Volume 1 – Arco 9
Capítulo 67: Fôlego
Diego e Margô estavam em um banheiro muito diferente do que estavam acostumados. Mais limpo, mais claro, diferente. A frente havia a porta que os levaria para fora dali, em direção ao desconhecido.
Uma luz que atravessava o vão da porta indicava a possibilidade de haver mais pessoas ali dentro. Porém era impossível, já que a barulheira que fizeram no banheiro já teria chamado a atenção de quem quer que estivesse do outro lado.
Andaram silenciosamente em direção a porta, a única forma de se comunicarem sendo o olhar de espanto e curiosidade, com leves puxões na manga do terno para impedir que fosse rápido demais e assim chamasse atenção desnecessária.
Ao chegar na porta, a abriram com cautela, para que não fizesse qualquer ruído. Se depararam com uma com um corredor de curva sinuosa para a esquerda, com uma placa preta pregada na parede indicando, com contornos brancos, a direção do banheiro.
Como a curva era bastante acentuada, não podiam ver o que lhes aguardava no final do corredor sem que continuassem a andar.
Ainda com cautela e passos curtos, os dois foram se aproximando do fim do grande corredor branco. Enquanto faziam a curva, viram que no final do corredor uma estranha luz azulada começava a aparecer.
O garoto se lembrou do prédio onde ficava os dormitórios, que eram iluminados com uma luz fraca e azulada igual aquela por pequenas lampadas de emergência. Certamente não deixariam esse lugar na completa escuridão.
Ao se aproximar o suficiente, viram que a luz azulada passava pelo vidro de uma robusta porta que parecia muito pesada e grossa, com tantas travas e mecanismos que chegava a ser assustadora.
Para a surpresa dos dois, a porta abriu suavemente, escorregando devagar, sem qualquer barulho. Aproveitaram para mante-la fechada, e da mesma forma que a porta não reclamou ao ser aberta, não reclamou de ser fechada.
Estavam em outro lugar agora. Uma sala que mais parecia uma espécie de recepção, com uma placa pendurada no teto, bem no centro, que indicava os caminhos de determinados setores. No canto da sala havia um balcão, que realmente parecia o de uma recepção.
Depois da breve observação, o garoto notou um problema a frente. Haviam dois caminhos a serem escolhidos, uma porta a esquerda, robusta e assustadora igual a anterior que possuía um estranho brilho azulado passando pelo vidro, e uma outra porta a frente, que emitia um brilho avermelhado.
Diego não conseguiria olhar pelo pequeno vidro da porta e verificar o que havia do outro lado, já que era pequeno demais para isso. Aquelas frestas eram para a visão de adultos, não as de crianças.
Mesmo assim, a porta que emitia a luz avermelhada se causava uma sensação estranha. Um sentimento ruim.
— E agora, Di? — quis saber Margô. Ela estava insegura. Olhava de um lado a outro, verificando os mínimos detalhes do comodo para ver se conseguia alguma informação. O máximo que conseguiram foram nomes estranhos que vinham das placas pretas, indicando setores. — Por ali? Ou para lá?
Diego, um tanto indeciso, se aproximou da porta que lhe causava a estranha sensação. Não a abriu, não ousaria, porém queria saber se estava certo ou não em suspeitar daquele caminho.
— Tá sentindo isso? — perguntou ele.
— O quê? — Ela também se aproximou, cautelosa. Entretanto, logo pareceu entender o que o rapaz estava falando. — É quente. Tem alguma coisa quente desse lado.
— Sim, mas não é só isso. — Olhou para a moça implorando com o olhar que não estivesse louco. — Não sente nada, além disso?
A garota meramente balançou a cabeça e o encarou com um olhar suspeito. Diego decidiu fingir estar tudo bem e que também não sentia nada, que não sentia um completo nó em sua barriga e uma sensação de mal-estar ao se aproximar daquela porta.
— Certo, então vamos por ali — disse o garoto já se dirigindo a da esquerda, apressado. — Aí está muito quente. Acho que o Elixir não esta por aí.
— Como pode ter certeza?
— Minha intuição.
Margô foi a primeira a alcançar a robusta porta a esquerda. Assim que tentou empurrá-la, rapidamente recolheu a mão e fez uma careta de dor.
— O que foi? — Diego ficou preocupado, segurando a mão atingida da garota com as suas duas. A palma de sua mão estava vermelho como a bochecha rosada de um bebê. — Levou um choque? Se queimou?
