Volume 1

Capítulo 3.5: Expresso Terrorista da Capital Real (2)

A vista abaixo delas é rápida e vertiginosa.

Enquanto as vibrações dos trilhos balançam seus corpos no mesmo ritmo do trem em movimento, Momo estreita seus olhos.

O cheiro de sangue preenche seu nariz.

Estava vindo a favor do vento—da espada desta mulher, Ashuna Grisarika.

“Uma sacerdotisa de branco, é? Estas linhas amarelas devem significar que você é independente, mas esse comprimento de saia é bem inovador. Nunca havia visto uma acima dos joelhos… Nada mau.”

Ashuna acena para as roupas de Momo com muito interesse.

A cor das vestes de uma sacerdotisa, especialmente o símbolo no peito e a cor do tecido, representa sua patente na Faust. Um traje preto indica uma freira, considerada abaixo da patente da Primeira Classe; roupas brancas como as de Momo se referem a uma novata que vestiu o manto recentemente. Apenas quando se veste o traje azul-marinho que Menou usa, a pessoa é considerada uma sacerdotisa pelo resto do mundo.

E o símbolo amarelo nas vestes de Momo significa que ela não pertence a nenhuma paróquia em específico. De alguma forma, Ashuna parece saber bastante sobre a iconografia das sacerdotisas.

“Bem ousado uma sacerdotisa não-alinhada alterar seu uniforme, mas gosto do seu estilo. Você concentrou todos os babados em um só lugar para deixá-los leves. Afinal, o corpo humano é bastante bonito por si só. As roupas devem enfatizar as curvas de quem as veste, e não disfarça-las. Não concorda?”

Não é de admirar que ela diga algo assim, dada a sua própria vestimenta. As vestes da mulher expõem uma escandalosa quantidade de pele. Enquanto a saia fina parece gerar uma fácil mobilidade, as formas de diamante acima da cintura de suas roupas cobrem apenas um pouco mais além de seus seios e umbigo.

Combinando isso com sua própria beleza inerente, Ashuna é elegante de cima a baixo, mas não apenas isso. Em sua mão, ela carrega uma espada gravada com um brasão. A delicada gravura é tão adorável que poderia ser confundida com uma arma cerimonial, porém, isso não é uma mera decoração. É uma arma formidável com a habilidade de invocar múltiplos selos.

Momo faz um sorriso simpático.

“Então você é a Princesa Cavaleira Ashuna? É uma honra, Vossa Alteza.”

Oh-ho? Você me conhece, é?”

“É claro. A fama de Sua Alteza a precede. Eu sou Momo, uma sacerdotisa.”

Ashuna é relativamente conhecida: Embora seja uma princesa nascida em uma família da Nobreza, ela entrou para a Ordem dos Cavaleiros, as forças de segurança da nação, para assumir a segurança de sua terra com suas próprias mãos.

“Como pode ver, sou uma sacerdotisa de vestes brancas, ainda uma novata. Eu estava a caminho da capital ancestral Garm como parte de minha peregrinação, mas então o trem foi atacado por terroristas. Então, er… será que poderia abaixar sua espada?”

“Hmm? Ah, sim.”

Momo tentou demonstrar que não era uma ameaça, o que parece ter baixado a guarda de Ashuna, pelo menos um pouco. A princesa retornou sua espada para a bainha e se aproximou com uma expressão amigável.

“Parece que esses terroristas estavam atrás de mim, mas acho que eles também foram para os vagões de trás.”

“Sim, cerca de cinco deles. Eu já os nocauteei.”

“Entendo. Peço perdão pelo incômodo. Eu finalizei os patifes que entraram no vagão real e na sala de motores,” Ashuna assegurou.

“Impressionante. Sua Alteza certamente corresponde a sua reputação!”

Enquanto Ashuna anda sobre o trem, ela não demonstra nenhum resquício de medo.

Seu nível de calma é admirável, considerando o forte vento e a instável base abaixo delas. Sua postura deixa evidente seus músculos bem temperados e o quão profundas são a sua confiança e coragem.

“No entanto, fiquei deveras surpresa ao encontrá-la aqui em cima com sua espada empunhada, Sua Alteza.”

“Sim, bom, eu estava planejando ir e cortar os terroristas nos vagões de trás, também. Além disso, fiquei um pouco espantada com sua forma de se vestir.”

Momo sorri timidamente, e Ashuna continua com seu calmo semblante, como se estivesse tendo uma casual hora do chá.

“Meu pai atualmente está em julgamento por heresia, embora em virtude de ações fora do meu conhecimento. Me perdoe caso eu carregue sentimentos mistos pela Faust no momento.”

“Ah, verdade, eu soube. Mas o julgamento apenas começou, certo? Sua Majestade ainda não foi declarado culpado.”

Enquanto conversavam, Ashuna casualmente se aproxima de Momo.

Então, subitamente, seu peito brilhou.

Era a luz emitida por Aprimoramento, mas estava cegamente brilhante. Ao mesmo tempo da distração ofuscante, a espada velozmente saiu de sua bainha e foi em direção ao pescoço de Momo.

“Oh?”

Ashuna ergueu uma sobrancelha levemente impressionada, seu corpo envolto por Luz Etérea.

“Que surpresa.”

“Por…que iiisso!?” O rosto de Momo congela, mas ela não deixa de sorrir.

Ela está agarrando sua serra com ambas as mãos, bloqueando a espada de Ashuna de alcançá-la. A fina serra fica levemente curvada no ponto onde a lâmina da espada colide, mas ela resiste à pressão. Momo usa luvas brancas para ocasiões justamente como essas, para proteger suas mãos quando precisa agarrar a serra.

“Ah, você sabe. Como eu disse, tenho sentimentos mistos pela Faust no momento.”

“Então você pensou que como uma integrante da Faust apareceu, poderia muito bem livrar-se dela agooora?”

“Cruzes, claro que não.”

Momo decide arrastar suas sílabas, não para soar meiga como de costume, mas para provocar sua oponente. Ashuna parece não se incomodar com o tom de escárnio da Momo, e simplesmente aplica mais peso em sua espada.

“Eu parei antes, sabia? Se eu realmente tivesse atacado com intenção de arrancar sua cabeça, uma serrinha frágil dessas não seria capaz de me impedir, mesmo que o metal estivesse aprimorado com Força Etérea.”

Ashuna soa bem confiante de que se tivesse sido séria, Momo já estaria morta.

Lentamente, o sorriso de Momo curva-se para baixo.

“Mas que ego enorme. Você é realmente indomável como dizeeem.”

“Eu não subestimo minha própria força. Só isso. Com a espada cristada da realeza em minhas mãos competentes, pouquíssimas coisas escapam do meu corte, mas… Suponho que devo aplaudi-la por reagir tão rapidamente. Impressionante.”

Novamente, a provocação de Momo não suprimiu nem um pouco o sorriso destemido de Ashuna.

A espada de Ashuna é lentamente pressionada cada vez mais contra a serra. Momo pôde tirar uma conclusão da força a qual pesa sobre ela através da lâmina: Esta mulher produz uma quantidade inacreditável de poder.

Ela deve ser incrivelmente bem treinada. A Princesa Cavaleira é provavelmente tão forte quanto uma escolhida a dedo e cuidadosamente forjada Executora—talvez até mais forte.

Os prodígios vêm em todas as formas, em qualquer terra e de qualquer classe. Sem dúvida, Ashuna foi naturalmente dotada com um incrível nível de controle de energia.

“Como eu já disse, meu pai está em julgamento pelo pecado de heresia. Ele está sendo acusado de convocar Ádvenas, embora não haja um Ádvena sequer em lugar algum do castelo.”

“Ahhh. É meeesmo?”

“De fato. É assim que eles estão respondendo ao tribunal no presente momento. ‘Se nós realmente convocamos Ádvenas, então onde estão?’”

“Castelos são beeem grandes. Tem certeza de que eles não estão apenas escondendo-ooos? Embora eu acredite que possa não ser verdaaade. Se este for o caso, ele será absolvido. Isso não é óóótimo?”

