Volume 1 – Arco 2
Capítulo 5: Amante de Portas
Tiago estava no chão, perplexo com toda a situação à sua volta. Os grupos de agressores a sua frente trocaram olhares entre eles e depois de alguns segundos de silêncio explodiram em gargalhadas.
— É sério? — ria Mini. — Aquele cachorro fugiu mesmo? Por um instante eu até pensei que ele fosse te morder, Léo.
— Ah! Vai ver ele é do tipo que late, mas não morde — disse o rapaz, provocando mais uma série de risos agudos em Mini e alguns risos vindo do fundo da garganta de Bruno. A menina escondeu o rosto na barriga do garoto robusto, que ria ao mesmo tempo que olhava desconfiado, parecendo preocupado.
O único que não fazia compartilhava das risadas era o próprio Tiago, que ainda permanecia no chão, um tanto decepcionado com a situação, um tanto aliviado por não ter causado problema. Refletiu por alguns segundos, enquanto ouvia as risadas como plano de fundo, que uma briga só iria piorar as coisas e que na verdade foi melhor assim.
Tiago achava que era sua culpa estar em uma situação daquelas, afinal se não fosse do jeito que era jamais sofreria daquele jeito. Concluiu que o problema era mesmo ele e por isso deveria mudar. Se talvez fosse um pouco menos fraco, quem sabe não resolveria aquilo. Sua coragem, no entanto, era limitada. No entanto, hoje seria a gota d'água.
O loiro respirou fundo e começou a se levantar, colocando uma expressão em seu rosto que achava que fosse ameaçadora ou decisiva. Léo, porém, quando viu a ação, o empurrou e ele caiu de bunda, rendido. Segundos de coragem que foram embora.
— Ei, aonde pensa que vai, Tiaguinho? Não terminamos com você.
— É! Fica no chão, quatro-olhos! — debochou Mini, olhando em seguida para Bruno em busca de aprovação. O grandalhão deu um sorriso forçado e desconfortável.
Tiago suspirou. Sentado aos pés de Léo, o loiro apenas pôde ver seu agressor de baixo para cima. Tentou pensar em alguma estratégia para sair daquela situação, mas todas elas envolviam usar a força, coisa da qual jamais faria. Então desejou do fundo da sua alma que ao menos aquele rapaz, que fugira dali, tivesse chamado algum professor ou segurança.
— Certo, certo — disse Léo, apertando os punhos e estralando os dedos. — Onde é que a gente estava mesmo, Tiaguinho? Aquele cachorro atrapalhou o meu raciocí...
— Léo, cuidado!
Léo foi jogado para frente com tudo. Tropeçou por cima de Tiago e caiu mais a frente, amortecido por alguns arbustos. Assim que o loiro olhou para frente, viu outro rapaz deitado no chão à sua frente.
Enquanto a figura se levantava, Tiago reconhecia seu cabelo liso e negro, os olhos claros, uma seria expressão de raiva e a cicatriz no queixo. Era aquele garoto de mais cedo. Ele tinha voltado, mas por quê? O rapaz da cicatriz recuou alguns passos para trás e jogou a mochila no chão ali perto, apertou os punhos e arqueou ainda mais as sobrancelhas. Com raiva na voz, disse:
— Eu disse para deixar ele em paz!
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Diego havia corrido para longe anteriormente por conta da sua intuição que não parava de lhe buzinar alertas contra aqueles garotos. Por conta disso, ele teve a ideia de se afastar para pegar impulso e dar um chute com os dois pés em Léo. Assim achava que teria força suficiente para intimidá-los.
Entretanto, sua estratégia mal pensada resultou em algo ainda melhor. Todos foram pegos de surpresa, pois imaginaram que ele tinha abandonado a luta; garantindo a ele alguma vantagem. Por mais que não tivesse pensando nisso, agora colhia o fruto de sua sorte. Estava cercado mais uma vez pelos três, embora um já estivesse caído.
Pasma com a situação, Mini berrou: — Seu moleque! O que pensa que...
— Cala a boca! — gritou Diego ao mesmo tempo que investia contra a garota. Aquela seria a primeira a sentir sua raiva.
A menina baixinha ficou branca por um segundo enquanto recuava. Faltando pouco para chegar até ela, algo molenga e borrachudo prendeu seu tornozelo, o fazendo escorregar e cair de peito no chão. Assim que se virou para olhar, notou que era uma planta.
— M-muito bem, B-bruno! — comemorou Mini, meio nervosa.
