Volume 1
Capítulo 3: Expresso Terrorista da Capital Real (1)
A plataforma da Estação Central se encontra bem movimentada.
Como o trem conecta a muitas cidades e vilas importantes, é a melhor forma de locomoção neste mundo. Com a adição de carga, o mesmo é utilizado por todos os tipos de pessoas. Esta plataforma, provavelmente, é o único lugar no qual se pode frequentemente ver tantos Plebeus, Nobres e membros da Faust misturados na multidão.
No meio de toda essa agitação, uma criança tropeça e cai no chão.
É uma menina bem jovem que parecia insegura enquanto andava, talvez estivesse separada de seus pais. Com o choque da queda somado a seu estado já angustiado, seus olhos começam a se preencher com lágrimas.
Ah, ela vai chorar.
Enquanto todos ao redor pensaram a mesma coisa, uma garota se abaixou e olhou nos olhos da criança.
“Pobrezinha, se machucou?”
É uma jovem por volta dos quinze ou dezesseis anos com cabelo escuro.
Seu momento foi perfeito, chegando a instantes da criança começar a chorar. Em vez disso, como uma moça simpática falou com ela, a pequena menina conseguiu, por muito pouco, segurar suas lágrimas.
“Quem é você…?”
“Hmm? Ah, eu sou Akari. Uma pessoa supernormal e comum. Nada de estranho por aqui!”
Apesar de alegar ser “supernormal,” a menina achou aquilo, no mínimo, inusitado.
Seus cabelos sedosos chegam nos ombros, e seus olhos escuros reluzem enquanto olha para a pequena menina. Embora seu rosto a faça parecer jovem, seu corpo claramente possui as curvas suaves de uma jovem mulher. Sua beleza contrastante é o suficiente para chamar bastante atenção da multidão, mas suas roupas bem feitas ajudam ela a se misturar.
Vestida com peças levemente folgadas para não chamar tanta atenção, a garota chamada Akari sorriu radiantemente para a menina caída.
“Você tropeçou, né? Sei como é. Dói, né? Isso também acontece comigo. Mas você não chorou, então deve ser uma menina muito forte!”
Akari acariciou a cabeça da menina enquanto verificava seus machucados. Tendo distraído a menina da dor com palavras simpáticas, ela aponta para o joelho ralado da pequena criança.
Levantando o dedo indicador de sua mão, saindo de sua larga e folgada manga, Akari desenha um círculo no ar.
“Dorzinha, dorzinha, vai embora agorinha e não volte nunquinha!”
Força Etérea: Conectar—NT?i?KC, Puro Conceito [Tempo]—Invocar [Regressão]
A ponta do dedo de Akari brilha suavemente.
As palavras de sua pequena canção ativam a conjuração. A Luz Etérea em seu dedo envolve a ferida da criança, apagando o machucado em seu joelho como se nunca tivesse acontecido.
“Eh—?”
A menina arregala os olhos, quase se esquecendo de que estava prestes a chorar enquanto seu machucado desapareceu como um passe de mágica. Ela troca olhares entre o ponto no qual ela sentia dor e a moça que a fez sumir.
A jovem moça com uma tiara branca encheu o peito, parecendo extremamente satisfeita consigo mesma.
“Heh-heh. Aposto que não dói mais, n—?”
“Hiya!”
“AIÊ!?”
Seu rosto triunfante mudou abruptamente com um golpe na cabeça.
Procurando em pânico ao seu redor pelo inimigo responsável, Akari encontra uma jovem moça usando um traje de sacerdotisa.
“M-Menou!? Pra quê isso!?”
“‘Pra quê isso?’ uma ova.”
Os traços adoráveis de Menou forçam um olhar zangado, seu rabo de cavalo castanho claro sacode de um lado a outro enquanto balança a cabeça. A abertura em sua longa saia revela mais que apenas um vislumbre de sua coxa direita.
“Eu falei para você não fazer nada que chamasse a atenção, mesmo assim, bastou eu tirar os olhos de você por um segundo, e lá estava…”
“Eu não chamei a atenção! Não até você me dar esse golpe de karatê na cabeça, pelo menos! Isso foi uma punição cruel e inusitada, sinceramente!”
“Nossa, você tem zero autoconsciência… Terei que educá-la desde o básico, começando com senso comum.”
“Ahhh, quê?”
A criança observou a discussão das duas totalmente confusa.
A moça simpática curou seu ferimento com um poder misterioso, mas então levou um golpe na cabeça. A situação era muito complexa para uma criança de cinco anos compreender.
“Me desculpe. Essa moça é meio esquisita. Agora, você deve estar confusa por seu ferimento ter desaparecido, não é? Heh, bom, a conjuração é mesmo incrível. Aqui, deixe-me mostrá-la uma coisinha.”
Notando como a menina estava confusa, Menou passou a atuar como uma típica sacerdotisa viajante, segurando uma moeda.
Uma vez que Akari e a menina focaram nela com curiosidade, ela puxa poder de sua própria alma.
Força Etérea: Conectar—Moeda de Cinco, Brasão—Invocar [Bolha Etérea]
A moeda brilha vagamente com Luz Etérea do poder de Menou, assim produzindo bolhas cintilantes.
“Ooh!”
“Nossa! Que demais!”
Observando as bolhas de luz flutuantes, a menina exclamou maravilhada. Akari também reagiu impressionada.
“Uau! Como fez isso!? São bolhas!? Parece que não estouram!”
“Heh-heh! Impressionante, não? …Bom, na verdade, existe um brasão em todas as moedas e notas de dinheiro, que podem ser usados como intermédio para conjurar um feitiço trivial. Eu posso até controlar o movimento das bolhas um pouco.”
Menou explica o truque para Akari, que estava tão empolgada quanto a pequena menina.
Neste mundo, a emissão da moeda é trabalho da igreja. Brasões inclusos nas moedas e notas de papel também servem como medida anti-falsificação de dinheiro.
“Todas as notas de dinheiro e moedas carregam desenhos de santos famosos. A conjuração que cada uma pode invocar está relacionada às histórias daquele santo.”
“Nossa! É sério!? Que tipo de histórias?”
“Bom, a moeda de cinco está associada com a lenda da Santa Maria e a lua. As bolhas são uma representação da lua.”
Menou cutuca uma bolha próxima enquanto explica para a Akari entusiasmada.
Sua vontade faz as bolhas se moverem em linhas, círculos e um rosto sorridente. Enquanto Akari e a menina conversam sobre bolhas, a multidão transitória olha para elas com um carinho caloroso. Todos têm lembranças de sacerdotisas contando histórias de santos enquanto os entretia com conjuração, assim como Menou estava fazendo.
Com sorte, isso a distraiu do desaparecimento do machucado, pensou Menou ao guardar a moeda.
