Volume 6
Cena 4
Piercing aos Quinze [1/3]
- MARGEM DO RIO – CREPÚSCULO
Um rio largo, visto de cima, está brilhando à luz da tarde. Dois alunos no último ano do fundamental, DAIYA e KOKONE, se destacam da luz carmim do crepúsculo. Eles caminham de mãos dadas, olhando para frente.
KOKONE (Monólogo): Daya e eu estivemos juntos desde que posso me lembrar.
DAIYA aperta a mão dela.
KOKONE (Monólogo): Ele está presente em todas as minhas memórias.
Ela solta a mão dele.
KOKONE (Monólogo): A única maneira de deixar o passado para trás é me separando dele.
- QUARTO DA KOKONE – 17h00min, SEIS MESES ATRÁS
Os dois estão sentados na cama de KOKONE, ainda vestindo seus uniformes escolares.
KOKONE: Hmm... Ah...
DAIYA separa seus lábios dos dela. KOKONE está usando óculos, e seu cabelo é completamente preto. Ela olha para baixo, constrangida.
KOKONE (Monólogo): Graças ao Haru-kun, minha relação com o Daiya finalmente mudou. Só depois de ver eu e o Haru-kun juntos, o Daiya percebeu seus sentimentos e me convidou para sair. Mas, na minha sincera opinião, ele demorou demais.
DAIYA entrelaça seus dedos com os dela e começa a acariciar o cabelo de KOKONE com sua mão livre. Seu sorriso gentil a cativa, e ela encosta a testa no peito dele.
KOKONE (Monólogo): Afinal de contas, eu sempre o amei, desde que brincávamos de casinha quando éramos crianças. Eu já tinha perfeita noção dos meus sentimentos por ele, embora ele ainda estivesse para perceber os dele.
DAIYA coloca seu braço ao redor de KOKONE.
KOKONE (Monólogo): Antes de sair com o Daya, contei para a Rino que sempre gostei dele. Ela me deu um olhar desconfiado e perguntou se eu realmente gostava dele de uma forma romântica, mas tenho certeza disso. Pelo menos, em minhas memórias, sempre me senti assim. Sempre esperei que algum dia ele correspondesse meus sentimentos.
A câmera se distância para mostrar o quarto da KOKONE por completo. O som é cortado. Objetos brancos e marrons, como a mesa dela, um sistema de hi-fi e brinquedos de pelúcia estão espalhados pelo lugar.
KOKONE (Monólogo): Meu quarto está cheio do Daiya. Quando ouço músicas românticas, seu rosto aparece na minha mente e, quando leio um mangá de romance, me identifico com os sentimentos da protagonista a ponto de derramar lágrimas. De vez em quando eu escrevia “Kokone Oomine” em meu caderno enquanto estudava e sorria para mim mesma. Estou sempre pensando no Daiya neste quarto.
DAIYA: Kokone.
KOKONE: Hum?
KOKONE (Monólogo): Apenas recentemente Daiya começou a me chamar pelo meu primeiro nome. Nunca vou me esquecer da primeira vez que aconteceu. Ah, seu rosto vermelho como um tomate foi gravado eternamente em minha memória. Desde aquela vez, ele tem falhado continuamente em dizer meu primeiro nome naturalmente.
DAIYA: Eu te amo, Kokone. Para sempre.
KOKONE: Hmm. Eu acredito em você.
DAIYA sorri, feliz como um garotinho inocente.
KOKONE sorri em resposta.
KOKONE (Monólogo): Eu realmente acredito do fundo do meu coração. Não porque estou cega de amor, mas porque sinto que ele está dizendo a verdade.
KOKONE traça os lábios de DAIYA com um de seus dedos.
KOKONE (Monólogo): Eu abriria mão de qualquer coisa pela felicidade dele.
- MARGEM DO RIO – CREPÚSCULO
KOKONE pisa no rio sem tirar os tênis.
KOKONE (Monólogo): Meu mundo era quente. Quente como o corpo do Daiya. Aquele mundo gentil em que eu vivia brilhava gentilmente, como em um filme Francês que eu vi certa vez, e me fazia sentir como se estivesse cercada por pura felicidade.
Passo a passo, KOKONE caminha cada vez mais para dentro do rio carmesim.
KOKONE (Monólogo): Mas eu estava errada. Não percebi que outras pessoas não viviam no mesmo mundo gentil em que eu me encontrava. Eu não sabia que o mundo visto pelos outros podia ser frio, manchado ou duro, e que entrar em contato com o mundo dessas pessoas também iria...
Uma porção de lixo flutuando pelo rio toca o corpo encharcado de KOKONE.
KOKONE (Monólogo): Manchar o meu mundo.
DAIYA rapidamente a segue rio adentro.
KOKONE (Monólogo): Daiya... não se prenda a mim por causa de sua promessa de me amar para sempre. Sua felicidade é mais importante para mim do que a minha. Farei qualquer coisa por você, então...
Ela é abraçada por um DAIYA igualmente encharcado.
DAIYA: Kokone, não se preocupe. Eu ficarei ao seu lado.
KOKONE treme em seu abraço molhado.
KOKONE: Você está frio.
DAIYA rapidamente a solta.
KOKONE (Monólogo): Se eu estiver te impedindo de ser feliz, farei com que seja mais fácil me largar, ok?
Kazuki Hoshino - 11/09 SEX 22h15min
Devemos evitar os [servos] do Daiya.
Embora ainda não saibamos o que fazer a seguir, deixamos o túnel para evitar cruzar com qualquer [servo]. Não seria uma boa ideia ficar mais tempo naquele lugar.
Não tivemos outra escolha senão deixar Iroha-san para trás. É claro que não queríamos, mas aquele sangue artificial nos tornaria suspeitos demais, se fôssemos carregá-la para casa; além disso, perderíamos um tempo precioso. É uma pena, mas ela terá que aguentar por mais duas horas, até que consigamos dar um fim a esta luta.
Haruaki, parecendo incomodado, diz do nada:
— Hmm, Hoshii, não sei se eu deveria te dizer, mas…
— Hm? Qual o problema?
— Você está com um olhar assustador pra caramba agora! Acho que você está realmente zangado com o Daiyan, não é mesmo? Deixar aquela senpai para trás faz perfeito sentido, mas você estava completamente frio ao fazer aquilo…
— Hein?
Eu estava?
Não cheguei a perceber… mas acho que é verdade. Definitivamente tem algo estranho comigo agora, considerando que acabei de chamar o Daiya de cego maldito em minha mente.
— Acho que é natural ficar agitado, uma vez que ele tirou a Maria-chan de você, mas se você não se acalmar pode acabar perdendo território, não?
— Sim.
Acalme-se, Kazuki. Acalme-se e pense em uma maneira de recuperar a Maria.
— E, para ser honesto, ainda quero tentar salvar o Daiyan… embora saiba que não será fácil.
Honestamente, a ideia de ajudar o Daiya nem passou pela minha cabeça. Eu estava ignorando tudo exceto a Maria.
— Sim…
É claro que também quero salvar o Daiya, se possível, mas quando penso sobre a Maria, não consigo evitar sentir raiva dele. Não consigo me impedir de pensar que esse sentimento de pena apenas ficará no meu caminho.
Mas, por outro lado, se eu evitar pensar no Daiya, posso acabar sendo derrotado. Mas, sim… é melhor pensar sobre outra coisa no momento, sobre algo que me permita esquecer minha raiva. E isso é…
— Kokone.
Certo.
Nesse caso, a primeira coisa que me vem à mente é Kokone Kirino.
✵
Dois dias atrás, no fim da tarde do dia nove de setembro, Kokone me convidou para ir ao seu quarto.
Foi a primeira vez que entrei nele. O quarto era coberto por cores escuras e parecia superficialmente elegante. Contudo, também me dava uma impressão estranha. De certa forma, o quarto não tinha coerência e seu estilo me pareceu falso; um quarto como aquele realmente não combina com a Kokone. Pude sentir algum tipo de obrigação forçada da parte dela que a obriga a viver naquele quarto.
Bom, não pude evitar pensar dessa forma, sabendo o que sabia sobre a Kokone. Aquele quarto representa a transformação dela. E o objetivo dessa transformação é: esquecer o Daiya.
— Você não precisa mais esconder a verdade. Conte-me o que aconteceu com o Daiya.
Kokone decidiu abandonar sua negação em relação ao Daiya e enfrentá-lo. A primeira coisa que pensei ao ouvir aquilo foi: Ainda bem.
Eu tinha planejado contar a ela sobre o Daiya, de qualquer forma. Não… eu não tinha outra escolha. Ignorar a Kokone ou guardar segredo dela em uma luta contra o Daiya seria impossível.
Portanto, eu estava agradecido por ela ter se decidido e se preparado por conta própria. Afinal de contas, as coisas que eu tinha para contar eram assuntos desanimadores que eu preferia não ter que mencionar.
…O erro que Daiya cometeu no passado.
…A dor que Daiya está suportando no presente.
…A tragédia que aguarda pelo Daiya no futuro.
Esse conhecimento certamente a faria se culpar.
Esse conhecimento certamente a deixaria triste.
Esse conhecimento certamente continuaria a atormentando.
Mas contei a ela mesmo assim.
Contei a ela tudo sobre o Daiya.
Kokone perdeu a voz naquele dia.
Quando terminei minha explicação, ela apenas continuou olhando para a parede atrás de mim, como se não pudesse acreditar. Como tudo o que ela fazia era respirar ritmicamente sem mostrar qualquer outra reação, deixei-a sozinha por um tempo.
No dia seguinte, ela me chamou para o seu quarto novamente. Quando nos cumprimentamos, percebi que suas pálpebras estavam inchadas, mas, fora isso, ela parecia à mesma de sempre.
Mas, assim que fechei a porta do quarto, ela imediatamente começou a desabotoar sua camisa. Foi tudo tão súbito que eu não pude reagir apropriadamente. Eu deveria ter desviado o olhar, mas apenas fiquei parado, boquiaberto. Com um rosto completamente inexpressivo, ela removeu tudo da cintura para cima, com exceção do sutiã. Então, ela se virou e me mostrou suas costas.
— Veja!
Eu quase perguntei o que eu deveria ver.
Mas percebi por conta própria.
Primeiro, percebi a “marca” embaixo do prendedor de seu sutiã. Era uma cicatriz de queimadura, provavelmente feita com um cigarro pressionado contra sua pele. E não apenas uma; havia várias marcas desagradáveis e violentas por toda a suas costas, era como se alguém tivesse descarregado uma enorme quantidade de lixo em um campo nevado totalmente branco.
Todas aquelas marcas de queimadura formavam frases significativas; do tipo obsceno que você teria dificuldade de encontrar até mesmo no mais sujo dos banheiros públicos.
Não consegui dizer nada.
Esmagados.
Meus sentimentos foram esmagados.
Aquelas marcas tiveram um impacto imenso.
— Uh… uh…
Lágrimas começaram a escorrer espontaneamente pelo meu rosto. Pensamentos como “pobre Kokone, deve ter doído, elas nunca vão desaparecer completamente, deve ser por isso que eles terminaram” só vieram mais tarde. Naquele momento, a única resposta que pude dar diante daquelas marcas foi cair em lágrimas.
Kokone se virou para me encarar. Ignorando minhas lágrimas, ela disse alegremente:
— Você é um cara sortudo, não é, Kazu-kun? Tendo o privilégio de ver uma garota bonita de roupas íntimas!
Mesmo ao fazer piadas como sempre, Kokone estava… chorando.
Então, nossa conversa continuou por entre nossos soluços.
— Uma amiga de infância chamada Rino fez isso comigo. — Kokone disse, enquanto abotoava a camisa. — Como você sabe, o Daiya tinha uma aparência incrível e notas ótimas; ele era muito popular na época… tanto que algumas pessoas o chamavam de “o príncipe da nossa escola”. Ele nem sempre foi tão bruto assim e não costumava ter o cabelo tingido de prata nem piercings. Ah, eu era um par tão terrível para ele. Eu parecia tão monótona, com meu cabelo preto completamente sem estilo e óculos gigantes. Em resumo, uma garota normal qualquer. Você totalmente riria se eu te mostrasse uma foto!…Embora eu não possa rir.