“Será mesmo? Eu não acho que seja nenhum desses casos. Meu pai certamente convocou Ádvenas, mas eles não estão mais sob seus cuidados. Isso é o que eu acho. Você sabe o que isso significaria, não sabe?”

“Sinceramente, nããão? Esclareça-me, Princesinha.”

“Os Ádvenas foram mortos antes do julgamento começar.”

Ashuna pressionou ainda mais sua espada. Ela ainda parece ter bastante poder de sobra. Momo também não estava nem perto de seu limite—ela elevou seu Aprimoramento para afastar a princesa.

Crunch. O metal abaixo de seus pés cede um pouco.

“Você deve saber sobre as chamadas Executoras da Faust?”

“Ahhh, esse rumor bobo e antigo? Já ouvi falar, siiim. Eee? O que tem iiisso?”

“Bom, quando olhei para você, um pensamento cruzou minha mente. Se aquela Executora terminou seu trabalho e deixou a capital real justo quando a Santa Inquisição estava começando—ora, ela poderia estar justamente nesse trem.”

“Isso é um pouco conveniente demais, não aaacha? Melhor não deixar a imaginação tomar conta da sua cabeça.”

“Tenho minhas dúvidas. Eu embarquei nesse trem no mesmo período, afinal. Além disso…”

Os olhos de Ashuna reluzem com satisfação.

“Eu tenho total fé na força que construí durante toda minha vida…e eu nunca duvidei da minha intuição.”

Força Estérea: Conectar—

Parte da espada brilha.

Momo arregala os olhos ao sentir a conjuração do brasão começando a se aproximar.

Espada Real, Brasão—

Ela ativou, causando uma erupção de fogo da lâmina, aquecendo as bochechas de Momo.

Era um ataque de conjuração à queima roupa. Mas Momo não podia esquivar. O brasão ativado estava naquela mesma espada a qual ela estava segurando com sua serra. Se ela afrouxasse um pouco sequer, a lâmina provavelmente iria de encontro direto ao seu pescoço.

Conjuração defensiva com minha escritura, então—não, não terminarei a tempo. A conjuração em escrituras é poderosa, mas complicada. Momo não consegue manipular Força Etérea tão precisamente quanto Menou, então sua velocidade não seria suficiente para superar o brasão.

Tomando uma decisão numa fração de segundo, Momo carrega o selo no interior de seu traje.

Força Etérea: Conectar—Túnica de Sacerdotisa, Brasão—

A conjuração de Ashuna estava prestes a ser lançada.

Estava mudando do estágio preparatório para invocação. A energia das chamas elevando da espada foi subitamente sugada para dentro.

Invocar [Rajada de Chamas]

As chamas ao redor da espada explodem.

E ao mesmo tempo—

Invocar [Barreira]

Ondas sônicas agitam o ar em torno das orelhas de Momo. A violenta explosão de energia foi em sua direção, mas bem a tempo, ela conseguiu focar a barreira defensiva perto de sua cabeça e se defender da rajada.

Se ela tivesse sido acertada pelas ondas sônicas, teria sido arremessada do trem. Momo usa o vento soprando na direção delas como vantagem e salta para trás, criando distância entre elas.

“Um brasão de defesa em seu traje, é? Pelos céus, mas a tecnologia da Faust nunca falha em me impressionar. Tão avançada em ciência de materiais e diagramação de brasões. Eu nem soube dizer que tipo de brasão era.”

Ashuna coloca sua espada larga sobre o ombro graciosamente e observa Momo com apreço. Sua atitude ao falar palavras de admiração soam tão arrogantes quanto nunca.

“E aquela excelente decisão num piscar de olhos protegeu sua cabeça primeiro, se me permite frisar. Todas vocês sacerdotisas são fortes, tenho que admitir…embora pareça estranho uma mera traje branco reagir tão prontamente. Eu suspeito que você não esteja sendo completamente verdadeira ao se apresentar como uma novata.”

“Ora? O que quer dizeeer? Proteger a cabeça é senso comum, nããão?”

Momo titubeou desdenhosamente para as palavras de sua oponente.

Enquanto disse isso, ela tocou os lacinhos que prendem suas tranças com uma das mãos, assegurando-se que seus pertences mais preciosos não foram perdidos. Então, ela direciona um brilhante sorriso para Ashuna.

“Não posso deixar meus lacinhos queimarem, saaabe?”

Ainda bem.

Se seus laços tivessem sofrido qualquer dano, Momo não teria certeza de que conseguiria resistir à vontade de matar essa mulher.

“Estilo é muito importante para garotas. É perfeitamente normal proteger algo assiiim.”

Ha. Nós somos mesmo semelhantes. Eu também adoro me arrumar. Talvez possamos nos dar bem, no fim das contas.”

“Poderia evitar de comparar meu senso de estética com o seeeu?”

Momo não suportaria que essa mulher rica comparasse seu simples passatempo de se vestir com os acessórios que ela recebeu da pessoa mais preciosa do mundo para ela. Ainda sorrindo, ela desabafou sua raiva verbalmente.

“Na verdade, você não tem quase a mesma idade que eeeu? Você é um pouco forte demais para uma princesa, não aaacha? Que medonho. Sua força deve ser desconfortante para os outros, saaabe.”

Heh, você é muito gentil. Minha força é o resultado da minha dedicação—e inteiramente escolha minha, para sua informação.”

Ashuna responde abertamente, flexionando para exibir seus músculos.

“Beleza e força são aquilo que eu mais gosto. Toda sociedade é apaixonada pelo belo. E a força é bonita, não importa o momento ou lugar. Por isso eu me tornei forte, e porque eu tenho intenso interesse na força dos outros. Assim como estou muito impressionada com seu poder.”

“Ah, é meeesmo? Pouco me impooorta.”

Momo franziu a testa. As preferências estéticas de Ashuna não significam nada para ela.

Após ela ter provocado tanto Momo e até atacá-la, Momo não pretende deixá-la ir facilmente.

Ela não seria capaz de descobrir que Momo é uma assistente de Executora apenas com uma breve luta. Mas Momo precisa evitar o mínimo de contato entre essa garota de visão aguçada e Menou.

“Vamos, não seja insensível. Aliás, eu gostaria de perguntar a você algumas coisas referentes ao incidente na capital real que levou ao julgamento do meu pai. Como parte relacionada, eu ficaria emocionada se me respondesse, Momo.”

“Ah, cale-se…! Eu já diiisse, eu não tenho naaada a ver com isso!”

Ashuna chamá-la casualmente pelo nome foi o fim da picada. Arrastando suas palavras com uma elevada irritação, Momo carrega sua serra com energia.

Força Etérea: Conectar—Serra, Brasão—Dupla Invocação [Âncora, Oscilação]

Haviam dois brasões gravados na serra. De acordo com as leis da materialidade, este era o limite dessa arma.

Ativando ambos ao mesmo tempo, Momo consegue ajustar a serra para ficar em linha reta e fazê-la começar a oscilar como uma motosserra.

“Agora, vamos voltar ao que interessa, que taaal?”

Momo abaixa seu braço frouxamente, apontando a lâmina para o chão. A ponta da serra faz contato com o teto do trem abaixo de seus pés.

Com um rangido estridente, o metal do teto começa a descascar onde a serra o toca.

“Me pergunto por quanto tempo seu luxuoooso brinquedo real poderá suportar o meu pequeniiino arame.”

Falando sobre o barulho áspero de metal contra metal, Momo sorri maliciosamente.

“O que acha de colocarmos isso à prooova?”

 

*

 

O som de colisão entre metais vem de cima da cabeça de Menou.

Quando ela fez caminho pelo vagão de jantar até o nobre, ela ouviu passos violentos diretamente acima dela. O óbvio tumulto de batalha consistia mais do que uma ordinária colisão de espada contra espada.