Na hora H, a mãe da menina chega, liderada pela comoção. Assim como Menou e Akari, parece que elas também estavam embarcando no trem para Garm. Elas estavam em vagões diferentes, então se separaram—a mãe parecendo apologética e a criança acenando alegremente.
Menou acenou de volta até elas sumirem de vista, e então virou em direção a Akari.
“Muito bem. Eu avisei, não foi, Akari? Não faça nada que possa chamar a atenção. Você está sendo perseguida, lembra?”
“M-mas tudo que eu fiz foi curar uma feridin—miih?!”
“Sem mas.”
Menou belisca a bochecha de Akari e a encara nos olhos.
“Nós conseguimos encobrir dessa vez por ter sido uma criança. Mas saiba que não existe conjuração neste mundo que possa curar os ferimentos das pessoas.”
“Hã?” Akari piscou, parecendo surpresa. “Mas a magia existe neste mundo, não existe?”
“De certo modo, mas aqui nós chamamos de conjuração. Porém, não é o tipo de coisa que pessoas normais conseguem usar facilmente, e não existe conjuração alguma que cure um ferimento instantaneamente.”
Conjuração não pode ser usada por qualquer pessoa, embora não seja exclusivamente reservada à igreja. A cena com as bolhas luminosas se destacou um pouco, porém mesmo que chamasse a atenção de alguém, seria necessário esconder o fato de que Akari apagou um ferimento.
“Então seja mais cuidadosa.” Menou deu um leve cascudo na cabeça de Akari.
“Ai.”
“A conjuração não é toda-poderosa, sabia? Por isso tem pessoas atrás de você Akari. Abstenha-se do uso de seus poderes.”
“Ahhw. Tá booom. Você é quem manda, Menou!”
“Muito bem.”
A resposta de Akari foi alegre, mas Menou acenou satisfeita com sua diligência.
“Certo, vamos embarcar. Nós viajaremos à noite durante uma parte do trajeto, mas eu não consegui reservar um vagão-dormitório, então teremos que nos virar com assentos normais. Esteja preparada.”
“Uhum. Sem problema!”
Akari sorriu e estufou o peito.
Elas embarcaram no trem, e em pouco tempo, deixaram a estação sem casualidades. Mas algumas horas depois, como se fosse planejado, o trem no qual estavam Menou, Akari e Momo foi abordado por um ataque terrorista.
*
As rodas dos trens que conectam cidades e vilas por todo o continente são propulsionados por um motor Etéreo.
A energia armazenada no motor é despendida para girar as rodas, borrifando faíscas de Luz Etérea no ar quando o trem deixa a estação. Os vagões de primeira classe perto da frente da locomotiva, nos quais a viagem é mais suave, são reservados para nobreza e separados em quartos de luxo individuais.
A garota neste vagão de primeira em particular, é inegavelmente uma nobre.
Ela tem cabelos nos quais as cores morango e loira entram em choque e que brilham na luz do sol, além de olhos azuis como de um limpo céu de verão. Seu vestido leve expõe uma grande parte de sua pele nas costas e laterais, ostentando sua figura deslumbrante.
No assento ao seu lado se encontra uma espada gravada com um brasão elaborado.
Ela não tem guardas e nem servos. Mesmo sozinha, sua alta classe é óbvia. A jovem moça é incrivelmente elegante, embora seja mais uma superioridade opressiva do que um requinte modesto. A confiança em seus olhos de aço, reflete tanto sua beleza quanto a sua força de vontade.
Enquanto observava o cenário pela janela, ela ouvia a si mesma falar.
“Meu pai foi um grande tolo.”
O pai da jovem mulher era o rei desta nação.
No dia anterior, o rei cruzou a linha ao convocar Ádvenas. E agora ele estava sendo tachado como herege por sua transgressão.
A garota adivinhou os motivos de seu pai e o julgou como um tolo sem hesitar.
O rei reina, mas não governa.
Essa é a posição da Nobreza.
Invariavelmente, a Faust está e sempre esteve acima da Nobreza. Enquanto a Segunda Classe é responsável por unificar os Plebeus e presidir sobre a nação, a Primeira Classe—a Faust—carregam as chaves para todos os segredos mais importantes do mundo.
Mesmo com os títulos de nobreza ou realeza, os Nobres nem sequer possuem suas próprias forças armadas. Questões de lei universal pelos continentes, como julgamentos e a cunhagem da moeda, estão sob domínio da Faust. E a Nobreza é ainda mais restringida pelas muitas técnicas e tecnologias consideradas tabu, portanto é virtualmente impossível fazer qualquer ação astuciosa sendo um estadista.
E apesar disso, a Nobreza é considerada a classe dominante. Cômico.
Portanto, não é de se admirar que a Nobreza ocasionalmente mergulha no proibido e tenta ganhar poder o suficiente para se rebelar contra a Faust.
Ashuna não condena esse desejo por poder; entretanto, ela não aprova os meios que seu pai escolheu.
“Ádvenas? Ha. Eles já falharam no passado.”
Há muito tempo atrás, houve uma civilização neste mundo que prosperava com a ajuda do conhecimento dos Ádvenas e seus Puros Conceitos, mas que mesmo assim caiu em ruínas.
E desta vez, parece que os Ádvenas convocados nem sequer deixaram corpos para trás.
Provavelmente, isso se tratava de trabalho das chamadas Executoras, frequentemente sussurradas em rumores. Assim como o desaparecimento do pequeno esquadrão de cavaleiros de elite que sumiu sem alcançar o mínimo de êxito.
No entanto, o pecado de convocação foi exposto, mesmo sem render nada de valor, e uma Santa Inquisição oficial teve início.
Ashuna é filha do rei, mas foi julgada como desvinculada a este incidente e liberada. Como ficar na capital real traria nada além de mal-estar, a jovem mulher de espírito livre decidiu viajar sozinha para a capital ancestral Garm, onde ela planeja cruzar a fronteira e deixar a nação.
É verdade que ela não estava envolvida na convocação, e a igreja não seria tão cruel de implicar com alguém pelo mero crime de ter relações com o suspeito.
O incidente logo chegaria à uma resolução, porém, Ashuna ainda carrega uma única dúvida.
Sua família real não possui conhecimento ou tecnologia para realizar uma convocação. E mesmo assim, seu pai obteve um sucesso tão definitivo que agora se encontra em julgamento por heresia.
“Agora, em que tipo de plano meu pai foi pego, e quem estava por trás?”
Ela murmura para si mesma, e então escuta uma rajada de passos do outro lado da porta.
O barulho foi tumultuoso demais para ser permitido em um vagão nobre. Um momento depois, a porta de seu quarto particular é aberta rudemente, e vários homens armados se aglomeram no interior.
“Licença. Você é a Vossa Alteza Ashuna, certo?”
Os homens mal-educados a cercando estão carregando armas carregadas com Força Etérea. Quando as apontam para a princesa, Ashuna olha para os cilindros com uma expressão de aborrecimento.
