seu conhecimento sobre tabus determinados é impecável.”
Embora ela estivesse mantendo seu tom, se havia uma coisa que Menou não estava sentindo era calma.
Havia apenas uma razão que ela conseguia pensar para Orwell tê-las atraído até aqui.
Ela estava atrás de Akari.
Mais precisamente, ela queria o Puro Conceito de Akari. Muito provavelmente, a cerimônia que ela estava tentando realizar no salão de cima não era para matar Akari. Deveria ser algum ritual sacrílego com a intenção de usar seu Puro Conceito de alguma forma.
“Muito bem, como você está ciente da diferença entre nossas habilidades, eu apreciaria se você se rendesse.”
“Infelizmente, minha Mestra nunca me ensinou a desistir.”
Eu posso vencer? Menou se pergunta.
Eu posso derrotar a Arcebispa Orwell?
Ela é uma figura poderosa, um gênio em meio a Faust, com um espírito inquebrável, e ela realizou muitas conquistas ao longo do tempo para chegar à posição no topo. Seu primeiro ataque queimou a escritura de Menou, sua única grande arma, em questão de segundos. Menou está em uma óbvia desvantagem. Ela pensou em recuar, o que seria o melhor para ela.
Porém, como se ela tivesse lido os pensamentos de Menou, Orwell escolhe aquele momento para carregar a catedral com energia.
Força Etérea: Fundir Materiais—Catedral, Brasão de Conjuração de Construção de Igreja—Invocar [Barreira Multicamada do Santuário]
O brasão ornamentado e complexo na catedral ativou. A Força Etérea que Orwell inundou nas paredes criou uma barreira estratificada e impenetrável que isolou o interior da catedral do resto do mundo.
“Agora você pode ter certeza de que a ajuda não virá, Srta. Menou.”
Apesar do fato dela ter infundido uma imensa barreira com poder, Orwell parece não estar nem um pouco desgastada. Dado a velocidade e precisão de sua conjuração e sua vasta quantidade de poder natural, o bastante para criar uma muralha ao redor da catedral, ela está em outro patamar.
A única vantagem possível para Menou é a fragilidade do corpo envelhecido de Orwell. Suas pernas estão tão fracas que nem mesmo o Aprimoramento poderia fortalecê-las o suficiente. A única maneira de derrotá-la seria em um combate a curta distância, mas não há dúvida na mente de Menou que a arcebispa teria alguns truques para se defender. Não seria sábio atacá-la imprudentemente.
“Posso perguntar os seus motivos? Eu presumo que a senhora custeou a convocação na capital real também, estou errada?”
Menou continua analisando os pontos fortes de sua oponente, procurando por fraquezas, mas por dentro, ela estava se castigando com arrependimento.
Como uma Executora, ela deveria ter reparado o que estava acontecendo. Porém, ela descuidadamente trouxe Akari direto para o coração da heresia.
“Ah, bem. Eu apenas ajudei a Faust a evitar que a Ordem dos Cavaleiros descobrisse sobre este lugar. Quando ofereci a eles a tecnologia para convocação, um produto derivado dos meus experimentos aqui, eles ficaram muito felizes em cooperar.”
A convocação de Ádvenas na capital real desencadeou toda esta série de eventos. Tudo estava conectado: as múltiplas cerimônias que foram planejadas para iludir uma Executora e os movimentos da Faust que tentaram atrair Menou para uma armadilha. Em retrospecto, eles sabiam até demais sobre os métodos das Executoras, as quais a existência nem é de conhecimento público.
“Eu ajudei aquele grupo terrorista Plebeu e seus esquemas, pois eu queria que eles coletassem jovens garotas para mim. Possuir mais materiais é sempre melhor, não acha?”
Isso explica as armas Etéreas que os terroristas usaram no trem, e mais importante, a Pedra Vermelho Primário, a qual requer uma ótima proficiência de conjuração para ser adquirida e utilizada. Para a arcebispa, que controla todas as igrejas na capital real, adquirir e distribuir essas armas proibidas seria uma tarefa fácil…
…E ainda mais se ela estivesse colaborando tanto com a Nobreza quanto com a Plebe.
“A Faust dificilmente poderia sequestrar pessoas e deixar isso público. Então, em troca da minha ajuda, eles trariam garotas para este lugar no subsolo para eu usá-las em meus experimentos.”
“…Entendo. Então você deve ter tido alguma razão para os terroristas atacarem o trem, também.”
“A Princesa Ashuna não estava naquele trem?”
Orwell respondeu sem hesitar, como se não tivesse mais razão para esconder.