De fato, havia um rangido de metal sendo arranhado. E logo em seguida, uma explosão. Então a destemida risada de alguém obviamente se divertindo, contrariada por uma voz melosa disparando insultos.

Esses sons, que um mero duelo de espadas não poderia explicar, continuou por um tempo, sem sinal de cessar.

“Francamente…”

Tudo que Menou podia fazer era suspirar pelo fato de que Momo estava claramente lutando uma batalha desnecessária.

Ela ouviu a maior parte da conversa por baixo. Muito provavelmente, Momo aumentou seu tom na conversa para que Menou pudesse escutá-la.

Era ninguém menos do que a Princesa Guerreira Ashuna, que estava enfrentando a confiável assistente de Menou. Ela era a filha mais nova da família Grisarika, e também uma cavaleira errante. Como ela tenta melhorar o estado da sociedade por onde ela passa, ela é popular entre o povo Plebeu.

Não havia razão para elas lutarem contra essa pessoa. Mesmo se ela estivesse de olho nas duas, seria melhor pular do trem do que se envolver em uma batalha sem sentido. Certamente com o Aprimoramento de Momo, ela poderia saltar do trem em movimento e aterrissar sem um arranhão sequer.

Assim, seria mais fácil escapar e atraí-la para longe, mas em vez disso, Momo estava lutando contra ela. Ela sempre foi rápida em recorrer à violência.

“Bom, pelo menos ela está se contendo, eu suponho.”

Pelo som das coisas, Momo certamente está exaltada, mas não enlouquecida. Se ela tivesse perdido completamente o controle, Menou duvida que escutaria o som da serra de Momo.

Enquanto Momo matinha a Princesa Cavaleira ocupada, Menou passa pela seção de primeira classe do trem.

Ela verifica os quartos enquanto prossegue, mas não parecia haver problema algum no vagão dos nobres.

Ashuna sem dúvida cortou os terroristas por lá, mas parece que não tomou suas vidas. A maior parte deles estavam simplesmente amarrados e inconscientes, enquanto alguns poucos estavam no chão, meio acordados e gemendo. Ela havia rompido os tendões de seus membros—impiedosamente, no entanto precisa e eficazmente.

A julgar pelo resultado, Menou supõe que a sala de motores provavelmente foi assegurada, também.

Em breve, o trem chegaria em sua próxima parada. Muito provavelmente, Ashuna desembarcaria lá para entregar os terroristas. Menou apenas precisa ser cuidadosa para manter a astuta princesa longe dela e de Akari, uma vez que ela parece ter uma intuição aguçada.

Ela não está preocupada sobre Momo perder, é claro.

Ashuna pode até ser uma prodígio entre os cavaleiros, mas Momo é uma gênio entre as Executoras.

Ela é tão naturalmente talentosa que a Mestra que supervisionava seu monastério uma vez disse, “Não há nada que eu possa ensiná-la.” Decidindo que ela poderia seguramente confiar Ashuna à Momo, Menou se dirige à sala de motores. A fonte de poder e o sistema de condução estavam lá, então ela achou que seria melhor ter certeza de que estava tudo bem.

“Oh, uma sacerdotisa?”

As expressões tensas dos maquinistas relaxaram quando viram as vestes sacerdotais de Menou.

Terroristas acabaram de assaltar o trem. Nada incomum os funcionários ficarem nervosos com estranhos entrando na sala, mas a maioria das pessoas confia nas sacerdotisas implicitamente.

Menou sorriu gentilmente para acalmar ainda mais os nervos dos rapazes.

“Isso mesmo, por acaso eu estava no trem quando tudo aconteceu. Está tudo bem por aqui?”

“Está, a Princesa Cavaleira pessoalmente tomou conta da situação. Para uma moça tão deslumbrante, ela é muito forte!”

“Verdade, só podia ser a nossa princesa. Ela acabou com todos eles num instante. Já ouviu falar dela, Sacerdotisa? Vossa Alteza Ashuna é famosa por viajar pelo mundo e reformá-lo!”

“Sim, eu a conheço. Fico um pouco desapontada por ter perdido a chance de encontrá-la pessoalmente.”

Os homens parecem bastante orgulhosos de sua princesa enquanto vangloriam seus feitos.

Menou responde educadamente enquanto olha para os terroristas capturados. Todos os três foram amarrados juntos. O cheiro de sangue provavelmente era por conta dos tendões de seus membros cortados, assim como dos homens no vagão de primeira classe.

Como ela esperava, não havia problemas por aqui. Certamente, Momo encerraria sua batalha com Ashuna antes de pararem na estação seguinte. Uma vez que Menou terminasse de conversar com os maquinistas, ela pensou que poderia voltar para os vagões traseiros e assegurar Akari de que estava tudo bem.

E então, ela sentiu conjuração no ar.

“Pois é, queria que você pudesse ter visto a princesa lutar, Sacer—Hm? O que foi?”

“Nada…”

Menou olhou mais atentamente para um dos terroristas amarrados. Ela havia presumido que todos os três estavam nocauteados, mas um deles devia estar fingindo.

Um rastro de Luz Etérea é emitido do estômago do homem.

“Você aí. Está escondendo algo em seu corpo, não está?”

Heh-heh… Me pegou, né?”

Um dos terroristas devia ser um ex-aventureiro com uma básica noção de conjuração. Ele engoliu algum tipo de recipiente Etéreo de antemão, escondendo-o em seu estômago.

E agora ele estava prestes a ativá-lo.

“Mas é tarde demais! Se não chegarmos até Garm, seremos enforcados de qualquer jeito. Todos nesse trem irão pro inferno com a gente!”

“Eu não vou per— Hrmm?”

Sua frase de ameaça fez parecer que provavelmente o recipiente ativaria algum tipo de explosivo. Menou estava tentando determinar a natureza do item no corpo do homem desde o momento em que o detectou, pretendendo suprimir a explosão, mas então seus olhos arregalaram.

“Uma Pedra Vermelho Primário?”

Mas isso deveria ser impossível.

Menou considera um recipiente Etéreo muito mais valioso que qualquer revólver. Naturalmente, é declarado como tabu e infinitamente mais difícil de se adquirir do que qualquer arma supramencionada. E acima de tudo, requer uma habilidade muito alta de conjuração para usá-la adequadamente.

E se estava dentro de uma pessoa e foi ativado, o homem desafortunado servindo como combustível encontraria seu horrível destino.

Hunh? Sei lá qual o nome, mas… Heh-heh! Pela sua reação, deve ser uma coisa bem especial. Eu engoli só para o caso de— Abuhh?”

Enquanto o homem se gabava, sua pele de repente descolou e foi sugada para dentro de sua boca aberta.

Ele claramente não tinha ideia do que estava acontecendo. Enquanto a camada externa de seu corpo forçava seu caminho dentro de sua garganta até o estômago, tudo que ele podia fazer era olhar inexpressivamente para o rosa recém exposto de seu corpo. Seus olhos estavam cheios de dúvida.

Menou não teve tempo de impedir.

O corpo do homem foi amassado dentro de si mesmo em um instante.

“Mas que GUHHF—?”

Depois da pele, foi a carne. O corpo do homem estava sendo sugado pela Pedra Vermelho Primário em seu estômago, uma camada de cada vez.

O poder sobrenatural dentro dele rasgou as fibras de seus músculos, dobrou seus ossos em direções grotescas, e seus membros batiam para todo o lado.

Sua forma humana foi capaz de resistir apenas alguns poucos segundos.

O barulho horripilante ecoa por toda a sala.

Quando a sucção ultrapassou os limites do corpo humano, sua carne foi comprimida e seus ossos esmagados. Devia haver algum tipo de ignição automática implantada dentro dele. Os rapazes inconscientes que estavam amarrados com ele tiveram o mesmo destino. Antes de sequer conseguirem gritar, suas peles começaram a descascar e foram puxadas para o mesmo ponto.

Logo, a corda que estava segurando todos eles caiu no chão.