“De fato. Eu sou Ashuna Grisarika, a filha mais jovem do rei da Nobreza desta nação.”
Embora estivesse sendo alvo de tantas armas, a jovem moça não demonstra sinal de medo, e se apresenta apesar do desenvolvimento súbito. Sua atitude inabalável e até arrogante, confunde os homens que estavam com a mira sobre ela.
Enquanto suas miras oscilam, a jovem mulher descansa seu queixo em uma mão e sorri ferozmente.
Ela nunca se rebaixaria. Mesmo ela tendo total ciência de que a Nobreza dificilmente seja diferente de um cão de estimação com uma coleira, seu orgulho nunca fraqueja.
“Agora, que canalhas são vocês para se atreverem a apontar suas armas para mim?”
Ashuna Grisarika se dirige aos valentões com toda a dignidade de uma monarca.
*
O trem foi assaltado por terroristas pouco tempo após o embarque.
“Escutem! Nem pensem em resistir, ouviram? Com tantos reféns, um ou dois não vão fazer falta!!”
Menou mantém seus olhos fixados nos dois homens que estavam berrando ameaças enquanto bruscamente encurralam os passageiros nos fundos. Eles parecem acostumados com violência, então talvez sejam aventureiros falidos retornando da Fronteira Selvagem. Não tem nada de errado em tentar fazer fortuna numa terra de ninguém, a qual divide as áreas habitadas pela humanidade, mas muitas pessoas fogem e se voltam para uma vida de crime, incapazes de suportar os duros fatos.
“M-Menou…”
“Vai ficar tudo bem.”
Akari parece nervosa, então Menou a tranquiliza brevemente.
Os terroristas parecem estar planejando roubar o trem inteiro. No momento, eles estão tentando reunir todos os passageiros no vagão de Menou e Akari em um só lugar.
Se eles estão armados e não trabalham para a Nobreza, então devem ser terroristas Plebeus, sob o disfarce de “grupo de cidadãos.” Menou não tem certeza de suas motivações, mas pelo menos eles não parecem estar atrás da Akari.
Neste caso, a maior preocupação de Menou se torna as armas.
“Esses caras dão medo. Eles até têm armas. Espera, eu não sabia que existia armas de fogo nesse mundo.”
“E não existem. Bom, tecnicamente existem, evidentemente, mas são proibidas. Ninguém deveria tê-las.”
“Hã? Mas esses caras têm.”
“Realmente.”
Enquanto Akari sussurra flagrantemente em seu ouvido apesar da situação, Menou responde sem tirar os olhos dos terroristas.
Armas são declaradas tabu e portanto consideradas heresia. Produção, distribuição e posse de armas, todas são proibidas.
Entretanto, é difícil erradicá-las completamente.
Mesmo que as pessoas não as produzam manualmente, a Sociedade Mecânica, que se encontra desenfreada na Fronteira Selvagem, continua expelindo-as, então qualquer pessoa forte o bastante para voltar vivo daquela área pode obtê-las. A maioria delas são armas Etéreas, não do tipo que usam pólvora, mas ambas as variações são igualmente letais.
O problema é que os homens diante delas agora, não parecem fortes o bastante para adquirir essas armas por conta própria.
“Você pode consegui-las na Fronteira Selvagem, mas…”
“A Fronteira…do quê? O que é isso?”
“Estamos em uma situaçãozinha de alta-pressão no momento, então terei que ensiná-la o básico depois.”
A Fronteira Selvagem é uma região com um ambiente tão hostil que é considerado inabitável e foi abandonado pela civilização em geral. É muito perigoso para qualquer um abrir caminho na região sem poder e habilidade consideráveis.
Então quem vendeu armas Etéreas para esses homens? Os pensamentos de Menou não param. Enquanto ela sussurra para Akari, um dos homens para em frente a elas.
“Vocês são as próximas. Só fiquem de boca fechada e fiquem lá nos fun—merda. Uma sacerdotisa?”
No momento em que o homem começou a dar ordens, ele notou as vestes de Menou e franziu a testa.
“Bom dia, Sr. Terrorista. Eu sou apenas uma singela clériga e aliada dos Plebeus. Algum problema?”
“Bah. Você é bem atrevidinha, hein, pequena sacerdotisa?”
Suas roupas são um claro sinal.
É de conhecimento geral que as sacerdotisas da Faust são conjuradoras. Mesmo não sabendo que Menou é secretamente uma Executora, ninguém duvidaria do poder de uma sacerdotisa. Obviamente, ter uma conjuradora entre os reféns seria um problema.
O homem franziu a testa em frustração com o desafio inamistoso de Menou, mas ele simplesmente apontou sua arma para ela.
“Eu obedeceria quietinha se fosse você, sacerdotisa. Você é parte da Faust, deve saber o que é isso.”
Como tabus declarados, armas Etéreas não são de total conhecimento público, mas qualquer sacerdotisa conhece seus poderes.
E pior, o homem ameaçou Menou apontando seu cilindro para os outros reféns.
“...Sim, claro. Não vou provocar uma briga.”
Agora que ela tem uma noção de sua índole, Menou demonstra relutante obediência.
“Que bom. Vocês sacerdotisas podem ser traiçoeiras. Vou ter que ficar de olho em você. Vamos começar com você colocando sua escritura no chão e passando ela pra mim. Aliás, hmm…”
O homem pausou sua fala, seus olhos fitam a coxa de Menou, exposta pela abertura em sua saia.
“...Heh. Acho melhor você tirar suas roupas, também. Vai que tem uma arma escondida.”
“………”
Ainda bem que Momo está em um vagão diferente.
Ao invés de expressar repugnância, a primeira reação de Menou foi de alívio.
Se Momo estivesse presente, ela iria atrás da vida do rapaz sem o mínimo de consideração pela segurança dos reféns. Além de usar seus métodos particularmente asquerosos, também.
Como Menou podia antever o resultado com absoluta certeza, ela não pôde evitar de pensar que a ausência de Momo foi um pequeno ato de clemência. Quando sua assistente entra em fúria, é extremamente difícil detê-la.
“Qual foi, mocinha? Vai recusar? Uma nobre aliada dos Plebeus vai dar as costas pra esses reféns, é?”
“Ah, já basta. Está bem…!”
Realmente havia uma adaga amarrada atrás de sua coxa, então o homem tinha base ao pedir que ela se despisse. Mesmo assim, Menou não tem vontade de tirar suas roupas na frente dos outros.
Ela começou a se abaixar, pretendendo fazer algo apelativo o suficiente para distrair o rapaz e nocauteá-lo no processo. Mas Akari entrou na sua frente.
“E-espera um pouco!”
“Hein? Que é isso?”
“N-não seja maldoso com a Menou!”
Akari estava bravamente tentando proteger Menou, mas obviamente estava apavorada. Havia lágrimas nos olhos da garota, e suas mãos estavam tremendo.