“Sua Alteza sempre teve uma intuição afiada. Quando soube que ela estava à caminho daqui, eu quis me certificar de que ela não descobrisse sobre minhas atividades, então eu tentei distraí-la com você. Eu sabia que ela agiria se um incidente ocorresse no trem, e como uma sacerdotisa, você também teria que fazer algo a respeito.”
Isso faz sentido: Sem o incidente terrorista, Ashuna não teria se deparado com Momo. E por conta de Menou estar ciente da presença da princesa, ela foi forçada a agir de acordo.
“O momento foi perfeito, uma vez que os planos de seu pai tinham acabado de ser prejudicados por uma Executora. Conhecendo a personalidade da Princesa Ashuna, ela sem dúvida criaria interesse na existência de tal pessoa. Estou certa de que isso também dificultou muito mais o seu lado, Srta. Menou.”
De fato, a questão com Ashuna privou Menou de um recurso valioso em forma de Momo. Se Momo não tivesse arremessado Ashuna para fora do trem, os movimentos de Menou provavelmente teriam sido extremamente limitados sob o olho vigilante da princesa, também.
Orwell pretendia ajudar os terroristas e usá-los como peões descartáveis para forçar Menou e suas companheiras a entrarem em confronto com Ashuna. Sem dar nem um passo para fora de Garm, ela guiou Menou e Ashuna direto para suas mãos.
“O fator surpresa foi aquela sua assistente. Eu assumi que se ela vagasse pelo subsolo durante sua investigação, ela e a princesa se encontrariam e começariam outra luta… Mas como ela foi capaz de se comunicar com você apesar de ter encontrado aquele salão cerimonial, talvez elas tenham trabalhado juntas? Neste caso, eu também terei que me livrar daquele par mais tarde.”
“…A senhora perdeu toda sua honra, Arcebispa Orwell.”
Agora que ela obteve toda a informação, Menou encara a Arcebispa friamente.
Sendo o oposto de Menou, Orwell deveria usar sua conjuração e posição para ajudar as pessoas. Este era seu papel como mulher santa—especialmente sendo uma arcebispa.
Entretanto, esta pessoa, no topo mais alto da Faust, afundou suas mãos profundamente no impensável com todos esses planos minuciosos.
“Ao contrário de mim, a senhora deveria salvar as pessoas. Por que faria tudo isso?”
“Ah, você não entende, não é…? Suponho que não faça nada além de matar, afinal. Ah sim. Tudo faz sentido agora, Srta. Menou. Não me admira que não saiba.”
Orwell olha para ela como se estivesse testemunhando a ignorância de uma criança sobre o mundo.
“Ouça-me, quando você salva muitas pessoas, os clamores por ajuda se tornam muito irritantes.”
“Hã…?” Menou fica sem palavras.
Orwell continua, indiferente:
“Ajude-nos. Salve-nos. Por que não nos ajuda? Por que não nos dá mais? Faça mais milagres! Não se contenha! Nos dê tudo! Seu tempo, seu poder, sua vida! Salve-nos! …Eles te seguem incessantemente.”
Ela soa como uma idosa exausta ao terminar sua declaração.
“E apesar disso, nenhum deles salvam a si mesmos…”
Força Etérea: Conectar—Cajado Sagrado, Tríade Primário—Invocar [Enganação, Fogo Infernal]
Orwell canalizou seu poder em uma das três pedras das Cores Primárias em seu cajado, a Pedra Vermelho Primário, invocando uma conjuração.
Chamas vermelhas vívidas artificiais surgem, cobrindo rapidamente o chão.
“Ngh…”
Menou retrai com o ataque criado pela cor primária.
Era vastamente diferente de qualquer conjuração limitada criada por brasões e escrituras. Com os materiais e o controle avançado de Orwell sobre seus poderes, ela poderia extrair e manifestar fenômenos do Conceito da Cor Primária, uma das dimensões criadas pela veia astral do planeta e pela história humana.
As chamas conceituais não produzem ondas de calor, mas se elas encostarem em Menou, elas irão incinerá-la até se tornar cinzas, até os ossos.
Força Etérea: Conectar—Adaga, Brasão—Invocar [Fio Etéreo]
Ativando o brasão, ela arremessa a adaga para enrolá-la em um ornamento na parede. Então ela puxa o fio fixado e pula, escapando das chamas carmesim que se espalham pelo chão.
“Heh. Muito impressionante.”
“Sua…!”
Aterrisando novamente no chão após as chamas se apagarem, Menou range os dentes frustrada com sua falta de opções.