Incapazes de suportar a cena grotesca que acabou de acontecer bem na sua frente, os maquinistas vomitaram pela janela.

Mesmo após os corpos dos terroristas serem pressionados em uma bola de carne, o fenômeno bizarro não demonstrava sinal de lentidão. Os restos carnudos continuaram a colapsar entre eles mesmos ao ponto de liquefação. Mas nem uma gota de sangue foi derramada—tudo foi sugado para dentro do que uma vez haviam sido corpos humanos. Tudo se tornou uma completamente irreconhecível massa.

Uma vez que os restos anteriormente sólidos foram espremidos em um fluido, os ingredientes necessários começaram a se separar.

A contorcida massa de líquido lentamente se ergueu e descartou qualquer componente desnecessário. Se livrou de qualquer coisa que não fosse da cor exigida, de acordo com o recipiente que havia sido ativado.

As sobras dos ex-corpos humanos caíram no chão com um splat.

O que restou foi uma cena verdadeiramente chocante.

A cor primária vermelha extraiu-se do resto do corpo com uma espantosa vividez.

Não foi apenas o homem que ativou o recipiente que encontrou este destino. Todos os três homens foram sugados pela Pedra Vermelho Primário e usados como combustível para sua ativação. Muito provavelmente, todos os outros terroristas nos demais vagões sofreram a mesma fatalidade.

E como prova disso, mais vermelho puro começou a escoar da direção do vagão de primeira classe.

Tch!”

Se ela esmagasse a Pedra Vermelho Primário agora, todo aquele vermelho começaria a funcionar independentemente. Neste caso, o poder do recipiente seria dividido, mas os passageiros próximos às gosmas vermelhas certamente seriam devorados.

Poderia até diminuir o poder geral do receptáculo, mas se houvesse mais componentes individuais, seria muito mais difícil lidar com todos. Ao invés disso, Menou decidiu, em uma fração de segundo, de que era melhor tudo se acumular aqui em um lugar e cuidar disso de uma só vez. Ela usou o tempo de ativação restante para tirar os maquinistas da sala.

“Saiam daqui! Rápido!”

“M-mas não podemos deixar a sala de motores…!”

O homem olhou para o motor Etéreo.

Era verdade que o trem ainda estava em curso—e prestes a chegar a uma estação, ainda mais. Eles não podiam deixar a sala de motores—e por consequência, os controles e a fonte de poder—sem operadores.

No entanto, este não era o momento para se preocupar com isso.

“Está tudo bem. Se for preciso, eu tomarei controle.”

“Mas você não pode apenas—”

“Eu posso e vou!” Menou gritou para o homem com um tom ameaçador, em seguida mudou para um sorriso educado. “Por favor, confiem em mim. Sou uma clériga, uma aliada dos Plebeus, lembram? Sacerdotisas são puras, justas, e claro, fortes.”

Ela falou da forma mais tranquilizante e persuasiva possível, mantendo seu tom claro. Os homens olharam um para o outro, acenaram e saíram correndo da sala.

Após vê-los partirem, Menou voltou a focar em seu oponente.

Aproximadamente dezesseis gosmas vermelhas estavam convergindo, fundindo-se em algo maior. Uma vez extraído o vermelho dos dezesseis corpos, a Forças Etéreas combinadas ativaram o tabu recipiente, a Pedra Vermelho Primário.

Força Etérea: Fundir Materiais—Pedra Vermelho Primário, Conjuração de Selo Interno—Invocar [Vermelho Primário, Cavaleiro Blindado]

Vermelho, neste caso extraído de materiais humanos, é uma das cores que pintam o mundo. Agora a massa de pura vermelhidão criou um único soldado conjurado. Ele aponta sua espada em direção à Menou, é reminiscente de um cavaleiro de contos de fadas: uma espada, um escudo, e nenhuma lacuna em sua armadura completa. Cada componente do novo inimigo é vermelho puro e escuro.

“Então está se manifestando como um cavaleiro? Bom, suponho que seja melhor do que um anjo ou dragão.”

Menou saca sua adaga da bainha em sua coxa, agachando-se levemente em uma pose de combate.

É o que ela esperava de materiais de dezesseis pessoas, porém mais do que isso, é um inimigo que não deve ser subestimado. Este soldado conjurado tem a força equivalente ao de, pelo menos, dezesseis homens.

O soldado conjurado brande sua espada.

Ngh…!”

Menou defende o primeiro golpe com sua adaga, grunhindo com o esforço.

Foi pesado.

Sua expressão distorce com o peso do ataque, o qual a teria feito voar se tivesse acertado diretamente, mas ela ainda conseguiu rebater a espada do oponente para o lado. A força do soldado conjurado vermelho é muito maior que a de Menou, mesmo ela usando o Aprimoramento. Entretanto, suas habilidades deixam um pouco a desejar. Apesar disso, neste espaço apertado, até atacar cega e enfurecidamente com força bruta é um risco por si só.

Cada vez que o soldado conjurado se move, ele gasta Força Etérea e por consequência fica mais lento. Normalmente, a melhor abordagem seria cercá-lo em grupo e derrubá-lo, ou enfrentá-lo à distância até que se esgote.

Um oponente forte, com certeza. Qualquer sacerdotisa normal provavelmente precisaria de um grupo com pelo menos cinco pessoas para derrubá-lo.

Mas Menou, que já avaliou as habilidades do soldado conjurado em um instante, simplesmente falou com confiança.

“Sem problemas.”

A Pedra Vermelho Primário tem uma capacidade assustadora para conjuração, mas este soldado artificial não estava usando esse potencial por completo.

Soldados conjurados criados a partir de uma Cor Primária surgem com uma vasta variedade de forças. O mais forte deles possivelmente exigiria a força de uma nação inteira para ser derrotado, mas este é de uma qualidade muito menor. Muito provavelmente, o objetivo principal da arma não fosse criar um soldado, mas sim silenciar os terroristas de vazarem informação confidencial.

Menou calmamente continua desviando dos ingênuos ataques da espada do soldado.

Nesse ritmo, talvez ela possa desgastá-lo em combate a curta distância. Fora isso, tudo que ela precisa se preocupar é garantir que nenhum equipamento da sala de motores seja danificado na luta. Menou tinha acabado de estabelecer uma estratégia para ganhar tempo até o cavaleiro se cansar quando algo aconteceu.

Um objeto veio flutuando pela janela.

Era a serra de Momo, voando do lado de fora onde ela e Ashuna estavam lutando, em cima do trem.

A serra é leve. Talvez Ashuna tenha rebatido-a de suas mãos, ou Momo pode tê-la arremessado. De qualquer forma, deve ter perdido o rumo e foi trazida até aqui pelo vento.

Se fosse uma serra comum, sua aparência seria inofensiva.

O problema é que a Âncora e a Oscilação ainda estavam ativos.

“Ah!”

Ela tenta rebatê-la para fora do vagão, mas o soldado conjurado escolheu aquele exato momento para atacá-la com sua espada. Menou foi forçada a saltar para trás, e a serra aterrissou no chão da sala.

Assim que a serra rapidamente oscilante acertou o chão, ela se lançou por toda a sala de motores.

Tch!”

Menou estalou a língua, usando sua adaga para repelir a serra que voa em sua direção.

A serra rodeia o lugar erráticamente, e apesar de acertar o soldado conjurado de vez em quando, mal o arranha. Menou, no entanto, definitivamente prefere não ser acertada pela lâmina voadora de qualquer maneira.

Ela analisa a Força Etérea restante da serra saltitante e rapidamente faz alguns cálculos.

Em cerca de trinta segundos. Neste pequeno espaço de tempo, a Âncora e a Oscilação da serra cessariam.

A situação havia piorado. Ainda assim, não era ruim o bastante para Menou ficar desesperada.

Ela continuou lutando com o soldado vermelho conjurado, nunca tirando sua atenção da serra.

Justo quando ela bloqueou um ataque frontal da espada do soldado conjurado, a serra—a qual arrancava pedaços do chão e do teto toda vez que fazia contato—voou em sua direção por trás.