Apesar de tudo, ela começou a desamarrar o laço em seus seios, e abriu o primeiro botão de sua blusa.
“Se alguém tem que tirar a roupa, então… q-que seja eu!”
“Hm, quê?”
“Hein?”
Foi uma declaração corajosa, porém irracional.
Na verdade, tanto Menou quanto o terrorista inclinaram suas cabeças, confusos com sua interferência bizarra.
O raciocínio do próprio homem era desarmar Menou, mesmo que fosse apenas uma desculpa. Não fazia sentido Akari se despir em seu lugar.
E ainda assim, Akari virou-se para Menou com olhos lacrimejantes, cheios de determinação.
“T-tá tudo bem, Menou! Não vou deixar que nada de ruim lhe aconteça!”
“Desculpa, Akari. Você não está fazendo sentido algum, então poderia ficar quieta por um minuto, por favor?”
“Isso aí, escute sua amiga. Isso não—hrmm.”
O homem confuso começou concordando com Menou, mas então seus olhos se depararam com os seios de Akari.
Com apenas um botão aberto, ela já revelou uma quantidade considerável de pele. O tamanho de seus seios são óbvios mesmo por baixo de suas roupas, mas seu expressivo decote foi ainda mais enfatizado pela forma como ela inconscientemente pressionava os ombros para dentro com medo.
A boca do rapaz demonstra um fétido escárnio.
“Heh-heh. Beleza. Você tira a roupa, eu—”
“Pare.”
Menou entra na frente de Akari abruptamente, interrompendo o homem.
Para ganhar sua confiança como companheira de viagem, proteger Akari é o rumo mais natural de ação. No entanto, isso também se alinha com o que o coração de Menou estava falando para ela fazer com uma força misteriosa e quase irresistível.
“Ela é apenas uma garota comum. Não tente nenhuma gracinha com ela. Tudo que você quer é nossa cooperação, correto? Então aqui, começarei lhe dando a minha escritura. Aqui vai… ELA!”
“Iss—AAH!?”
Menou distraiu o rapaz falando rapidamente e fingindo colocar a escritura no chão, e então mudou de atitude subitamente. Movendo-se mais rápido que os olhos pudessem acompanhar, ela balançou seu braço e arremessou o livro com toda a sua força no outro homem, que estava atrás delas, apontando sua arma Etérea para os reféns.
A quina do pesado tomo acerta o homem em cheio no rosto.
“Buh?!”
A escritura é grossa—com facilmente quinhentas páginas. Levar um tomo tão pesado no meio da cara é um dano garantido.
“Aghh…”
“Ah, sua… Hã?”
O homem que estava com os reféns foi nocauteado instantaneamente pela força física do impacto da escritura. Aquele que estava abordando Menou e Akari se enfurece ao ver seu colega ser abatido, mas Menou não precisa de truques baratos para incapacitá-lo.
No momento em que ele desviou seu olhar, Menou saiu rapidamente de sua visão e se esgueirou atrás dele. Enquanto ele olhava ao redor confuso, ela o nocauteou com um golpe no queixo.
Após abater rapidamente ambos os rapazes, Menou bate as mãos para limpá-las.
“Bom, foi fácil.”
Pegando emprestado um cinto de um dos passageiros, Menou dispensou os homens inconscientes de suas armas Etéreas e os prendeu para que não pudessem se mexer, só para o caso de acordarem. O recolhimento de itens tabu faz parte do trabalho de Menou, mas determinar sua punição cai sobre as mãos das forças da lei, então é melhor detê-los em vez de finalizá-los.
Akari aperta seus punhos com empolgação e os joga para cima e para baixo depois de testemunhar os exímios movimentos da Menou de perto.
“N-nossa! Isso foi incrível, Menou! Você é tão forte! Não me admira que você seja uma grande agente ninja!”
“É claro. Eu sou uma pura, justa e forte sacerdotisa, afinal… Então, por favor, pare de me chamar de ninja, está bem?”
Aceitando graciosamente o elogio de Akari, Menou vira em direção aos passageiros que eram reféns há poucos momentos atrás.
Enquanto todos olham para ela quase sem respirar, ela dá o seu maior sorriso.
“Não se apavorem. Eles tiveram o infortúnio de se depararem com uma sacerdotisa como eu. Eu derrubarei qualquer desordeiro que tentar abordar nosso vagão!”
“Ooh!” Os passageiros ovacionam maravilhados e aliviados com a performance de Menou.
Isso deve bastar para manter os civis calmos, pensou Menou, virando de volta para Akari.
“E você, Akari, deveria pensar melhor antes de tentar me proteger. Não faça algo tão perigoso assim novamente, fui clara?”
“C-certo. Me desculpe…”
Enquanto Menou a repreende, os ombros de Akari caem. Suas ações não foram nem um pouco prestativas.
Apesar disso, Menou suaviza um pouco sua expressão.
“Mas obrigada por tentar… Sua bravura me deixou feliz, Akari.”
“…Hee-hee.” Akari sorri novamente. “Eu amo sua atenciosidade, Menou. Obrigada.”
“Não há de quê. Agora, vou dar conta dos terroristas nos outros vagões. Seja uma boa garota e espere aqui.”
“Certo… Mas por favor, tenha cuidado, tá? Eu não quero ser deixada para trás de novo.”
“Não se preocupe. E eu já te abandonei alguma vez?”
“Hã? Ah, é. Acho que tem razão. Ah-ha-ha, do que eu tô falando?”
“Muito bem, eu volto em breve.”
Com um pequeno aceno, Menou pega a escritura que havia arremessado em um dos bandidos e avança para o vagão em frente ao delas.
Seu livro brilha levemente com uma Luz Etérea cintilante.
Era o sinal de uma comunicação à longa distância de uma escritura vinculada. Momo estava enviando-lhe uma mensagem.
Menou confirma o conteúdo da mensagem enquanto pisa na ligação entre os dois vagões, ainda completamente inconsciente de algo.
Ela não entende a razão de Momo se preocupar com o trabalho não ser adequado para Menou.
“Agora, me pergunto como ela está.”
Não foi uma mudança visível, então ela nem reparou. Ações atenciosas como confortar Akari instantes atrás não são realmente necessárias para sua missão de modo algum. Na verdade, seria mais fácil lidar com Akari simplesmente a repreendendo e nada mais, a encorajando a ser mais dócil—porém, Menou reconfortou Akari sem pensar duas vezes.
De frente ao sorriso radiante de Akari, a linha entre a atuação de Menou em missão e seus reais sentimentos começa a derreter, deixando ambos se misturarem.
Mas Menou ainda não se deu conta disso.
*
O segundo vagão é apetrechado com camas.
Os terroristas que assaltaram o trem estavam tentando agrupar os passageiros no vagão-restaurante.
Muitos dos passageiros são Plebeus comuns. Embora lamentassem sua sorte, eles estavam apavorados o suficiente com as armas para obedecerem em silêncio.
