Volume 1

Parte 2

27.754ª vez

Meu corpo se torna frio rapidamente, e depois vazio, e apesar disso significar que eu mesmo deveria ter me tornado vazio, meus olhos se abriram como sempre. Não sendo capaz de aguentar o frio, que já deveria ter passado, me abraço na cama e começo a tremer. Fui assassinado.

Em algum loop do dia 2 de Março.

Certo, mesmo que seja morto, a ‘Rejecting Classroom’ vai continuar sem mudanças. Mas realmente estou sentindo como se estivesse me tornando vazio, esse frio não diminui.

Não consigo aguentar ficar muito tempo aqui e por isso vou mais cedo para a escola sem ao menos tomar café da manhã decentemente. Do lado de fora estava o familiar céu nublado. Amanhã vai chover. Agora que penso nisso, quando foi a última vez que vi o sol?

Ninguém está na sala. Bom, acho que isso é normal, já que estou uma hora adiantado. Uma questão subitamente me ocorre. Porque vou sempre para escola tão religiosamente? Já percebi a ‘Rejecting Classroom’ várias vezes. Mesmo agora.

Então poderia apenas não ir para a escola para resistir a isso? Não... eu vou! Sim, eu vou. Se estiver saudável, vou para a escola. Para mim, esse é o meu cotidiano. Algo definido que nem mesmo sonho em mudar. Uma ação que não trocaria por nada, para manter o meu dia a dia. Minha primeira e única crença.

Ah, entendo. Essa deve ser a razão pela qual ainda estou aqui. Não tenho a menor ideia de qual é a lógica nisso, mas é isso o que sinto. Mesmo que termine sozinho nessa sala.

“----“

Vou até o centro da sala. Subo em cima da mesa de alguém com meus sapatos. Sinto muito XX-san. Quando tento me lembrar de quem é a mesa que estou em cima, não sou capaz de lembrar nem o nome ou o rosto. Sinto muito, sinto muito mesmo.

Olho ao redor. Sabia desde o começo que nada ia mudar por apenas estar em cima de uma mesa, mas não tinha ninguém na sala escura. Não tem ninguém na sala. Não tem ninguém na sala.

—......mh, meio que estou com frio.

De novo me abraço. Com um som a porta se abre. A pessoa que entra imediatamente me percebeu em cima da mesa de alguém e paralisa.

—...o que você está fazendo aí, Kazu?

Daiya olha para mim me deixando desconfortável. Percebo que apenas com isso meu rosto relaxa.

—......aah, realmente, estou aliviado.

Murmuro e desço da mesa. Daiya continua me observando nesse meio tempo sem mudar um centímetro como se estivesse congelado.

— Sabe, ver você realmente me acalma, Daiya.

—.....isso é uma coisa boa.

— Afinal de contas, você com certeza é o Daiya verdadeiro.

—...hey Kazu. Nesse momento estou sentindo pavor de outro humano pela primeira vez em séculos.

— Mas sabe, mesmo que você seja o Daiya verdadeiro, esse mundo ainda é um falso cotidiano. Não posso dividir nada com você. O próximo Daiya não vai se lembrar do eu de agora. É como se fosse o único do lado de fora da TV. Conheço você, mas você não me conhece. Então, realmente posso dizer que você está aqui?

É por isso que não tem ninguém aqui.

--ninguém?

— Ah---

Não, isso não é verdade. Tem somente mais uma pessoa. Tem somente uma pessoa que pode dividir memórias comigo. Tem uma pessoa que não pode se afastar enquanto não omitir que ainda possuo minhas memórias.

Aah, entendo. Sempre foi só nós dois nessa ‘Rejecting Classroom’ desde o começo. Sem poder nos afastar nem mesmo tentando, nós estávamos lado a lado todo esse tempo, dentro desse pequeno espaço do tamanho de uma sala. Mas não tive o prazer de perceber, porque a outra pessoa olhava para mim com hostilidade.

Me sento no meu lugar. Ela senta no lugar ao lado do meu.

...Eu não posso acreditar. Apenas por imaginar ela sentada ali, me acalmo um pouco. Mesmo que ela seja a pessoa que me matou.

É por causa disso? Por causa disso? Por causa do que? Não entendo o significado disso. Não consigo compreender meus próprios sentimentos. Mas o calor do meu corpo cai ainda mais. Rapidamente. Não, pior. Meu corpo já estava frio até o osso, mas agora atinge o zero absoluto, congela, por causa disso começa a doer e fico completamente tenso.

