Volume 2

05. Mario

(Terça-feira) Kodomo no Hi¹

 

05. Maio (Terça-feira) 02:10

Estou tendo um sonho.

O mesmo sonho novamente.

 

Estou brincando com o coelho de pelúcia, sem orelha, em frente aos corpos. Coloco meu dedo indicador no pedaço arrancado e aumento o buraco. Coloco meus dedos dentro da cabeça do brinquedo e os movo. O formato da cabeça de pelúcia mudou. A sensação do algodão é gostosa. Para frente e para trás, para cima e para baixo. O olho do brinquedo se solta. Algodão saiu por sua face aberta.

Olho para minhas mãos. Exceto pelo fato de que elas estão cobertas de sangue, que já começa a secar, elas não devem ter mudado. Mas parece que essas mãos apodreceram e ficaram negras.

Meu corpo está coberto por algo que lembra lama, feito apenas de ódio.

Quero cortar meu corpo e deixar essa lama sair.

— Entendo. Isso é muito interessante.

 

— Hyy!

Essa voz súbita me assustou tanto que meu coração quase saiu pela garganta.

— Isto é uma distorção marcante para um incidente que aconteceu próximo ao garoto. Realmente estou interessado. A forma como você está envolvida nesse incidente é esplêndida e seus sentimentos pelo garoto também parecem interessantes.

Me viro e encaro o dono dessa voz.

Ele se parece… Aah, sim, é porque isso é um sonho, huh. Ele tem uma aparência obscura como se estivesse coberto em névoa. Nem posso reconhecer seu sexo.

— Que…quem é você? De… desde quando você está aqui?

Ao invés de responder, ele (ela?) apenas sorri. Reflexivamente olho para Nii-san. Aparentemente ele não percebeu a chegada dessa pessoa e continua chorando silenciosamente em desânimo.

Onde estou de qualquer forma? Essa devia ser minha casa, mas algo está errado. Não parece real, é quase como se tivesse entrado em uma foto.

— Você é uma existência bastante interessante também, apesar de não tanto quanto o garoto. Já sabia que humanos se tornam vazios quando odeiam a si mesmos, mas observar isso com meus próprios olhos é realmente divertido. Não vejo motivo para não te dar uma ‘caixa’.

Ignorando completamente minhas questões, ele começa a dizer coisas estranhas.

Mas uma coisa entendi. Ele é charmoso. Incrivelmente charmoso.

— Você tem um desejo?

É claro que tenho. Sempre estive implorando afinal de contas.

— Essa é uma ‘caixa’ capaz de conceder qualquer desejo!

Ele diz com sua voz charmosa e me entrega uma espécie de embalagem. Como ele mencionou, a aparência lembra uma caixa. Mas por alguma razão não posso observá-la claramente, apesar dela estar bem diante de mim.

Tento tocá-la.

Só com essa ação percebo que ela é « real ». Não por causa de um motivo lógico, mas porque sinto com meu corpo inteiro que é « real ».

Eu a aceito.

— Como posso usá-la…?

— Imagine seu desejo com precisão em sua mente. Isso é tudo! Humanos têm a habilidade de garantir desejos desde o princípio. Portanto, essa ‘caixa’ não é tão especial. Ela apenas simplifica seu desejo e assim o torna mais fácil de ser realizado.

Meu ‘desejo’ é deixar de ser Riko Asami. Me tornar alguém diferente de Riko Asami a quem detesto.

Então quem devo me tornar?

A primeira pessoa que veio a minha mente foi minha adorada Maria Otonashi. Mas é impossível. Ela não é humana para começo de conversa. Ela não é alguém que um ser como eu possa me tornar.

Mas então me ocorre.

— Eu desejo.

Ele é o garoto que diz que seus dias comuns são importantes como se fosse senso comum. Ele é o garoto que obteve Maria Otonashi por alguma razão.

“Seu dia-a-dia é importante”? Não me venha com essa. Tente dizer isso após experimentar o meu dia-a-dia! Não posso perdoá-lo por ser feliz sem qualquer motivo. Portanto, dê tudo isso para mim!

— Quero substituir Kazuki Hoshino.

Quando dei voz a meu desejo, a ‘caixa’ começou a se dobrar. E quando ela finalmente se torna pequena e maciça, voa em minha direção como um projétil e penetra meu corpo através do meu olho.

Sem sequer me dar tempo de sentir qualquer dor, ela penetra meu coração e passou a dominar meu corpo através das veias. Eu estou, eu estou, eu estou, eu estou sendo cortada, esmagada, mutilada, espalhada, dominada pela ‘caixa’, dominada e… eu desapareci.

— Substituir ele, huh? Huhu… você realmente é uma pessoa sem sorte.

Ele disse com um sorriso charmoso.

— Que azar o seu, perceber que não passa de uma substituta.

Por quê? É apenas felicidade ter desaparecido.

— Um humano vazio só pode imaginar um ‘desejo’ vazio. Sinto muito, mas eu sabia disso desde o começo, entende?

Ele explica com um sorriso gentil e verdadeiramente charmoso.

— Aah, que adorável! Você realmente acredita que pode escapar dos seus pecados apenas com isso, acho esse seu lado infantil terrivelmente adorável.

E então meu sonho continua comigo sendo atirada na lama.

Engolindo lama, incapaz de respirar ou falar.

 

05. Maio (Terça-feira) 06:15

Já tinha acordado há algum tempo atrás.

Mas estava apenas jogada na cama de Maria Otonashi como um animal de estimação, sem qualquer força de vontade para me mover. Preciso encontrar Riko Asami.

Mesmo sabendo disso, não posso me mover.