Praguejando seu azar, Menou carrega o selo costurado dentro de seu traje de sacerdotisa com energia.

Força Etérea: Conectar—Túnica de Sacerdotisa, Brasão—Invocar [Barreira]

A serra é repelida pela barreira defensiva que se formou em suas costas. Ela voou até o telhado, sem desacelerar. Dessa vez, a serra acertou o soldado conjurado na cabeça e ricocheteou em direção à Menou pela frente.

A serra deve ficar em Força Etérea a qualquer instante, ela pensou, desviando da mesma.

Mas então, o soldado conjurado brandiu sua espada em um ataque em sequência desnecessariamente dramático.

Ao traçar sua trajetória, ela se deu conta do seu erro.

Menou não estava em perigo. Seria simples desviar deste ataque feroz do soldado conjurado.

Mas a válvula de freio do motor estava bem na trajetória da espada vermelha.

“Nã—”

Menou tentou correr em sua direção, mas ela não poderia detê-lo. O cavaleiro é fisicamente mais forte que ela. A menos que sua postura fosse perfeita, ela não seria capaz de bloquear o ataque.

A espada vermelha cortou diretamente a válvula de freio da sala de motores.

“Maldito fantoche imbecil!”

Menou disparou xingamentos contra o soldado conjurado sem pensar.

Com a válvula de freio quebrada, o trem havia perdido a habilidade de parar com segurança. Menou estava lutando cautelosamente para evitar de danificar o motor, mas a serra a distraiu momentaneamente. E o tamanho exagerado dos golpes do soldado conjurado descartou seus cálculos—não, ela não podia inventar desculpas. Isso foi uma falha massiva de sua parte.

Clank. Muito atrasada, a serra finalmente ficou sem força Etérea e caiu no chão.

“Ah, droga…!”

Engolindo sua frustração, Menou forçou a si mesma a pensar. Reclamar não resolveria nada. Suas prioridades mentais mudaram do soldado conjurado para a segurança do trem em si, procurando por uma solução.

Um trem que não pode desacelerar está em um terrível dilema.

Se ele continuasse em movimento sem desacelerar, no melhor, eventualmente se descarrilaria ao fazer uma curva rápido demais, e no pior, poderia colidir com outro trem. De qualquer modo, os passageiros não sairiam ilesos da situação.

Mas não era tarde demais.

Primeiro, ela precisa chamar a Momo. Não, a essa altura, elas realmente deveriam pedir ajuda à Ashuna. Menou não tem mais o luxo de tentar esconder sua identidade. Com três pessoas habilidosas, haveriam bastante opções para parar o trem.

Menou continuou lutando contra o soldado conjurado enquanto pensava em um plano, quando de repente—

De canto de olho, ela viu Ashuna cair do trem e Momo pulando atrás dela.

“Por quê…!?”

Por que justo agora? Menou pensou inicialmente, mas na verdade era o oposto.

Isso aconteceu porque Menou estava lutando na sala de motores. Momo deve ter notado sua presença e rapidamente chutou Ashuna para fora do trem antes que a luta naquela sala pudesse chamar a atenção da princesa.

Não foi uma má decisão por parte da Momo; de fato, Menou também não queria se encontrar frente a frente com Ashuna. E não tinha como Momo saber que o sistema de freio do trem havia quebrado.

Talvez fosse possível com a ajuda de Momo e Ashuna, mas não havia maneira de Menou parar o trem sozinha.

Ela simplesmente não tem Força Etérea suficiente. O abastecimento interno de Menou é maior que a média, mas não chega nem perto do de Momo ou Ashuna.

Pedir ajuda aos maquinistas, então? Não, eles não seriam úteis.

Seria possível reparar a válvula de freio? Não, não teria tempo o bastante. O que mais ela poderia fazer? Como ela poderia parar o trem sem usar conjuração? Ela conseguiria pelo menos descer os passageiros em segurança?

Analisando cada uma das possibilidades e as descartando uma por vez, Menou foi forçada a chegar a uma terrível conclusão.

Era impossível. Ela não conseguiria parar o trem. Se nenhum milagre acontecesse, o trem bateria e as pessoas morreriam.

O sorriso da pequena menina que elas confortaram na plataforma lampejou em sua mente.

Será que aquela garotinha que Akari curou ainda estava em algum lugar deste trem?

“……”

Menou rangeu os dentes, frustrada com sua própria impotência.

CLACK. Houve um som que de alguma forma não agitou o ar.

O som do mundo saindo dos trilhos.

 

*

 

Ha-ha-ha! Até que você não é ruim, Momo!”

Momo franziu a testa com a risada surpresa que recebeu quando aterrissou após saltar do trem.

Ela sacrificou uma serra para distrair Ashuna o bastante para chutá-la para fora, mas Ashuna parecia estar em perfeitas condições. Até mesmo suas roupas, embora estivessem um pouco sujas, não demonstravam arranhão algum. A Princesa Cavaleira estava rindo, ainda em postura de batalha.

“Você está ilesa depois de cair de um treeem? Muito estraaanho… Se pelo menos tivesse morrido.”

“Heh-heh. Será preciso mais que uma quedinha para superar os resultados do meu treinamento. O mesmo vale para você, hein, Momo? Muito impressionante.”

“Não me compare a vocêêê, Princesinha. Faz eu me sentir péssima comigo mesma. Você é tão esquisita que eu já estou começando a sentir enjoo. Já posso iiir?”

Haviam alguns arranhões na espada real de Ashuna, mas certamente nenhum dano significativo. Momo puxou sua segunda serra de sua minissaia.

De repente, ambas mudaram a atenção entre si para a área ao redor delas.

“O que foi iiisso…?”

“...Que estranho.”

As duas foram assoladas por uma compulsão tão poderosa que parecia ser mais importante encontrar a fonte do que continuar lutando. Elas congelaram ao mesmo tempo, então notaram que a outra estava experienciando a mesma sensação esdrúxula.

O que elas sentiram foi uma bizarra mudança de sentidos, como se suas entranhas estivessem flutuando por um breve instante.

Foi como se todo o espaço ao redor delas tivesse levantado e caído exatamente no mesmo lugar. Naquele momento, antes de tudo voltar à onde pertencia, a transição sacudiu suas mentes. Foi uma sensação bizarramente impossível, difícil de descrever mais precisamente que isso. E mesmo assim, nada no mundo parecia ter mudado de uma maneira óbvia.

Até mesmo as duas mulheres que estavam sorrindo durante todo seu combate mortal ficaram levemente abaladas.

Ambas murmuraram as mesmas palavras de uma vez.

“Isso foi…medonho.”

O trem continuou seguindo os trilhos, ficando cada vez mais distante do par que havia pausado sua batalha. A Luz Etérea emitida pelos motores lança faíscas no ar.

Nem Momo ou Ashuna notaram que os rastros de luz deixados para trás estavam misturados com um brilho levemente diferente daquele gerado pelo motor do trem.

 

*

 

Menou sentiu a mesma sensação desconfortante que o par o qual não estava mais no trem.

“O que foi isso…?”

Ela franziu as sobrancelhas enquanto continuava se defendendo da espada do soldado conjurado.

Foi inquietante, como se ela tivesse visto um relógio funcionando normalmente, e repentinamente ele começasse a girar ao contrário sozinho. E mesmo se alguém desmontasse o relógio e inspecionasse cada peça, não haveria nada fora de ordem, nenhuma causa para ser encontrada. Eventualmente, a pessoa assumiria que este sentimento foi um mero truque da imaginação e esqueceria tudo.

Esta foi a transição que ela sentiu.

Mas neste caso, Menou não precisou procurar pela causa.

“Menou!”

“Hã?”

Ainda se sentindo inquieta, Menou continuou lutando contra o cavaleiro quando escutou uma voz atrás dela.

Uma garota estava correndo em sua direção, vindo do vagão seguinte.

“Akari!? Por quê!?”