Chacoalhei minha cabeça.
— Não importa se você era um bom par para ele ou não! Tenho certeza de que o Daiya não se importava.
— Hmm, ele não se importava mesmo. — Terminando de abotoar a camisa, Kokone olhou para mim. — Eram as garotas que gostavam dele que se importavam.
Comecei a deduzir como aquelas marcas poderiam ter surgido.
— Aquela garota que você mencionou, hum, Rino, ela se importava se você era ou não adequada para ele?
— Hmmm, não tanto assim, eu acho?
— Então…?
— Err, deixe-me contar uma coisa de cada vez. Primeiro de tudo, algumas coisas sobre a Rino: Ela é um ano mais nova do que eu e também era amiga de infância do Daiya. O problema é que ela também gostava do Daiya há muito tempo, embora eu tenha me apaixonado por ele primeiro. Mas ela desistiu dele e começou a namorar um garoto chamado Kamiuchi. A pessoa que… o Daiya matou.
Aquilo me surpreendeu. Eu não sabia sobre o passado deles. Considerando os fatos, as reações do Daiya em relação à Koudai Kamiuchi dentro da “Game of Idleness” foram relativamente normais.
Mas, levando em conta o rumo que as coisas tomaram, é fácil suspeitar que o passado em comum deles tenha levado Daiya a escolher assassinato para resolver aquele jogo.
— Kamiuchi fez algo horrível com a Rino, e não entendo por que ele o fez. Rino ficou profundamente ferida, então ela tentou aliviar suas feridas exigindo a atenção do Daiya. Mas sabe, eu e o Daiya já éramos um casal naquela época. Ele me amava, não ela. Ele era gentil com ela, mas eles nunca seriam mais do que amigos. Quando a Rino percebeu isso, suas feridas pioraram ainda mais. Ela meio que ficou um pouco psicopata depois daquilo. Ela, de alguma forma, ficou com raiva de mim porque, na mente dela, eu o tomei dela.
Kokone ainda estava chorando e parou para assoar o nariz.
Mas as lágrimas não pararam.
— Rino disse que ela só começou a namorar o Kamiuchi porque eu roubei o Daiya dela, então eu era a culpada pelo que o Kamiuchi fez com ela. Naquele ponto, Rino realmente acreditava que eu era a culpada por tudo.
— E por isso que ela fez aquilo nas suas costas…?
— Sim, mas eu não acho que ela teria ido tão longe se estivesse sozinha.
— O que significa que havia…
— Certo, havia várias pessoas envolvidas. Veja bem… acho que o problema foi que havia várias pessoas ao redor da Rino que se identificavam com o ódio que ela sentia e isso começou a se agravar. Foi uma pena ninguém ter percebido que a Rino estava fora de si, e a partir daí as coisas começaram a se agravar.
Finalmente entendi o que ela disse mais cedo.
— As garotas que achavam que você não era adequada para o Daiya?
— Sim. Elas não estavam apenas incomodadas com aquilo… elas pareciam pensar que eu tinha cometido um crime grave e imperdoável. Eu era uma espécie de bruxa doentia que estava mantendo o príncipe delas só para mim.
…Mas que merda?
Não entendo. Um crime imperdoável?
Kokone e Daiya eram um casal apaixonado. Isso é tudo.
— Mas que… isso é estúpido, de qualquer ponto de vista. Você não fez nada de errado.
— Não importava se eu estava errada ou não. Um grupo de pessoas estava incomodado comigo, então queriam fazer algo sobre isso. Isso é tudo. Não importa se estavam apenas com ciúmes. É muito mais fácil atacar alguém que você não gosta se você se convencer que aquele alguém é mau.
— Como podiam achar que você era má se você não tinha feito nada de errado?
— Simples; elas criaram motivos forçados. Você sabe, coisas como “ew, aquela garota nem cumprimenta a gente” ou “ela é arrogante” ou “ela está agindo como uma vadia” ou “ela quer usar o Daiya para se exibir” ou “ela o seduziu com o seu corpo”. Elas inventavam o que desse na telha. E, quando criaram seu grupinho de fofocas, puderam puxar o saco umas das outras e se convencerem de que eu era uma figura maligna. Elas criaram um inimigo falso e então atacaram, para aliviar sua irritação.
Subitamente, aquelas duas garotas que falaram mal da Kokone me vieram à mente. Pelo que pude perceber, elas também estavam falando mal da Kokone por inveja. Estavam incomodadas por ela ser popular com os garotos e buscaram uma maneira de aliviar sua irritação. Também pode ter as irritado o fato de que a Kokone se dá bem com o Daiya. Considerando seu histórico, não é de se espantar que ela tenha reagido daquela forma.
— Sabe, a Rino só foi tão longe porque foi encorajada pelas pessoas ao redor dela. Elas nem sequer estavam cientes do quão malignos seus atos eram. Simplesmente consideraram que era certo ensinar uma lição a um demônio como eu. Quem sabe, talvez elas até tenham achado que estavam fazendo justiça? Uma coisa é clara: Elas não perceberam o que estavam fazendo. E isso as fez perder noção da realidade.
— Mas que… isso é completamente ridículo, se você possuir o mínimo de objetividade…
— Mas elas não conseguiam perceber isso. Elas pararam de pensar.
— Pararam de pensar?
— Sim. A coisa da qual o Daiya frequentemente reclama.
Ah.
A atitude que o Daiya detesta.
Ele acredita que foram os tolos irracionais que destruíram sua felicidade, e, por causa disso, quer criar um mundo sem eles usando sua “caixa”. Assim, o que aconteceu com a Kokone nunca mais voltará a acontecer.
— Acho que foi um mês depois que elas finalmente perceberam o que tinham feito. Algumas delas até me pediram desculpas. Mas qual o sentido? Por que eu as perdoaria? Minhas queimaduras não vão desaparecer por causa de um pedido de desculpas, vão? Só faria sentido se elas tivessem percebido antes de fazer aquilo comigo! Como ousaram pedir desculpas apenas para aliviar a culpa que elas mesmas estavam sentindo? …Quando eu disse algo desse tipo para elas, ainda disseram que eu era horrível por tratá-las daquela forma quando estavam pedindo desculpas. Bem, fodam-se aquelas vadias nojentas!
Claro, Kokone ainda estava chorando enquanto cuspia aquelas palavras vulgares.
— Não posso voltar a ser quem era, não importa o quanto elas se desculpem. Não posso voltar ao tempo em que não odiava ninguém.
Ela continuou:
— Meu relacionamento com o Daiya também não vai voltar.
Mas há algo que eu ainda não tinha entendido.
— Por quê?
— Hmm?
— Por que vocês precisavam se separar? Ele ainda te amava, mesmo com essas marcas bobas nas suas costas, não amava? Quero dizer, ele não se importava com você? Por que vocês tiveram que se separar?
Kokone ficou em silêncio.
Ela olhou para o teto enquanto fungava. Pelo que me pareceu, estava tentando organizar seus pensamentos.
Só então percebi que tinha feito uma pergunta potencialmente cruel. Havia sequer algum sentido em perguntar isso a ela? Afinal de contas, a separação deles já tinha acontecido. Explicar o motivo dessa separação certamente devia ser doloroso. Enquanto eu me arrependia de minha pergunta, Kokone finalmente abriu a boca:
— Kazu-kun. Você me acha bonita?
— Hein?
Pensei que ela estava só brincando como sempre. Pensei que ela estava tentando fugir da minha pergunta.
— Eu sou bonita? Realmente bonita?
Mas sua expressão estava incrivelmente séria.
Eu não fazia ideia de que ela estava tão desesperada, mas pude perceber por sua expressão que eu não tinha permissão para responder levianamente.
— Você é bonita!
— De verdade?
— Sim. Não estou falando por falar, realmente acho isso. E não sou o único; você é popular entre os garotos da nossa escola, não é mesmo? Você não me disse outro dia que o número de confissões que você recebeu já está na faixa dos dois dígitos?
— Você está certo. Sou totalmente popular. No momento, meu valor é maior que o daquele descarado desordeiro e delinquente do Daiya, com certeza! Deus, eu sou uma linda colegial! Com seios grandes, além disso! Sou invencível! — Contudo, o sorriso que ela mostrava enquanto se vangloriava desapareceu instantaneamente, e seus lábios começaram a tremer.
— …Mas não adianta.
— Nã-não adianta…?
— Não consigo me livrar da impressão de que sou apenas uma vadia horrorosa. Não consigo tirar da mente que sou como uma porca sem valor.
— P-por quê? Posso te afirmar, isso é…
— Eu sei! Tenho certeza de que sou bonita! Eu sei! Afinal de contas, dei duro para ficar assim! Cheguei tão longe porque achei que me sentiria melhor se realmente me tornasse popular! — Kokone segurou meus braços com força. — Mas não adianta…! Esses sentimentos não desaparecem mesmo eu percebendo que eles só existem na minha cabeça! Não posso evitar me sentir feia! A impressão de que eu e o Daiya não combinamos e a de que eu sou uma pessoa sem valor não desaparecem! Fatos e autoestima não têm qualquer efeito!
— Ma-mas por quê?
— É inevitável! Você realmente acha que outras pessoas acharem de verdade que eu sou uma bruxa traiçoeira não teria nenhum efeito em mim? Pior ainda, eu costumava ser uma garota quieta e tímida, você não entende o que isso significa? Você acha que eu poderia honestamente pensar de forma positiva sobre mim mesma depois de ser tratada como merda, queimada com cigarros e chamada de bruxa, vadia e prostituta? Não posso! Não pude! Você pode imaginar um bando de pessoas fazendo coisas horríveis com você? Pessoas que realmente acham que você é um lixo que merece aquilo? É claro que eu também começaria a pensar daquela forma! É claro que eu começaria a pensar que merecia! Aquela era a única forma de aceitar toda aquela situação! Essas marcas roubaram toda a minha autoconfiança, meu auto respeito e tudo que era importante para mim!
Um trauma que não pode ser curado pela verdade.
Não acho que posso compreender isso completamente.
Mas tem uma coisa que entendi.
O aperto das mãos da Kokone estava machucando meus braços.
— Cheguei a pensar que meu ódio contra mim mesma me levaria à cova. Então, eu, então, eu… — Kokone limpou as lágrimas de seu rosto. — Eu precisava superá-lo!
Kokone não tinha outra escolha, senão quebraria.
— Eu precisava mudar, precisava abandonar meu antigo eu!
Por isso Kokone começou a usar lentes de contato e tingiu o cabelo; ela tentou ficar na moda. Tentou assumir uma personalidade extrovertida e se tornar popular — e conseguiu.
Tentou recuperar sua autoconfiança ficando acima das pessoas que falaram mal dela. Mas, no fim das contas, a sombra que se enraizou em seu coração não desapareceu. Ela não pôde recuperar as coisas que aquelas marcas tiraram dela.
E…
— Também tive que abandonar meu amor pelo Daiya!
O passado dela e o do Daiya estavam tão intimamente ligados que não havia como deixar de abandonar o Daiya — seu passado — também.
Kokone finalmente percebeu a força com que estava apertando meus braços e me soltou.
— Me desculpe, Kazu-kun.
Chacoalhei minha cabeça.
A culpa é minha por forçá-la a dizer tais coisas.
Ela respirou fundo para se acalmar.
— Eu não queria terminar com o Daiya, mas não havia outra escolha. Até mesmo o abraço dele é insuportável, sério; meu passado todo pesa nos meus ombros quando ele me toca, me intimidando como um caminhão gigante ameaçador. Minhas costas queimam e começam a latejar como quando me queimaram, e me sinto como uma pessoa sem valor. Não posso evitar. Então… ficar com ele é agonizante.
Eles simplesmente não podiam mais ficar juntos.
Essa é a razão pela qual o relacionamento dos dois terminou.
… Isso é terrível.
Esse é o único comentário que eu podia fazer.
De repente, Kokone me disse:
— Ei, Kazu-kun, certa vez você se confessou para mim, não foi?
— Hã… quê?
Por que ela está trazendo essa história antiga à tona? Olhei no rosto dela, mas não consegui ler as intenções por trás de seu sorriso. Eu nunca me confessei para ela. Bom, tecnicamente, eu me confessei, mas foram as ações de uma garota que tomou o controle do meu corpo.