Maria Otonashi está sentada em uma cadeira e esteve me observando o tempo todo. E mesmo assim, não posso me mover. Não posso nem mesmo olhar para outro lado para tentar fugir dos olhos penetrantes dela.

Após algum tempo nos encarando, é ela quem finalmente perde a paciência e desvia o olhar. Ela se levanta e vai para algum lugar. Em alguns momentos ela volta e pressiona um copo de café contra mim. Vejo a fumaça subindo diante dos meus olhos. Mas continuo sem me mover, o que a faz perder a paciência novamente; ela mesma começa a beber o café e murmura algo como: — Amargo…

— …Mhh, certo, já que não tenho nada para fazer, vou falar comigo mesma um pouco.

Ela disse encarando o copo.

— Sou uma ‘caixa’. Posso realmente garantir ‘desejos’ exatamente como uma ‘caixa’ faz.

Seu tom faz parecer que isso é um tópico comum ao se tomar café.

— Mas sou uma falha como ‘caixa’. A felicidade que posso criar é apenas fabricada e falsa.

Mesmo parecendo indiferente, posso perceber claramente uma ponta de amargura na voz dela.

— Me pergunto o que é felicidade. É algo que você pode obter dependendo dos seus sentimentos? Se for, então alguém que acidentalmente apagou sua família inteira pode obter felicidade apenas mudando o foco dos seus sentimentos?

Acho que ela está se referindo a mim. Mas isso pode não ser verdade.

— …Acho que é impossível. Estou aqui porque penso assim.

Ela tem que estar falando sobre si mesma.

— Não sei exatamente quais são as suas circunstâncias. Mas não acho que você possa obter felicidade apenas mudando o foco dos seus sentimentos na sua situação. Você também acha isso, não é mesmo?

Exato. Não importa aonde eu vá, tudo se torna um inferno para mim.

— Você queria que eu te « salvasse », certo?

Ela diz após esvaziar o copo de café.

— Se você não se importar que ele seja defeituoso, posso te conceder um ‘desejo’.

Normalmente qualquer um acharia que isso é uma mentira descarada. Mas ela está totalmente séria.

Isso já é bom o bastante, deixando de lado se acredito ou não.

— …Sério?

É bom o bastante para me fazer falar.

— Sim. Se todos os caminhos te levam ao inferno, devo te dar outro caminho. Pode ser apenas uma ilusão, mas no seu caso não é como se tivesse escolha, certo?

Se ela apenas tivesse a intenção de me dar esperanças para fazer com que eu me mova, ela não falaria dessa forma.

— Mas você não tem receio em usar um poder tão estranho, Maria-san…? Não precisa pagar algum tipo de compensação por usar seu poder, como em um Mangá?

Maria Otonashi fica em silêncio.

— Então tem alguma coisa, certo?

— …Nada com o que você deva se preocupar.

— Se você falar dessa forma, só me deixa mais preocupada ainda!

Ela deixa escapar um suspiro ao me ouvir e fala:

— Eu perco uma parte da minha memória.

— Eh…?

— Ao usar a ‘Flawed Bliss²’, me esqueço da pessoa que faz o desejo e pessoas relacionadas a ela até certo ponto. Na verdade, quase não tenho memórias. Nem da minha família, nem dos meus amigos. Só me lembro que desejei isso por vontade própria.

— Mas que…?

Isso é cruel demais.

— …Mas isso não significa que vai esquecer tudo sobre Kazuki Hoshino?

Ela não responde essa pergunta. Certamente porque estou correta.

— …Não entendo! Por que você iria tão longe apenas pelo meu bem? Você até mesmo abandonaria as memórias de alguém importante, por quê…?

— Isso é problema meu. Como disse antes, não é algo com o que você deva se preocupar.

— Não tem com…

— Você é igual a mim.

Ela me interrompe.

— Não quero vê-la sofrendo. Não seria capaz de aguentar isso. Em primeiro lugar, você acha que teria me tornado uma ‘caixa’ se fosse capaz de ignorar algo assim!

E por esse motivo ela estaria disposta a perder memórias preciosas? Isso é estranho. Estranho, mas…

Exatamente por causa disso, ela foi capaz de se tornar um ser perfeito. Se puder fugir do inferno com isso, e é o que ela deseja, então eu devo aceitar a oferta dela.

— Por favor, me empreste o celular.

Maria Otonashi assente e me entrega o celular de Kazuki Hoshino.

Percebo que meu número está entre os discados. Eles devem ter tentado entrar em contato comigo. Mas isso não é o bastante para alcança-la. Também tentei ligar nesse número, mas ninguém atendeu. E quando me ligou ela não o fez usando meu número.

Ela usou o celular de Ishihara Yuuhei. Ligo e após alguns momentos,

— Alô?

Riko Asami atende a chamada.

Os três blocos restantes «10 - 11», «21 - 22» e «22 - 23» indicam o tempo que pertence a [Kazuki Hoshino] hoje. Se não impedir a ‘Sevennight in Mud’ hoje, o número de blocos de [Kazuki Hoshino] será reduzido à zero.

Agora são 21:43. Em outras palavras, [Kazuki Hoshino] tem apenas mais uma hora e dezessete minutos até as 23. Até lá nós precisamos fazer todo o possível.

Todas as preparações foram feitas. [Riko Asami] entrou em contato com «Asami-san». «Asami-san» aceitou nosso pedido de encontro e determinou uma hora e local.

E agora nós estamos diante de Riko Asami.

 

O lugar indicado por «Asami-san» é a nossa escola. A escola tem um sistema de segurança, mas o alarme não dispara se alguém pular o portão da escola. Está vazio por causa da Golden Week. Apenas ela estava parada em meio ao pátio abandonado.