A garota de cabelo escuro se aproximando, inchando seus seios ao arfar, era inequivocamente Akari. Ela parece estar sem fôlego, tendo aparentemente corrido por todos os vagões até chegar aqui.

Menou congelou por um momento, surpresa.

O soldado conjurado aproveitou aquele momento para atacar. Mas em vez de Menou, ele mirou sua espada na convenientemente indefesa Akari.

Wah?!”

“Cuidado!”

Menou bloqueou o golpe da espada vermelha por um triz.

Ela pulou na frente de Akari no último segundo para protegê-la. Aparando o poderoso ataque do oponente, ela carregou um dos brasões em sua adaga com poder.

Força Etérea: Conectar—Adaga, Brasão—Invocar [Vendaval]

Um poderoso vento irrompe da adaga e açoita o soldado conjurado, arremessando-o contra a parede do vagão.

Momentos depois, no entanto, o cavaleiro se ergueu novamente como se não tivesse sofrido dano algum. De fato, o dano foi mínimo; um soldado conjurado que se regenera imediatamente a não ser que seu núcleo seja quebrado.

“O-obrigada, Menou. Estou feliz por você ter me protegido. Você é tão forte! Mas o que é essa pessoa vermelha!?”

“Esqueça isso! Por que veio até aqui!? Me diga! Por quê!?”

Menou não tinha tempo para as perguntas tolas de Akari. Sem pensar, ela gritou com Akari furiosamente.

Francamente, a presença de alguém com habilidades de combate nulas, como Akari, não seria nada além de um estorvo. Não seria um problema se ela testemunhasse a batalha, mas ter que protegê-la atrasaria Menou.

“E—então, é que, os caras que estavam amarrados de repente foram esmagados, e aí os restos viraram uma gosma vermelha que veio nessa direção…!”

“E isso é motivo para persegui-lo, por acaso!?”

A visão de corpos humanos se tornando materiais vermelhos é certamente incomum, mas ver isso e decidir seguir o borrão vermelho foi uma escolha ousada.

“Eu falei para você se comportar e esperar, não falei!? Você não me escuta? Ou você faz por malícia mesmo!?”

“Quê!? Nenhum dos dois! Eu sou uma boa garota que estava preocupada com você, só isso! Você não deveria estar admirada, pelo menos!?”

“Não seja ridícula!”

Ela é mais atrevida do que eu esperava, pensou Menou, com sua frustração se elevando.

As coisas não poderiam estar piores.

O soldado na frente delas absorveu materiais de corpos humanos, usando o poder acumulado para atacar furiosamente. E ainda possui a habilidade de repôr a energia que gasta dos seus arredores. O vermelho dos corpos humanos era uma coisa, mas se aquilo absorvesse a Força Etérea de um Puro Conceito, como o de Akari, não se sabe o que poderia acontecer.

Se Menou tivesse sorte, a habilidade de Akari poderia sofrer uma anomalia. No melhor dos casos, talvez ela não pudesse ser mais capaz de reviver. Isso tornaria o trabalho de Menou mais simples.

Mas se ela tivesse azar, elas teriam que lidar com uma máquina mortífera conjurada imbuída com o Puro Conceito de Tempo.

Aaargh! Sério, por que você tinha que vir até aqui!?”

“M-me desculpa! Não chore, Menou!”

“Ah, cale-se!”

A situação estava ficando tão fora de controle que lágrimas começaram a brotar dos olhos de Menou, mas ela não queria ser confortada pela fonte dos seus problemas. Enquanto ela tenta desesperadamente pensar em uma solução para esse último desastre, o soldado conjurado continua atacando. Akari berra atrás delas. Ela não tem um meio para parar o trem. A combinação da ameaça óbvia e o absurdo otimismo da garota provaram isso à ela.

Até que algo estala dentro de Menou.

“Já chega! Tome isso!”

Em um momento de frustração, Menou arremessa sua adaga no soldado conjurado.

Força Etérea: Conectar—Adaga, Brasão—Dupla Invocação [Fio Etéreo, Vendaval]

Assim que a adaga deixou sua mão, ela ativou ambos os brasões. Um fio se forma ao redor do pomo da adaga, conectando-o à mão de Menou. Ao mesmo tempo, a força do vento produzida pelo outro brasão acelera a lâmina, impulsionando-a até a armadura do soldado conjurado, e atravessando-a.

Agora ela tem a rota que precisava.

Não era o método ideal, mas a repentina aparição de Akari significava que Menou não poderia dispor de mais tempo. Menou lançou seu próprio poder fluindo pelo fio que se estende da adaga até a sua mão.

Força Etérea: Conectar (via Fio Etéreo)—Pedra Vermelho Primário, Cavaleiro Blindado—Invasão Externa

O poder de Menou flui pela adaga, perfurando o soldado conjurado, forçando seu caminho para o interior. Os movimentos do soldado conjurado congelaram por apenas um momento.

Mas então uma poderosa resistência lança a energia de volta para ela.

O aparato sem alma estava equipado com um mecanismo de defesa para revidar contra a tentativa de intrusão. Agora estava usando-o para refletir a Força Etérea de Menou.

Ela já esperava por alguma resistência, obviamente. Se ela tivesse apoio, ela poderia confiar nessa pessoa para destruir o núcleo enquanto o soldado conjurado estivesse congelado por um momento, mas é claro que ela não poderia pedir isso à Akari. Em vez disso, ela continuou a empurrar Força Etérea contra o soldado conjurado enquanto também carrega sua escritura.

Força Etérea: Conectar—Escritura, 10:9—Invocar [Enquanto um desejar boa fortuna, outro herdará tua infelicidade.]

A dupla ativação dos brasões e a conjuração da escritura combinaram-se para alterar os mecanismos dentro do soldado conjurado.

Esta técnica é altamente avançada, utilizando três tipos completamente diferentes de conjuração de uma vez. Mas até Menou, que apresenta controle excepcional sobre seus poderes, não consegue se manter facilmente.

O rosto de Menou fica distorcido com a dor. Seu cérebro está operando em capacidade máxima, pulsando tão rapidamente parecendo que seus nervos pegarão fogo. Suor é derramado de todo o seu corpo sob a tensão de puxar e manipular tanto poder. Esse tipo de proeza não é daquelas que pode ser sustentada por muito tempo. Se ela continuar, sua alma e espírito serão drenados até secarem.

Apesar de tudo, Menou range os dentes e pressiona com foco total.

HuffNnnngh!”

Seu tecido cerebral parecia estar queimando.

Ela estava confrontando a torrente de poder que o soldado conjurado estava enviando de volta para ela. Ele está tentando quebrar a parede de fricção no qual se encontra o próprio poder de Menou. Se sua escritura, que estava formando uma barreira protetora, falhasse, então sua energia inundaria o corpo e espírito de Menou, e provavelmente a destruiria.

Mas antes que isso pudesse acontecer, acabou.

Alteração de Conjuração—Ordenar [Auto-Destruição]

Sua ordem foi passada.

“Issoo!”

O soldado conjurado resistindo violentamente derreteu, perdendo sua forma. Menou não desperdiçou tempo e pisou na pedra vermelha que formava seu núcleo, esmagando-o.

“Ahhh…!

Uma vitória perfeita. Ainda assim, Menou não celebrou—ela apenas olhou para Akari.

Ela queria poupar energia para tentar parar o trem, mas por conta daquele último choque de poder, Menou drenou mais da metade da sua energia restante.

“Akari, sua idiota… Se você não tivesse vindo, eu não precisaria ter me esforçado tanto…!”

“D-desculpa. Eu não sei bem o que eu fiz, mas eu sinto muito. Acho que eu meio que te atrapa— Oof!”

“Bas! Tan! Te!”

Menou belisca as bochechas de Akari, frustrada.

“Mas sua punição terá de esperar. Estou muito atribulada agora.”

“Quê—?! Não foi só esse beliscão!?”

“Isso não foi nem a metade!”