— Meu nome é Aya Otonashi. Prazer em conhecê-los.

A «Estudante Transferida» age quase como uma verdadeira estudante transferida e sorri levemente, parecendo um pouco envergonhada.

—......mas que diabos?

Não consigo entender o significado disso. Não, para ser honesto, entendi.

«--...Eu estou fortemente envolvida nessa 'Rejecting Classroom’. Acho que poderia acabar presa nesta situação também se desistisse e parasse de tentar lembrar. Iria continuar a viver sem propósito nessa repetição sem fim. Isso é tão fácil quanto derramar um copo de água colocado sob minha cabeça. »

Uma voz que já ouvi antes se repete. Olho para ela parada sob a plataforma. Verifico as suas características, chego à conclusão de que tem que ser ela, mas não posso acreditar. Ela é — Aya Otonashi?

Isso é impossível. Afinal de contas não tem como ela desistir. Sim, mesmo que ela reconheça que a pessoa que ela perseguiu por mais de 20.000 ‘Transferências Escolares’ não é o culpado e tudo o que ela fez até agora se tornar insignificante; não tem como ela desistir. Não tem como! Não tem como ela desistir jamais!

Quero dizer, isso — não é algo que ela faria. O número de nossos colegas diminuiu pela metade porque eles foram ‘rejeitados’. Independente disso, todos estavam fazendo perguntas para ela. Ela os responde curta e simplesmente, mas de maneira apropriada. Ela não os rejeita friamente como fazia antes.

Quase como uma verdadeira estudante transferida. Essa cena não deveria ser possível. Portando, isso é falso. Mentira. Todo mundo é apenas uma mentira. Tudo é uma mentira. Então — Aya Otonashi é uma mentira também?

...Eu não vou,

...Eu não vou,

— Eu não vou permitir isso!

Mesmo que todos permitam isso, eu não vou. Não vou permitir que Aya Otonashi se torne falsa.

—...qual o problema, Hoshino?

Kokubo-sensei pede uma explicação. Por quê? Aah, porque me levanto de repente?

Olho de relance para Mogi-san. Os olhares dos meus colegas se concentram em mim incluindo o da Mogi. Mas como é de se esperar, sou incapaz de adivinhar o que ela está pensando através de seu rosto inexpressivo. Ela com certeza não me daria uma resposta se perguntasse o que ela pensa sobre o que estou fazendo agora. Nós gastamos um longo tempo juntos nessa sala de aula. E apesar disso, nossa relação chegou a um beco sem saída. O amanhã precisa chegar para que a nossa relação vá além de simples colegas de classe.

Certo, Mogi-san não está aqui. Não tem ninguém aqui. É por isso que... já estou cansado disso. Abandono todos os meus colegas de classe que vão esquecer meu comportamento estranho de qualquer forma.

Olho apenas para Otonashi-san. Ando em direção a plataforma onde ela está parada. O que vou fazer agora é tão anormal para mim quanto à confissão que fiz para Mogi-san.

Paro em frente à Otonashi-san. Ela não demonstra nenhum sinal de agitação e lança um longo olhar avaliativo sobre mim. Fico extremamente irritado pela expressão dela porque que dá a impressão de que ela está me vendo pela primeira vez.

— Hey, qual o problema Hoshino?

A voz de Kokubo-sensei está calma, mas posso perceber um pouco de agitação nela. Meus colegas também estão me fazendo perguntas similares. Ignoro todos eles e me ajoelho em frente à Otonashi-san. Abaixo minha cabeça e estendo minha mão para ela.

— O que você está fazendo?

Otonashi-san pergunta. Com uma voz educada que nunca usaria comigo.

— Vim para te encontrar.

Então também vou fazer isso!

—...o que você está falando?

— Vim para te encontrar, Maria-sama. Sou Hathaway, aquele prometido a proteger somente você, mesmo que isso signifique trair a todos e fazer de todos meus inimigos.

O barulho das pessoas ao redor desaparece de uma maneira incrível. Sim, está certo. Para trazer Otonashi-san de volta, tenho que fazê-la perceber que essas pessoas não existem. Isso é uma condição bem fácil de entender.

Espero para que ela segure minha mão estendida sem erguer meu rosto. Esperei nessa posição para que ela coloque sua mão sobre a minha para iniciarmos a dança. Mas isso não funciona. Otonashi-san não segura minha mão. Junto com um som bruto, caio para o lado.

