Volume 1 – Arco 6

Capítulo 50: Xeque-mate

Já havia se passado uma semana desde que Diego parara de tentar prestar ajuda a sua amiga, Margô, que vivia sofrendo nas mãos malignas da professora Rúnica. Em todas as aulas dela, o rapaz pedia para ir ao banheiro e lá ficava, pois sabia que não aguentaria ver as injustiças que a professora fazia com a sua amiga.

A noite o rapaz mal conseguia dormir, de tão furioso que ficava. Parou de falar com os amigos, ficou se excluindo de todo mundo, enraivecido pela covardia das pessoas. Por conta disso sua aparência foi se deteriorando, parecendo tão mal e cansado que podiam jurar que Rúnica também estava abusando dele.

Olheiras profundas, bochechas secas e, embora a idade, estava com tantas rugas na testa que alguém de fora poderia jurar que ele tinha alguns anos a mais. Andava encurvado, falava ainda menos e sempre estava emburrado.

Uma das coisas interessantes que as pessoas, principalmente Tiago, haviam notado em Diego, era que o rapaz, quando estava naquele estado de quase morte, ficava com o pavio ainda mais curto. Qualquer coisa, miníma que fosse, o fazia explodir.

O loiro até tentou lhe ajudar com algumas palavras de consolo, mas, para Diego, não sentir raiva era uma outra forma de covardia e então gritava com o próprio amigo, para o deixar em paz.

E era assim que ele ficava quando via uma injustiça a sua frente, mas era incapaz de fazer algo a respeito: Adoecia. Um novo apelido foi lhe dado: Zumbi, pois de fato estava parecendo um, embora alguns alunos insistissem em algo mais exótico, como Cachorro-zumbi. 

Seja como for, agora os professores tinham ainda mais trabalho com ele, pois embora não dormisse em nenhuma aula devido a ansiedade, não prestava atenção em mais nada. Isso era ruim para as suas notas, os professores estavam verdadeiramente preocupados com ele.

Para lhe testar a paciência, Selena, uma vez, chegou na frente do rapaz, no horário do almoço, no refeitório, e gritou com ele:

— O que deu em você? — Ela carregava um tom antipático em sua voz. Diego só queria saber de que buraco ela havia saído para lhe importunar daquela maneira. — Nem é você que está sofrendo na mão da professora e fica assim, parecendo um morto-vivo.

E sobre o pavio do rapaz estar curto: Diego se levantou rapidamente, cerrando os punhos, pressionando a mandíbula. Estava prestes a dar um soco no rosto coberto de maquiagem da menina, porém Neto se colocou no meio, saindo de algum outro buraco invisível. 

— Calma aí, cara! — Ele deu um empurrão no peito do rapaz da cicatriz. — Qual é teu problema?

Embora Neto estivesse se fazendo de defensor, aquilo era apenas para mostrar serviço para Selena. Diego sabia que o rapaz a sua frente era um dos menos agressivos de sua sala.

— Manda essa menina sair de perto de mim! — gritou ele, dando um empurrão tão forte no peito de Neto que ele caiu sentado em uma cadeira ali perto. 

Depois o rapaz andou, sem canto específico. Só deixou seus pés o guiarem enquanto ficava se coçando de raiva. Ora, não havia passado mais do que uma semana e a raiva acumulada já era tamanha ao ponto de tratar mal seus próprios amigos. Bom, eles mereciam, eram covardes.

Mas segundo uma pessoa que também compartilhava da mesma frustração de Diego, aqueles garotos não eram os únicos covardes.

Chegando próximo do pequeno lago, o rapaz observou as águas calmas e serenas. Havia poucos alunos por ali, curtindo a paisagem. Mesmo assim o rapaz achava que haviam muitas pessoas, tudo que queria era um canto mais reservado.

Foi aí que Galadriel se aproximou.

— Murdock — disse o pálido garoto.

Quando o rapaz da cicatriz se virou e o viu se aproximar, notou que ele estava com uma feição tão carrancuda quanto a dele. Mesmo assim os genes de sua família ainda conseguiam fazer efeito e sua boniteza era grande o suficiente para encobrir qualquer traço rabugento, embora não encobrisse sua personalidade podre.

— O que você quer? — Ele cerrou os punhos, já estava cansado de novos apelidos e piadas vindas dele.

Então Galadriel falou algo que deixou o rapaz surpreso.

— Nada, só queria saber o motivo de ter deixado de ajudar a Margô. — Ele colocou as mãos no bolso e deu de ombros.

Diego deu um passo a frente.

— Isso não é da sua conta! E para que você quer saber? Nem é amigo dela!

— Mas você é! — Ele também se aproximou, irritado. — Você protegia ela da professora. E depois ficou desse jeito aí, um covarde.

Aquilo lhe pegou de surpresa. De todas as pessoas para falar aquilo… logo ele? Essa foi a gota d’água.