Mas, até onde a Kokone sabe, realmente me confessei a ela.
— Eu fiquei perdida! Diferente das outras confissões que recebi, fiquei feliz com a sua. Pensei que me tornar sua namorada podia ser a escolha certa. Afinal de contas, você não se importaria com as cicatrizes nas minhas costas e me aceitaria como sou.
— Hmm, Kokone… — tentei falar, mas ela continuou antes que eu pudesse explicar qualquer coisa.
— Também achei que o Daiya finalmente seria capaz de seguir em frente.
Prendi minha respiração. Sem ter muita certeza do que dizer, apenas esperei que ela continuasse. Por alguma razão, Kokone mostrou um sorriso brincalhão ao ver minha confusão.
— No entanto, não esperava que a Mari-mari tivesse algo a ver com a sua confissão!
…Pensando nisso, nunca corrigimos aquela desculpa que inventamos para explicar aquela situação.
— E-eu sinto muito… err, para falar a verdade, aquilo aconteceu por causa da “caixa” de outra pessoa. A explicação que a Maria te deu foi apenas uma mentira conveniente.
— Aaah… entendo, foi uma “caixa”! Agora finalmente faz sentido. Rapaz, essas “caixas” realmente são problemáticas, não é mesmo? …Mas acho que nesse caso eu fico agradecida, não é? Acho que era necessário para mim… pensar seriamente sobre sair com você, Kazu-kun.
— Por que… você acha isso?
— Bem, você se lembra de que comecei a chorar durante nossa aula de música?
— Sim.
Foi o incidente em que eu estava apanhando do Daiya no momento em que recuperei o controle do meu corpo. Depois daquilo, descobri que o “portador” não apenas fez com que eu me confessasse a Kokone, como até mesmo me fez pressioná-la para dar uma resposta.
— Sabe, Daiya e eu, nós pensamos que o melhor para nós dois seria se começássemos a sair com outras pessoas. Nós realmente tínhamos a intenção de fazer isso quando encontrássemos uma oportunidade que valesse a pena. E essa oportunidade surgiu quando você se confessou para mim. Eu me imaginei saindo com você e Daiya namorando uma garota diferente. Mas quando olhei para o Daiya com esses pensamentos em mente…
Seu sorriso ficou amargo.
— Eu comecei a chorar.
Ela rapidamente perdeu até mesmo aquele sorriso amargo.
— E então, finalmente percebi.
Ela contorceu o rosto de uma maneira dolorosa e carregada de tristeza e disse:
— Que ainda estava perdidamente apaixonada pelo Daiya.
Tenho certeza que ela quis negar seus sentimentos. Várias e várias vezes. É isso que sua expressão amarga me transmite.
— Na verdade, eu queria que ele estivesse ali apenas para mim.
Porque, se os admitisse, ela não seria mais capaz de desejar que o Daiya fosse feliz com outra pessoa.
— Percebi que meus sentimentos por ele não desapareceriam mesmo se eu saísse com você, Kazu-kun. E meio que percebi que seria o mesmo para o Daiya. Nosso problema não será resolvido até que eu volte a ser quem eu era. Enquanto eu não puder aceitá-lo como antigamente. Mesmo que seja impossível, é a única maneira.
Uma tragédia.
— Daiya não pôde mais suportar, não é mesmo?
O mundo ao redor deles mudou, mas eles não podiam. Eles não podiam aceitar a realidade.
— Então, ele conseguiu uma “caixa”. Mas isso não… — Incapaz de se segurar, Kokone pressionou a testa contra o meu ombro. — Isso não quer dizer que é minha culpa o Daiya ter acabado dessa forma?!
Eu não podia ver o rosto dela.
— Farei qualquer coisa. Qualquer coisa, se puder salvá-lo. Se nós precisarmos de uma “caixa”, farei isso! Tome minha vida e faça o que você quiser.
Inconscientemente, repeti essas palavras alarmantes:
— Sua vida?
— Sim. Estou falando sério.
Ela estava. Com certeza.
Ela estava disposta a se sacrificar pelo Daiya.
E, efetivamente, o Daiya já se sacrificou.
Se não tivesse sido o Daiya, mas a Kokone a recorrer a uma “caixa” primeiro, isso teria dado início a uma tragédia diferente, porém similar. Seus sentimentos um pelo outro estão os destruindo.
É assim que seu romance doentio, porém belo, é.
Ah. Vamos supor que aquele incidente com as costas da Kokone nunca tivesse acontecido. Não haveria qualquer problema com o romance deles; ele teria continuado invejavelmente perfeito. Nenhuma distorção teria existido. Eles teriam sido felizes um com o outro.
Um único momento de azar perturbou o equilíbrio. Se apenas um erro tivesse sido prevenido... E se Rino não fosse amiga de infância do Daiya? E se Rino não tivesse saído com Koudai Kamiuchi? E se ele não tivesse feito aquela coisa horrível com a Rino? E se Kokone e Daiya tivessem escondido seu namoro? E se Kokone tivesse uma personalidade um pouco mais ousada na época? E se houvesse alguém que se erguesse para impedir aquela violência? E se o Daiya tivesse percebido o plano absurdo da Rino? E se Haruaki tivesse sido mais direto sobre seus sentimentos em relação à Kokone? E se eu os conhecesse desde o ensino fundamental? Uma pequena diferença poderia ter mudado o destino, e nós poderíamos estar rindo juntos sobre o passado neste exato momento.
Mesmo enquanto esses pensamentos me vêm à mente pela primeira vez, percebo que Kokone e Daiya devem ter pensado sobre essas possibilidades milhares de vezes e ter odiado este mundo por tê-los arruinado. Algo que poderia ser evitado pelo mais simples “e se…”.
Esse é o real motivo de Daiya estar lutando uma batalha perdida para corrigir um mundo com o qual ele nem sequer se importa.
…Mas então, e a Kokone?
— Kokone.
— Hum? — murmurou ela, pressionando novamente sua testa contra o meu ombro.
— Pelo que você usaria uma “caixa”?
— Eu a usaria pelo Daiya! Desejaria por um mundo onde pudéssemos ser felizes!
Mas tal futuro não existe.
Daiya atingiu um ponto em que não há mais volta.
Esse “desejo” não se tornará realidade, e Kokone deve estar ciente disso.
— Mas estou um pouco preocupada, eu poderia usá-la sem colocar nenhum outro pensamento estranho disperso nela?
E por isso ela disse isso.
Ela finalmente ergueu o rosto, com um sorriso leve nos lábios, e me disse algo que foi o bastante para me convencer de que jamais poderá voltar a ser quem era.
— Eu poderia realizar esse “desejo” sem, ao mesmo tempo, desejar que todo mundo, exceto o Daiya, vá para o inferno?
✵
— Ah, não, não! Desculpe! Não quero que você morra, é claro! Ah-hum, nem o Haru-kun! Eu realmente gosto muito do Haru-kun, sério!
Ela rapidamente, sem muito sucesso, tentou mascarar o que havia falado. Por ter dito que gosta tanto do Haruaki, imediatamente respondi com a seguinte pergunta:
— Você não pensou em sair com o Haruaki?
Kokone arregalou os olhos e deu um sorriso desanimado.
Eu imediatamente percebi: Ah… Kokone estava completamente ciente dos sentimentos dele por ela.
— Pensei! — respondeu ela em um tom de voz animado. — Mas não adianta. O Haru-kun sabe sobre o meu passado.
— Hoshii, por que está me encarando com esse olhar estranho? — Haruaki me pergunta com o rosto franzido, enquanto caminhamos por uma rua deserta.
Eu me lembro do que ele me confessou outro dia:
— Eu tinha uma queda pela Kiri.
— Ah, mas sabe? Não sinto mais a mesma coisa por ela.
— …Não se preocupe comigo se quiser sair com a Kiri, Hoshii! Vocês formariam um belo casal.
Ele sabia que não podia salvá-la? Que apenas faria com que ela sofresse, assim como o Daiya, porque eles sabem do passado dela? É por isso que, assim como a Kokone e o Daiya, ele me disse que eu deveria sair com ela?
É por isso que, assim como a Kokone e o Daiya, ele não tem outra escolha a não ser ignorar seus próprios sentimentos? Apesar de que, se eu o questionasse sobre isso, ele apenas fugiria da minha pergunta. Talvez ele mesmo não saiba ao certo.
— Haruaki…? — Em vez disso, faço outra pergunta. — Você disse que a Kokone está quebrada, não foi?
Minhas palavras parecem tê-lo surpreendido; ele me encara inconscientemente. Mas, após respirar fundo, recupera seu sorriso.
— Sim, eu disse.
— O que te faz pensar isso?
Ele coloca a mão embaixo do queixo e pensa por alguns instantes.
— Se, por exemplo, você visse alguém se afogando diante dos seus olhos e pudesse salvá-lo facilmente, você o faria? Por favor, imagine esse cenário e me responda seriamente.
Imagino alguém se afogando no oceano, um garoto que está gritando desesperadamente e se debatendo. Estou carregando um colete salva-vidas e posso salvá-lo facilmente, sem qualquer risco pessoal.
— Bom, claro que eu o salvaria!
— Por quê?
— Hein? Não é normal salvar alguém se você puder fazê-lo sem problema algum? Não há qualquer outro motivo. Bom… se alguém morresse diante dos meus olhos, acho que me sentiria arrependido. Ou pior, posso acabar permanentemente traumatizado.
— Não é mesmo? Eu penso da mesma forma.
Isso é óbvio.
Mas, se ele me fez essa pergunta, quer dizer que…
— Você quer dizer que a Kokone não faria o mesmo?
— Não, ela me disse que faria.
— Ah…
Sou pego de surpresa. Pelo rumo da nossa conversa até agora, estava certo de que ele daria uma resposta diferente.
Mas Haruaki ainda não terminou.
— Mas, quando fiz a mesma pergunta a ela, ela me questionou o seguinte. — O sorriso dele ficou amargo. — Quem é a pessoa?
No começo, não consigo entender qual o problema dessa pergunta, mas, aos poucos, começo a perceber que tem algo de errado nela.
— Normalmente, você salvaria a pessoa incondicionalmente, se pudesse. Porque, normalmente, você imaginaria que é alguém em dificuldade que merece e precisa da sua ajuda.
Algumas pessoas poderiam fazer a mesma pergunta que a Kokone sem qualquer significado profundo. Mas se Kokone tivesse perguntado isso casualmente, Haruaki não estaria mencionando isso. Ele percebeu algo a mais.
— Mas a Kiri não apenas pensa que é alguém que precisa da ajuda dela. Ela começa se preocupando sobre aquilo poder ser uma armadilha feita para feri-la. Kiri não pode salvar alguém que está se afogando até saber se é ou não um inimigo. Imagine o quão cautelosa ela se tornou com o mundo ao redor dela. E isso a impede de agir, embora fosse se arrepender por deixar aquela pessoa morrer tanto quanto eu e você.
De qualquer forma, por que ele perguntou isso a ela?
Talvez tenha deduzido até certo ponto que ela responderia dessa maneira? Talvez tenha obtido certo grau de entendimento sobre a Kokone e queria confirmar suas suspeitas ao fazer essa pergunta?
— Por causa da violência que ela sofreu, Kiri considera os outros como inimigos naturalmente. Isso a impede de fazer as decisões corretas. Ela está se afogando em sentimentos negativos, odiando seu destino, tudo e todos que a fizeram ser o que ela é hoje. A Kiri não pode escapar e, portanto, não pode fazer o que quer; o que deveria fazer. Para mim…
Haruaki para por um instante.
— Para mim parece que ela está quebrada.
Ao ouvir essas palavras, percebo: Ele ainda gosta da Kokone.
Afinal de contas, Haruaki tem uma compreensão muito mais profunda da escuridão ao redor dela do que eu, embora eu tenha ouvido isso diretamente dela. Não tem como ele perceber tudo isso sem se preocupar com ela. Haruaki continua, com uma ponta de resignação em sua voz.
— Enquanto a Kiri não puder se colocar em primeiro lugar, ela não irá mudar.
