Volume 2 – Arco 1

Capítulo 78: De Volta Aos Pesadelos

A primeira coisa que o rapaz viu foi fogo. A sensação era de queimação e também de um aperto no peito que não parava nunca. Era como se alguém estivesse lhe sufocando, mas ele sabia que aquela queimação nos pulmões não podia ser obra de uma pessoa e sim da fumaça preta que ia lhe infectando com o passar do tempo.

Ele estava em um lugar muito grande, rodeado de fogo. Não tinha escapatória, estava preso em um círculo de labaredas. Em suas mãos haviam sangue e em seu pescoço um objeto estranho, um colar diferente de tudo que ele já tinha visto.

Não era o mesmo colar que a anos atrás conseguiu de uma criatura, aquele que o deixava invisível. Era um bem parecido, mas ainda assim diferente. Por isso ele estranhou.

Começou a ficar assustado, pois do meio do fogo apareceu alguma coisa, alguma coisa ruim. Um ser de sombra se aproximava com seus dedos tentáculos os, pervertidos e malignos. Diego conhecia aquele ser à sua frente. Era a voz estranha em sua mente que falava com ele quase todos os dias, o Rei que vestia amarelo.

Mesmo conhecendo o Rei desde seus 12 anos, sabia que era impossível não ter medo dele naqueles momentos em que aparecia em seus sonhos para conversar com ele. Quando o Rei se aproximou o suficiente para quase enxergar as coisas grotescas além de seu manto, Diego abriu os olhos na realidade.

A primeira coisa que fez foi se levantar do chão que estava, um piso de madeira. Estava tão suado que quase escorregou no processo de se levantar, pois suas mãos estavam bem lisas. Para piorar, estava de terno em um ambiente fechado.

O ambiente? Era o escritório do seu tio, Elizel, que era tão abafado que ninguém se surpreenderia que cogumelos estivessem tomando conta da sala. 

O que o rapaz fazia no escritório do tio naquela hora da manhã? Bem, Elizel estava lhe treinando. Ao menos era isso que ele dizia. A verdade era que Diego era um novo prodígio entre os Assistentes Sociais ou, comumente conhecidos na comunidade secreta que aniquila nocivos da face da terra, Caçadores. 

Todos no mundo inteiro estavam impressionados com a performance de Diego. A dois anos atrás, quando tinha 12 anos, conseguiu aniquilar um nocivo de cor amarela praticamente sozinho. Além disso, apresentou vários tipos de poderes, uma coisa bastante rara.

Diego era capaz de soltar fogo pelas mãos, teletransportar objetos pesados e às vezes até conseguia transformar algum metal em corrente. Era uma mescla entre Gerar, Trocar e Transformar. Ele tinha 3 dos vários tipos de poder e isso significava que era um jovem raro.

Entretanto, ele tinha enorme dificuldade em controlar esses poderes. Em dois anos, só conseguiu fazer feitos ridículos em comparação com seu feito anterior de matar um nocivo amarelo. Seu tio, que era um homem inteligente, viu que era necessário ensinar um pouco de autocontrole para o rapaz zangado.

É claro que… Referente a Diego, autocontrole parecia uma tarefa impossível. Por isso o rapaz tinha de passar todos os dias por treinamentos tenebrosos, bebendo poções estranhas, tendo delírios e assim, de alguma forma mirabolante, resolver controlar seus poderes.

Não é de se estranhar que o rapaz achava tudo isso ridículo demais e já estava começando a ficar farto da situação. Já não era mais um pré-adolescente, não precisava mais ser cuidado pelo tio daquela maneira. Afinal de contas, o rapaz não tinha mais aquela criatura estranha em seu estômago.

— Já chega! — falou Diego, se levantando. Estava maior, batendo na altura dos ombros do seu tio. Seus cabelos continuavam bagunçados como sempre e sua cicatriz no queixo continuava tão autêntica como nunca. — Eu vou para meu quarto. Vamos encerrar essa idiotice. 

— O que você viu? No seu delírio. — perguntou Elizel, já esperando que o rapaz fosse querer sair. — Responda isso e você vai poder ir embora.

— Eu sei lá o que eu vi! — mentiu o garoto.

Não mentiu por um motivo banal. A verdade era que ele sabia que tinha visto o Rei vestido em amarelo. Acontece que o Rei havia lhe dado ordens para não falar sobre as suas visitas durante a noite, enquanto sonhava. Na verdade, as ordens eram para ninguém desconfiar de que Diego tinha uma espécie de entidade esquisita em sua mente, lhe dando ordens. 

O jovem não queria contrariar, pois sabia que era bem provável que… durante os sonhos… o Rei fizesse algo de ruim com ele. Se só a presença dele o incomodava, quem diria o que era capaz de fazer se retirasse aquele capuz sinistro.