— Não — dizia enquanto massageava a palma da mão. — É que está gelado. — Ela desgrudou a sua mão das do garoto e voltou a se aproximar da porta. — Congelando.
E com certo esforço, tentou abrir. Nada aconteceu além de sentir mais uma vez o estranho congelamento nas mãos. A porta estava muito gelada.
— Não dá para abrir, acho que está trancada por dentro — continuou a garota, observando a porta com atenção. — Tem certeza que é por aqui o caminho certo?
Diego apenas balançou a cabeça. Não queria de jeito nenhum ir pelo outro lado. Alguma coisa lhe dizia ser má ideia.
— Então tudo bem… — Ela se aproximou mais ainda da porta. — Di, me levanta.
— O quê? Para quê?
— A janela é muito alta e eu não tô vendo o tem lá dentro. Para de fazer essa cara, você sabe que eu posso atravessar essa porta e abrir por dentro com meu segredo, então vem logo. Não assim, não vou pisar em você, eu estou de vestido, idiota. Me levanta pela cintura.
Um tanto aborrecido, o garoto passou os braços pela cintura da menina e a ergueu o máximo que conseguia. Para a sua total surpresa, a garota era mais leve do que esperava.
Ela, sem muita pressa, passou a mão no vidro para focar melhor na parte de dentro. E de uma hora para outra, o peso da garota desapareceu com um som estranho de capas sendo chacoalhado no ar.
Mais alguns segundos se passaram, até que um novo barulho de mecanismos vindo da porta lhe assustasse. Assim que se abriu, o rapaz viu sua amiga, Margô, bastante animada.
— Di! Vê isso aqui.
Quando entrou na sala, ficou realmente impressionado.
Era uma sala grande, repleta de fileiras de prateleiras, muito parecidas com a sala de arquivos que Diego vira, porém, completamente feitas de gelo. Naquele cômodo, tudo era de gelo e nevava.
Diego reconheceu que isso era obra de uma estranha árvore que se projetava do chão daquele lugar e seus ramos se espalhavam pelo teto. Uma árvore de gelo. De suas folhas saiam os flocos de neve, que deixava todo o ambiente completamente refrigerado.
Tudo estava coberto de neve. O teto, embora fosse possível ver os galhos da árvore, ainda era coberto por uma nuvem espessa e cinzenta. Os objetos nas prateleiras cristalizadas eram ainda mais estranhos.
Viu flores azuis brilhantes, cubos de gelo de cor estranhas, objetos ameaçadores de tonalidade fria, uma manopla de gelo, um coração congelado e entre outras coisas. Margô, que parecia mais interessada nos objetos, falou animada:
— Di! Esse lugar tem tanta coisa legal!
— Pois é, mas até agora nem sinal de Elixir — respondeu, sentindo o frio começar a lhe incomodar. Tinha de sair dali o mais rápido que podia. Porém, antes de faze-lo, o garoto reconheceu um espécime de planta. Esta certamente ele jamais poderia esquecer: — Fôlego.
— Como é?
— Achei Fôlego. — Ele pegou o vazo onde estava a planta e mostrou para sua amiga. A planta com tons azulados tinha três frutinhas também azuis e brilhantes. — Margô, isso aqui vai ser bom para você.
— Como você sabe disso?
— Uma vez fui na sala da professora Rúnica e lá ela falou disso aqui. De uma planta chamada Fôlego que era bom para recuperar do cansaço físico e mental.
— Mas eu não estou cansada.
— Mas vai ficar se tiver de usar sua habilidade toda vez que tivermos de abrir uma porta. Vamos, pegue, vai fazer bem para você.
A garota deu uma leve risada e retirou às três frutinhas da planta.
— Não precisa da planta inteira, Di.
Enquanto continuavam a busca pelo Elixir, se depararam novamente com duas portas além das que tinham vindo. Uma que dava para a esquerda e a outra para a direita.
— E aí, Di? — disse a menina, sujando a boca com as frutinhas que tinham o mesmo aspecto de uma goma de mascar de hortelã.
O rapaz se aproximou da porta a direita. Foi aí que uma grande náusea sobre veio sobre ele. Sentiu cansaço, as pernas tremerem. Sua barriga lhe incomodava, se remexia como se estivesse viva.
Soando frio, o garoto sentiu medo. Aquela porta, aquele caminho, era impossível de passarem. Ele não poderia, sabia que não poderia e não o faria. Do outro lado daquela porta, havia alguma coisa que certamente o mataria.
— Esquerda — disse, sem fôlego. — Vamos pela esquerda.