Tenho certeza que Haruaki espera que as coisas mudem, pelo bem dela. Não para que possa sair com a Kokone, mas para que ela possa reatar sua relação com o Daiya. Ele deseja que ela se torne feliz com o homem que ama e que corresponde esse sentimento.
Quando chego a essa conclusão, uma nova ideia cruza minha mente.
…Colocar a própria felicidade acima de tudo.
Haruaki disse que ela precisa ser capaz de fazer isso.
Mas e ele, é capaz disso?
Há uma solução?
Quais são as relações ideais para essas três pessoas?
Seria maravilhoso se simplesmente pudessem mudar o passado.
Mas mesmo que usem uma “caixa”, que poderia garantir qualquer “desejo”, isso é impossível. O que precisam é construir relações novas ideais… ou pelo menos estáveis. Mas ainda não consigo encontrar uma solução, e tenho certeza que eles também não. Não consigo ver um objetivo a ser alcançado, então não há nada que possa fazer. A única coisa que sei é que enquanto a “Shadow of Sin and Punishment” do Daiya existir, eles não poderão seguir em frente.
Ah, mas isso não é desculpa. Não estou mais tentando me enganar. Só ajo pelo bem da Maria, não pelo bem dos meus amigos Daiya, Kokone e Haruaki. Não vou destruir a “Shadow of Sin and Punishment” pelo bem deles; só estou fazendo isso para salvar a Maria.
Salvá-los está fora do meu alcance. Só posso rezar para que o resultado dos meus esforços também seja capaz de trazer felicidade a eles. Mas eu realmente rezo por tal resultado. Rezo, esperando que minhas preces me mostrem o caminho para uma nova solução.
— Espero que você esteja bem com isso, Haruaki…
— Hmm?
Parece que ele ouviu meu sussurro, por acidente.
— Nada.
Consegui organizar meus pensamentos.
Estou calmo agora.
Devo focar somente no que está dentro do meu alcance.
Ou seja, esmagar o “desejo” distorcido do Daiya.
Certo… sou um ser que esmaga “desejos” alheios.
— Haruaki, o que devemos fazer agora? — pergunto, tendo definido minhas prioridades.
— Hmm… acho que a escolha mais segura seria esperar pelo fim da “Wish-Crushing Cinema”.
— Provavelmente, sim.
Mas nenhum de nós dois está confiante. Sabemos muito bem que o Daiya já deve ter previsto nosso jogo de paciência. Portanto, ele definitivamente assumirá a ofensiva para destruir a “Wish-Crushing Cinema” com sua inteligência natural e sua “caixa”.
O tempo está acabando, então talvez ele decida tomar medidas desesperadas. Ele tentará me caçar com a “Shadow of Sin and Punishment”. E, para isso, usará os mil [servos] que havia usado antes para procurar por mim e pela Maria.
Ser procurado por mil pessoas foi uma experiência terrível. Senti como se o mundo todo estivesse me perseguindo. Mas sua próxima [ordem] não será tão inofensiva quanto uma estratégia para me assustar. Na pior das hipóteses, ele pode [ordenar] que matem aquele que acredita ser o “portador”. Pode tentar me matar. Pode usar seus mil [servos] para um ataque direto.
Não é surpresa eu estar tremendo.
Dizem que um rato, quando encurralado, morderá, mas o Daiya não poderia ser menos parecido com um rato. Posso tê-lo encurralado, mas ele é um leão. Basta um pequeno deslize e ele pode virar a mesa no último instante e me esmagar até a morte com suas presas.
— O que devemos fazer…
— Hmmm… não, acho que nossa única opção é nos esconder. Ele não pode nos atacar se não puder te encontrar, certo? — Haruaki diz. Ele está certo. — Quer dizer, é quase impossível encontrar alguém que está se escondendo em duas horas, mesmo com mil pessoas procurando. Eles também não podem usar a internet apropriadamente, pelo menos não em tão pouco tempo… E, se nos escondermos, vamos nos esconder junto com a Kiri, certo? Não sabemos quando Daiyan começará a se perguntar se ela é a “portadora”… Aah! Eu estava apenas falando por falar, mas essa pode ser uma ótima ideia, na verdade! Acho que ficaremos bem se nos escondermos onde ela está nesse momento!
Tocando no assunto, no momento Kokone está se escondendo no dormitório de um clube de beisebol, graças ao amigo de um amigo de Haruaki que compartilha de seu interesse por beisebol. Até pouco tempo atrás, o próprio Haruaki estava lá.
Nós a escondemos lá após ouvirmos sobre os detalhes da “Shadow of Sin and Punishment” pela Yuuri-san. Chegamos à conclusão de que seria mais difícil para os [servos] a encontrarem se ela se escondesse com um conhecido distante em vez de permanecer fugindo.
Daiya não sabe dessa conexão, muito menos sobre a localização do dormitório. Realmente, não devemos ter problema em ficar lá por duas horas. Contudo, nesse caso…
— Daiya não nos permitirá permanecer escondidos. — Ele não deixaria algo assim passar batido. — Ele fará algo para nos atrair. Se ele usar a Maria para me ameaçar novamente, não terei escolha a não ser jogar o jogo dele.
— Argh, entendo…
— Hmm? Mas… — Uma ideia surge em minha mente enquanto falo — …sim, só precisamos garantir que ele não possa nos ameaçar…?
Haruaki inclina a cabeça.
— Hmm? Do que você está falando? É escolha dele nos ameaçar ou não, não é mesmo?
— Só precisamos fazer isso.
Pego meu celular e o desligo.
— Hã? Err, como isso o impede de nos ameaçar?
— Você só pode ameaçar alguém se puder se comunicar com a pessoa. Não importa o quanto você queira forçar alguém a fazer algo, você simplesmente não tem como fazer se não puder entrar em contato, certo?
— Hmm? Bem, sim, mas se o Daiyan estivesse prestes a ferir a Maria-chan, ela estaria em perigo mesmo que ele não conseguisse se comunicar com você, não estaria? Você não está apenas tapando seus ouvidos para ignorar o risco que ela está correndo?
— Mas o objetivo do Daiya não é ferir a Maria, certo? Isso é apenas um pretexto para me atrair! Se ele não puder nem fazer a ameaça, não fará sentido machucá-la.
— Entendo.
— Portanto, vou me esconder como você sugeriu e garantir que o Daiya não possa entrar em contato conosco. Feito isso…
— Daiyan não será mais capaz de te contatar, e você pode se esconder e esperar! …Err, isso significa que eu e a Kiri também precisamos desligar nossos celulares. Afinal de contas, ele poderia tentar usá-los para entrar em contato com você. Certo! Vou mandar uma mensagem para a Kiri pedindo para ela desligar o dela, e depois também desligarei o meu.
Haruaki começa a teclar uma mensagem.
De repente, começo a pensar se não deveria ter tido essa ideia antes. Talvez isso tivesse tornado nossas vidas muito mais fáceis, não é?
…Não, na verdade, não.
Essa estratégia teria funcionado se eu estivesse sozinho, mas antes eu tinha que proteger a Maria. Eu não podia simplesmente enfiar minha cabeça na areia sem colocá-la em perigo. Ironicamente, esse método só funciona porque a Maria está ausente, e porque estou tão encurralado quanto o Daiya.
— Certo. Vamos nos juntar a Kokone imediatamente, antes que os [servos] nos encontrem.
— Beleza! Então vamos… — ele para de falar repentinamente.
— Haruaki?
Haruaki congela, olhando para seu celular.
— O Daiya já te mandou uma mensagem?
Ele ignora minha pergunta e começa a mexer em seu celular com uma expressão completamente séria. Ele abre seu aplicativo de TV e se concentra na tela.
…Por que ele iria querer assistir TV neste momento?
Ele parece não estar conseguindo encontrar o que está procurando, então sai do aplicativo e começa uma busca na internet.
— Qual o problema, Haruaki?
— Kiri me enviou uma mensagem e me disse para ligar a TV. Seja o que for, foi apenas por alguns segundos, de qualquer forma. Ela também deve estar bem confusa. Ele fica em silêncio novamente, mas, após alguns instantes, encontra o que estava procurando e ergue a cabeça.
— Hoshii. Parece que nos atrasamos um pouco. — Haruaki diz, ao me mostrar a tela do celular.
Está passando um noticiário em um site de vídeos; a previsão do tempo, para ser mais exato, transmissão ao vivo com uma cidade ao fundo.
— Hein…
Contudo, há algo bastante inapropriado nessa previsão.
Uma mulher nua. Uma morena esquelética com mais de cinquenta anos está de quatro latindo. Tem algo escrito em letras largas com um marcador permanente em seu corpo, abaixo de seus seios pendentes, mas é difícil de ler por causa do que ela está fazendo.
“Venha ao cinema!”
Só aparece por um instante, no entanto; a câmera vira imediatamente e a programação volta ao estúdio. O vídeo termina nesse momento.
— Hoshii, podemos realmente continuar ignorando o Daiyan se ele está disposto a usar até mesmo a TV para te ameaçar? …Nós não podemos, não é mesmo?
— É… nós não podemos.
Vamos supor que o Daiya [ordene] a um de seus [servos] que faça um anúncio na TV dizendo que Maria Otonashi será assassinada se eu não for até o cinema. Nesse caso, ele não se importaria se a mensagem me alcançasse ou não, porque poderia cumprir sua ameaça assumindo que vi seu recado.
Não posso ignorar esse risco.
Se eu continuar ignorando-o, ele pode simplesmente aumentar o impacto de suas táticas. Pode até mesmo mandar seus [servos] fazerem algo que arruinaria meu cotidiano para sempre.
No momento, estou considerando o pior caso possível: Daiya pode ferir Maria. Agora que descobri sua estratégia, não posso mais fingir ignorância. Mesmo ameaças que não me alcançarem terão um impacto.
— Tch!
Agora é muito pior se eu não puder receber as mensagens dele. Já que não faz mais sentido manter meu celular desligado, ligo-o novamente. Como se por mágica, imediatamente recebo uma chamada. Abro meu celular e leio o nome na tela.
“Kasumi Mogi”
— Te encontreeei!
Ainda não atendi a chamada.
O som de chamada confirma isso, mas há um som desconhecido acompanhando o toque do celular.
Screetch screech screech screech.
O som de rodas.
O som de uma cadeira de rodas.
Daiya Oomine - 11/09 SEX 22h12min
Por que eu deveria apostar todas as minhas fichas em um único jogo?
Tenho altas expectativas em Iroha Shindou, mas nunca esperei que sua missão tivesse uma chance de 100% de sucesso. Por causa do meu tempo limitado, seria fatal para mim se eu dependesse apenas de uma pessoa, e essa pessoa falhasse em completar sua missão.
Portanto, armar o ataque da Shindou não foi a única coisa que fiz com meus [servos]. Enquanto ela estava trabalhando em mostrar à Otonashi que o Kazu a traiu, também armei algumas outras coisas, em paralelo.
Também tentei enviar uma mensagem ao Kazu pela TV. Dei [ordens] a onze pecadores que considerei culpados o bastante para se tornarem “Cães Humanos”. A missão deles era escrever “Venha ao cinema!” em seus corpos nus e aparecer na TV. Não há como garantir que tenham cumprido seus objetivos com sucesso, mas acho que um ou dois deles devem ter conseguido.
Quando Aya entrou no cinema, achei que essa manobra tinha sido desperdiçada, mas ela acaba de adquirir uma nova relevância. Essa estratégia previne que o Kazu e os outros cortem a comunicação comigo. Ele só precisa esperar até o fim da “Wish-Crushing Cinema” para me derrotar, então sua melhor opção seria se esconder de mim e cortar a comunicação. Mas, se eu conseguir criar uma enorme comoção na TV e isso até mesmo se espalhar pela internet, há uma alta probabilidade de que isso o alcance, e então ele irá perceber o quão arriscado é cortar completamente a comunicação.
Minha “Shadow of Sin and Punishment” é muito mais efetiva quando posso estabelecer contato.
Ainda estamos no hall de entrada; Piercing aos Quinze ainda não começou. Como minhas ações serão bastante restringidas quando o filme começar, preciso planejar minha estratégia agora.
Dezessete minutos até o filme começar, mas só tenho doze minutos, pois seremos transportados para a sala cinco minutos antes disso. Droga… estou numa corrida constante contra o tempo.