— Por que vocês acham que aceitei me encontrar com vocês?

Como esperado, seu sussurro soa completamente diferente do estilo de falar que estamos acostumados a ouvir dela.

— Afinal sei qual é o objetivo da Maria-san. Vocês vieram para impedir meu suicídio e roubar minha ‘caixa’ não é mesmo? Mesmo sendo inconveniente para mim, decidi encontrar vocês. Sabem o por quê?

Ela diz e de alguma forma parece incapaz de focar o olhar.

— Queria te ver novamente uma última vez antes do fim. Queria ver a pessoa que adorava, a pessoa que conseguiu o que não consegui, criar uma identidade perfeita.

— Você está errada.

Maria a interrompe com uma voz decidida.

— Você quer que eu a impeça de cometer esse ato estúpido de jogar sua vida fora.

Riko Asami ouve essas palavras em silêncio. E então sua boca forma um sorriso quase imperceptível.

— É uma pena, mas palavras clichês como essas não funcionam em mim. Que pena… não queria ouvir você dizer coisas tão dolorosas.

— Hmpf, então por que você nos encontrou? Você acha que não posso ver que você está com medo de morrer?

— Na verdade, você é minha garantia.

— …Garantia?

—Achei que você poderia me matar se acabasse querendo desistir de cometer suicido.

Ela diz indiferente.

— …

Me pergunto, por quê? Por que a conversa delas… me deixa tão irritado? Deveria ter outros sentimentos. Nervosismo, medo, simpatia – esses sentimentos seriam muito mais naturais. E mesmo assim, me sinto irritado?

Penso e penso… e finalmente percebo. … Oh não, isso não pode…

— Asami-san.

Provavelmente já tinha percebido isso inconscientemente. Então é apenas natural me sentir irritado! Essa conversa boba não tem qualquer sentido, não é mesmo?

— Você se encontrou com Miyazaki-kun durante a ‘Sevennight in Mud’, certo?

Ela assente lentamente em resposta.

— Para nos fazer acreditar que não existe forma de impedir ‘Sevennight in Mud’, Miyazaki-kun mentiu para nós dizendo que o ‘portador’ estava morto. Ele tentou me fazer desistir para completar a ‘caixa’.

— …E daí?

Ela me apressa para que continue.

— Tenho certeza que Miyazaki–kun estava convencido de que nós não conseguiríamos te encontrar. Mas você está viva. Então da onde veio essa convicção?

Ela hesita por um momento e diz:

— …Isso é porque prometi me esconder quando o encontrei. Por causa disso, o Nii-san…

— Por quê?

A interrompo e pergunto:

Por que você, estando pronta para cometer suicídio a fim de impedir o ‘Sevennight in Mud’, precisaria cooperar com Miyazaki-kun, que é aliado de [Riko Asami] que deseja que a ‘caixa’ se complete?

Ela fica em silêncio.

— Isso não é um pouco estranho?

— …Você não entenderia meu conflito, Kazuki Hoshino.

Não posso mais aguentar. Não posso mais segurar esse ódio dentro de mim.

— Isso é nojento! Pare de falar desse jeito agora!

— …Essa é a minha forma natural de falar. Acho que você não teria como saber, mas desde o fundamental…

— Não dá para você parar com essa atuação logo? Você não pretendia se esconder mesmo já que está aqui diante de nós mais uma vez, certo? Então...

— Pare com essa atuação, ‘O’!

 

Maria arregala os olhos e se foca em Asami-san… não, ‘O’. A expressão no rosto de Asami-san desaparece. E não posso mais sentir qualquer traço de Riko Asami nesse rosto inumano.

— Você já tinha começado isso no dia 30 de abril, certo? Seu mau gosto é repugnante! Agora que penso nisso, Asami-san pareceu estranha para mim naquele dia. Mas no dia seguinte, Haruaki esqueceu que ela esteve agindo de forma estranha. Isso é por causa dessa sua propriedade de que apenas o ‘portador’ consegue reter memórias referente a você, certo? Você nunca entrou na nossa sala porque Miyazaki-kun estava lá, certo?

Asami-san continua me ouvindo sem qualquer expressão no rosto.

— Miyazaki-kun só foi capaz de contar aquela mentira absurda de que Asami-san estava morta, porque ele sabia que o corpo dela estava sendo controlado por você, ‘O’. Se um ser inumano dizer a ele «não vou mais aparecer» após tomar o corpo de Asami-san, ele naturalmente iria acreditar.

Ainda nenhuma expressão se forma em seu rosto.

— Ele pode ter esquecido sobre sua existência, mas parece que não se esqueceu do fato de que a irmã dele tinha sido possuída por alguém. Portanto, a única salvação para Miyazaki-kun era completar a ‘Sevennight in Mud’. Foi assim que você fez dele [meu] inimigo. Foi assim que você preparou o estágio para [mim] e [Riko Asami] podermos nos enfrentar.

Encaro Asami-san e declaro:

— Dessa forma, você pôde se entreter enquanto me observava.

Assim que termino de falar…

— Huhu.

A expressão vazia desmorona levando consigo tudo o que restava de Riko Asami.

Não, o corpo ainda é o mesmo. Mas agora é óbvio. Riko Asami não pode existir através dessa expressão. Nenhum humano seria capaz de formar um sorriso tão abismal.

— Oh, realmente devo te dar meus parabéns!

‘O’ bate palmas sem tirar o sorriso do rosto. Ele pode manter a compostura porque sabe que está fora do nosso alcance, não importa que tenhamos o encontrado.

— … Você parece estar se divertindo, ‘O’.

Maria diz com uma expressão séria.