Menou desistiu de punir Akari por ora e virou em direção ao motor. Embora odiasse admitir, a intervenção de Akari a fez ganhar um pouco mais de tempo.

Inspecionando rapidamente o estado do motor, Menou despenca os ombros.

“Eu sabia…”

A válvula de freio estava quebrada, além de qualquer esperança de reparo.

Confusa com o estado cabisbaixo de Menou, Akari ansiosamente espiou sobre seu ombro.

“Ei, Menou, algum problema? Essa coisa parece detonada.”

“Sim, para ser sincera… Ah.”

Menou não podia mais esconder. Justo quando ela estava se preparando para contar a Akari sobre o iminente acidente de trem para que ela pelo menos ficasse ciente, ela se deu conta de uma coisa.

Ela levantou sua cabeça e olhou fixamente para Akari.

“Hm, o que foi, Menou? Hee-hee. Não me olhe assim! Me dá vergonha! Eu sou tão fofa assim pra você me encarar desse jeito? Bom, erm, eu também te acho muito bonita!”

Akari evidentemente estava nervosa por estar sendo observada tão diretamente, mas isso não importa agora. Menou ignorou sua tagarelice e ponderou sobre as habilidades especiais de Akari.

Menou não tem poder suficiente para parar o trem…mas e uma Ádvena com uma excepcional aptidão de conjuração?

“…Akari.”

O plano é profundamente falho.

Ainda assim, Menou hesitou por apenas um momento.

“Você confia em mim?”

“É claro.”

A resposta foi imediata.

Akari nem questionou porquê Menou perguntaria algo assim.

“Nem precisa me perguntar. Eu acredito em você, Menou!”

Akari sorriu brilhantemente, com um nível quase bizarro de fé.

 

*

 

Em cima do trem, Menou aperta bem os olhos com a veloz passagem de cenário enquanto seu rabo de cavalo balança fortemente atrás dela.

Mais a frente, ela consegue enxergar a próxima parada. Ainda era um mero pontinho ao longe, mas elas estavam se aproximando a cada segundo conforme aceleravam sobre os trilhos. Normalmente, o trem estaria desacelerando a essa altura para estar de acordo com o horário de serviço, mas no momento ele não é nem um pouco capaz disso.

Ela pediu aos maquinistas para parar o motor Etéreo, mas agora que o trem havia alcançado tanta velocidade, seria bem difícil fazê-lo parar completamente sem freios. Eles ainda não tinham descarrilado, uma vez que não se depararam com curvas muito significativas até então, mas por conta do trem não ser capaz de ajustar sua velocidade como deveria, já estava começando a alcançar o trem que estava à frente dele.

Nesse ritmo, eles bateriam naquele trem assim que chegassem à estação.

A única maneira de salvar a vida de todos os passageiros, era forçar o trem a parar.

“M-M-M-Menou?”

Menou encara o horizonte seriamente, enquanto as pernas de Akari tremem de medo. Ela também estava em cima do trem, com seu cabelo abanando ao vento, mal segurando sua saia com uma mão.

“Sério, isso dá muito medo! Por que estamos aqui em cima!?”

Os olhos de Akari estavam cheios de lágrimas. Menou encolhe os ombros.

“Esta é a forma mais fácil de enxergar o que há mais a frente.”

“Mas, Menooou! Eu não acho seguro subir no teto de um trem sem grades nem nada! É apavorante!!”

“Sim. Isso é uma emergência. Eu sei que está com medo, mas por favor se acalme.”

“Eu não consiiigo! E seu rosto também está muito assustador agora. Cá para mim, eu gosto ainda mais de você quando está sorrindo!”

Menou não conseguia evitar de sorrir um pouco com a patetice semi-berrante de Akari.

“Vai ficar tudo bem. Aqui, segure minha mão. Melhorou?”

Menou sorriu gentilmente e segurou sua mão, e o rosto de Akari mudou de uma expressão de medo para um brilhante sorriso.

Hee-hee, eu sabia. Você é mais fofa quando sorri, Menou!”

“Obrigada, eu suponho. E seu sorriso é impressionantemente cabeça-oca.”

Hm? Isso foi um elogio?”

“É claro que foi.”

O humor de Akari melhorou instantaneamente quando elas deram as mãos, então Menou deu mais um sorriso e então voltou sua atenção para o trem.

O trem é um amontoado de ferro capaz de carregar centenas de pessoas. Elas precisam pará-lo— e sem ferir ninguém.

Naturalmente, realizar isso sozinha seria extremamente difícil. Não seria impossível com uso suficiente de conjuração, mas o problema é que Menou não tem nem o mínimo de Força Etérea para cancelar a energia cinética do trem em movimento.

É aí que Akari entra.

“Então, como eu estava dizendo, eu pegarei seu poder emprestado para usar conjuração e assim parar o trem.”

“Certo.”

A ideia de Menou é extrair os poderes de Akari e assim cobrir o poder que lhe falta.

Sendo uma Ádvena, Akari possui uma incrível reserva de energia. Sua qualidade e quantidade devem ser mais que o suficiente.

Entretanto, não será fácil.

Por um motivo, Akari não é capaz de controlar sua Força Etérea minuciosamente. Seu uso de conjuração é praticamente inconsciente, e a única maneira dela poder controlá-lo é com seu Puro Conceito de Tempo.

Então Menou será quem dirigirá a conjuração de Akari. Esta é parte da razão dela ter oferecido sua mão à garota.

“…Sinto muito. Só para o seu conhecimento, pode doer um pouco.”

A energia é produzida pela alma, controlada pela vontade e se torna uma com o corpo.

É relativamente fácil manipular algo como o soldado conjurado, que não possui alma ou espírito, mas apesar disso, a resistência torna isso mais difícil.

Sob circunstâncias normais, muitas pessoas não são compatíveis com o estado mental de outras. Seus corpos, almas e espíritos se rebelam contra a presença de outra Força Etérea. Tanto o alvo quanto o intruso experienciam a mesma resistência natural.

Portanto, normalmente é impossível controlar a Força Etérea de outra pessoa.

A única forma de realizar isso, seria quebrando a alma e espírito da outra pessoa para reduzir sua resistência, ou compartilhando uma confiança mutuamente forte. Na primeira abordagem, ainda restaria a resistência do corpo, mas a segunda requer um laço de completa e absoluta confiança uma na outra.

Certamente não é um método recomendado para pessoas que se conheceram há apenas dois dias.

Mas não é impossível.

Menou está apostando na extraordinária e imerecida confiança que Akari demonstra por ela.

E para a própria Menou, isso não será problema.

Quando toda sua cidade natal se tornou branca e caiu por terra, Menou perdeu quase tudo de si mesma. Como a linha entre ela mesma e as pessoas ao seu redor uma vez já foi obscurecida por completo, ela pode facilmente conectar sua energia a outras pessoas.

Akari parece um pouco perturbada com a explicação de Menou, mas ainda assim acenou.

“Eu não quero sentir dor, mas… Tenho certeza de que tudo vai ficar bem desde que eu esteja com você, Menou.”

“Obrigada. Isso me ajuda imensamente… De verdade.”

Com isso, Menou carrega sua escritura com poder.

Força Etérea: Conectar—Escritura, 1:2—Invocar [Enterre a estaca e torne conhecida a terra onde tudo terá início.]

Um momento depois, o poder passou do topo do trem até o chão, descendo ainda mais fundo, integrando uma carga de energia na veia da terra abaixo dos trilhos.

O primeiro passo foi um sucesso. Menou ainda não precisou usar a energia de Akari.

Quase sem poupar um momento para respirar, Menou continuou a enviar poder fluindo pela da escritura.

Força Etérea: Conectar—Escritura, 8:12—Invocação Remota [Ajoelhe-se perante o portão, pois é a senda para o Senhor.]

Um portão de luz se formou nos trilhos atrás do trem, onde o mesmo já havia passado.

Ao invés de usar a si mesma como alvo, Menou ativou a conjuração na área onde ela havia acabado de enterrar a carga de energia na veia terrena.