— Então, sumarizando... — Aya começa a recapitular o plano que repassei a ela. — Faremos Kasumi Mogi usar a “Flawed Bliss”. Como ainda está aflita devido a sua incapacidade e seu amor não correspondido por Kazuki Hoshino, ela não irá recusar. E então, vou me esquecer de Kazuki Hoshino.
Assinto. Aya continua.
— Como Hoshino não quer que a Mogi se lembre da “Rejecting Classroom” e sua paralisia parcial a torna dependente, é seguro assumir que ele não a tornou uma aliada. Em outras palavras, assim que seus [servos] entrarem em contato com ela, você pode prosseguir com seu plano sem se preocupar com ele entrando em seu caminho. Além disso, ela é uma presa fácil, já que sabemos que está no hospital.
Bom, honestamente, não me importo com a Mogi desde que o Kazu venha aqui. Mas não falo isso, é claro.
— Kasumi-san…
A pequena sirigaita atrevida se intromete de novo. Calada, sua múmia vadia.
— Você está dizendo coisas rudes sobre mim em sua mente, não é? Está escrito na sua testa! Sou muito boa em ler expressões, sabia?
Decido me juntar a essa conversa unilateral.
— Só para saber, você conhece a Mogi?
— Bom, ela é uma rival no amor e temos uma inimiga em comum, no final das contas. Nós ocasionalmente trocamos informações no hospital. Hehehe!
— Planejando o crime perfeito para se livrarem da Otonashi, hein? Como está indo? O plano da troca da cadeira de rodas está indo bem? Bastante engenhoso de sua parte usar o fato de que as pessoas acham que a Mogi não pode se mover como álibi!
— Por que seu plano de assassinato é tão específico?! Você poderia, por favor, mudar sua opinião sobre mim?! Já está na hora!
— Mas, deixando isso de lado, por que você de repente começou a falar quando mencionamos a Mogi? Tem algo em mente?
— Hã? Não, nada em particular…
Que grande perda de tempo. Eu deveria apenas ignorar essa garota permanentemente.
— Certo.
Como vou usar a Mogi…?
Apesar de que, honestamente, seria mais efetivo usar a Aya do que a Mogi para atrair o Kazu. Pode parecer óbvio, mas seria o ideal seria usar meus [servos] para ameaçá-lo com a Aya. Eles poderiam dizer algo como: “Se você não vier à “Wish-Crushing Cinema” antes do dia terminar, irei matar Maria Otonashi.”
Acho que eu poderia colocar um tempo limite de cinco minutos para meia-noite. Essa ameaça seria efetiva; Kazu não tem como ter certeza se estou falando sério ou não sobre matá-la, já que estou obviamente entre a cruz e a espada.
Então por que estou planejando usar a Mogi mesmo assim? Por que preciso dar esse passo quando vou perder uma quantidade considerável de tempo envolvendo-a?
Claro, Aya precisa acreditar que vamos deixar a Mogi usar a “Flawed Bliss”.
Mas tem outro motivo.
Como acabei de dizer, usar a Aya é uma ameaça muito efetiva.
O problema é que é efetiva demais.
Se eu usá-la, pode parecer que a vitória certamente será minha.
Para quem?
…Para “O”.
— Acabei de ter uma ideia sobre como trazer o Kazu aqui — digo à Aya.
— Que ideia?
— Apenas faremos um de meus [servos] quebrar os dedos da Mogi.
— Do que você está falando?
Como esperado, ela franze o rosto.
— Forçaremos ele a vir até aqui fazendo-o assistir as mãos da Mogi serem destruídas.
Ele certamente não conseguiria ficar parado ouvindo o som dos dedos de uma garota sendo quebrados, especialmente os de uma que ele costumava amar, conseguiria? Ainda mais porque aquela garota só tem a parte superior do corpo funcional; suas mãos são ainda mais preciosas para ela!
— Não aprovarei isso!
— Achei que você não gostasse da Mogi, certo? Ela até te esfaqueou uma vez, não foi?
— Quantas vezes terei que repetir isso até que você entenda? Meus sentimentos pessoais não fazem diferença. Não deixarei ninguém se machucar, não importa quem seja.
Bem, eu esperava uma reação dessas. Não faz sentido brigar com ela agora.
— Certo. Vou abandonar essa ideia.
Finjo desistir.
Ela não pode monitorar as [ordens] que dou, então não importa o que digo a ela. Não há necessidade de manter minha palavra. Irei quebrar os dedos da Mogi com ou sem a aprovação da Aya.
Essa conversa falsa foi para “O”. Preciso que “O” acredite que esse é meu trunfo.
Pelo bem da Maria, Kazu pode abandonar a Mogi mesmo que seus dedos sejam quebrados bem diante dos olhos dele. Kazuki Hoshino é capaz de qualquer coisa, não importa o quão extrema, uma vez que tenha decidido o que fazer.
Tenho certeza que “O” também percebeu isso. Por isso, “O” não achará que minha vitória já está decidida; ela concluirá que pode continuar a observar sem interferir porque parece que meu plano irá falhar.
Na verdade, ameaçá-lo com a Aya será meu verdadeiro plano. Mas manterei isso para mim mesmo, fazendo “O” acreditar que ameaçar o Kasu usando Kasumi Mogi é o ponto crucial. É questionável se sequer é possível enganar uma entidade como “O”.
Minha resposta para isso é:
…É possível.
Parece que “O” pode observar o mundo todo. Contudo, ela disse que é similar a observar a terra pelas lentes da câmera de um satélite. Se isso for verdade, deve ser impossível entender os detalhes intrínsecos das minhas intenções. Essa é a fraqueza de “O”.
Portanto, é possível enganá-la. Como um mágico que distrai sua plateia com uma performance chamativa enquanto executa seu truque, irei esconder meu plano de ameaçar a Aya ameaçando Mogi por hora.
É claro, não posso dizer com certeza como “O” funciona, então não posso simplesmente relaxar. Preciso estar preparado para mudar meu plano rapidamente, se necessário.
Mas já estou no processo de entender o padrão de pensamento de “O”. Quase fui enganado pelos seus poderes praticamente onipotentes, mas… por bem ou por mau… descobri sua verdadeira identidade, podendo, assim, analisá-la mais precisamente.
A natureza de “O” não é a de um deus ou a de um demônio, mas a de um humano peculiar. Ela parece ser muito inteligente, mas também não excede os limites do que é humanamente possível. Não há nada realmente perturbador para se preocupar. Aposto que a personalidade de “O” foi criada para imitar a da verdadeira “Aya Otonashi” por uma certa irmã mais nova.
Nesse caso, devo ser capaz de prever seu curso de ação com minhas afiadas habilidades de análise. Por exemplo, tem uma coisa que posso dizer com certeza. “O” irá aparecer diante de mim mais uma vez antes desse dia terminar.
— Iroha! — Yanagi grita subitamente. Eu me viro em direção a ela.
Iroha Shindou está diante do painel de informação. Ela está claramente exausta; suas roupas estão tingidas de tinta vermelha e seu rosto está coberto de sujeira.
— O-o que houve, Iroha? Isso é sangue? Você está ferida?
Cheia de preocupação, Yanagi corre em direção à Shindou.
— É sangue artificial. Não estou ferida… mas acho que você pode dizer que fui assassinada.
— O-o que isso quer dizer?
— Minha “caixa” foi destruída.
Os olhos da Yanagi se arregalam em surpresa, enquanto Aya franze o rosto. Também tenho várias perguntas me inquietando, mas há uma que preciso fazer primeiro:
— Qual o motivo dessa atuação boba, “O”?
Yanagi e Aya tiram seus olhos de “O” e viram seus rostos em minha direção.
— Oh?
A expressão exausta de Shindou muda para o habitual sorriso charmoso dela. Mas preciso dizer… fico completamente perdido olhando para o rosto dela… essa expressão gentil e o olhar do Kazu ao me enviar para cá realmente se parecem.
— Caramba, é realmente uma pena você não me deixar enganá-lo, Oomine-kun! Você se importaria de dizer o que me entregou?
— Bom, foi apenas intuição.
Na verdade, estive esperando a chegada dela há algum tempo. Com sua personalidade, “O” deve querer observar eu e o Kazu de perto. É claro que não falo nada disso para ela. Não devo deixá-la pensar que posso vencer, então devo evitar levantar suspeitas desnecessárias entregando meu plano.
“O” não parece suspeitar de nada, acho que não está muito interessada.
— “O”. — Aya nos encarou com ódio em seus olhos enquanto conversávamos.
— Há quanto tempo — diz “O”.
— Finalmente decidiu me dar uma nova “caixa”?
— Não há como eu fazer isso, há? Até mesmo me incomodei em a explicar certa vez que você é tão interessante de se observar quanto um aspirador de pó. Não tenho qualquer intenção de agir por alguém como você, que é basicamente um robô idiota!
Vendo as duas, eu me pergunto: Mas que porcaria é essa? Por que “O” age tão ofensivamente enquanto clama não ter interesse na Aya? “O” não age dessa forma com mais ninguém. Por que isso não deixa Aya desconfiada? Essa linha de pensamento foi interrompida à força por “O”, que foca sua atenção em mim novamente.
— Oomine-kun, quero te dizer uma coisa. Poderia me dar um instante?
Isso é uma surpresa. “Uma surpresa” porque estava convencido de que “O” não deixaria sua posição neutra como observadora a menos que Kazu estivesse ficando para trás. Olho para o meu relógio, me recompondo e refletindo sobre minhas previsões falhas.
22h19min
— Posso esperar que o que você tem a dizer valha a pena escutar, com meu tempo limitado? Tenho menos de seis minutos restantes para conversar livremente. Se você quiser apenas jogar conversa fora, infelizmente terei que recusar.
Se eu escolher ouvir “O”, não terei tempo sobrando antes de ser transportado à força para o último cinema e não serei mais capaz de agir livremente.
— É algo importante!
Isso é tudo o que precisava ouvir; não posso mais recusar sua oferta agora.
— Entendido.
Não tenho mais nada para fazer, de qualquer forma, exceto repetir o plano para a Aya. Já dei minhas [ordens] relacionadas à Mogi; um de meus [servos] e seguidores fanáticos já está a caminho do hospital da Mogi.
— Desculpe, mas posso pedir que os outros saiam? Isso é apenas para os ouvidos do Oomine-kun — diz “O”, para a decepção de Aya.
— Espere. Por que…
— Desculpe —, a interrompo, — mas não há tempo para questionar. Por favor, apenas suprima suas objeções por hora.
Embora ainda pareça incomodada, Aya não diz mais nada.
Assim que Aya e Yanagi desaparecem, rapidamente começo a conversa.
— Seja breve — digo para “O”, que ainda está na forma de Shindou.
— Hum, serei. — “O” concorda e vai direto ao ponto. — Kazuki-kun e eu nos tornamos inimigos.
Ela joga uma bomba.
...
Fui pego de surpresa. Honestamente, eu gostaria de pensar um pouco sobre essa revelação, mas o tempo está correndo. Ignorando meus sentimentos confusos, fiz a pergunta de maior importância para mim.
— Então você está do meu lado?
Minha mente e coração podem estar confusos, mas ainda posso juntar dois com dois. Não há tempo para confirmar ou me aprofundar em sua declaração neste momento; não tenho escolha senão assumir que ela está dizendo a verdade e perguntar se isso é vantajoso para mim.
— Não me aliarei a você.
— Por que não? Kazu se tornou nosso inimigo em comum, não é mesmo?
— Não acho que sua aproximação seja o bastante para quebrar a vontade dele. Em outras palavras, não vejo qualquer vantagem em te ajudar.
— Mas você não entrará no meu caminho para fazê-lo vencer, certo?
— Não, não entrarei! Na verdade, deixe-me dizer algo que irá agradá-lo: seu plano de usar a “Flawed Bliss” diante dos olhos do Kazuk-kun é o melhor curso de ação que você pode tomar nesse ponto. Eu juro.
Também não tenho tempo para confirmar. Tenho que aceitar a palavra de “O”.
— Deixe-me perguntar outra coisa; por que Kazu se tornou seu inimigo se costumava ser a pessoa em quem você mais tinha interesse?