— Me divertindo? Huhu, é claro que estou! Dessa vez foi realmente valioso de se observar. Foi realmente interessante ver como Kazuki Hoshino reagiu quando seu corpo foi roubado, como ele pensou, como ele sofreu! Não esperava que você fosse perceber [Riko Asami] distintivamente como uma « inimiga » e atacá-la. Huhu, comparado com a última vez isso foi bem curto, mas em compensação foi magnífico.

— Seu depravado.

Contudo, o insulto da Maria não foi capaz de tirar o sorriso do rosto dele.

— Muito bem… vou entregar essa ‘caixa’ então.

Eu demoro um pouco para entender o que ele acaba de falar. O que ele disse? Dar a ‘caixa’ para nós? Por quê? Nós nem sequer começamos a negociar por ela…

— …O que você está planejando?

Maria pergunta em meu lugar.

— Oh? Será que meu comportamento é incompreensível para você?

— Você está dizendo que essa atitude calma sua é apenas um blefe e que na verdade você está encurralado agora que o encontramos?

— Sua teoria foge completamente do ponto. Por que preciso estar encurralado? ...Entendo, parece que existe um mal entendido. Meu objetivo não é ser um incômodo, mas apenas observar Kazuki Hoshino, entende? Fui capaz de aproveitar e observá-lo mais do que o suficiente com essa ‘caixa’. Já realizei meu objetivo. Portanto não tenho qualquer razão para não os entregar essa ‘caixa’ já usada.

Agora que mencionou, isso é óbvio. O objetivo dele não é completar a ‘Sevennight in Mud’. Não, se a ‘caixa’ fosse completa, ele iria…

— Ah…!

— Oh, parece que você percebeu mesmo não tendo comentado sobre isso. Que pena.

Certamente ele está feliz em ver meu rosto pálido. ‘O’ diz sem perder seu sorriso abominável.

— Exato, a ‘caixa’ que vocês chamam de ‘Sevennight in Mud’ não era para ser completa desde o início. Riko Asami é um ser humano interessante, é verdade. Mas jamais sacrificaria meu querido objeto de observação apenas por causa de uma existência tão insignificante. Deixar [Riko Asami] assumir o corpo de «Kazuki Hoshino»? Não posso permitir isso.

‘O’ ri.

— Portanto, não importaria se não tivessem me encontrado, entregaria a ‘caixa’ eventualmente. Entregá-la agora não deveria ser estranho.

Considerei [Riko Asami] hostil para poder me recuperar. Por esse objetivo, feri [Riko Asami] e a fiz sofrer. Até envolvi Miyazaki-kun nisso. Até traí Maria uma vez. E mesmo assim. Apesar de ter passado por tudo isso.

— Foi tudo em vão.

No final das contas apenas dancei ao ritmo imposto por ‘O’? Então, qual foi o sentido dessa semana…?

— Não foi em vão.

Ouvindo isso, me viro na direção dela sem pensar. Maria, que declara isso, mostra um sorriso desafiador à ‘O’.

— O que você quer dizer?

— Não entende? O objetivo do Kazuki era recuperar o cotidiano dele. É apenas natural ele fazer todo o possível para conseguir isso. E por isso, nada teria mudado. Mesmo que ele tivesse descoberto antes que você não pretendia completar a ‘Sevennight in Mud’, as ações dele não teriam sido diferentes.

— Por quê?

‘O’ pergunta curioso.

— É óbvio.

Maria disse como se estivesse rindo de ‘O’.

Ninguém confiaria em algo frágil como seu capricho.

Aah, entendo. Entregar a ‘caixa’ para mim é apenas um capricho dele ‘porque esse é o desenvolvimento mais interessante para ele’. Jamais teria confiado em algo assim e deixado de agir. Mesmo que fosse perda de tempo, ainda teria me esforçado para encontrar uma maneira de resolver essa ‘caixa’.

— Entendo. Mas deixando Kazuki-kun de lado, para você isso foi uma completa perda de tempo. Afinal de contas, essa ‘caixa’ não pode ser usada novamente.

— Essa sua forma simplória de pensar é hilária. Sua aparição aqui me fez avançar pelo menos um passo. Afinal, você acabou de provar que vou encontrar ‘O’ ou ‘caixas’ desde que esteja com o Kazuki.

— Hm…?

Ao ouvir isso, ‘O’ arregala os olhos, impressionado.

— Está falando sério?

Maria responde com uma expressão confusa.

— Ei, já passei uma vida inteira perseguindo a ‘caixa’. Por que você duvidaria das minhas palavras?

— Não é isso que quero dizer! Eu não me importo com suas idiotices. Estou perguntando se essa prova de que você pode me encontrar estando com o Kazuki-kun tem qualquer significado.

Ela arregala os olhos ao ouvir isso. E então começou a ficar pálida lentamente.

— Você não percebeu… ou melhor, você não pensou muito sobre isso?

‘O’ disse sorrindo.

— Essa prova é insignificante. Você planeja abandonar Kazuki-kun de qualquer forma, não é mesmo?

Co… Como é…?

— Não diga bobagens!

— Huhu, esse rosto pálido dela não é a melhor prova para minhas palavras? Você sabia, Kazuki-kun? Ela está planejando deixar [Riko Asami] usar a ‘caixa’ dela!

— Usar a ‘Flawed Bliss’…?

Já tendo tocado essa ‘caixa’, eu sei. Já tendo visto o fundo do oceano, eu sei. Deixar alguém usar a ‘caixa’ dela. Isso é um tabu absoluto. Até mesmo eu, sei que deixá-la usar sua ‘caixa’ é um erro fatal.