—... você é nojento.

Não sei que ataque foi esse, já que estava com minha cabeça abaixada. Deitado no chão olho para ela e finalmente entendo o que ela fez comigo. Ela me deu um pontapé no joelho pela direita. Aah, sim. Faz sentido. Me pergunto por que tive a ingênua ilusão de que ela seguraria minha mão.

— ....ha..

Sem duvidas, se ela é realmente «Aya Otonashi», então não tem como ela ser gentil o bastante para segurar a minha mão.

— Ha, hahahaha...

Aparentemente não sendo capaz de aguentar mais, ela começa a rir. Está se divertindo. De uma maneira que provavelmente não vi nenhuma vez nessas 20.000 repetições. Ainda estou caído no chão e minha cabeça dói, mas minha face relaxa em alívio.

— Você me fez esperar por um bom tempo, não foi, meu amado Hathaway? Estou impressionada, como você ousa fazer uma frágil dama como eu, que mal pode levantar mais do que uma colher, esperar. Nunca achei que você me deixaria sozinha por 27.753 vezes no campo de batalha!

Otonashi-san se inclina e me estende sua mão. Segurando-me pela mão, ela me força a ficar de pé. Sim, é isso. É assim que Aya Otonashi deveria ser.

—...mas graças a isso você se tornou forte.

Otonashi pega de surpresa, abre seus olhos bem abertos. Então ergue o canto de sua boca novamente em um leve sorriso.

— Você se tornou hábil com as palavras, Hathaway.

Da forma como estávamos ela me puxa para fora da sala pelo pulso. Ignorando a primeira aula. Ignorando o professor. Ignorando os alunos. Ignorando tudo. Ignorando tudo que abandonei, nós deixamos a sala.

Depois que fui arrastado para fora da sala, ela me faz usar um capacete e sentar no banco traseiro de uma larga motocicleta. Estava um pouco assustado pela velocidade que nunca tinha experimentado antes, e pergunto a ela em uma voz trêmula:

— Otonashi-san, você tem carteira para dirigir isso?

Enquanto me seguro em sua cintura surpreendentemente fina (bom, era tão fina quanto parecia, mas de alguma forma eu inconscientemente estava buscando alguma segurança nela). Ela responde abruptamente com “Não tem como eu ter uma”.

— Tive muito tempo para desperdiçar entre as ‘Transferências Escolares’, então aprendi a dirigir moto. Gasto meu tempo produtivamente, não acha?

...bom, a forma como ela dirige não parece tão ruim assim. Quando pergunto se ela aprendeu mais alguma coisa, ela responde com “É claro”. Dirigir carro estava dentro do que eu esperava, mas fora isso ela também aprendeu artes marciais, esportes, línguas, vários instrumentos musicais, e por aí vai. Generalizando, ela tentou de tudo que ela pode fazer dentro das condições das repetições da ‘Rejecting Classroom’. Mas Otonashi-san, que aparentemente é capaz de quase gabaritar no Teste Nacional Central para Admissão em Universidades, proclama isso “Bom, já sabia a maioria dessas coisas antes das ‘Transferências Escolares’”.

Suas especificações podiam ser altas desde o começo, mas isso também me dá uma ideia de quanto tempo ela gastou nessas 27.754 repetições. Não posso calcular exatamente, mas convertido em dias, isso deveria resultar em aproximadamente 76 anos. Praticamente a vida de um ser humano. É uma quantidade de tempo incrível, agora que penso nisso.

— Diga, Otonashi-san. Você tem a mesma idade que eu, certo?

Provavelmente por causa desses pensamentos, fico curioso sobre a verdadeira idade dela.

—...não, eu não tenho.

— Eh? Então qual a sua idade?

— Isso não importa, importa?

Otonashi-san responde um pouco mal-humorada. Isso talvez seja algo que ela não queira ser perguntada? Bom, ouvi dizer que é falta de educação perguntar a idade para as garotas... em outras palavras ela está em uma idade em que isso se aplica?

Pensando nisso, não tem como ter uma aluna tão madura no mesmo ano. Ela apenas escolheu ser uma colega de classe porque essa posição era favorável para entrar na ‘Rejecting Classroom’. Talvez ela já esteja em uma idade onde conta como Cosplay vestir um uniforme escolar?

— Hoshino, se você estiver pensando besteiras, vou te derrubar.

Sem ao menos olhar para mim porque ela está dirigindo. Ela é esperta!