Uma vez que os cinco homens reuniram maior parte dos passageiros do vagão-dormitório para o restaurante, dois deles foram para o terceiro vagão. Enquanto esses dois cercavam os passageiros lá, os três restantes começaram a vasculhar o dormitório para se assegurarem de que não haviam esquecido alguém.
Logo, eles deram de cara com uma das camas, e trocaram olhares.
“Ei.”
“Oi? Tem uma criança escondida aí ou o quê?”
O lençol sobre a cama estava elevado em uma óbvia protuberância. Como se já não fosse ruim o bastante, o inchaço estava visivelmente tremendo.
“Não sei se é menino ou menina, mas é um fedelho. Ugh.”
“Vamos atirar de uma vez. Se jogarmos o corpo pela janela, ninguém vai saber.”
“Corta essa… Ei, você. Se sair devagarzinho, ninguém vai te machucar.”
A julgar pelo tamanho da elevação, não poderia ser um adulto escondido.
A criança assustada deve ter se escondido tão rápido que os homens nem notaram a primeira vez. Na esperança de que a criança não desatasse a chorar, os rapazes se aproximaram cautelosamente.
Então, de repente, o lençol branco lançou-se para cima, bloqueando a visão dos homens.
“Quê!?”
“Merda!”
Justo quando o lençol obstruiu suas visões, o que tem o olhar mais aguçado dos três nota que a criança estava usando vestes sacerdotais. Xingando, ele abriu fogo imediatamente.
Parte do perigo de uma arma Etérea é a facilidade de ser utilizada mesmo por pessoas não familiarizadas com manipulação de poder. Quando alguém puxa o gatilho, ela automaticamente absorve parte da energia do usuário, a endurece, e dispara como uma bala.
No entanto, o ataque do homem acertou apenas o lençol.
“Guh?!”
O homem que reagiu imediatamente à situação e atirou, soltou um grunhido. A pessoa que se esgueirou agilmente por trás dos terroristas enquanto o lençol bloqueia suas visões, estrangulou seu pescoço com algum tipo de cordão.
Três segundos.
O aperto hábil em sua artéria carótida derrubou o homem em um breve e chocante tempo.
“Porra! Uma sacerdotisa!?”
Os outros dois finalmente a acompanharam e apontaram os cilindros em sua direção, mas não conseguiram puxar o gatilho. A pequena figura da garota estava completamente obscura atrás do corpo inconsciente do homem.
Vendo-os hesitar, a garota ativou o Aprimoramento. Então, com sua força física impulsionada, ela arremessou o homem nos outros dois com extraordinária facilidade, apesar da sua diferença de tamanho.
Os dois homens não foram ousados o bastante para atirar em seu aliado, então foram acertados em cheio por todo o peso dele.
Aconteceu rápido demais para eles suportarem o impacto do homem e seu grande corpo. Talvez as coisas fossem diferentes se eles mesmos pudessem usar Aprimoramento para se fortalecerem, mas esses rapazes não possuem habilidades tão avançadas.
Um deles cambaleou para trás, e o outro caiu de sentado.
A garota se aproximou deles sem hesitar um momento sequer, socando o rosto do homem ainda sentado com seu pequeno punho revestido com uma luva branca.
“Nnguah!”
Ela bateu no homem de novo e de novo com uma inclemência contrária ao seu suave cabelo rosa e suas características adoráveis.
CRACK. O estalo de um nariz quebrando, depois um maxilar. O terceiro golpe mandou um molar para longe, e o homem tombou, inconsciente. O olhar da garota vai em direção ao outro homem.
“M-merda!”
O homem desesperadamente levantou sua arma Etérea, mas àquela altura a garota já estava atrás dele.
“Pergunta.”
Um barulho de metal ecoa enquanto algo é enrolado ao redor do pescoço do bandido.
“Vocês estão em quantos, e qual é o seu objetivo?”
“...Bah. Você acha que uma cordinha vai me fazer falar?”
“Cordinha…? Ah, você não consegue ver, então está assumindo que é uma corda. Que fofo. Infelizmente, não chego nem perto de ser tão gentil.”
Agora que ela mencionou, o homem se deu conta de seu engano.
A sensação em volta de seu pescoço não parecia ser de uma corda ou algo parecido; o frio em sua superfície o identifica como metal. Mas é afiado e rígido demais para ser algum tipo de cabo.
O que era, então? O homem franziu a testa, mas então a garota revelou a resposta.
“É uma serra.”
“Hã? Ngaah?!”
A fina serra de metal pressionada contra o pescoço do homem começa a deslizar.
A lâmina é arrastada contra sua carne pesadamente, derramando sangue no mesmo instante. A garota segurando a alça a moveu levemente como se estivesse serrando e parou.
Mas isso foi o suficiente para drenar toda a cor do rosto do homem.
“A…aagh… E-espera, n-não—Pare—”
“Vou começar a serrar seu pescoço, de segundo em segundo.”
“…Hgggh!”
Parecia que ela havia suspirado gelo em seu ouvido.
A imensa frieza na voz da garota não era resultado de calma. Era uma simples evidência do quão pouco ela se importa com a vida do homem.
“Entããão… vai me dizer o que eu quero saber, ou sua cabeça vai rolar no chão primeeeiro?”
Apesar da pronúncia, não havia vestígio de meiguice na voz que sussurrava em seu ouvido.
“Eu irei serrar beeem devagar até que uma das duas coisas aconteçam, está beeem?”
Em menos de um segundo, o homem começou a desembuchar toda a informação que ela precisava.
*
Força Etérea: Conectar—Escritura, 1:4—Invocar [A vontade do Senhor é transmitida por todo o céu e terra, reinando vastamente.]
Após extrair informação do terrorista e nocauteá-lo, Momo abriu uma página da escritura e a carregou com Força Etérea, invocando uma conjuração. Sua escritura já estava vinculada com a de Menou, então ela transmitiu a informação que ganhou e seu próximo plano de ação.
O alvo dos terroristas é a princesa desta nação, que estava em um vagão de primeira classe. Eles pretendem tomá-la como refém para exigir a libertação de seu líder, que foi capturado pela Ordem dos Cavaleiros.
“Que falta de inspiração…”
Esse desenvolvimento era de pouco interesse para Momo, mas ela não pode negligenciar a coleta de informação para Menou.
Alguns dos terroristas também foram para os carros econômicos, mas apenas dois deles. Menou deveria ser capaz de lidar com eles tranquilamente. É estranho eles estarem carregando armamento tabu como armas Etéreas, mas ainda assim, não representam tanta ameaça.
O problema são os vagões dianteiros.
Três homens estão na sala de motores e outros oito infiltraram o vagão dos nobres.
Momo suspira. “É extremamente tedioso trabalhar sem minha querida, mas… Talvez eu deva exterminar as pestes na sala de motores para que ela me elogie.”