Como o primeiro ataque com raio de luz destruiu sua escritura, os únicos meios para invocação de conjuração para batalhas que lhe restam são os brasões em sua adaga, para invocar Fio Etéreo e Vendaval, e o brasão em seu traje, para invocar Barreira. Ela estava contra a parede, sem nenhuma maneira aparente de vencer.
Mesmo se ela quisesse fugir, ela estava presa pela barreira ao redor da catedral.
“Hmm, onde estávamos? Ah sim. Você me perguntou por que eu faria tudo isso, correto? Perdão, querida. Quando se chega na minha idade, você perde o rumo da conversa com muita facilidade.”
Orwell não parece nem um pouco incomodada ao ver Menou desviar de sua conjuração. Pelo contrário, ela está sorrindo como alguém observando afetuosamente uma criança energética brincando.
“Acontece que ultimamente, minhas costas doem tremendamente.”
“O que disse?”
Menou não tinha ideia do que ela estava falando.
Suas costas doem?
Qual a relação disso?
Ciente ou não da confusão interna de Menou, Orwell dá leves tapinhas em suas costas curvas enquanto continua.
“Toda manhã quando acordo, meu primeiro pensamento sempre é ‘Ah, minhas costas doem.’”
Menou se prepara, assumindo que isso era um prefácio para uma grande e arrebatadora razão, mas Orwell apenas continua com as reclamações da terceira idade.
“É tão doloroso levantar-me da cama. Eu tenho que pedir a ajuda de alguém mais jovem para me erguer, e quando dou meu primeiro passo, posso ouvir meus joelhos rangendo. Oh, céus. É simplesmente terrível. Você entende? Eu acredito que seja o peso de todas as pessoas que salvei me arrastando. É extremamente pesado.”
“Do que está falando…?”
“Ah, mas é claro que você não entende. Afinal, você é jovem.”
O sentimento que Orwell estava direcionando à jovem Menou não era inveja—
“Eu suponho que também não entendia quando tinha sua idade. Mas é disso que se trata, Srta. Menou. No fim, eu falhei em me tornar uma devida mulher santa. Sou apenas uma pessoa comum que por acaso foi capaz de ajudar os outros por conta dos meus poderes. Agora que eu cheguei a esta idade avançada e frágil, eu finalmente me dei conta da verdade. É simples assim.”
—Era pena de uma jovem mulher que ainda não conhece o medo de envelhecer que eventualmente chegará a ela.
“Mas mesmo assim, como eu salvei tantas pessoas, acho no mínimo justo eu ter permissão para matar quase tantas quanto salvei agora.”
Menou silenciosamente olha ao redor da sala.
Neste laboratório, incontáveis jovens mulheres sequestradas foram submetidas a experimentos humanos, dissecadas para pesquisar a fonte de sua juventude, e converter em materiais, tudo para que Orwell pudesse fugir do envelhecimento.
Menou não consegue compreender essa motivação nem um pouco. E então ela desiste de tentar adivinhar os sentimentos da velha mulher.
“…E por isso você queria a Akari.”
Para uma mulher idosa que tem sua própria deterioração, a Regressão de Akari deve ser incrivelmente tentadora.
“Como você pretende usar o Puro Conceito dela? Não é o tipo de coisa que qualquer pessoa possa usar como quiser, nem mesmo uma conjuradora notável como a senhora.”
Após sua experiência encostando contra o Puro Conceito que habita dentro de Akari no incidente do trem, a compreensão de Menou sobre isso foi dolorosamente clara. Até mesmo usar a Força Etérea de outra pessoa já é bastante difícil.
Mas naturalmente, Orwell também deve ter ciência dos perigos de um Puro Conceito.
“Pelo Senhor, Srta. Menou. Por favor, não me subestime. Você certamente sabe que eu tenho uma boa ciência da instabilidade inerente de um que está indevidamente anexado a um Ádvena. Eu nunca tentaria encostar a mão em um diretamente. Como acha que eu vivi por tanto tempo? Eu conheço muito bem meus limites.”
A arcebispa fala calmamente do seu próprio senso comum, como se não tivesse sequestrado jovens garotas e conduzido experimentos nelas.
Então como…? Menou se perguntou, até que se deu conta.
O salão cerimonial que elas estavam antes de caírem aqui.
“O salão acima de nós parece ser a fonte de sua confiança. Como você o usaria para controlar um Puro Conceito?”
“Realmente. Bom, na verdade é bem relevante para você, então suponho eu possa explicar.”
Orwell sorri calorosamente, como se estivesse comunicando outro ensinamento para a jovem sacerdotisa.
“Aquele salão cerimonial foi originalmente criado para causar lavagem cerebral em Ádvenas convocados.”
