Volume 1 – Arco 8
Capítulo 57: Altruismo
No meio da sala, parado na frente da mesa do diretor, estava um rapaz muito indignado, tentando racionalizar o que acabara de ouvir. Pedira para que o diretor reconsiderasse sua escolha em colocar Tiago na final do torneio, mas fora recusado.
— Como assim “não”? — Diego franziu o cenho e apertou os punhos. — O senhor é o diretor chefe, pode fazer qualquer coisa.
— Você está certo, de certa forma — disse enquanto balançava a cabeça para lá e para cá, com os olhos para cima, pensativo. — Tenho alguns privilégios, sim, mas usar desta forma não seria usar da maneira mais sábia. De qualquer forma, mesmo se fosse possível trocá-lo, e garanto que não é já que não vai ter ninguém para substitui-lo, ainda assim não o faria.
Sem acreditar no que ouvia, o rapaz ficou andando de um lado para o outro, pensativo. Estava considerando que o diretor seria uma espécie de Rosa 2.0, que não se importava em nada com a família, apenas com os próprios interesses.
— Ele é o seu neto, isso não causa nada no senhor?
— Por favor, não se ofenda, Diego — riu — mas conheço o Tiago a onze anos, e tenho plena convicção de que ele é capaz. Na verdade, ainda pedindo que não se ofenda, acho que você deposita muita pouca fé em seu amigo.
— Eu sei que o Tiago é incrível! — Tentou disfarçar sua raiva, pois acabou de fato se ofendendo. Só não queria demonstrar. — Eu não tô preocupado com a luta com os frios, tenho certeza que ele consegue dar um jeito de vencer. O problema é a Margô.
Ele deu uma breve pausa, se sentou em uma cadeira que havia perto a frente da mesa e desviou o olhar para o chão.
— Ela tá brava com a gente — continuou. — Não vai querer trabalhar em equipe. E do jeito que ela tá tenho quase certeza que vai ficar contando os minutos para esfregar nossa cara no chão.
O diretor, ao contrário do que o rapaz poderia imaginar, não riu. Não encarou a situação como uma simples briga de crianças, como a maioria dos adultos poderia encarar. Na verdade, o diretor o respondeu com um tom complacente e de sinceridade.
— Diego, nós não elaboramos semanalmente este torneio para servir de entretenimento. Não, não nos compare com o povo romano que via carnificina para se divertirem. Isso é um treinamento, para o futuro.
— Para trabalhar em equipe? — quis saber Diego.
— Para enfrentarem o mundo — respondeu o diretor. — No mundo não existem ringues e nem regras de desistências. Nossos problemas podem fugir, ou simplesmente nos atacar quando estivermos mais fracos. Por vezes, Diego, desistir custa a sua própria vida. Outras, a vida de outros.
Diego fez uma careta. No que se referia as similaridades, poderia dizer que Nebeque era realmente avô de Tiago, já que tinha a mesma capacidade em ficar enrolando o que queria dizer.
— Onde o senhor quer chegar? — perguntou, forçando sua voz para que não soasse mal-educado.
— Quero saber, o que vai acontecer se desistir agora? Se desistir por conta de um desentendimento aqui, como será lá fora?
— Não estou desistindo de um desentendimento — resmungou. — Só quero proteger o Tiago. Isso é desistir?
— Diego, você é mais forte do que pensa, e é capaz de proteger as pessoas com essa força. Mas não se engane, o Tiago é tão forte quanto você é capaz de ser. — Ele deu um leve sorriso. — Acredite nos seus amigos.
O rapaz não levou muito a sério aquelas palavras. Estava determinado a conseguir tirar o amigo daquela enrascada que era o torneio. Ficou pensando como poderia fazer isso.
Subitamente lhe veio a comparação de Rosa com Nebeque em sua mente. Rosa era considerado um mercenário e por isso só aceitava fazer serviços se estes forem acompanhados de alguma espécie de pagamento.
O diretor não parecia ser um desses, porém não custava nada tentar. Qual homem iria recusar um pagamento em troca de uma coisa tão simples quanto uma decisão de tirar o neto de um torneio?
Diego se ajeitou na cadeira e ficou observando o diretor fazer um carinho no tosco corvo negro. Então ficou imaginando o que no mundo poderia ser valioso o suficiente para que pudesse fazer uma troca, ali e agora.
— Desculpa a pergunta, diretor, mas o que o senhor acha do pai da Margô?
— O acho um homem bastante respeitável — disse sem vacilar. — É muito valioso para o Craveiro, e sou suspeito para dizer que faria muita falta caso voltasse a Ásia. Mas por que a curiosidade, Diego?
Embora o homem tenha respondido apenas coisas positivas isso lhe deu a impressão de que estava se esforçando para esconder alguma coisa. Era a chance para que ele pudesse alfinetar o diretor a fim de conseguir o que queria.
— Diretor. Naquele dia, quando o senhor nos achou no carro, estávamos conversando sobre uma coisa. O senhor sabe o que era?
— Nem ideia. — Ele continuou alimentando o corvo, com um sorriso no rosto, concentrado apenas no animal.
— E-e o senhor gostaria de saber? — gaguejou o rapaz.
Nebeque imediatamente parou de dar alimento para a ave e lentamente se virou em direção ao rapaz. Dessa vez, no entanto, não havia um sorriso em seu rosto, mas sim um olhar de decepção. Aquilo o deixava intimidado, causava uma sensação pior do que vê-lo com raiva.
— Diego — começou o diretor, ainda com aquele olhar pesado por cima dos óculos. — Nem todas as pessoas são movidas pelo egoismo. Algumas, e essas pessoas são bem raras, apenas tem uma imensa vontade de ajudar o próximo, por pura caridade.
O rapaz engoliu sem seco. Pelo visto tinha sido muito óbvio as suas intenções. Ficou para do por um tempo, encarando o diretor, enquanto sentia uma mistura de frustração e raiva.
— Pois bem — continuou o homem assim que o silêncio já havia se tornado bastante desconfortável. — Gostaria de me falar mais alguma coisa?
Imediatamente alguém bateu na porta. Devia ser Faramir, o diretor havia dito para que Rodrigues o chamasse. Era vez deles conversarem.
O rapaz se levantou e se despediu do diretor, sem entender muito bem o que ele lhe dissera no final. Cumprimentou Faramir, elegante como sempre e foi saindo da sala. Entretanto, por de trás da porta com magia anti-ruído, ouviu um auto e claro grasnado que soava como:
— Mensagem nova! Mensagem nova! Cabum!
Diego não deu atenção. Continuou indo em direção ao elevador. Entretanto, seus ouvidos deveriam estar melhores do que antes, ou então retiraram a supressão de ruídos da porta, pois ele ouviu, dali do elevador, o corvo grasnar:
— Mensagem nova! Elizel D. Monte! Cabum!
E a porta do elevador se fechou.