Sorrindo levemente para si mesma, Momo reflete sobre o dia no qual ela encontrou sua amada querida pela primeira vez.
Após perder seus pais, a jovem Momo foi levada a um estranho monastério.
Lá, ela e outras crianças foram submetidas a treinamentos inacreditavelmente difíceis, seguindo um cronograma terrivelmente severo. Embora o lugar fosse chamado de monastério, o sistema incomum demonstrava absolutamente nenhum interesse em salvar alguém que não conseguisse acompanhar os rigores da vida por lá. Mesmo muito jovem, a pequena Momo sabia que estava em um lugar muito estranho de fato.
Muitas vezes, uma criança que estava lá no dia anterior, desaparecia subitamente no seguinte.
Muitas que desapareciam eram crianças com notas insatisfatórias, e nenhum dos adultos diziam para onde elas iam. No entanto, Momo conseguia imaginar o qual horríveis seus destinos devem ter sido.
Momo odiava aquele monastério.
Embora todas morassem juntas, as outras crianças da idade dela não tinham consideração por suas colegas. Era normal tentar chutar a outra para avançar; tudo que importava era assegurar sua própria sobrevivência. As sacerdotisas adultas que reivindicavam o papel de tutoras eram frias e cruéis, sem um vestígio de empatia ou compaixão entre elas. E a pior de todas era a pessoa responsável pelo monastério.
A Mestra com cabelo vermelho-escuro era a mais louca de todas.
Para a pequena Momo, todos ao seu redor eram inimigos. Ela estava convencida de que ela era a única pessoa sã daquele lugar, então ela odiava todas as outras. Ela facilmente atendia e ultrapassava os requerimentos em todos os seus treinamentos, mas nunca se sentia realizada em algum deles. Momo odiava cada tarefa que ela era forçada a fazer.
Momo era a única “humana” verdadeira entre elas, ela pensava. As restantes eram completamente insanas. Ela nunca iria se acostumar com um lugar horrendo daqueles, ela dizia a si mesma.
Então ela passava seus dias guardando ódio do monastério, mas ao mesmo tempo, ela se preocupava que eventualmente começasse a ser influenciada por ele. Seu medo de que talvez ela já estivesse ficando insana sempre espreitava em sua mente.
Então, Momo chorava com frequência.
Ela quase sentia que se conseguia chorar, então ainda era ela mesma.
Quando os dias eram difíceis, era normal chorar. Uma criança como ela deve se desatar a chorar quando machucada ou triste. Momo se agarrava neste pensamento enquanto via as crianças ao seu redor que já haviam desistido de chorar há muito tempo.
Então quando Momo sentia vontade de chorar, ela nunca se segurava. Ela esperava sentir dor, ou ficar irritada, ou quando se sentia infeliz.
A ideia de que crianças são puras e incapazes de fazer coisas ruins é um delírio de adultos ignorantes que já esqueceram do passado há muito tempo. Na verdade, um grupo de crianças vão imediatamente descarregar o seu estresse em qualquer coisa que pareça mais fraca que elas.
Como Momo chorava constantemente, as outras crianças enxergavam ela como alguém inferior, e uma vez a cercaram e riram dela. Momo não queria que seu choro fosse interrompido,
Depois disso, ninguém se atrevia a se aproximar dela quando chorava.
Ela chorava sozinha, o tanto que ela quisesse.
Sempre quando algo ruim acontecia, ela podia pelo menos lamentar ininterruptamente. Essa era a única coisa a qual ela podia recorrer.
Porém, uma menina que aparentemente não sabia sobre o incidente se aproximou de Momo enquanto ela chorava.
Esta menina era apenas dois anos mais velha que ela. Sempre que Momo chorava sozinha, essa menina com um longo cabelo castanho-claro inevitavelmente vinha e a confortava.
Era normal socar alguém que se aproximasse com más intenções, mas do contrário, socar as pessoas não era normal. Então Momo se abstinha de batê-la, mas ela ainda achava que era cruel essa menina insistir em interromper sua pequena sessão.
Além disso, seu “reconforto” não envolvia palavras gentis—nem mesmo tentativas de distraí-la com canções e histórias.
Ela apenas acariciava a cabeça de Momo.
Era uma tentativa de conforto incrivelmente estranha. Às vezes, Momo até pensava que estava sendo debochada, então constantemente empurrava a mão da menina.
Sempre que Momo fazia isso, a menina fazia uma cara confusa, mas continuava perto dela até que Momo parasse de chorar.
Esquisitona.
Ela era até mais estranha que as outras. Essa deve ser insana, também, Momo pensava.
Para começar, ela sempre parecia calma, apesar do lugar infernal no qual viviam. Ela continuava fazendo coisas normais como se fosse perfeitamente natural. Mas se ela fosse realmente normal, ela choraria e gritaria em protesto. Porém, a menina continuava agindo normalmente, embora devesse estar quebrada em algum lugar por dentro.
A forma como seu cabelo castanho crescia e como era descuidado, eram provas de que ela era deficiente.
Como o cabelo rosa de Momo demonstrava, a cor do cabelo neste mundo não era determinada apenas por genética. Se a Força Etérea de uma pessoa ultrapassa uma certa quantidade, o poder produzido por sua alma naturalmente influenciará na cor de seu cabelo. Como o cabelo castanho da menina era fraco como se tivesse sido descolorido, era fácil de imaginar que sua cor natural era muito mais vivida.
Antes dela vir para o monastério, algo aconteceu com essa menina, e isso drenou a cor de sua alma.
Inquestionavelmente, ela não era um humano normal.
E mesmo assim, sempre que Momo chorava, a menina de cabelo castanho se aproximava dela, intrépida, e tentava confortá-la estranhamente.
Momo não conseguia evitar de se sentir um pouco emocionada.
Ela era estranha, certo, mas não estava fazendo nada de ruim.
Então Momo decidiu permitir que essa menina sentasse ao seu lado quando ela chorasse.
Um dia, Momo estava chorando por conta de um golpe doloroso que ela sofreu durante o treinamento.
Enquanto chorava, de repente ela não conseguia mais dizer se a dor era intensa o bastante para chorar. Ela ficou tão distraída por esse pensamento que sua cabeça começou a girar, mas como já estava chorando, ela concluiu que devia estar bem.
Como sempre, a menina de cabelo castanho se aproximou dela.
Ela acariciou a cabeça de Momo como de costume em uma vaga tentativa de reconforto. Momo tinha uma leve suspeita de que este era o único método de confortar uma pessoa que a menina conhecia.
Mas por alguma razão, naquele dia, ela não fez apenas isso.
Pelo contrário, ela alegremente pegou alguns lacinhos vermelhos de seu bolso e desajeitadamente prendeu o cabelo de Momo em duas trancinhas.
