Volume 1 – Arco 5

Capítulo 39: Cheia de Atitude

O lugar onde ele estava era um grande corredor que se estendia até algumas portas mais adiante. Atrás dele havia uma porta por onde ele poderia voltar para o baile e ao lado, encostado na parede, haviam algumas cadeiras. 

O rapaz pensou em fugir para alguma daquelas portas para frente, mas talvez Riddley, que estava de pé agora, poderia acabar lhe pegando. Talvez Diego pudesse correr para fora. Mas que diferença isso faria? Seria pego de qualquer jeito. 

E além de todo o escândalo que passou com Margô ainda teria de enfrentar um esporro no meio de tantas outras pessoas. A melhor opção no momento era levar a bronca ali mesmo e se dirigir, humilhado, de volta a seu dormitório.

— Pois bem! — começou o professor, se balançando. — Vamos lá, senhor Murdock! Ric…! 

Margô, que até aquele momento estava rindo maliciosamente para o rapaz da cicatriz, encarou o professor com certa seriedade. Seu sorriso se desmanchou, ficando sem graça.

— Ah… O senhor é professor, não é?

Ele estufou o peito e soltou um grito enquanto apontava seu dedo para cima:

— Professor Holland Tirano Riddley! A seu dispor! Ric..! A seu dispor, senhorita… Ric…!

Subitamente, as mechas louras de Margô começaram a ficar azuladas. O seu rosto empalideceu, embora ainda houvesse aquele sorriso sem graça no rosto.

Rhá, rhá, rhá! — sorriu ela, fingidamente. Aquele certamente não era a forma como ela sorria. — Ah, professor Riddley, eu tava só brincando com a cara dele aí. Ele não tava me aborrecendo nem nada…

— Não importa! — gritou o professor, se balançando de um lado para o outro, como um pendulo prestes a desabar. — Ele não deveria estar aqui! Ric…! O senhor deveria estar de suspensão, Murdock! Não é? Ric…! Mas o encontrei em uma festança bebendo e paquerando…!

Diego franziu o cenho, indignado.

— Quê? Eu não fiz nada disso. Eu nem tenho idade para beber. E nem gosto do cheiro desse negócio…

Riddley se aproximou e o interrompeu com um novo grito.

— Já chega! Ric…! Vou fazer questão de te dar mais uma suspensão, Murdock! Ric…! Talvez até seja expulso” — Ele começou a pensar melhor sobre o assunto enquanto encarava o longo corredor, onde levava até ao palco. — Exatamente… expulso…

O que se seguiu foi rápido de mais para Diego entender com clareza.

Margô pegou uma das cadeiras pelos pés, levantou por cima de sua cabeça e a jogou com toda a sua força na nuca de Riddley. O professor caiu no chão como uma árvore. Daí, a menina, que agora estava com as mechas do cabelo avermelhadas, segurou na mão do rapaz e o arrastou para fora.

— Corre, garoto! — exclamou ela.

Diego obedeceu, enquanto ouvia um murmúrio distante vindo do professor caído, dizendo: 

— Advertência… — E por fim, se apagando. 

Abriram a porta e se enturmaram no meio de uma multidão. Os dois foram empurrando os outros até que finalmente chegaram a uma mesa, cheia de doces e salgados e também um pouco de suco. Diego tomou meio litro de suco de uva só para ver se sua boca ficava menos seca.

Enquanto recuperavam o folego da adrenalina, Diego percebeu que o Prof. Nemo e a Prof. Borstmann estavam juntos de mais, conversando e dando muita risada. O professor parecia um tomate de tão vermelho e a professora estava com as bochechas coradas, o que era um bom sinal, já que a mulher era tão colorida que mais um pouco de cor seria imperceptível.

Depois de Margô parecer voltar a se recuperar e a rir de si mesma, seus cabelos voltaram a normalidade, mechas negras e mechas louras. 

— Por que fez isso? — perguntou Diego, a encarando com incredulidade.

— Ele vai ficar bem. Só desmaiou.

— Não é nem isso que tô falando! — disse, mal-humorado. — Por que você falou para ele que eu estava te aborrecendo? Eu só te ajudei!

Ela revirou os olhos.

— Ah, isso? Eu só tava tirando uma com a tua cara. Relaxa.

— E eu quase recebo outra advertência por conta disso!

— E eu lá sabia que tu já tinha a ficha suja com aquele professor!? — Ela o encarou e sorriu. Seus olhos negros brilhavam como ônix.  — De nada, garoto.