— Se ela fizer isso, vai esquecer tudo sobre você. E perdendo essas memórias, ela certamente irá se afastar.

— Por… Por que você sabe disso?!

— Porque é sempre assim quando ela deixa alguém usar a ‘caixa’ dela.

Olhei para Maria reflexivamente. Vendo-a morder os lábios, percebo que o que ele está dizendo é verdade.

— Por que você iria querer usar a ‘Flawed Bliss’…?

— …Não te disse? Não posso aceitar o destino cruel que a Asami tem pela frente.

E por esse motivo você não se importa em atropelar seus próprios desejos…? Aah, entendo. Ela sempre foi assim. Ela é alguém que pode jogar a própria vida fora para salvar outra pessoa.

— Dou uma ‘caixa’. Não sou humana. Devo existir pelo bem de salvar os outros. Certo, por causa disso…

Ela recompõe sua expressão determinada e declara:

Devo permanecer como [Aya Otonashi].

Mas aonde estão os sentimentos de [Maria Otonashi] nessas palavras?

«… não me perca de vista.»

Não eram aqueles os verdadeiros sentimentos da Maria? Não eram aqueles os sentimentos da garota que não podia mais suportar a solidão? Isso é errado. Ignorar seus próprios sentimentos não pode estar certo. Mas não posso dizer que ela está errada de forma direta. Sem saber o que a fez ganhar uma resolução tão forte, não posso simplesmente negá-la.

— Maria.

Portanto posso apenas chamar esse nome, o único que posso pronunciar, e confrontá-la com os meus próprios sentimentos.

Eu não quero isso.

O rosto dela fica um pouco tenso.

— Eu definitivamente não quero que você esqueça sobre mim e suma!

— …Kazuki.

— Isso é cruel! Você me disse para não te perder de vista enquanto planeja me perder! Isso é cruel de mais!

Ela olhou para o chão ao ouvir meu apelo e mordeu os lábios.

— …Mas se não fizer, Asami vai…

Seguro a mão dela com força, isso a faz interromper o que estava dizendo. Ela me olha nos olhos.

— Asami-san vai ficar bem.

— …Como pode dizer isso?

— Porque acredito em algo que talvez você não possa acreditar e que talvez possa te deixar irritada.

Coloco mais força no meu aperto.

— Acredito que não há desespero que não possa ser resolvido com o seu dia-a-dia.

Percebo que os dedos dela são mais delicados do que esperava. Não, não apenas os dedos. Todo o corpo de Maria é delicado. Em contraste com sua personalidade.

— Portanto Asami-san vai ficar bem, mesmo que a ‘Sevennight in Mud’ seja destruída. Não tem como ela viver apenas em desespero!

— …Você quer que eu acredite nisso?

Ela sussurra. Já suspeitava que ela rejeitaria isso. Afinal, ela procura pela ‘caixa’. Não tem como ela aceitar a mim, alguém que acredita no dia-a-dia, sendo alguém que procura pela ‘caixa’ que destrói esse mesmo dia-a-dia. Mas mesmo assim acredito nisso.

— Ela apenas precisa encontrar esperança.

— …O que?

— Admito que ela possa ter que passar por momentos de desespero. Mas existe esperança mesmo em meio ao desespero! Ao menos, tenho certeza de uma.

— Que esperança…?

— Existe alguém que valoriza ela acima de tudo. Isso não pode se tornar uma esperança?

Começo a notar uma leve hesitação em sua expressão.

— …Certamente isso seria verdade em condições normais. Mas Asami irá presa por um longo tempo por causa daquele incidente.

— Mesmo assim, se os dois juntarem forças, eles vão ficar bem. Se eles perceberem o quão importante são um para o outro, eles vão ficar bem! Você não acha?

— …

— Talvez esteja me superestimando em achar que posso compreender Asami-san. Ainda tem uma hora restante para [Riko Asami]. Você ainda pode confirmar os sentimentos dela antes de decidir! …Não, não confirme apenas, por favor, ajude ela a encontrar alguma esperança. Tenho certeza que existe uma.

Aperta a mão dela um pouco mais forte.

— Talvez você possa trazer para ela uma felicidade verdadeira ao invés de uma ilusão!

Ao terminar de dizer, solto a mão dela. Maria olha fixamente para a mão solta.

— …Uhm…uhmm, ainda estamos na Golden Week, certo?

Ouvindo minha pergunta, aparentemente fora de contexto, Maria ergue uma sobrancelha e em seguida levanta o rosto.

— Por causa de toda essa confusão nós ainda não tivemos tempo de aproveitar o feriado, certo? Mas quer saber, amanhã ainda é feriado, então uhmm…

Fechei os olhos, arrumo minha postura e digo:

— Então, hmm… vamos sair juntos amanhã. Err… certo, vamos comer uma torta de morango. Você mencionou que gosta, certo?

Maria arregala os olhos. Ela esteve tensa o tempo todo, mas seu rosto relaxa como se a tensão até agora fosse uma mentira.

— Huhu… o que você está dizendo?

— Vo… você não quer?

— …Isso significa que você vai ter gasto todos os dias da Golden Week comigo, sabia?

— Eh? E tem algum problema com isso?

Inclino minha cabeça ao perguntar, por alguma razão isso a faz ficar com um sorriso torto no rosto.

— Não é nada.

— Mh? Então, é uma promessa?

Promessa. Ao ouvir essa palavra, os lábios dela se tencionam novamente. Ela fecha os olhos e abaixa a cabeça. Pensa no significado de tal promessa e abre os olhos novamente. Seus lábios relaxam, as extremidades de sua boca se erguem levemente e ela diz em uma voz inspiradora e ao mesmo tempo e gentil.