Momo estava tão distraída pelo comportamento intrigante da menina que se esqueceu de chorar e até da dúvida resultante. Ao notar que Momo havia parado de chorar, a menina pegou um espelho que sabe-se lá de onde conseguiu.
Então, enquanto o espelho refletia Momo e os lacinhos prendendo seu cabelo em trancinhas, a menina sorriu orgulhosamente e disse.
“Veja como é fofa.”
Não fazia sentido algum.
Era tão bizarro que Momo repetiu sem pensar.
“Fofa…?”
“Uhum. Estilosa.”
Esta era a concepção de estilo da menina?
“Meninas devem ser estilosas. A Mestra me ensinou isso hoje.”
Já era um fato bem conhecido que essa menina era a favorita da Mestra de cabelo vermelho responsável pelo monastério. Este feito impressionante a tornou alvo de muita inveja.
Neste sinistro monastério, no qual as crianças não tinham energia de sobra para as outras e nenhuma aliada verdadeira, a menina de cabelo castanho prendeu o cabelo de Momo em trancinhas e acariciou sua cabeça.
“Você é fofa.”
Essa menina era muito estranha.
Apesar de Momo ter parado de chorar, naquele dia ela permitiu que a garota continuasse alisando sua cabeça sem resistir.
Ela é estranha. Não é normal. Mas talvez não seja tão ruim, pensou Momo.
No dia seguinte, Momo usou os laços que a menina lhe deu para prender seus cabelos em trancinhas. Foi apenas um capricho, claro. Mudar o penteado é uma coisa normal de se fazer, então ela quis experimentar. Só isso.
Nesta instituição, até mesmo usar laços no cabelo era o suficiente para deixar algumas crianças com inveja. Momo estava excepcionalmente de bom humor naquele dia, e quando uma alma imprudente tentou roubar seus laços, Momo esmurrou a criança infratora no chão e roubou suas roupas.
Momo usou as melhores partes das roupas roubadas junto com algumas linhas furtadas e uma agulha para fazer um grande laço.
Ao ter em mãos o laço que ela mesma fez por algum motivo e pensar no cabelo longo e castanho da menina, Momo sentiu-se estranhamente inquieta.
Naquele dia, a Mestra reuniu todas as crianças do monastério.
“Todas vocês podem deixar esse monastério agora se quiserem.”
Essa mulher era a mais infernal de todos os demônios deste insano monastério. Seu cabelo vermelho era mais escuro que sangue, e seus olhos mais sombrios que a noite. Momo e as outras crianças ficaram em choque com a sua declaração.
“As crianças que vão embora são abolidas.” Esse era o rumor mais plausível que se espalhava pelo monastério. Um poderoso receio de que elas seriam mortas percorria a multidão de crianças.
“Não as mataremos nem nada parecido. Só estou dizendo que se quiserem ir embora, podemos transferi-las para um monastério normal.”
Aquilo era extremamente inesperado.
Por quê? A pergunta estava estampada no rosto de todas.
Ninguém nunca informou a elas para o quê exatamente o monastério estava treinando-as. Mas era óbvio que elas não estavam sendo criadas para serem membros decentes da sociedade.
Enquanto um murmúrio percorreu a multidão, Momo foi a única que percebeu.
Havia uma menina sozinha atrás da Mestra.
Uma menina estranha com um cabelo longo e castanho-claro.
“Vocês podem ter uma vida normal. Não é como se realmente soubesse de algo, afinal. Quanto mais de vocês forem salvas, maior será o fardo desta aqui.”
A Mestra de cabelo vermelho colocou uma mão na cabeça da menina, inclinou seu queixo para baixo, e soltou uma gargalhada sórdida.
Ao fim do dia, 60 por cento das crianças solicitaram uma transferência. Quanto mais recente a criança, maior era a probabilidade de quererem ser transferidas. A maior parte das que decidiram ficar obviamente já eram casos perdidos a essa altura.
Embora as crianças parecessem felizes por serem libertadas, nenhuma delas agradeceu a jovem menina que aparentemente era a razão de sua salvação. No máximo, Momo ouvia mais crianças falando mal dela pelas costas.
Ela é louca, assim como a Mestra. Esquisitona. O que ela está planejando? Tentando nos fazer sentir que devemos algo à ela?
Momo nocauteou cada uma das crianças que falava mal da garota, e então solicitou uma transferência.
Finalmente, sua vida podia voltar ao normal.
Reunindo os poucos pertences que tinha, Momo notou o laço que ela mesma fez.
Darei isso à ela antes de ir. É normal dar um presente de despedida à alguém.
Então pela primeira vez, Momo se aproximou da menina de cabelo castanho.
“Hmm? O que foi? Você nunca veio até mim antes.”
Naquele período, a antes inexpressiva menina começou a agir relativamente normal.
Mas não era seu crescimento como uma humana—era obra da Mestra, como uma pessoa colocando peças novas em um brinquedo quase quebrado para fazê-lo parecer inteiro.
A menina ainda era anormal, em um grau quase repulsivo.
Mas Momo não se importava.
Enquanto a menina inclinava a cabeça, Momo mostrou-a seu laço feito à mão, e então começou a cuidadosamente alisar seus cabelos.
“Pronto. Agora você é estilosa.”
Amansando a cabeleira longa e castanha da menina, Momo usou seu laço feito à mão para prendê-lo em um rabo de cavalo.
“Você é…fofa.”
Momo estava apenas tentando retribuí-la. E dizer adeus.
Ela finalmente poderia voltar a ter a vida normal que ansiava. Ela poderia viver entre pessoas normais.
Então, provavelmente ela nunca mais veria essa menina anormal novamente.
“…Hee-hee. Obrigada.”
Naquele momento, Momo viu a menina sorrir pela primeira vez.
Ela virou-se para olhar nos olhos de Momo com seu novo rabo de cavalo balançando gentilmente, e sorriu tão sinceramente que parecia ser sua primeira vez.
“Isso me deixa muito feliz. De verdade.”
Aquele sorriso era mais brilhante que a luz de uma estrela recém-nascida.
Era tão honesto, tão lindo, tão brilhante—um sorriso tão normal, do coração puro de uma menina inocente, apesar do lugar horrível que elas estavam.
Lágrimas brotaram dos olhos de Momo.
Ah, não. Eu não posso.
De repente, ela não conseguia mais parar as lágrimas.
Ao contrário das insensíveis que ela forçava quando sentia que devia chorar, estas eram quentinhas e infinitas, e ela não conseguia segurá-las mesmo se tentasse. Momo chorou todos os dias, e ainda assim, esta parecia ser a primeira vez que ela chorava em anos.
A visão do sorriso radiante da menina finalmente a fez se dar conta de uma coisa.
Seu eu normal já havia desaparecido há muito tempo. Momo não havia reparado até ver aquele sorriso.
Percebendo sua carência, ela chorou lágrimas verdadeiras pela primeira vez em muito tempo.