Ela se aproximou sem muita confiança para dar um chute no rapaz, porém ele conseguiu segurar a perna dela e a fez cair no chão. A planta apertou mais ainda o seu pé.
Incomodado com um corpo estranho lhe segurando, ele se levantou e começou a rasgar a planta com as mãos. Bruno soltou um urro longo de pavor.
— N-não…! — E deu um forte abraço pelas costas de Diego, impedindo seus braços de se mexer e o levantando alguns centímetros do chão.
O rapaz da cicatriz tentou se livrar de Bruno, mas era muito grande e muito mais forte. Aos poucos o aperto lhe foi tirando seu fôlego e teve a impressão de ouvir seus ossos estalarem. Quando já recebia tanta pressão que seu rosto começou a ficar roxo, murmurou baixinho:
— Ar… Preciso de ar…
Embora as palavras fossem mais para se manter acordado, Bruno pareceu ter ouvido e afrouxou o aperto. A cor de Diego voltou.
Ele aproveitou a oportunidade e livrou um dos braços, depois tentou cegar seu oponente com os dedos, mas tudo que conseguiu foi enfiar no fundo de seu nariz. O resultado foi desejado, já que foi solto imediatamente. Quando aterrissou no chão, Diego rapidamente limpou o dedo em sua calça, se virou e empurrou Bruno com força.
O grandalhão deu alguns passos para trás e tropeçou em um meio-fio, caindo de costas no gramado; sua grande barriga balançou para lá e para cá enquanto se mantinha estirado no chão.
— Bruno! — disse Mini, já levantada. — Seu… Seu… Por que fez isso com ele?!
Diego não teria tempo de responder nem se quisesse. Mini pulou em sua direção com uma expressão assustadora. Ela tentou arranhar seu rosto com as unhas, mas ele desviou. E por um segundo, ele viu os cabelos negros daquela menina baixinha voando e teve uma ideia.
Ele entrelaçou seus dedos pela raiz dos cabelos dela. Mini tentou se desgarrar, socando seu braço e gritando. Diego, porém, fechou o outro punho e puxou a cabeça da menina na direção de um gancho que fez sua cabeça ser projetada como um empurrão.
O rapaz da cicatriz a soltou e ela recuou alguns passos enquanto cobria o nariz com as duas mãos, gemendo de dor. Por conta dos cabelos desarrumados da menina, Diego pôde ver que no pescoço de Mini, proximo a orelha, haviam marcas vercais parecidas com desenhos das linguas estranhas que seu tio ensinava.
O rapaz balançou a cabeça e tentou se concentrar, embora estivesse confuso. No beco, explodiu o nariz de Rúbio com um único soco. Agora, um soco daqueles não pareceu ter o mesmo efeito. Não havia nenhum sangue e os gemidos de dor dela pareciam os mesmos de uma pessoa que levou um tapa muito forte.
O arrepio perto da nuca lhe incomodou mais uma vez. Havia alguma coisa diferente ali, principalmente com Mini e suas marcas estranhas no pescoço. Irritado, Diego se aproximou dela, determinado a fazer algum sangue escorrer de sua cara.
— Ei, ei, ei! Por que não briga com alguém do seu tamanho? — disse Léo, já em pé.
Diego se virou e viu que o garoto com as orelhas pontudas na cabeça estava lhe escarnecendo.
— Não ensinaram lá na academia de cachorros que atacar se costas é covardia? — Ele abriu a guarda. Levantou os braços e estufou o peito, o sorriso debochado no rosto. — Agora vem cá, filhote. Deixa eu te adestrar direito.
Diego esqueceu Mini e correu na direção de Léo. Quando se aproximou o suficiente, deu um soco que acertou em cheio o nariz daquele sujeito debochado.
— Errooou! — disse Léo, que agora estava três passos ao lado de Diego, os braços abertos e o risinho sarcástico ainda no rosto. — Essa não passou nem perto. Tenta não balançar muito o corpo…
Diego se virou e atravessou um soco no queixo do rapaz, porém…
— Olé! — Estava novamente a três passos de distância, do outro lado de Diego. — Como eu ia dizendo… Meu deus! Você não deixa eu terminar?
Já tinha sido a terceira tentativa, onde o rapaz da cicatriz havia feito mais uma tentativa de ataque. Diego recuou um pouco, pensativo e assustado enquanto Léo não parava de falar.
“Ele se desviou? impossível”, pensava. “Como que ele fez isso? Eu acertei, eu vi acertar, eu… Vi?”
Ele não sabia mais se podia confiar em seus sentidos. Todas as vezes que via acertar o soco, em um instante depois, uma questão de piscar de olhos, Léo não estava mais ali. Era como se fosse incrivelmente rápido ou simplesmente se teleportar.