— Falando nisso, você aprendeu a dirigir moto durante as ‘Transferências Escolares’, certo? Nesse caso, essa moto não é sua, é? De quem ela é? Do seu pai?

Não entendo muito de motos, mas não parece que essa daqui foi feita para garotas.

— Eu sei lá.

—...eh?

— Você não acha que é falta de responsabilidade deixar uma moto sozinha na frente de casa com as chaves na partida?

Bom, também acho, mas o que? Então isso significa...

— E também a corrente era de má qualidade e podia ser facilmente cortada com algumas ferramentas. É o mesmo todas as vezes que me ‘transferi’. Bom, naturalmente.

Não vamos fazer perguntas mais profundas. Não sei de nada. Isso, Não faço nem ideia.

— Mas diga. Se você perder suas memórias, então a sua habilidade para dirigir, e as outras coisas que você aprendeu vão ser perdidas também?

Isso seria uma pena.

“......”

Otonashi-san não me responde.

— Otonashi-san?

Ainda sem resposta. Pode ser que--

— Você também acha que seria uma pena?

Pode ser que ela não aprendeu tudo isso apenas para passar o tempo? Até alguém como Otonashi-san se arrependeria de perder essas habilidades adquiridas depois de tanto tempo. Portanto ela não quer perder suas memórias. É o que acho.

Para produzir esse sentimento de «arrependimento», ela decidiu aprender várias coisas. O que me lembra — Apesar de já ser um pouco tarde, começo a pensar --porque Otonashi-san agiu como se tivesse perdido todas as memórias?

No final ela me leva até um hotel, não de cinco estrelas, mas parecia ser o mais caro na vizinhança, que obviamente não deveria caber no orçamento de um aluno do ensino médio comum. Otonashi-san se registra parecendo estar acostumada com isso, recusa o atendente do hotel que se ofereceu para nos guiar, e começa a andar determinadamente.

Quando chegamos ao quarto, Otonashi-san se senta imediatamente no sofá. Sento na cama enquanto suporto a estranha sensação de estar em um hotel de alta classe. ...na verdade, já deveria ser uma situação estonteante estar em um hotel sozinho com uma garota. Mas com Otonashi-san sendo a companhia, surpreendentemente não sinto nenhuma tensão, já que estar com ela parece muito irreal.

— Mesmo assim, você é realmente rica Otonashi-san. Bom, você parece ser.

— Não importa se sou ou não, não tem nada a ver com essa situação. O dinheiro vai voltar de qualquer forma quando for ‘transferida’ de novo.

—...verdade, agora que você menciona isso. Então isso significa, que vou poder comprar todos os Umaibōs da loja de conveniência. Incrível!

— Isso não importa agora. Nós não viemos aqui para discutir essas coisas insignificantes, viemos?

— C-Certo. O que você quer discutir especificamente?

— O que nós vamos fazer daqui para frente. Afinal de contas perdi o rumo completamente agora que sei que você não é o culpado.

— Sinto muito.

— Não me venha com sarcasmo.

Não estava sendo sarcástico.

— Mas então, bem, não seria melhor apenas encontrarmos o real culpado? Não me entenda errado, sei que não é simples, mas não seria mais fácil agora que você não precisa mais se preocupar comigo?

—...Hoshino. Já vivi 27.754 ‘Transferências Escolares’. Você está ciente disso?

—...o que você quer dizer?

— Te falei um pouco sobre isso na última vez, não falei? Não importa o quanto me enganasse achando que você era o culpado, não é como se eu não tivesse duvidado de outras pessoas. Também tentei entrar em contato com os outros suspeitos tentando imaginar, como se eu ainda não soubesse quem era o culpado. ...é claro estava sendo negligente até um certo nível, já que me enganei achando que você era o culpado.

— Mas você não achou nenhum outro possível culpado além de mim?

— Não. Entenda que essa é a 27.754ª repetição. Isso significa que o ‘portador’ da ‘caixa’ é uma pessoa que não levantou suspeita durante todo esse tempo.

— Err, pode ser que ele tenha te percebido porque você age tão bruscamente?

— Mesmo que ele estivesse em guarda contra mim, isso seria impossível. Nós estamos falando de uma quantidade de tempo de 27.754 repetições, entende? Ou você está dizendo que o ‘portador’ tem a inteligência e a determinação para continuar escondendo sua verdadeira identidade durante todo esse tempo? Bem, mas também é verdade que não pude achar ele. Jeez... o ‘portador’ só pode ser alguém que entra naquela sala, e ainda assim, porque não posso encontrá-lo?