— Você faz parecer como se ele não pudesse se tornar meu inimigo por atrair meu interesse, mas é exatamente o oposto! Ele atraía meu interesse porque fomos inimigos esse tempo todo.
— Não desperdice o meu tempo. Quero saber o que fez vocês se voltarem um contra o outro.
— Ora, como você é sem graça. Se você me considerar como um ser que preserva Maria Otonashi como “Aya Otonashi”, então você pode considerar o Kazuki-kun como um ser que elimina “Aya Otonashi” de Maria Otonashi. É completamente natural nos opormos, não é mesmo?
— Acho que sim. Ele deve acreditar nisso também. Mas… e daí? Claro, Kazu é excepcional, mas ele também é apenas um humano. Está me dizendo que ele tem um poder especial que o permite eliminar você, embora seja apenas um humano?
— Sim, ele tem. Kazuki-kun obteve o poder de esmagar “caixas” à força.
Estive prosseguindo sem pausas até agora, mas sou forçado a parar por um instante.
— O poder de esmagar “caixas”?
Isso não é trapacear?
Por um momento, achei que ela estivesse falando da “Wish-Crushing Cinema”, mas estava errado. Essa “caixa” é feita especialmente para esmagar a minha “caixa”.
— Por que Kazu tem esse poder?
— Assim como eu, ele recebeu um poder da “Flawed Bliss”.
— Não entendo. Como o Kazu receberia um poder da... — Não, preciso engolir isso por hora, mas ainda há algo que não me faz sentido. Não tenho certeza de quando Aya obteve sua “caixa”, mas tenho quase certeza que eles não se conheciam naquela época, certo? Então como o Kazu pode ter sido influenciado pela “Flawed Bliss”?
— Não é tão difícil: Meu oposto existia desde o começo, mas essa posição havia sido deixada em branco porque Maria Otonashi era incapaz de imaginar alguém capaz de se opor a mim. Mas o papel desse oposto estava lá… vago! E, eventualmente, alguém digno dessa posição apareceu: Kazuki Hoshino, o humano anormal que era o “salvador” de um certo alguém. Houve apenas um pequeno atraso.
Entendo. O poder da “caixa” permite violações da casualidade.
Dito isso, outra coisa tem me incomodado.
— Há algo que quero saber.
— E o que seria?
— Que droga é você?
— O quê? Bom, é uma pergunta rude. Sua pergunta foi vaga demais para responder!
— Sei que você é baseada na verdadeira Aya Otonashi. Também sei que você está sob influência da “Flawed Bliss”. Contudo, não consigo entender como o Kazu é seu oposto e como ele pode destruí-la com o poder especial dele.
— Ah, sua compreensão foi incompleta? Veja bem, a função primária da “Flawed Bliss” é permitir que eu exista como “O”, porque é assim que ela garante “desejos”. Como consequência, eu não seria mais capaz de existir como “O” se a “Flawed Bliss” fosse destruída.
Esses novos fatos me deixam completamente impressionado, mas não tenho tempo para lidar com minha confusão emocional. Tento responder “O” dependendo inteiramente de lógica fria:
— Isso significa que, falando claramente, eu também usei a “Flawed Bliss” da Aya?
— Acho que sim. Eu não existiria sem a “Flawed Bliss”, afinal de contas.
— Mas isso não significa que é mentira o fato da Aya perder suas memórias quando ela a usa? Afinal, ela ainda se lembra de tudo, embora eu esteja usando uma “caixa”.
— Ah, não é uma mentira. Ela só perde suas memórias quando decide usar a “Flawed Bliss” por conta própria.
— Que exceção conveniente.
— Eu me pergunto… você não acha que é assim que as “caixas” são, para começo de conversa? De qualquer forma, talvez você deva pensar um pouco mais sobre o porquê de ela perder suas memórias.
Ao ouvir esse conselho, lembro-me da conversa falsa que “O” e Aya tiveram mais cedo. Por que Aya é tão estupida quando se trata da questão de quem é “O”? Foi o que pensei naquela hora.
Percebo o motivo.
A resposta é: Porque de outra maneira a “Flawed Bliss” não funcionaria. Aya não deve perceber que “O” foi criado pela “Flawed Bliss”, muito menos que a personalidade de “O” claramente lembra a da verdadeira “Aya Otonashi”. Ela não deve descobrir como sua “caixa” realiza “desejos”. Se ela perceber, sua “Flawed Bliss” não seria falha, mas simplesmente defeituosa.
Portanto, ela precisa esquecer sempre que descobre a verdade por trás desse sistema. Aya e “O” são meramente atores em um grande jogo de gato e rato: ela supostamente deveria obter uma nova “caixa” de sua arqui-inimiga, para que possa tornar seu “desejo” perfeito e livre de falhas.
Contudo, ela jamais será capaz de obter a “caixa” que deseja. É claro que não. O simples ato de enfrentar “O” significa que ela mesma é prisioneira da “Flawed Bliss”.
…
Mas que merda?
Quão fútil é isso? É como fazer castelos de areia que desabam no momento em que uma onda quebra na praia. É isso que a Aya tem feito esse tempo todo? Foi por isso que ela matou sua própria personalidade, gastando uma vida inteira em tormento? É por isso que ela está arriscando sua própria vida?
…
O Kazu já percebeu quão fúteis são os esforços dela? Não, sinto dizer isso, mas ele não é inteligente o bastante para analisá-la de forma tão crítica. Mas ele deve estar sentindo a tensão implícita instintivamente. Deve estar entendendo a verdade por trás da “caixa” dela por instinto.
Exatamente; é assim que Kazuki Hoshino é.
Logo, não há dúvida de que ele tentará esmagar a “Flawed Bliss” para libertar Maria Otonashi desse sistema autodestrutivo. E não preciso dizer que a “Shadow of Sin and Punishment” estará no meio de seu caminho.
— Como exatamente o Kazu esmaga “caixas”? Como ele pode esmagar a minha?
— Se Kazuki-kun tocar seu peito, ele pode remover sua “caixa” e destruí-la. Ele fez exatamente isso com a “caixa” de Iroha Shindou.
— O quê? Shindou foi realmente derrotada? Não, mais importante…
… Com apenas um toque? Hein?
Isso não é bom.
No momento, estou tentando trazê-lo para dentro do “Cinema”. Contudo, se eu conseguir, ele pode destruir minha “caixa” simplesmente encostando em mim…
— Droga, estou num beco sem saída.
Se eu esperar aqui, minha “caixa” será destruída, mas, se chamá-lo aqui e ele tocá-la, ela será destruída da mesma forma. Que porcaria é essa? Isso é injusto pra caramba!
Certo, devo pensar nisso por meio de termos específicos. Por exemplo, posso colocar meu braço ao redor do pescoço da Aya e fazê-la de refém para prevenir que ele encoste em mim.
Contudo, isso é impossível. Não sou moralmente contra isso, mas é fisicamente impossível; estarei no cinema nesse ponto. A “Wish-Crushing Cinema” força uma apatia insuportável em mim quando tento fazer qualquer coisa exceto assistir o filme que está na tela.
Não posso ameaçar a Aya enquanto enfrento essa apatia.
Então devo fazer a Aya usar a “Flawed Bliss” e esquecer sobre ele, ele estando aqui ou não? Mas isso também não é possível; as coisas não correriam tão bem. Aya disse que não usaria sua “caixa” em ninguém que não a peça literalmente por isso, e seus princípios são inalteráveis. Não tenho tempo o bastante para pressionar a Yanagi ou a Mogi o suficiente para fazê-las quererem usar a “caixa”. Kazu esmagaria minha “caixa” antes disso.
…Não, tem outro problema básico que surge se o poder da “Flawed Bliss” é o equivalente a usar uma “caixa” de “O”.
— Uma pessoa que já usou uma “caixa” pode usar o poder da “Flawed Bliss”?
“O” me responde sem mostrar qualquer reação especial.
— Você não pode usar a mesma “caixa” duas vezes, mas, se for uma diferente, então é possível! Embora, pessoalmente, eu não daria uma “caixa” para a mesma pessoa duas vezes.
O que quer dizer que, em teoria, Yanagi e Mogi podem usar a “Flawed Bliss”. Mas como eu as faço…
— …Ai!
Meu pensamento repentinamente fica lento. Estou perto do meu limite. Minha cabeça dói por causa da descarga de informação que ainda preciso processar adequadamente. Estou provavelmente no meu limite de fatos atordoantes que posso aceitar e entender antes de desligar completamente minha mente.
Olho para o meu relógio. Tenho um minuto antes de ser transportado para o cinema.
— “O”.
Mas ainda tem algo que quero confirmar não importa como. Algo que quero perguntar desde que descobri quem “O” realmente é.
— Sim?
Dependendo da resposta, minha determinação pode falhar. É assim o quão crucial minha pergunta é.
— A “Flawed Bliss” é uma “caixa” externa?
Existem dois tipos de “caixas”: externas e internas. O tipo de uma “caixa” é determinado pela força da crença do “portador” de que seu “desejo” pode se realizar no mundo real.
Então, vamos supor que a “Flawed Bliss” fosse uma “caixa” do tipo interno, refletindo um cenário em que o “portador” não acredita em seu “desejo”. Embora possa variar dependendo do seu nível de poder, uma “caixa” do tipo interna normalmente não afeta o mundo real. Isso significa que todos os milagres que foram criados pela “caixa” até agora…
“Rejecting Classroom”, a “Sevennight in Mud” e a “Game of Idleness”… aconteceram em um mundo falso. Essa história toda não seria mais do que um sonho da Aya.
É claro, o mesmo vale para a “Shadow of Sin and Punishment”. Não posso aceitar um resultado tão hilário, nem seria capaz de suportá-lo. Se a “caixa” dela não for externa, todas as minhas ações terão sido em vão.
— Sim, ela é; e até mesmo de nível dez. Ela acredita que pode fazer os outros felizes com pureza absoluta. Fique tranquilo, suas preocupações são supérfluas.
Parece que ela está dizendo a verdade. Ah, isso é um alívio. As coisas que fiz não acabarão como atos nulos e vazios. Tudo isso… meu plano de elevar o nível de ética no mundo, as punições que infringi em pecadores que ainda não foram punidos, a dor que sofri por causa das “Sombras do Pecado”, o dano que causei à Iroha Shindou, eu ter assassinado Koudai Kamiuchi ou as várias vidas que distorci com a minha “caixa”; nada terá sido nulo e vazio no fim.
Estou aliviado… ou deveria estar.
Verdade seja dita, como “portador”, instintivamente percebi que minha “caixa” é do tipo externo. Mas, como sou uma pessoa que não confia em sua intuição e essa é uma questão de importância crucial, queria ter uma confirmação adicional.
Certo, tem outra pergunta vital; uma que emergiu quando ouvi sobre o poder do Kazu:
— O Kazu é um ser que destrói “caixas”, certo?
— Foi o que eu disse, sim.
— Nós podemos nos tornar “portadores” porque fomos atraídos por nossas “caixas” e as aceitamos. Mas uma pessoa que destrói “caixas” é essencialmente o oposto do que somos.
“O” está ouvindo com um sorriso completamente gentil e sublime.
— Pode alguém que nega as “caixas” a esse nível se tornar um “portador”?
“O” me dá uma resposta curta e precisa:
— Não.
✵
Logo depois daquela conversa, sou transportado pela enésima vez e acabo sentado diante de uma tela novamente.
Em cinco minutos, o último filme, Piercing aos Quinze, irá começar.
Estou cercado por indivíduos inanimados que são meras sombras deles mesmos.
Comparado à audiência dos outros filmes, o número de rostos que reconheço entre os bonecos inexpressivos aumentou. Atrás à minha direita está a verdadeira Yuuri Yanagi, atrás de mim à esquerda está Aya Otonashi. A versão de “O” que assumiu a aparência da Shindou não está mais presente.
Além disso, a anomalia particular dessa “caixa”, o vazio tingido de preto, se aproximou ainda mais e está a apenas dois assentos de distância de mim. A escuridão absoluta… o abismo.
Finalmente está ao meu lado.
— Ah.
É claro.