Mas isso não era possível, pensou. Por outro lado, um garoto com orelhas de animal na cabeça não era algo muito comum. O fato era que Léo desaparecia e aparecia como se nada tivesse o atingido, sempre com a postura desafiadora e o riso de debochado.
— Quase! Essa foi quase, cachorro. Acho que só… Opa! — Ele ria. — Acho que só mais uns dez anos e tu me acerta.
Diego estava se enfurecendo mais ainda. Investiu diversas vezes com socos e pontapés, porém nenhum deles acertou. Era como se estivesse travando uma batalha intensa contra o vento.
— Para com isso! Luta que nem homem, covarde! — gritou Diego, irritado.
— Tem certeza? — perguntou Léo, parecendo considerar a questão. — É que eu não me sinto bem em bater em animais, sabe...
— Cala a boca!
— Quer que eu lute ou fique quieto?
Diego avançou, o punho fechado rasgava o ar e ia em direção àquele resto sarcástico. Antes de chegar lá, porém, Léo não se desviou nem se protegeu. Com um chute certeiro, Diego foi lançado para trás. O rapaz da cicatriz ficou de cócoras no chão, o rosto entre os joelhos, enquanto protegia com os braços sua caixa torácica.
— Ei, ei! Não vai chorar, vai? — perguntou Léo, rindo. — Foi tu que pediu, e sabe...
Mini, que já tinha se recuperado, ria abertamente do show de piadas que Léo fazia. Bruno, que estava sentado no gramado, não ria. A menina baixinha foi até a mochila do rapaz da cicatriz e espalhou todo o seu conteúdo pelo chão, achando muito divertido cogitar quanto tempo levaria para apanhar tudo aquilo.
Diego, por outro lado, já não sentia mais tanta dor. Foi como um beliscão, que doeu no início, mas depois já não fazia tanta diferença. Na verdade, podia dar esse mérito ao tio, já que nem de longe um chute daqueles se comparava aos golpes que Elizel lhe dava.
Pensar em seu tio lhe deixou abobalhado. Ali, envolto de seus joelhos, começou a pensar que seus treinos pelo menos serviram para alguma coisa. Então Diego, sem notar o que fazia, murmurou algo bem baixinho que chamou a atenção de Léo.
— Ahm? Desculpa eu não falo cachorres. — Depois da crise de risos imbecilizada, Léo se inclinou em direção ao rapaz, a mão em uma das orelhas animalescas para ouvir melhor. — Pode repetir o choro? É que eu não...
Diego se levantou depressa e deu uma cabeçada no queixo de Léo. O garoto orelhudo quase caiu no chão, porém se manteve de pé. Ele tapava a boca enquanto permanecia com a língua para fora. Tinha mordido a língua no processo.
— Eu disse que seu chute foi uma piada! — debochou Diego. — Qualquer coice de mula é mais forte que o seu.
Embora a frase tenha esboçado algum efeito em Tiago, que pela feição deve ter achado no mínimo vergonhoso, os outros três nem se atentavam mais a presença deles ali.
— Mia ligua! — exclamava Léo, com a língua para fora, sangrando.
— Ah! Léo! Tá sangrando! — dizia Mini, sem parar.
— Ão me diga! É ério? — debochou o rapaz orelhudo.
Diego notou que um colar apareceu no peito do Léo. Era muito parecido com o seu, exceto pelo fato da corda parecer mais degastada. A pedrinha semelhante a sua, por outro lado, tinha a cor azul bem escura.
— Aí, Léo! — Mini parecia muito preocupada, andando de um lado para o outro, pensativa. — O Gabi vai matar a gente se souber disso!
— Gabriel não vai gostar… — balbuciou Bruno.
— Tô em aí pu Abliel…!
E então...
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Era um barulho vindo do maior prédio entre todos os outros.
— Bosta. Vamos lá, Bruno, antes que a gente chegue atrasado! — Antes de Mini sair bufando, correndo e empurrando o grandalhão, ela se virou para o rapaz com a cicatriz e disse com raiva: — E você! Vê se não aparece mais na nossa frente, vira-lata!
Léo também os seguiu, mas não antes de lançar um sorriso jocoso em direção a Diego. O rapaz zangado sentiu uma forte vontade de bater ainda mais naquele sujeito. Achou que tinha feito pouco estrago.