“Lavagem cerebral…?”
“Exatamente. Ou talvez branquear suas mentes seria mais preciso.”
O experimento de teletransporte que Momo encontrou na verdade não estava sendo usado para a convocação na capital real.
Orwell o criou para um propósito muito diferente.
“É um local de teste para apagar personalidades. Foi feito com a intenção de limpar o espírito e a alma de uma pessoa, deixando nada além de branco. Eu esperava que usando-o em um Ádvena significaria adquirir seu Puro Conceito para eu usar como desejar, mas foi bem difícil ajustar para o nível adequado de limpeza. Em um caso, até mesmo o próprio Puro Conceito se tornou Marfim, o que foi bem difícil de encobrir. Mas você é bastante familiar com esse incidente, não é?”
Um pequeno sorriso alarga os lábios de Orwell.
“A Ádvena que foi parcialmente branqueada transformou uma cidade inteira em branco, como você pode se recordar.”
O choque que atingiu Menou é difícil de descrever.
Essa revelação inesperada chocou mais do que a constatação inicial da heresia de Orwell. Por um momento, seus pensamentos congelam. Sua mente quase se apaga por completo. Ela quase deixa cair sua adaga, sua pegada no cabo se afrouxa.
A lâmina balança em sua mão trêmula.
“Você… Por quanto tempo?”
“Eu te contei, não? Desde o início.”
Quando Menou conseguiu expressar uma pergunta, a velha enrugada sorriu maliciosamente.
Desde o início.
Ela querendo ou não, Menou se dá conta do quão no passado isso realmente chegava, horrorizada.
A cidade natal de Menou se tornou neve branca, como suas memórias a recordam. Sua família, amigos e a cidade em si, tudo se tornou branco e desapareceu assim. Menou foi tudo que ficou para trás, seu coração ficou tão apagado que nem tristeza restava.
Aquele incidente, o qual Menou não consegue processar como uma tragédia apesar de ser uma sobrevivente, foi inteiramente trabalho da mulher diante dos seus olhos.
E para que propósito?
“Após alguns experimentos, eu determinei que em vez de tentar causar lavagem cerebral em Ádvenas, era melhor escaldar suas almas e espíritos em puro branco, deixando eles como Puros Conceitos sem nenhuma vontade própria. Mas mesmo assim, um Ádvena tentar usar seu poder ainda é um perigo.”
Orwell explicou a verdade abertamente.
“É neste ponto que você entra, Srta. Menou. Juntas, você e a Srta. Akari significam algo. Você tem potencial para manipular o Puro Conceito daquela garota, certo?”
Ao escutar que ela mesma deveria usar Akari, Menou se lembra novamente do incidente no trem.
Menou não possui barreiras em volta do seu espírito e alma. Quando sua cidade natal se tornou branca, ela também foi apagada quase que por completo. Por isso que Menou é capaz de conectar sua energia com a de Akari—e com notável facilidade, ainda mais. Ela evitou tocar o Puro Conceito no trem, não querendo se expor a um perigo desnecessário, mas é possível que ela pudesse tê-lo usado também.
“Eu acredito que poderia. Você sobreviveu àquela cidade branca, renasceu como o mais fino dos materiais. Você pode efetuar a conexão com os outros facilmente—e sob a tutela de Flare, sua conjuração melhorou ao ponto no qual você também é chamada de Flarette. Não tenho dúvidas de que você seria capaz de manipular o Puro Conceito daquela garota.”
Orwell transformou uma cidade inteira em neve branca a fim de criar material para controlar os Puros Conceitos. Material em forma de Menou.
Seu alvo não era apenas Akari. Era Menou e Akari juntas.
“…Ah, entendi.”
A mente de Menou, que estava quase entorpecida, começou a processar novamente.
As dúvidas que ela veio construindo durante os eventos da última semana começaram a se encaixar, uma por uma.
O Puro Conceito de Nulo pertencente ao garoto que ela matou sem nem saber seu nome poderia eventualmente desenvolver uma imortalidade. A única razão para Akari ter sido escolhida para sobreviver foi porque seu Puro Conceito de Tempo era mais conveniente para os objetivos de Orwell. Isso também explica porquê uma figura importante como a arcebispa teria tanto interesse em Menou, uma mera Executora.
Orwell estava de olho em Menou esse tempo todo porque ela era um ingrediente necessário para seus planos.
“Então você realmente estava por trás de tudo desde o princípio.”
“Precisamente. Houve um pouco de sorte e coincidência envolvidos, com certeza, mas quando você passa dez anos agarrando cada pequena oportunidade que consegue encontrar, eventualmente você conquistará os resultados que almeja.”