— Prometo. Eu prometo a você um futuro em que podemos comer torta de morango em paz amanhã.

Certo, então não tenho mais nada com o que me preocupar. Dessa forma, me preparo para a última ‘troca’.

 

05. Maio (Terça-feira) 23:00

Nada terminou.

Apesar de Maria Otonashi ter me garantido que não voltaria a controlar esse corpo, nada terminou.

Por alguma razão estou em pé no meio do pátio do colégio, mas não tem nada aqui além de escuridão. Sei que o prédio da escola está próximo, mas não posso ver nada.

Nada. Nada por perto.

Apenas Riko Asami e eu estamos nos encarando. Não entendo. Que situação é essa? Para onde foi Maria-san?

— Já faz um tempo.

Riko Asami fala diante de mim.

Erguo uma sobrancelha. Algo está errado?

— Huhu, parece que você não me reconhece com essa aparência. Eu sou ‘O’!

— Eh?

Um tom de voz claramente diferente e um sorriso charmoso que jamais seria capaz de produzir. Aah, certo. Realmente, essa pessoa é ‘O’.

— Por que você está diante de mim com a aparência de Riko Asami…? E onde está a Maria-san…?

‘O’ apenas sorri ao ouvir essa questão e se aproxima sem dar uma resposta. Por causa da intensidade estranha emanando dele, instintivamente dou um passo para trás.

— Kazuki Hoshino disse que existe esperança até mesmo no seu dia-a-dia!

Ele diz e estende a mão em minha direção. E então colocou os dedos na minha boca.

— A…gh…?

— Apesar disso não ser possível.

Os dedos de Riko Asami passaram a se mover freneticamente em minha boca. Eles ficaram sujos com a minha saliva. Para mim, a saliva nos dedos dela tem gosto de fluidos corporais de insetos.

— Porque você pode perceber seu próprio gosto apenas com isso.

‘O’ disse usando meu corpo.

— …que tem gosto de lama.

…Sim, tem gosto disso realmente.

É amargo, incrivelmente amargo… não consigo aguentar. Embora esse seja o corpo de Kazuki Hoshino, lama começa a se espalhar por ele como um vírus. Meu corpo se escurece. Fica manchado com a cor do pecado. A lama nojenta transborda e viola meu corpo.

‘O’ tira os dedos da minha boca. Caio de joelhos. A lama dentro de mim chacoalha por causa disso.

— Sua repulsa por você mesma é incurável. Você foi- — sinto náusea ao ouvir essa palavra — -pela pessoa que você mais odeia. Por isso, essa lama dentro de você ficará aí dentro por toda eternidade.

‘O’ coloca a mão no meu ombro. Ergo meu rosto e vejo a face de Riko Asami, que gostaria de não ter que ver.

— Não pode possivelmente existir esperança para você, que não pode se livrar da lama do seu próprio corpo.

Sei disso.

Não tem como encontrar esperança no meu dia-a-dia. Não existiu nenhuma até agora. Então por que iria haver alguma, agora que cometi um crime, além de estar manchada?

Riko Asami não tem mais nada.

Isso não é verdade.

Me viro em direção a voz que vem de trás, ainda de joelhos.

Maria Otonashi esta na direção de onde veio a voz, recuperando o fôlego. Ao seu lado está Nii-san. O Nii-san que não me considera mais a irmã dele.

— Você foi mais rápida do que o esperado.

— O que é essa violência contra [Riko Asami], ‘O’!

Maria Otonashi urrou irritada contra ‘O’.

— Huhu… eu prefiro que você e Kazuki Hoshino-kun se separem, sabe. Estava apenas ajustando ela um pouco para minha conveniência. …E então, você encontrou algo que pode dar esperança a ela?

— Encontrei.

Ela afirma sem hesitar. Contudo, ‘O’ não demonstra qualquer expressão diante da reação dela.

— Riko.

Nii-san me chama pelo nome. Tenho uma sensação terrivelmente estranha. Entendo, já que é a primeira vez. A primeira vez que Nii-san me chama dessa forma desde que entrei nesse corpo.

— …O que você está fazendo aqui nesse momento? Você não me considera mais sua « irmã », não é mesmo?

— Você finalmente está ciente de ser Riko Asami, certo? Então, as coisas mudaram. Posso te chamar de «Riko Asami».

Fico em silêncio, esperando Nii-san continuar.

— Me diga, o que você planeja fazer agora? A ‘Sevennight in Mud’ está para ser destruída. Você vai voltar a ser Riko Asami. Nós vamos ser separados. O que você vai fazer então?

— Vou usar a ‘caixa’ da Maria-san!

— Asami. Me desculpe, mas retiro aquilo que disse.

— Eh…?

Sem pensar olho para Maria Otonashi.

— Após ouvir o que Miyazaki falou, mudei de opinião. Não posso te deixar usar essa ‘caixa’.

Ela declara sem demonstrar qualquer vergonha por revogar sua promessa. Não, é óbvio! Ela percebeu o quão estúpido seria perder as memórias apenas por minha causa.

— Então vou morrer!

Uma resposta completamente natural. Obviamente essa é a melhor solução nesse caso. Nii-san franze a testa ao ouvir minhas palavras e diz:

— Você acha que [Riko Asami] pertence somente a você?

— …Eh?

Eu sou Riko Asami. Portanto, pertenço a mim. Isso não é óbvio?

— Por que você está tão surpresa? Você pertence somente a si mesma? De forma alguma!

Nii-san disse como se minha atitude não fizesse sentido.

— Você também pertence a mim! E não é só isso. Você também pertence a Maria Otonashi, e também a Kazuki Hoshino. Então…

Ele franze as sobrancelhas.