Depois de mais um tempo, onde ela comia com certa falta de ética alguns salgados e doces, o rapaz a observava com curiosidade, embora estivesse um pouco incomodado com o silêncio. Ele olhou a volta, para ver se alguém estava reparando nos dois, mas não viu ninguém. Pelo visto ela tinha razão, se importar com o que os outros pensavam era besteira.

— Então — continuou a menina, depois de tomar seu suco de laranja. — Qual o nome do garoto que pediu para você falar aquela idiotice para mim? Gabriel?

— Galadriel — corrigiu. — Mas todo mundo chama ele de Gabriel ou Gabi, então tanto faz. É um Balthazar.

Margô levantou as sobrancelhas, surpresa. 

— Um Balthazar? É mesmo?

— É. Isso significa alguma coisa?

— Significa que ele não era para ser idiota — disse ela, friamente. — Os Balthazar são uma família muito respeitada e tudo. Gostam de se manter “acima da mediocridade”. Ao menos é o que meu pai diz.

Diego ficou pensativo por um momento enquanto caçava o rapaz no meio da multidão.

— Bom, o irmão dele é legal. O Faramir. — Ele sentiu uma pontada de inveja. Tinha uma garota querendo dançar com o Balthazar, mas ele não queria aceitar. — Eu acho…

— Hurum… Ah, o Gabriel é aquele ali? — Ela apontou em uma direção mais a frente.

Lá estava Galadriel, o observando de longe, de modo disfarçado. Tudo bem que não estava disfarçando tão bem assim, porém não notaria caso ninguém o apontasse.

— Sim, é ele — respondeu. — Parece meio irritado.

— Parece sim. Acho que ele não gosta que você fale comigo. 

Galadriel os encarava meio irritados mesmo. Era como se estivesse prestes a comer o rapaz vivo. Ele chutou que talvez fosse por conta de estar ao lado de Margô, tranquilo, enquanto deveria na verdade era estar passando vergonha por conta do que disse para ela; naquela linguá estranha que ele não entendia nada.

— E por que não? — Diego franziu a testa.

— Não sei. — Ela deu de ombros e colocou mais um salgadinho na boca. — Mas ele não parava de me olhar quando eu tava parada ali. — Ela apontou na direção onde estava. 

— Ele é mesmo um saco quando quer ser — disse o rapaz, o encarando de volta, um tanto frustrados.

— Ele fica muito no teu pé?

O rapaz pensou um pouco sobre todas as coisas horríveis que aquele garoto fez ao longo do ano. Além de quase lhe arranjar problemas com Margô, quase fez ele ser expulso algumas vezes durante o período letivo. 

Galadriel provocava tanto o rapaz, que Diego quase não conseguia se segurar para avançar em cima dele e lhe dar uns bons pontapés. Entretanto, ele sabia que não poderia nunca fazer aquilo. 

Embora o rapaz da cicatriz fosse destemido e odiasse a injustiça, infelizmente a maioria das pessoas, incluindo professores, iriam sempre acreditar mais na versão do Balthazar mais novo do que da Diego. E tudo isso porque ele simplesmente era de uma família importante.

Imunidade com os professores e qualquer outro tipo de travessura que fizesse simplesmente por conta do respeito que o nome da sua família carregava. Lógico que a própria reputação pessoal ia por água a baixo graças a isso. Até os frios não gostavam muito do rapaz, embora o defendessem sempre que possível.

Fora todas as injustiças, Diego ainda estava enfurecido com o rapaz por ele ter conseguido sair de sua suspensão, quando ele só ficou lá, plantado, tendo de enfrentar seus nocivos, que certamente não eram alucinações como Tiago insinuava. 

— De mais. — Seu tom de voz ou o seu olhar devem ter transparecido um pouco do que ele estava sentindo, pois no mesmo instante a moça começou a refletir de um modo estranho.

Ela olhou para cima, depois para baixo e por fim encarou Galadriel. Começou a coçar seu queixo com o indicador e fazer um biquinho, quase chegando a fechar os olhos.

Além de reflexiva, a moça estava curiosa. Depois ficou subitamente frutada, e por fim com um tom de malícia no olhar. Era fácil de acompanhar as suas mudanças de humor graças as cores dos cabelos que iam mudando conforme suas expressões iam se alterando.

— Quer saber de uma coisa — começou ela, o pegando pelo braço. — Vamos lá falar com ele. 

Diego tentou argumentar que não era boa ideia. Mas ela o arrastou de tal maneira que ele não podia se desvencilhar ou dizer não. Entraria em outra briga logo, logo. Isso era um perigo. Aquela menina era cheia de atitude, até demais.



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