“Poxa vida.” A menina sorriu gentilmente e acariciou a cabeça de Momo. “Você é mesmo uma bebê chorona, não é?”
Momo nunca se esqueceria da bondade em sua voz e da suavidade de seus dedos ao enxugar suas lágrimas.
Era amor.
Ela amava a menina, que sempre a confortava quando chorava. Ela amava a forma como a menina desajeitadamente acariciava sua cabeça. Ela a amava tanto que nem se importava mais sobre ter perdido sua normalidade.
“Eu me tornaria uma vilã, mas você, apenas viva uma vida normal, está bem?”
“Não, eu não vou.”
Foi então que Momo percebeu que ela nem sabia o nome da menina, e que a mesma também nunca mencionou.
Mas ela não podia admitir isso agora.
Logo, Momo chamou a menina de “querida,” e começou a ocasionalmente referir-se a si mesma na terceira pessoa.
E como ela amava quando a menina acariciava sua cabeça, ela começou a falar com ela em um tom meigo e implorante.
“Momo vai ficar beeem aqui.”
Agora, ela sabia que nunca poderia voltar ao normal.
E conhecer esta menina foi muito mais valioso do que “normal”, afinal.
Naquele momento, Momo tomou uma decisão.
Menou escolheu matar pessoas pelo bem de um número indefinido de outras.
Neste caso…
“Momo matará pessoas por você, querida.”
Ao retornar à realidade, ela murmura o voto que fez silenciosamente há anos atrás.
Momo está disposta a matar quem for necessário.
Ela odeia tanto esse mundo, o qual ela tem certeza de que não vale a pena proteger, odeia a contente ignorância das pessoas vivendo nele a ponto de se engasgar, e odeia tanto pessoas egoístas devotas ao combate que sente ânsia de vômito. Cada uma delas poderiam muito bem morrer, é o que ela pensa do fundo do coração.
Por isso ela está disposta a fazer tudo o que for preciso pela Menou, a única pessoa neste mundo a qual ela realmente ama.
Enquanto estava tendo recordações, sua informação terminou de ser transmitida.
Momo fecha sua escritura e mentalmente simula o que ela tinha que fazer no trem.
“É, será moleza. Apenas mais um dia fazendo o meu melhor para que a querida me acaricieee na cabeça.”
Acenando firmemente para si mesma, ela imagina o futuro e sente um impulso de motivação.
Primeiro, a sala de motores.
No que diz respeito à Momo, todos naquele vagão de primeira classe poderiam muito bem morrer, então ela não tem motivação para salvá-los. Por outro lado, se houver problema na sala de motores, o trem inteiro estará em perigo. Melhor assegurar aquela área primeiro.
Momo se inclinou para fora da janela, o vento faz suas tranças balançarem.
Ela verifica os nós em seus laços para ter certeza de que não se soltariam, e resolveu subir até o teto.
Depois daquele dia fatídico anos atrás, Momo investigou a história de Menou, pelas costas da Mestra, e descobriu de onde ela veio.
A única sobrevivente de uma cidade que foi obliterada em branquitude.
A cidade de Menou embranqueceu e desapareceu por conta do Puro Conceito descontrolado de uma Ádvena, e enquanto Menou de alguma forma sobreviveu, suas memórias, alma e espírito foram todos apagados.
Como ela perdeu todo vestígio de sua personalidade original, Menou é facilmente influenciada pelos outros. Ela absorveu todos os ensinamentos da Mestra sem erro e tem a tendência de ser profundamente afetada pelas emoções das pessoas ao seu redor.
Por isso aquela garota é tão perigosa.
Os olhos de Momo ficam afiados quando o rosto da Ádvena de cabelos escuros e olhos negros lampeja em sua mente.
O coração de Menou é demasiado puro para ter contato com um alvo por muito tempo, em vez de matá-lo rapidamente.
Momo pode facilmente estampar um sorriso inocente independente de seus pensamentos mais íntimos, porém Menou inevitavelmente desenvolve afeto pelo alvo apenas passando tempo com ele. Especialmente quando seu tempo juntos é tão longo quanto agora.
Se elas ficarem mais íntimas, ela pode acabar se sentindo tão conflitante que talvez seja incapaz de eliminar o alvo no fim das contas.
Combinando isso com a culpa que Menou sente por aqueles que ela já matou, seu coração pode se despedaçar.
A Mestra provavelmente riria disso, dizendo que é apenas outra forma de treinamento.
Porém, Momo nunca permitiria.
“Não vou deixar que isso aconteça. Não importa como.”
Ela não pode deixar que nada capaz de arruinar aquele sorriso que ela se apaixonou aconteça.
Esta missão provavelmente dará certo. Com o auxílio da arcebispa em Garm, elas planejaram um método para matar Akari, cujo Puro Conceito de Tempo a previne da morte.
Mas se um alvo que Menou não conseguisse matar surgisse algum dia, bom, Momo estaria lá para carregar o fardo e então Menou não teria de chorar.
Quando Momo descobriu sobre o passado de Menou, imediatamente se registrou e completou o curso de treinamento das Executoras.
Sua fé no Senhor provou ser a menor de qualquer outra registrada na história do curso, mas ela compensou isso com seus resultados incrivelmente altos em todas as outras áreas. Momo não poupou esforço algum para completar o curso—a fim de se reunir com Menou o mais cedo possível, enquanto a citada já havia terminado seu treinamento. Seu trabalho duro finalmente foi recompensado, e ela foi designada como assistente de Menou.
Desde então, tudo que Momo faz é pelo bem de Menou.
Momo se jogou para fora da janela e aterrissou em cima do trem.
Haviam onze terroristas ainda ocupando o trem. Ela começou a se dirigir até a sala de motores para dar cabo de três deles, mas então congelou.
“Oh-ho? Que visitante inesperadamente adorável.”
Mais alguém que estava em cima do trem se dirige à ela.
Um vigia dos terroristas? Momo ficou em alerta imediatamente ao ver uma moça intimidante usando um vestido dramático.
“Olá. Eu sou Ashuna Grisarika, princesa da Nobreza e digna integrante da Ordem dos Cavaleiros.”
Apesar de estar em pé em cima do trem, a presença ameaçadora da mulher não é nem um pouco obstruída pelo vento batendo em seu glamuroso cabelo loiro e vestido ousado. A Luz Etérea emanando da sala de motores do trem parecia até uma auréola brilhante atrás dela.
Carregando orgulho consigo mesma ao se apresentar, a jovem mulher sorri destemidamente.
“Agora, quem é você?”
Segurando a espada que cortou os terroristas que a cercavam, o sorriso da Princesa Cavaleira se alarga.
Não deveria ser algo como "até que todas pudessem chorar, também."?
Reli o trecho em inglês, e está escrito: "so she punched them in the face to fend them off, making sure they all suffered until none of them could cry, either.", como se por ela ter sido interrompida, ela também quis interrompe-las e impedi-las de chorar.