Kazu não pode se tornar um “portador”. Ele não poderia ter criado a “Wish-Crushing Cinema”. Na verdade, ele não poderia criar uma “caixa” que existe somente para esmagar o meu “desejo”.
Então quem é o verdadeiro “portador” dessa “caixa”?
Alguém que pensa somente em mim…
Alguém que poderia fazer um “desejo” somente por mim…
Só existe uma pessoa que poderia fazer isso.
Ah, sentada ao meu lado, está a protagonista deste último filme.
… Kokone Kirino.
O ar condicionado desse cinema é muito forte. Sinto como se o ar artificialmente frio estivesse criando buracos em minha pele. Toco meu piercing. Já criei tantos buracos em meu corpo... mas ainda não é o bastante. Não há aberturas o bastante.
Kokone.
Não importa quantos buracos eu crio, você simplesmente não deixa o meu corpo. Apenas te ver dessa forma te faz voltar. O calor que você me deu quando te abracei não sai de mim. O calor gentil que costumava nos cercar conflita com a realidade e tenta me deixar louco com som de trituração que essa ação produz.
Não tem nenhuma maldita forma de eu conseguir terminar este filme.
Minha mente irá quebrar no meio da exibição.
Por quê…
Por quê...
Por quê…
Por que acabou dessa forma?
A “caixa” à qual estou me opondo pertence à Kokone?
Eu estive lutando contra a Kokone?
Não.
Não estamos lutando, não. Algo parece errado.
Então quem estou enfrentando?
Contra o que eu estou lutando?
Como poderíamos ter sido felizes?
Errado.
É errado pensar dessa forma.
Não escolhi a felicidade.
Escolhi a justiça.
Eu devia ter previsto esse resultado.
Essa sempre foi a história da minha ruína final.
Ah, minha mente se despedaçará em breve. Vou mergulhar na ruína. Tudo bem. Só preciso entender, buscar e agir pelo que é certo, e meu corpo continuará lutando por conta própria.
Eu sei que situação é essa.
Chama-se desespero.
Mas, muito tempo atrás, já me banhei em mais desespero do que posso suportar.
Ah.
A tela produz um brilho branco e, no instante seguinte, exibe uma luz vermelha. Uma cena familiar está se aproximando: o fim de um mundo.
Agora devemos assistir ao extravagante drama romântico de um estudante ingênuo do fundamental. Vai ser um sucesso! Preparem seus lenços! Vocês todos adoram essa merda, não é mesmo? Coisas nas quais alguém sofre, com as quais vocês podem se sentir bem enquanto derramam algumas lágrimas de pena. Por que não comem um pouco de pipoca enquanto aproveitam o espetáculo?
Posso pedir uma salva de palmas, pessoal?
Clap. Clap. Clap.
Clap.
Clap.
Clap clap.
Kazuki Hoshino - 11/09 SEX 22h31min
Mogi-san ainda não consegue andar de cadeira de rodas sozinha.
Isso significa que ela não veio até aqui sozinha e que não foi ela a pessoa que disse “Te encontreeei!”.
— Heh, haha! Que sorte a minha!
Uma garota de aparência inocente está empurrando a cadeira da Mogi-san. Mas a impressão de inocência que tive dura apenas uma fração de segundo. Originalmente inspirada por uma olhada rápida em seus cabelos negros esvoaçantes e no uniforme de marinheira bem arrumado, assim que olho em seus olhos, essa fachada falsa perde o sentido.
Estamos em um beco vazio. Sob a iluminação de um poste de luz, seus olhos estão brilhando com tanta força que, à primeira vista, alguém poderia acreditar que eles perderam a habilidade de refletir luz adequadamente.
Esses olhos são anormais.
— Encontrei vo-cê. Kazuki Hoshino, Kazuki Hoshino, Kazuki Hoshino! — diz ela de forma animada, enquanto rodopia. De repente, ela para e me encara, com os lábios fortemente pressionados. — O inimigo do mestre Daiya.
Instintivamente percebo que ela é um dos fanáticos que Yuuri-san mencionou.
— Mogi-san… o que está acontecendo…?
O rosto da Mogi-san está pálido. Ela ainda está de pijama; provavelmente foi raptada por essa fanática.
— E-ela simplesmente apareceu e me sequestrou sem dizer uma palavra… eu estava assustada… mas não consigo me defender…
Certo, ela não pode revidar em sua condição atual. Essa garota… não, Daiya… definitivamente recorreu a táticas sujas.
— Eu não tinha ideia do que estava acontecendo. Antes que eu percebesse, ela já tinha me levado do hospital e, então, tomou meu celular e te ligou, Hoshino-kun. Só aí percebi por que ela tinha me raptado.
— Meu celular tocou praticamente no mesmo instante em que fomos encontrados… o que significa que estávamos perto apenas por coincidência…
Por acaso, estamos perto do hospital agora. Foi um problema a serva do Daiya nos encontrar tão depressa, mas acho que eu teria atendido quando visse a chamada da Mogi de qualquer forma. Era apenas uma questão de tempo até essa garota com olhos de alumínio nos encontrar.
A garota começa a acariciar as mãos da Mogi e volta a falar:
— Eu vou quebrá-los.
— Hein?
Como suas palavras não parecem coincidir com a situação, não faço ideia do que está falando.
— Vou quebrar os dedos. Sabe, os dessa garota. Sinto muito.
Os olhos da Mogi-san se arregalam, e ela olha para a garota.
Pego de surpresa, tento fazer algumas perguntas óbvias para conseguir tempo.
— Po-por que você faria isso?
— Hum… porque fui [ordenada]. Pelo mestre Daiya.
— Espere um instante! — Haruaki para de apenas assistir passivamente e entra na conversa. — De que isso vai adiantar?
— Do que vai adiantar? Como eu disse, foi uma [ordem].
— Não é disso que estou falando! Qual é o seu objetivo? Daiya Oomine quer exigir algo de Kazuki Hoshino, certo?!
— Ah, certo. Exato! Minha ordem é forçar Kazuki Hoshino a entrar na “Wish-Crushing Cinema”! — responde a garota, como se não se importasse realmente com seu objetivo.
Sendo uma fanática do Daiya, ela provavelmente não se importa com os meios e os fins do que ele a manda fazer. Ela apenas executa cegamente suas [ordens] sem qualquer senso de prioridade.
— Você não sente nada ao olhar para a Kasumi? Como você pode estar bem com isso?
— Haruaki a censura, visivelmente preocupado com sua declaração.
Após ouvir o que ele tinha a dizer, a garota se apoia na Mogi-san e inclina a cabeça para a direita, olhando para o rosto dela de cima para baixo. Mogi-san deixa escapar um pequeno grito quando a face subitamente surge diante dela.
— Eu tenho pena dela — admite a garota, para nossa surpresa. — Mas sou muito mais digna de pena.
— O-O quê?!
A garota ergue o rosto e sussurra:
— Eu tenho AIDS, sabem? Morrerei logo. Hmm, pobre de mim. — Mas seu tom de voz se mantém indiferente. — Então? Ela também é uma pobre coitada, e daí?
Nada importa. Para essa garota, Mogi-san ser “digna de pena” é apenas outra coisa que não importa.
A única exceção é sua crença no Daiya.
Ela é insana.
Haruaki fica completamente perdido, impressionado com sua insanidade. Estou convencido de que essa garota irá quebrar os dedos da Mogi-san um por um sem nem sequer piscar. Sem sentir nada, sem pensar sobre o que está fazendo.
Olho para a garota e:
— Ha… há…
Não posso conter um suspiro, seguido por uma risada.
— Ei, ei!
…Qual o problema Daiya?
Você está bem com isso, Daiya? O que houve com seu ódio por pessoas irracionais? Essa garota não é um exemplo clássico de tola irracional?
— O que é tão engraçado…? — pergunta ela, enquanto me encara com seus olhos de alumínio.
Esses olhos são assustadores?
Não para mim.
Muito pelo contrário, na verdade: graças a eles, posso encará-la como sendo apenas um obstáculo. Eles permitem que eu a encare como um obstáculo insignificante para o qual as regras não se aplicam. Renunciar ao raciocínio, se tornar cega e obediente e abandonar qualquer tipo de pensamento independente…
— Hein? Ah!
…também cria várias aberturas.
A garota solta um suspiro assustado quando subitamente me aproximo dela. Contudo, sua falta de raciocínio independente a impede de reagir de forma apropriada.
Pulo para trás dela e a estrangulo com as duas mãos.
— Ah, guh!
Surpresa, ela solta a cadeira de rodas.
— Haruaki!
Apesar de ter sido pego de surpresa pela minha ação repentina, Haruaki aproveita a abertura que criei. Ele rapidamente segura a cadeira e a coloca fora de alcance. Enquanto ela tosse, seguro-a pelo colarinho e a forço contra o chão, sem soltá-la nem por um instante.
Seus olhos perderam o brilho semelhante ao de alumínio e agora estão apenas arregalados. Seu pânico é claramente visível. Mas e daí?
Você pode alimentar com esse pânico um cão ou qualquer outra coisa.
— Sabe, fanatismo é bom e tudo o mais, mas…
Estendo minha mão sobre ela, paro e a enfio em seu peito como uma espada.
— Ah!
— Você também precisa de vontade e determinação.
Removo uma das cópias produzidas em massa da “Shadow of Sin and Punishment”.
— Ah…
A garota olha para o objeto que estou segurando; uma grosseira “caixa” que parece um grão de soja preto.
— Pa-pare! Mi-minha ligação! Minha ligação com o mestre Daiya está desaparecendo! — grita ela, desesperada.
— Tal coisa nunca existiu! Apenas fique quieta, está bem? — zombo.
Não preciso me segurar contra pessoas que ficam entre mim e a Maria.
Crush.
…Plop.
Era ridiculamente frágil; foi como esmagar uma formiga.
— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!
A garota desmaia, assim como Iroha-san quando destruí sua “caixa”.
— Há.
Que sentimento vazio.
Apenas fiz algo que sou capaz de fazer. Isso é tudo.
Eu me levanto e tiro a poeira das minhas roupas enquanto encaro a garota desmaiada. Subitamente percebo que Haruaki está me encarando com os olhos arregalados.
— Qual o problema, Haruaki?
— Ah, hmm… apenas fiquei surpreso com o que você acabou de fazer.
— Ah, agora sou capaz de remover “caixas” e esmagá-las.
— A-Ah, entendo…
No entanto, apesar da minha explicação, ele ainda parece desconfortável.
— Hã? Tem mais alguma coisa?
— Ah, sim. Bem… você com certeza não se segura, não é mesmo?
— Me segurar? Por que eu deveria? Aquela garota estava prestes a quebrar os dedos da Mogi, não estava? Ela não teria hesitado, e você sabe disso, não sabe?
— Si-sim. O que você fez foi correto sim.
Correto.
Sim, correto.
E isso me faz ficar confuso sobre o porquê de o Haruaki estar tão perturbado. De qualquer forma, Mogi-san é minha prioridade nesse momento. Ajoelho-me e sorrio para ela.
— Você está bem?
— O-obrigada.
Embora eu esteja falando gentilmente, ela parece estar tão perturbada quanto o Haruaki.
…Tudo bem, eu admito. Meu comportamento foi um pouco estranho.
Enquanto tento justificar minhas ações silenciosamente, tentando me convencer de que não havia espaço para hesitação, olho para ela e percebo algo.
— Hm? Mogi-san? Tem algo escondido no bolso da sua camisa?
— Uh. — Ela deixa escapar enquanto desvia o olhar.
Que reação foi essa?
O quê…? Antes que eu possa continuar, Haruaki toca minhas costas.
— Problemas, Hoshii! Aquele grito alertou os vizinhos!
Olho ao redor e percebo que a luz de entrada de uma casa próxima se acendeu, acompanhada por vozes assustadas.
É claro. Talvez não tenha muito tráfego por aqui, mas não é completamente desolado como local onde lidei com a Iroha-san. Isso me faz perceber mais uma vez o quão descuidada a garota de alumínio foi, tentando cometer um crime em tal lugar.
— O que devemos fazer? Não quero perder tempo aqui tendo que explicar o que aconteceu.
— Embora esteja preocupado com ela, nós precisamos ir. Vamos pelo menos apoiá-la contra um muro; se nós a deixarmos caída no chão, podem achar que a atacamos. Acho que a polícia pode cuidar dela.