Um calor fervente começa a borbulhar no fundo do estômago de Menou. Ela estava zangada—por ter sido enganada, por ter sido usada por tanto tempo que nunca se tratou de traição, e por sua tolice por falhar em perceber e reverenciar Orwell o tempo todo.
“Estava esperando você, meu precioso material, crescer o bastante para ser capaz de controlar um Puro Conceito. Por isso eu solicitei a Faust para executar a convocação.”
Orwell pacientemente e cuidadosamente construiu este plano por um longo tempo. Convocar as entidades proibidas conhecidas como Ádvenas, atrair a Executora conhecida como Menou—tudo isso era apenas uma pequena parte de um plano que se estendeu por mais de dez anos.
“…Heh. Do começo ao fim, apenas uma pessoa duvidou de mim. A Executora Flare.”
Menou agarra sua adaga com mais força.
Notando isso, a arcebispa de visão aguçada sorri com satisfação.
“Nossa, eu lhe enfureci? Mas por quê? Por que você ficaria indignada justo agora? Por quem? Certamente você não está furiosa por perder sua cidade natal, está? Afinal, você nem tem a si mesma. Esses pensamentos que está tendo agora são bem posteriores ao fato, não são, Srta. Menou?”
Aquele dia puro branco quando Menou foi renascida neste mundo é desenterrado.
“Você esqueceu de tudo. Tudo foi apagado”
Sua fúria chegou ao limite.
Força Etérea: Conectar—Adaga, Brasão—Dupla Invocação [Fio Etéreo, Vendaval]
Força Etérea: Conectar—Túnica de Sacerdotisa, Brasão—Multi-Invocação [Multi-Barreira]
Menou arremessa a lâmina e a acelera com Vendaval, mas ela é bloqueada antes de alcançar Orwell.
Orwell ativou o brasão em suas vestes. As múltiplas barreiras formadas são mais rígidas do que a armadura do soldado mágico que Menou enfrentou no trem. Ainda por cima, a velocidade de conjuração de Orwell foi mais rápida que a dela.
Menou puxa o fio para recuperar sua adaga. Orwell ri prazerosamente, mas não como escárnio do seu ataque.
“Se auto-denominar ‘Flarette’ é bem apropriado. Meus materiais antes perfeitamente brancos agora se assemelham muito aquela garota.”
“Tem razão. Afinal, eu sou uma vilã..”
Inexpressiva, Menou dá um passo adiante.
Após sua fúria explodir, sua mente estava estranhamente calma.
Qualquer que fosse a identidade de Menou, qualquer que fossem as intenções de Orwell, havia apenas uma coisa que ela precisava fazer.
“Usar um Ádvena é categoricamente proibido. Assim como usar partes de corpos humanos como materiais.”
Não importa quem estivesse fazendo ou porquê—nada disso importa.
Menou olha friamente para a herege diante de seus olhos.
Orwell caiu no uso do proibido. Ela escapou até mesmo da Mestra de Menou e percorreu seu caminho até o topo da Faust, a Primeira Classe.
Mesmo assim, a missão de Menou é imutável.
“Você cometeu uma grave ofensa, então eu devo matá-la. Esta é a razão da minha existência.”
“Realmente. Então venha, jovem. Pobre criança que não pôde partilhar do destino de sua terra natal.”
O sorriso gentil de Orwell não oscila. Ela estava tocando os dois frascos contendo materiais que ela obteve dissecando tantos humanos.
Força Etérea: Conectar—Pedra Vermelho Primário, Pseudo-Conceito da Cor Primária [Vermelho]—Invocar [Vermelho Primário, Serafim Obstinado]
Força Etérea: Sacrificar—Pecado Original, Orgulho: Espírito, Corpo, Alma—Convocar [Pecado Original, Relva Rastejante]
Todo o vermelho em um dos frascos começou a se transformar, e as partes humanas do outro se tornaram um meio para convocação.
Os materiais vermelhos formaram figura nua e andrógina com asas. E a substância sombria e lamacenta que apareceu nos pés de Orwell cria oito pernas e se torna uma espécie de cadeira.
Orwell fez um sinal para o anjo vermelho aguardar enquanto ela se abaixa para sentar-se no demônio convocado. Sua mão firmemente agarrada ao seu cajado sagrado com as três jóias das Cores Primárias.
“Quando você estiver pronta, querida. Eu pegarei leve com você. Não tenho intenção de tirar sua vida. Farei com que você e a Srta. Akari sirvam ao seu legítimo propósito.”
A líder herética da nação sorri suavemente.