Ele levantou os punhos e partiu pra cima do rapaz a sua frente com um grito: 

— Cala a boca!

Ele tentou desferir um soco de direita, porém o rapaz desviou. Com isso, Galadriel fingiu que iria encaixar um golpe, fazendo Diego se defender. Daí o Balthazar conseguiu encaixar um chute forte no joelho de seu adversário, o fazendo cair.

— Você acha que a Leindecker gosta de covardes, Murdock? — perguntou, em tom de ameça.

— Cala a boca! — gritou o rapaz. 

Ele sabia que Lorena não estava gostando de sua atitude, embora ela concordasse em não colocar mais ninguém em perigo. Bom, todas as pessoas concordavam, de um jeito ou de outro, que ficar de fora e deixar as coisas rolarem sozinhas era o melhor a se fazer. Porém, no fundo, ninguém realmente gostava dessa ideia.

— Não vou colocar minha turma na mira da professora…

— Eles já estão na mira dela, seu idiota. — Galadriel fez um olhar de reprovação e virou as costas.

Diego ficou irritado, mais pelo idiota do que pelo olhar de reprovação. Ele se levantou rapidamente e partiu em direção ao garoto, que estava de costas. Galadriel se virou a tempo, fingiu mais uma vez que iria dar um golpe, apenas para no fim conseguir encaixar um soco no nariz de seu oponente, o fazendo cair de novo.

— Sabia que você tem sempre se defende com o braço esquerdo?! — Então, pela primeira vez, Galadriel o encarou com pena. — Previsível. — E saiu.

Após ficar bastante tempo no chão, sentado, observando o nada, o rapaz decidiu engolir sua frustração e ir em direção ao refeitório mais uma vez. Tinha se alimentado muito mal. Na realidade, não o fez, tudo que tomou foi água.

Ele se sentou longe de seu amigo, Tiago, pois ele estava conversando com Bruno e parecia muito engajado. Não queria atrapalhar. Fora que não queria ficar ouvindo as baboseiras motivacionais que o loiro tinha a lhe contar.

Enquanto brincava com sua comida para lá e para cá, e algumas pessoas o observavam de longe, Diego viu uma movimentação em sua direção. Quando ele olhou, viu Margô. Ela se sentou ao seu lado.

A menina estava usando um vestido rosa, porém seus cabelos ainda estavam com as mechas azuis e pretas. Ela estava mais magra do que o normal, com os olhos profundos e a boca um pouco seca. Apesar da aparência, ela ainda se esforçava para ficar elétrica do jeito que era.

— E aí. Como você está? — perguntou o rapaz.

— Horrível, né. — Ela bufou. — Só não tão ruim quanto você. Engraçado que sou eu que tenho de aturar aquela vaca e é você que sofre. 

O rapaz revirou os olhos, se afastando de sua comida.

— Todo mundo diz a mesma coisa.

— Eu não sou todo mundo! — disse ela, meio zangada.

Ele então se lembrou da vez em que viu ela chorar. Ela lhe disse para que nunca a comparasse com ninguém. Ele não sabia exatamente o motivo dela não gostar daquilo, porém respeitava. Achava que ninguém gostava de ser comparado com ninguém, no fim das contas.

Então ele pensou em alguma forma de sair do assunto. Falar sobre a professora e o sofrimento deles apenas iria atrair mais energia negativa e não era isso que ele queria.

— Ahm… Você se lembra do baile? — perguntou ele.

— Claro que sim. Foi bem engraçada. — A cor dos cabelos dela começou a voltar para o louro e preto. Aquilo era um bom sinal.

— Mas também, você não parou de rir. — Ele esboçou um leve sorriso. — Eu acho que a primeira coisa que eu pensei quando te vi foi: “Nossa, essa menina parece uma abelha”.

— Ei! — riu a menina. — Foi meu pai que escolheu aquela cor. E não é cor de abelha, é mostarda. Bem chamativa, do jeito que a família Rosa é — disse, se gabando.

— Ah, claro! Ele ia escolher mostarda ao invés de rosa — disse com sarcasmo. — Você sabe que o senhor Rosa só usa rosa, né?

— Eu acho que conheço meu próprio pai, obrigada. — Ela fingiu aborrecimento. — Mas ele só usa rosa hoje em dia. Antigamente ele usava outras cores, mais para aborrecer os pais, eu acho. Ele disse para mim que era uma forma de mostrar a independência dele, ou coisa do tipo. Daí a segunda cor favorita dele, fora o rosa, é amarelo.

— Que cara bom — debochou o rapaz, ainda sem conseguir ver as pistas estampadas na sua cara. — Então ele… só usava amarelo?

— Sim — disse a menina, com simplicidade. Então finalmente ele conseguiu encaixar os pontos. — Você tinha que ver, ele sempre…

— Pera aí… — interrompeu o rapaz. — Como é?

E agora ele sabia quem estava na foto. Xeque-mate, professora.



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