Eu assinto, e nós prosseguimos de acordo com a sugestão do Haruaki.
✵
Após fugirmos, vamos em direção ao dormitório em que a Kokone está se escondendo. Contudo, temos um problema. Mogi-san.
Ela não sabe sobre a situação atual. Contudo, não posso simplesmente contar a ela sobre as “caixas” e envolvê-la nisso. Por outro lado, também não podemos simplesmente largá-la no hospital, Daiya pode dar outra [ordem] visando-a.
Devemos explicar parcialmente o que está acontecendo? E está tudo bem em envolvê-la, embora ela nem sequer possa se mover por conta própria?
— Mogi-san, o que você quer fazer agora? — essa pergunta escapou por entre meus lábios, já que não consigo chegar a uma decisão por conta própria. Mesmo assim, sei que ela é incapaz de tomar uma decisão direito, uma vez que está completamente no escuro.
Haruaki continua empurrando a cadeira dela, e Mogi-san permanece em silêncio por alguns instantes. Ela finalmente responde, parecendo incomodada:
— O que… seria melhor para você?
Essa pergunta parece perfeitamente aceitável, mas algo está me incomodando. O que ela está dizendo simplesmente não é natural. Você normalmente não perguntaria primeiro o que está acontecendo, ou pelo menos agiria de forma mais confusa?
— Me desculpe, Mogi-san!
— Quê? Ah!
Essa coisa que ela está escondendo está incomodando há algum tempo. Coloco minha mão dentro da jaqueta dela e sinto algo duro. Ela fica vermelha como um semáforo e tenta resistir um pouco, talvez por pânico, ou por vergonha por eu estar tocando nela. Mas ela resiste com tão pouca força que facilmente tomo o objeto duro dela.
E acabou por ser…
— Uma arma de choque…?
Por quê? Por que a Mogi-san está carregando tal arma? Ela realmente teve tempo de pegar essa arma de choque em segredo quando foi sequestrada por aquela fanática? Por que ela sequer teria uma arma de choque em seu leito, para começo de conversa?
A resposta mais razoável seria:
Mogi-san preparou a arma de choque antes do ataque.
Em outras palavras:
Ela sabia que seria atacada por um dos fanáticos do Daiya. Além disso, percebi algo quando encostei nela. Algo que é fácil de perceber agora que obtive a “Empty Box”.
…Mogi-san é uma “portadora”.
…Mogi-san é uma [serva].
Se ela sabia que seria atacada, por que não usou a arma de choque imediatamente? Em quem essa arma de choque deveria ser usada?
Que tipo de [ordem] Daiya deu a ela? Se ele deu uma [ordem] a ela, quem seria o alvo…?
— Eu não queria contar — sussurra Mogi-san. — Eu não queria contar que recuperei minhas memórias sobre as “caixas”. Porque…
Ela segura a manga da minha camisa de leve.
— Porque também me lembrei que desisti de você.
— Hein?
Eu absolutamente não esperava por isso. Achei que, como uma [serva], ela fora [ordenada] a me atacar, mas, agora que penso nisso, Daiya não se incomodaria em usá-la de forma tão ineficaz.
Então, o motivo pelo qual ela parece tão desconfortável é…
— Eu me lembrei do que aconteceu dentro da “Rejecting Classroom” — diz ela, cabisbaixa.
…porque ela não queria que eu soubesse que suas memórias sobre aqueles dias de desespero voltaram.
— Mas eu esqueci quase completamente dos detalhes, provavelmente porque minha memória já estava bastante confusa e desordenada quando estava dentro da “caixa”.
Pelo menos nisso ela teve sorte. Se suas memórias tivessem voltado completamente, ela poderia não ser capaz de sequer falar comigo.
— Mas devo ter causado a você e à Otonashi-san vários problemas. De alguma forma, sei disso. E tem outra coisa da que me lembrei.
Ela solta o meu braço.
— Você claramente me rejeitou — diz ela, com o sorriso mais brilhante que consegue mostrar.
Certo.
Nosso romance terminou naquele momento, de uma vez por todas.
Acabou.
Gastei uma vida inteira para acabar com ele.
Essa decisão é absoluta e não deve ser revogada.
E, mesmo assim, fui frio a ponto de manter uma foto de seu sorriso encantador em meu celular. Aquilo foi um erro. Não agi de acordo com minhas decisões.
— Mas isso não muda nada, Hoshino-kun. Você sempre foi e sempre será minha fonte de esperança.
Mogi-san parece perfeitamente alegre enquanto fala comigo. Ela pode aceitar isso? Bom, isso ainda não é desculpa para eu não falar nada; devo muito a ela, e ela merece ouvir isso da minha boca. Mas foi Mogi-san quem mudou de assunto.
— Hmm, mas agora nós não deveríamos estar falando sobre mim, não é?
— Bom, mas…
— O Oomine-kun está planejando fazer a Otonashi-san perder suas memórias!
— O quê?!
As coisas que eu queria dizer para a Mogi-san desapareceram da minha mente. Sinto muito, mas ela está certa… tenho outras prioridades nesse momento. Afinal de contas, Maria perder as memórias seria… um golpe fatal. Meu objetivo não é simplesmente destruir a “Flawed Bliss” da Maria… é persuadi-la a abandonar sua “caixa” por vontade própria.
Mas, obviamente, não tem como persuadi-la se ela perder suas memórias. Aos olhos da Maria, eu seria reduzido a apenas um estranho. Devido a sua vontade de ferro, será difícil o bastante convencê-la da forma que ela está agora — Deus me livre de tentar fazer isso no papel de um estranho para ela. Deixá-la perder suas memórias sobre mim é o equivalente a perder toda a esperança. Mas como eles pretendem fazer isso? …Não, isso é bem fácil, não é mesmo? Só precisam fazê-la usar a “Flawed Bliss” em alguém. Maria mencionou que poderia apagar suas memórias usando esse método.
— Tch, Daiya…!
Nada mal! Não importa o quão encurralado esteja, ele ainda dá um jeito de atingir o meu ponto fraco.
— Mogi-san... — dirijo-me a ela, rangendo os dentes, sem outra escolha a não ser obter mais informação. — Como você descobriu isso?
— Você já percebeu que possuo uma “Shadow of Sin and Punishment”, certo?
— Sim.
— Eu recebi uma [ordem] mais cedo.
— E o que era?
— Fui [ordenada] a me preparar para o ataque de um [servo]. Também recebi instruções para entrar em contato com você.
Em outras palavras, a arma de choque realmente era para se defender contra aquela garota, no final das contas. Ela provavelmente não a usou imediatamente porque a garota roubou seu celular e porque sabia que a garota tentaria entrar em contato comigo.
— Você queria entrar em contato comigo para me contar sobre o plano do Daiya de apagar as memórias da Maria, certo?
— Certo!
Ok, entendi isso. Eu entendi, mas…
— Mas espera aí, por que o Daiya faria isso? Por que ele iria querer que eu soubesse de seus planos?
— Hein?
A reação da Mogi-san deixa tudo claro.
Certo. É claro que ele não faria isso. Aquela [ordem] veio… de um [mestre] diferente. Porém, deveria ter apenas uma pessoa além do Daiya com o poder de [mestre], ou seja, Iroha-san. Duvido que ele confiaria esse poder a qualquer outra pessoa. Além disso, Iroha-san disse que ela era a única [mestra] além dele.
— Mas…
Mas existe uma pessoa a quem Iroha-san pode ter dado esse poder em segredo. Alguém em quem ela confia, alguém sensível o bastante para impedi-la quando viesse a hora da crise.
O nome dessa pessoa é…
— Yuuri-san.
Uma expressão de surpresa aparece no rosto da Mogi-san.
— O quê?
Eu estava bem confiante de que minha lógica estava certa, mas parece que errei.
— Parece que… eu estava errado?
— Você não está!
— Hmm?
— Por que você me chama pelo sobrenome e usa o primeiro nome da Yanagi-san quando fala com ela?
…
Hein?
— Você está incomodada com isso?
— E-eu estou! — reclama ela, corando.
Pelo que parece, eu estava errado sobre estar errado.
— Hmm…
De qualquer forma, a origem da [ordem] da Mogi-san é a Yuuri-san, no final das contas. Ela queria me comunicar sobre o que aconteceu dentro do “Cinema” usando a Mogi-san. Isso prova que eu estava certo em enviá-la ao Daiya.
Contudo...
Enviá-la até lá pode ter criado um problema: Daiya pode usar a Yuuri-san para eliminar as memórias da Maria sobre mim.
— Hoshii, e agora? A situação parece ter mudado completamente. Nos escondermos como sugeri mais cedo é inútil, certo?
Assinto.
— Não acho que podemos mais evitar as ameaças do Daiya nos escondendo.
— Sim.
— E suas [ordens] provavelmente se tornarão mais extremas. Ele pode até usar a mídia, afinal de contas.
Haruaki fica em silêncio, talvez pensando sobre a mulher que apareceu como cão humano na TV.
— Seus fanáticos também são perigosos, embora nós tenhamos conseguido enfrentar aquela garota de alumínio sem maiores problemas. Eu realmente não achava que eles acreditavam tão cegamente nele! Temo que possam nos atacar mesmo sem serem [ordenados], assim que descobrirem que o Daiya está prestes a perder seus poderes.
— Ugh, então o que devemos fazer?
Só há uma solução.
— Preciso entrar na “Wish-Crushing Cinema”.
Eu teria preferido apenas esperar, é claro.
Contudo, vou entrar no “Cinema””.
Isso significa que vou usar a “Empty Box” para destruir a “Sombra” dele. Em outras palavras, vou usar o poder de esmagar “caixas” diante dos olhos da Maria. Eu não queria mostrar esse poder para ela. Quer dizer, sequer é possível persuadi-la a abandonar sua “caixa” se ela souber que posso facilmente esmagá-la? Esse é um tipo de persuasão que lembra coerção e ameaça; é como segurar uma faca e dizer a alguém “se corte com essa faca, por favor. Ah, mas eu certamente não farei nada contra você!”. Eu sei que a Maria me abandonou permanentemente, mas fazer isso irá piorar ainda mais a situação.
Dito isso, não tenho outra escolha.
Se eu ficar aqui no mundo real sentado esperando e Maria perder suas memórias por causa da Yuuri-san, minha derrota será absoluta e irreversível. Olho para as palmas das minhas mãos. São mãos completamente normais, e menores do que as do Haruaki. Mas o poder soberbo de destruir “desejos” habita dentro delas.
— Com essas mãos, vou derrotar o Daiya — digo, cerrando os punhos.
Haruaki, que esteve me observando, assente levemente diante dessa atitude.
— Entendo, você vai até o Daiyan.
Ao dizer isso, ele olha para longe, pensando… ou hesitando… sobre algo.
— Tenho um pedido — diz ele, com um olhar determinado fixado em mim. — Leve a mim e a Kiri com você.
Ele se curva.
Não, vai ainda mais longe. Ele se ajoelha e se prostra diante de mim.
— Ha-Haruaki…
— Por favor! —grita ele, pressionando sua testa contra o chão. — Quero salvar o Daiyan, e, se alguém pode fazer isso, é a Kiri. A relação deles não pode ser mais distorcida. Eles atormentam um ao outro, eu sei. Mas, mesmo assim… mesmo assim, acho que ela é a única que pode salvá-lo. — Ele ergue a cabeça, seus olhos umedecidos. — Eu quero ajudá-los, quero que possam viver juntos! Mesmo que as coisas não terminem bem, quero ver o final disso não importa o quê.
A seriedade de seu pedido é evidente.
Contudo, hesito em responder.
Estou considerando as desvantagens que virão se eu levá-los comigo. Maria é, e continuará sendo, minha maior prioridade. Estou enojado com minha própria frieza, mas, novamente, sou o “Cavaleiro” da Maria.
— Hoshino-kun…
A princípio, achei que a Mogi-san estava prestes a me repreender.
Mas algo está errado; ela está pálida.
— Qual o problema?
— Eu acabei... acabei de receber uma mensagem da Yuuri-san... — Mogi-san completa.
— Otonashi-san se tornou uma [serva].