Não vou permitir que você morra por conta própria!

Não entendo. Não entendo porquê Nii-san está dizendo isso para mim com uma expressão gentil.

— Então como posso redimir meu pecado…? Nem sequer posso morrer?! Duas pessoas morreram por minha causa. Tenho que…

— Riko.

Ele me impede de continuar.

— Essa é a principal razão para ter decidido não deixá-la usar minha ‘caixa’. Entendi errado. Bem, Miyazaki pode ter se mantido em silêncio de propósito, mas confundi a verdade.

Maria Otonashi continua.

Foi Ryuu Miyazaki quem matou aqueles dois, não foi?

…Não. Certamente, foi o Nii-san quem conduziu o ato. Mas sabia que isso ia acontecer quando liguei para ele pedindo por ajuda. Nii-san apenas percebeu meu desejo naquele momento e o realizou.

Portanto, o pecado é meu.

— Não confunda as coisas, Riko! Não os matei no seu lugar. Eu os odiava. Os detestava. Apenas não consegui controlar meus sentimentos naquele instante.

Isso é mentira. Claro, ele pode ter odiado eles. Mas com apenas esses sentimentos, ele não teria sido capaz de fazer aquilo. Ele cruzou a última linha porque queria me libertar. Fui eu quem o fiz fazer aquilo.

— Pensei em fugir com você. Mas isso não é realista. Nós ainda somos menores e não seriamos capazes de viver fugindo. Mesmo que pudéssemos, não acho que seriamos felizes vivendo dessa forma.

Ele forma um sorriso irônico em seu rosto e diz.

— Portanto, vou me entregar. Vou provar sua inocência. Essa é a melhor decisão que posso tomar.

Nii-san está tentando levar a culpa por todos os meus pecados e levá-los junto com ele para a prisão.

— …Por que você, pelo meu bem, isso…

— Não me faça dizer isso!

Não entendo. Por quê? Nós podemos ser irmãos, mas somos pessoas diferentes. Ele não ganha nada em fazer isso por mim.

Nii-san pega algo de dentro de sua mala e me entrega. Aceito em silêncio. A textura me é familiar. Olhei para esse «algo» que aceitei em minhas mãos.

— …Ah.

Minha voz escapou. Afinal, isso não tinha sido destruído? Tudo o que era importante para mim não havia sido destruído?

— Eu o lavei, coloquei algodão e o costurei. Isso é tudo. Bom, certamente ele não está como novo, mas você pode dizer que foi concertado, certo?

Um coelho de pelúcia. O coelho de pelúcia que o Nii-san ganhou para mim em um jogo de fliperama.

— A, ah…

Me ajoelho. Um choro escapa entre meus lábios sem meu consentimento e começo a derramar lágrimas. Essas lágrimas lavaram um pouco da lama de dentro de mim.

…É claro, não tudo. Não vou conseguir me livrar de toda essa lama. …Mas pelo menos um pouco realmente acabou de ser lavado.

Talvez,

Talvez…

— …Nii-san.

Talvez nem precisasse fazer um pedido a ‘caixa’ para começo de conversa. Talvez apenas não tivesse percebido. Porque tenho certeza…

… meu “desejo” já foi garantido há muito tempo.

— Desculpa, Nii-san. Foi tudo minha culpa, desculpa.

Por não ter percebido, Nii-san teve que fazer aquilo no meu lugar. Se tivesse me valorizado mais, o resultado poderia ter sido diferente.

— Dessa vez sou que vou salvar você, Nii-san.

Limpo minhas lágrimas e me levanto. Nii-san está me observando um pouco surpreso.

— Vou te salvar do seu sofrimento… Vou esperar por você. Até nós podermos ficar juntos de novo, vou esperar por você.

Minha voz ainda está tremendo, e meu sorriso é meio forçado, mas mesmo assim, digo claramente:

— Vou te esperar como Riko Asami.

Com os olhos arregalados, Nii-san fica estático por um tempo, mas então sua expressão começa a relaxar.

Diferente de ontem, seus olhos agora possuem alguma vitalidade.

— Quer saber?

Ele começou a falar, sem perder o sorriso.

— “Não consegui chegar a tempo”. Foi o que estive pensando o tempo todo. Mas talvez… talvez tenha chegado a tempo por muito pouco.

Posso dizer que não estou totalmente satisfeito com esse resultado. Nii-san e eu vamos odiar nosso passado, sem dúvidas, até a nossa morte. Contudo, nós, de alguma maneira conseguimos algo que vale a pena proteger de alguma forma.

Sem dúvida alguma, nós conseguimos.

Maria Otonashi, que esteve nos observando em silêncio, assente com um sorriso.

— Então consegui manter minha promessa com o Kazuki.

Ao dizer isso, seu sorriso desaparece, e uma expressão hostil, direcionada a ‘O’ se forma em seu rosto.

— Agora, entregue a ‘caixa’.

Minha ‘caixa’, a ‘Sevennight in Mud’, vai terminar dessa forma. ‘O’ pressiona a mão contra seu olho, o de Riko Asami. Meu olho foi tocado. Apesar de não estar sendo tocada nesse momento, posso sentir.

‘O’ segura seu olho como se quisesse tirá-lo. Incapaz de suportar a dor, grito em voz baixa e fecho meus olhos. Dói! …Mas mesmo doendo acredito que isso é necessário. Sinto que é. Portanto, suporto a dor de meu olho sendo esmagado.

A dor para. Volto a olhar para ‘O’.

Seu trabalho havia terminado. Meu olho não possui qualquer ferimento e ‘O’ está segurando uma pequena ‘caixa’ preta, que parece com uma bala, em sua mão.