— Você não vai sair desta sala enquanto não me contar o que você viu, Murdock! — falou Elizel com tom forte.

Diego, que já estava cansado das ordens de seu tio, e também bastante irritado, fez um movimento ousado. Ele mordeu a própria língua ao ponto de sair sangue e depois cuspiu na própria mão.

— Não faça isso, Diego…! — tentou alertar Elizel, porém era tarde demais.

O rapaz passou o sangue na palma de sua mão, se concentrou apenas por um segundo e no outro instante fogo saia de seu punho fechado. Daí o jovem enfurecido jogou o fogo no chão de madeira, como se estivesse jogando uma bolinha. 

 

O fogo se espalhou muito rápido, em questão de instantes. Uma barreira de labaredas flamejantes impedia que Elizel chegasse até o rapaz.

— E aí — falou Diego. — Achou bom o treino? 

Então ele passou pela porta e a fechou com toda força atrás de si.

Fugiu da sua casa mais uma vez, dessa vez pela porta da frente. Enquanto saia, se encontrou com um de seus mordomos, Morfeus Nosferatus. Ele usava um terno de mordomo, era calvo, mas tinha um bigode que valia por toda a sua falta de cabelo.

— Olá, Jovem Diego. Já foi liberado do treinamento? — perguntou com cordialidade.

— Sim, eu consegui lançar um poder muito bom. Meu tio está pegando fogo de emoção.

E então ele saiu, deixando Morfeus confuso com as colocações do rapaz.

A verdade era que Diego tinha a habilidade de conseguir conjurar qualquer poder que quisesse no momento que quisesse. Porém ele só conseguia isso fazendo um ritual envolvendo sangue. Isso era muito irritante, tanto para ele quanto para seu tio, que queria o rapaz lançando seus poderes sem auxílios externos. E claro, Diego não queria se machucar para usar um poder o tempo todo.

Enquanto andava, enfurecido, em direção a rumo nenhum, o rapaz pensava nos amigos que lhe esperavam no Craveiro, a escola de Caçadores, que também servia como uma associação, disfarçada de instituição de caridade. As aulas começaram em Setembro, porém já era Novembro e o rapaz ainda não tinha ido. Só não pôde ir no início das aulas por motivos de… Burocracia. 

Como já mencionado, Diego se tornou uma espécie de celebridade mundial. Sua Hagar Selar, a pedrinha que todos os Caçadores usam, era vermelha. A única no mundo inteiro. Ele conseguira derrotar um nocivo amarelo praticamente sozinho, tinha diferentes tipos de poder e também conseguiu fazer algumas coisas a mais, como conquistar a amizade do diretor Nebeque e a amizade de um figurão ricaço, Sr. Rosa, pai de Margô K. Rosa, sua melhor amiga.

Ele também tinha a amizade do rapaz mais inteligente de toda a Espanha, Tiago. E como se seu circulo social e feitos não fossem suficientes, ele também foi responsável por quase matar dezenas de alunos na escola durante os torneios de luta amistosos.

O rapaz tinha destaque, isso era óbvio. Não era um destaque que ele queria ter nem que ele foi atrás, mas era o que ele tinha. Então, é claro que haviam invejosos. Porém, invejosos eram tratados na base da violência, e violência era a linguagem que Diego dominava.

Diego, que andava sem rumo, parou em um beco curioso que o chamou a atenção. Era bastante familiar. Olhou de um lado, olhou de outro e reconheceu o local. Estava próximo de um bairro perigoso, lar de três meninos que ele queria muito rever, embora os três estivessem lhe evitando a um tempo.

Assim que adentrou o beco escuro, mesmo de manhã, os três garotos apareceram atrás dele, como se fossem chamados por um instinto. Não que eles tivessem algum poder sobrenatural, porém ladrões são atentos e costumam ter um sexto sentido apurado devido as suas vivências com a criminalidade. 

— Ei, que horas são? — falou uma voz cheia de marra, do qual o rapaz de terno conhecia bem. 

Assim que ele se virou, pegou um relógio do bolso com a maior satisfação do mundo. Assim que viu os ponteiros, falou sorrindo:

— São… Três garotos, três ambulâncias e um hospital.

Assim que Diego tirou o relógio da frente de sua cara, viu as feições de terror no rosto dos três garotos. Aqueles eram Rubio, Cleiton e Piti. Os três, todos os anos, levavam a maior surra do mundo apenas porque Diego queria.

O rapaz guardou seu relógio no bolso e de repente o ar ao seu redor começou a ficar mais quente. Vapor saia de seu corpo. 

— Se correr é pior — disse, antes dos três saírem correndo.


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