Uma vez tendo se formado rapidamente sobre os trilhos atrás do trem, o portão de luz se abriu lentamente.

Isso criou um poderoso efeito que parecia puxar tudo ao alcance do portão aberto.

O portão de luz é um tipo de conjuração usado para capturar coisas. Como estava tentando puxar o trem, que foi designado como o alvo, o poder reluziu em forma de faixas de luz, arrastando o trem na direção do portão.

O puxão da luz desacelerou o trem levemente. Porém, o efeito foi tão fraco que mal podia ser notado. A Força Etérea restante de Menou é drenada muito mais rápido do que poderia desgastar a energia do trem em alta velocidade.

Mas mesmo enquanto a energia de sua alma é drenada, Menou se mantém calma.

“Agora, Akari.”

“…Tá!”

Akari fecha os olhos, talvez se preparando para a dor.

O mais delicadamente possível, Menou inseriu os últimos resíduos de sua Força Etérea em Akari através de suas mãos interligadas.

Força Etérea: Conectar—Akari Tokitou—

Praticamente não houve resistência.

Surpresa com a suavidade da conexão, Menou continuou seu caminho pelo espírito de Akari até sua alma, e então estremeceu.

Havia algo ali.

Era algo estranhamente nostálgico mas inegavelmente diferente. Concentrado dentro de Akari, estava algo vasto que deveria ser onipresente neste mundo, mas não no interior de uma pessoa.

Menou sentiu um calafrio na espinha.

A “coisa” sobrenatural que estava fazendo seu sangue gelar era um Puro Conceito. Era tão vasto, profundo e aterrorizante que até mesmo encostar nele, deixava claro que um humano nunca deveria tocar naquilo.

Com a cautela de um equilibrista, Menou delicadamente isolou o poder brotando na superfície do corpo de Akari, tomando cuidado para não tocar o Puro Conceito em sua alma.

Extrair [Poder]—

“…Ah!”

Os ombros de Akari tremem. Suas bochechas fervem, e ela solta um suspiro morno.

“Ah… A Menou está… Ngh. Dentro de miiim…”

“Se importaria em não fazer disso algo tão estranho…?”

As reações de Akari soam desnecessariamente sensuais.

Enquanto Menou continua mantendo sua conjuração remota, ela estreita os olhos para Akari, que fica cada vez mais corada.

“M-maaas…faz…cócegaaas…”

“...Bom, fico feliz de não ser mais doloroso que isso.”

Diferente da abordagem usual de Momo, a voz de Akari tem um tom natural de sedução que Menou se esforça para ignorar.

Normalmente, se alguém tenta controlar a energia de outra pessoa, não seria inusitado se ambas acabassem sentindo extrema dor. É um processo que envolve tocar não apenas o corpo, mas o espírito, e às vezes até a alma. É comum reagir desagradavelmente ao estar tão profundamente conectado, então reações extremas são normais.

Enquanto Menou está acostumada ao seu próprio corpo, alma e espírito não apresentarem resistência, Akari está aceitando a intrusão do poder de Menou com uma falta quase assustadora de resistência.

Felizmente, sua reação não foi nada além de “cócegas,” mas isso deve ser graças ao fato de que a confiança de Akari por Menou simplesmente é profunda a esse ponto.

Do fundo do seu coração e das profundezas de sua alma. Tanto que Menou é capaz de atravessar diretamente seu corpo e alma.

Naquele exato momento, Menou consegue sentir por ela mesma a fé de Akari nela.

Ela não tem ideia do porquê essa garota consegue confiar-se à Menou tão completamente.

Mas como uma Executora, é natural que ela faça uso dessa confiança da forma que puder. Menou se concentra ainda mais intensamente.

—via Menou—Força Etérea: Suplementar—Manter Invocação [Ajoelhe-se perante o portão, pois é a senda para o Senhor.]

O portão de luz que havia se formado muito distante atrás delas, cresceu exponencialmente.

Estava ficando menor conforme desaparecia ao longe, mas agora subitamente aumentou de tamanho. A transformação foi tão rápida que tornou difícil medir a distância, mas não foi apenas o repentino crescimento do portão que havia mudado.

O trem estava desacelerando tão rapidamente quanto se estivesse usando freios de emergência.

O recuo lançou seus corpos na direção oposta do trem em movimento. Menou prontamente recuperou o equilíbrio e puxou Akari para perto para prevenir que a garota caísse. Claro, ela fez isso sem perder o foco ou interromper a conjuração. Com a sutileza de uma aranha tecendo uma teia delicada, ela usou o poder extraído de Akari para mantê-la.

É difícil manter uma conjuração criada usando a veia terrena remotamente. A conjuração tem que ser imensa o bastante para cancelar a energia cinética do trem, mas também delicada o suficiente para que não arremesse o trem para fora dos trilhos. E o mais distante que elas ficam da área onde a conjuração havia sido instalada, mais complicado é mantê-la.

Menou sente como se seu corpo pudesse se partir em dois. Enquanto absorve poder muito além do seu nível de tolerância, ela o controla mais precisamente do que nunca havia antes. O cabo de guerra entre essas duas demandas impiedosamente desgasta o espírito de Menou.

“Ah…nngh…”

A pressão sobre a vontade de Menou é tão forte quanto a força parando o trem. Mesmo ultrapassando os limites de sua habilidade em absorver energia, ela forçou seu corpo a suportar a dor.

O trem estava gradativamente perdendo velocidade. Quase lá. Enquanto sua consciência ameaçava se despedaçar, Menou olhou para frente do trem sem mover nada a não ser os olhos. A estação estava perto. Ela podia ver o outro trem que já estava parado lá. Menou tensiona seu espírito e convoca ainda mais poder. Elas não iriam bater, não importa o que acontecesse. Ela apertou seu maxilar o suficiente para rachar um dente. Não havia tempo nem para respirar. Ela tinha que continuar controlando a conjuração todo o caminho até o limite.

Cada vez mais lentamente, as rodas estavam parando—e finalmente, o trem parou.

O temido impacto da batida nunca veio.

“Aaaah!” Menou arfa por fôlego.

Ao lançar feitiço, seu corpo inteiro ficou ensopado de suor. Ela começou a respirar novamente, inconscientemente parando no meio do caminho. Toda vez que ela inala, seus pulmões incham.  Sua visão estava oscilante—ela devia estar com falta de oxigênio.

Conforme ela estabiliza lentamente a respiração, sua visão volta ao normal.

Menou olhou para frente.

Havia menos de um vagão de distância entre ambos os trens.

Aplausos eclodem dentro dos vagões. Eram dos passageiros, maquinistas, ou todos juntos? Independente disso, eles foram salvos, e seus gritos de celebração ecoam.

Os ombros de Menou afundam. Liberada de toda a tensão ao qual estava presa, ela caiu e se viu apoiada por alguém.

Era Akari.

“Você conseguiu, Menou!”

Dessa vez, é Akari que está segurando Menou, com um abraço bem apertado.

“Eu sabia que você conseguiria. Você salvou tooodas as pessoas no trem. Você é a melhor sacerdotisa que já existiu!”

“Se você diz.”

Acenando distraidamente para a empolgação de Akari, Menou olha para baixo, com sua expressão suavizando. Os condutores de trem e demais funcionários estavam confirmando a segurança de todos os passageiros, ajudando-os a descer dos vagões, e escoltando-os até a estação.

A menina que elas tinham encontrado na plataforma estava entre eles. De alguma forma ela notou Menou no teto do trem e acenou as mãos com um sorriso inocente.

“Aquela menininha também está segura. Tudo graças a você, Menou.”

“…Mm, suponho que sim.”

Acenando de volta com um sorriso, Menou demonstra um sinal de timidez em sua postura.

“Uma sacerdotisa deve ser pura, justa e forte, afinal.”

Mesmo se fosse apenas uma atuação…Menou estava feliz de  poder orgulhosamente dizer que salvou pessoas.



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