— Então talvez essa seja a prova de que Kazuki Hoshino-kun estava certo, não existe desespero que não possa ser superado com o seu dia-a-dia.

— …Dessa vez, quem sabe.

— Huhu… entendo. Você não tem outra escolha a não ser dizer isso. Isso é, afinal de contas, uma negação de sua existência como uma ‘caixa’. Kazuki-kun pode dizer algumas coisas realmente cruéis.

Maria Otonashi fecha ainda mais sua expressão e tomou a ‘caixa’ das mãos de ‘O’ de forma rude.

— Com isso posso ficar junto do Kazuki. Isso é tudo o que preciso por hora.

— Você está adiando sua decisão? Você ainda não decidiu se vai voltar a ser [Maria Otonashi] ou continuar sendo [Aya Otonashi]?

— Que pergunta boba.

Maria Otonashi encara a ‘Sevennight in Mud’ em suas mãos. Ela morde os lábios como se detestasse essa ‘caixa’.

— A resposta já foi decidida há muito tempo.

— Acredito que sim.

‘O’ responde desinteressado.

— Eu sou uma ‘caixa’.

Ela para de morder os lábios e diz:

Não posso voltar ao que era antes de ser uma ‘caixa’.

Seu olhar determinado. Essa é a expressão daquela que adorei por todo esse tempo.

— Portanto é adequado manter minha identidade atual. Você pode entender isso como «Eu escolhi continuar sendo [Aya Otonashi]»

Então, por que você continua do lado de Kazuki Hoshino?

Ela fica em silêncio.

— Isso não é inconveniente para você? Você não ofereceu para Riko Asami usar sua ‘caixa’ porque você também acha isso?

— …Não sei do que está falando.

— Huhu, você pode ainda estar sob efeito da maldição daquele mundo de repetições.

Aquela Kasumi Mogi pode ter sido uma poderosa inimiga, não acha?

— …Hmpf.

Ela volta seu olhar para a ‘caixa’ e a rola entre as mãos.

— …Já havia decidido. Há muito tempo. E mesmo assim o Kazuki disse «Eu não quero isso»…!

Ela murmurou em uma voz mais baixa do que o normal e seu rosto, apenas por um momento, mostra uma expressão amarga. Mas foi apenas por um instante. Logo sua expressão muda para aquela perfeita que acho bela.

Tenho certeza que a criadora dessa expressão passou por grandes dificuldades e tristezas para criá-la. Me pergunto como ela, que garantiu o ‘desejo’ colocado na ‘Sevennight in Mud’ apenas com sua própria força de vontade, vê a mim e a ‘caixa’.

Finalmente, ela morde os lábios, e olhando para a ‘caixa’ em forma de projétil…destrói a ‘Sevennight in Mud’, parecendo aflita de alguma forma.

 

05. Maio (Terça-feira) 23:56

Essa substituição foi claramente diferente das outras. Estranhamente me sinto relaxado. Agora sinto que meu corpo realmente foi possuído por [Riko Asami].

Abro meu celular e checo a hora.

«23:57»

[Eu] estou aqui em um horário que havia sido roubado de mim no primeiro dia por [Riko Asami].

Acabou.

Mas sem tempo de ficar emocionado, meu corpo foi subitamente apertado com força.

— Eh?! Ah…Ma…Maria…?

Ela está me abraçando? Mas não é um abraço gentil. Ela está me apertando com tanta força que por pouco não estou sem ar.

— Qu…qual o problema?

Ela não me responde. Sem poder fazer nada, a deixo continuar até estar satisfeita. Dessa posição não posso ver a expressão dela.

— …Diga mais uma vez.

— Eh?

— Estou te falando para dizer «Maria» mais uma vez.

— …err, Ma…Maria.

— …Diga mais uma vez.

— Maria.

— …

Ela fica em silêncio.

— É sua culpa

Ela disse subitamente.

— Não entenda errado. Em primeiro lugar, só estou perto de você porque eu posso encontrar ‘O’ dessa forma. Não tem nenhum significado oculto nisso. E mesmo assim você fica se equivocando e só faz coisas desnecessárias. Todo meu sofrimento dessa vez foi sua culpa.

— …Não entendi direito, mas isso não é um pouco cruel?

— É a verdade, idiota.

Ao dizer isso, ela me empurra. Ela vai me atacar?! E mesmo assim, está sorrindo no final das contas.

— Bem, vamos indo então?

— Eh? Para onde?

— Do que você está falando? Você não me prometeu ontem que nós iríamos comer torta de morango no dia seguinte?

— …Bem, certamente eu disse. Mas ainda é dia cinco de…

— Confira o horário.

Pego meu celular e confiro como ela pede.

«00:00»

A data realmente mudou.

— Conheço um restaurante familiar que fica aberto até esse horário e que serve torta de morango. Vamos lá.

— E, eeh? E…esse não é o problema… normalmente “amanhã” quer dizer que nós dormimos e levan…

— Pare de ficar dando desculpas. Vamos logo.

Ela pega minha mão e me puxa. Duh… talvez não devesse ter feito aquela promessa? Algo me diz que também vou ser arrastado amanhã o dia todo.

…Bem, não me importo, talvez? Não é desagradável afinal de contas.

Enquanto sou arrastado por Maria, olho para os dois que permaneceram no centro do pátio. Dois irmãos que entendem um ao outro melhor do que ninguém, estão sorrindo de mãos dadas ali.

 

 

 


Notas:

1 – Kodomo no Hi (Dia dos Meninos): último feriado da Golden Week, enfeita-se os jardins e quintais com bonecos de guerreiros samurais e flâmulas de carpas (koinobori).

2 – Felicidade Falha



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