Atrás dele, ouviu-se Tiago ajeitando seus proprios pertences dentro de da mochila. Sem querer admitir, Diego ficou muito orgulhoso de si mesmo, pois considerava heroico aquilo que tinha feito e de grande coragem. Coçou o nariz e se virou em direção ao loiro.
— Aqueles ótarios não vão mais brigar com você agora — disse Diego, com o peito estufado e vitorioso. Diante do silêncio, tentou disfarçar a propria soberba. — Hm. Tudo bem contigo? Precisa de ajuda?
— Estou bem — disse o loiro, agora colocando as coisas dentro da mochila com mais força do que velocidade. Dava de ver uma veia saltada em sua testa, as sobrancelhas arqueadas e as bochechas cheias de ar. Quando se levantou, já de mochila às costas, olhou para Diego e disse: — Olha aqui, agradeço sua motivação, mas não precisava desse tipo de ajuda. Estava tudo bem.
Diego levou um choque tão grande que inclinou o corpo para trás. Tinha saido do seu mundo de fantasia, onde era considerado um grande salvador tão rápido que parecia ter aterrisado na terra com força.
— Se pensa que eles não vão mais fazer isso está enganado. É bem provavel que agora eles peguem mais pesado ainda comigo, obrigado! — Então deu as costas e correu de forma desengonçada em direção ao grande prédio.
Paralisado com tamanha ingratidão, Diego apertou os punhos e disse com muita intensidade: “De nada!” Embora o loiro já estivesse longe. Deu um chute no ar e se aproximou de sua propria mochila que estava no chão, aberta e com todo seu conteúdo espalhado. Nesse momento pensou o quão burro fora por ter se posto em perigo por conta daquilo.
Depois de passar muito tempo e finalmente colocou todos os livros dentro da mochila — que em sua grande maioria havia achado estranho, especialmente um com cores muito vivas que chamou sua atenção — ouviu atrás de si um movimento de galhos e plantas. Pensando que fosse alguém, se virou com raiva, porém logo tomou um novo susto, um que era terror de verdade.
Viu um corpo macilento de uma grande cobra verde rastejando pelos arbustos. O rapaz pegou suas coisas depressa e correu dali o mais rápido que pôde; não ficaria perto de uma cobra daquele tamanho nem se isso valesse todos os ingressos do mundo.
Em seu desespero, acabou se perdendo pelas estradas. Depois de um tempo, achou a trilha correta, a mais larga que dava em direção ao enorme prédio — o que devia ser o seu destino, e aos poucos o ambiente começou a mudar.
A estrada foi ficando ainda mais larga até chegar em um complexo cheio de prédios, um do lado do outro. O fim do caminho era demarcado por um retorno, bem na frente do maior dos prédios. Havia alguns degraus de escada para que Diego pudesse entrar no edificio, pois a entrada ficava um tanto elevada com relação ao chão.
Quando subiu a calçada alta, olhou para frente e viu uma porta larde de vidro negro aberta. Lá estava Léo, rindo com outros colegas. Assim que viu Diego aparecer, avisou os mesmos e todos o olharam. O rapaz da cicatriz se irritou e, determinado a tirar aquele sorriso no soco, começou a ir em direção a porta.
O rapaz de orelhas ponturdas deu um sorriso malicioso e, já do lado de dentro, fechou a grande porta negra, que fez um estranho barulho de tranca. Diego não conseguiu abri-la.
Tentou de tudo: desde puxar e empurrar a porta até dar pontapés, porém nada a fazia abrir. Pensou que deveria voltar, mas ao pensar na cobra que estava lá fora, achou melhor continuar tentando.
— Abra — disse ele, pensando que fucionasse por meio da voz, já que tinha um estranho dispositivo perto da maçaneta da porta. — Abre logo! Argh! Alguém pode me ouvir? Abra-te sésamo! Abracadabra! Afe!
Chutou o pé da porta e desistiu da ideia, se virando. Ao contemplar mais uma vez a estrada e pensar na cobra, decidiu que usaria novamente sua ideia, uma cópia de sua ideia anterior onde se jogava nas costas de Léo.
Voltou a encarar a porta e tomou distância. Ajeitou sua mochila e franzio a testa. Inclinou o corpo para frente e decidido a entrar, disparou em direção a porta de vidro negro. Quando chegou perto o suficiente, deu um salto e...
— Não!
Antes de tocar na porta, seu corpo foi empurrar com força para o lado, caindo para fora da calçada alta. Ele deu com as costas no chão enquanto sentia um outro peso esmagar seu peito. Quando levantou a cabeça, e tirou aquela juba ruiva de sua cara, percebeu que, sobre si, encontravasse deitada uma garota.