—...espere um momento. O que você quer dizer quando fala que o ‘portador’ só pode ser alguém que entra na sala? Então o ‘portador’ tem que ser um dos nossos colegas?

O que me lembra que a Otonashi-san mencionou que não tem tantos suspeitos assim da última vez.

— Não. Os professores e os estudantes das outras classes que vem para a nossa sala 1- 6 cada vez, são suspeitos também. O alcance da ‘Rejecting Classroom’ é, como o nome implica, apenas a sala da classe 1-6. Apenas as pessoas que entraram na sala 1- 6 durante 2 e 3 de Março estão envolvidas nesse fenômeno.

...? Mas depois que deixei a sala vi várias outras pessoas.

— Seu rosto me diz que você não entende. Hoshino. Em primeiro lugar, você acredita que é realmente possível voltar no tempo?

— Eh...?

O que ela quer dizer? Se negar isso agora, então o conceito básico de tudo isso perderia o sentido, não é mesmo?

—...mas não é a ‘caixa’ que faz isso ser possível?

— Foi o que pensei. Isso com certeza seria possível com a ‘caixa’. Mas estou perguntando pela sua opinião. Você pode acreditar completamente no poder dessa coisa de fazer o tempo voltar? Você acha que esse tipo de fenômeno é realmente possível?

Não faço ideia do que ela está tentando dizer.

— Acho que --

Apenas respondo à pergunta honestamente sem pensar muito nas intenções dela.

— -- coisas que já aconteceram não podem ser revertidas.

Até eu já pensei várias vezes «Se pelo menos pudesse voltar no tempo». Mas assumindo que existisse uma máquina do tempo, com certeza ainda não seria capaz de acreditar em viagens no tempo. Provavelmente não acreditaria mesmo se que viajasse de volta ao passado, pelo menos não até obter uma prova concreta de que estou no passado, ou não, talvez mesmo assim ainda não acreditaria.

Não sei se essa é a resposta correta, mas Otonashi-san balança a cabeça de cima para baixo com um “Mhm”.

— O que você sente é provavelmente o normal. E o criador da ‘Rejecting Classroom’ também sente a mesma coisa.

—...o que você quer dizer?

— A ‘caixa’ faz os pensamentos inseridos nela se tornarem verdade completamente. De forma absoluta e sem ignorar nada. Em outras palavras--mesmo as dúvidas sobre voltar no tempo vão se tornar verdade junto com o desejo. Você entende o que isso significa, certo?

— Err....

Querer voltar no tempo, mas não acreditando nisso. Essa incerteza iria provavelmente entortar o formato do desejo. Entendo isso.

— Mas você não foi mandada de volta ao passado?

— Hoshino. Alguma vez já me referi a esse fenômeno como «ser mandada de volta ao passado»?

Não tem como saber já que perdi a maior parte das minhas memórias sobre ela.

— Vamos direto ao ponto. Se a ‘Rejecting Classroom’ nasceu do desejo de querer voltar no tempo, ele é mal feito. Não, na verdade é defeituoso.

— Então por que você viveu mais do que 20.000 repetições, Otonashi-san?

— Isso não é prova o suficiente de que é defeituoso? Se o tempo voltasse perfeitamente, então não tem como minhas memórias serem gentilmente excluídas desse fenômeno. E em primeiro lugar, se essas repetições fossem tão perfeitas, então como eu entraria como uma «Estudante Transferida»?

Ela me olha de lado.

— Considerando que é você, aposto que pensou algo simples como: se for eu, tudo é possível. E parou de pensar aí.

Não pude negar porque ela estava absolutamente certa.

— Para colocar de uma maneira simples, tudo o que fiz foi entrar na ‘caixa’. Por exemplo, não foi da minha própria vontade que fui colocada como uma «estudante transferida». É uma posição dada para mim pela divisão de papéis do culpado. O palco da ‘Rejecting Classroom’ é a sala 1-6, então acho que me fazer uma aluna transferida foi a maneira mais natural de explicar minha súbita aparição, já que eu sou da mesma geração que você. O sentimento de equilíbrio do culpado manteve sua consistência.

—......?

Não tenho ideia do que ela quer dizer. Porque é necessário manter alguma consistência?

— Porquê você é tão denso?... De qualquer forma, para explicar de forma simples -- vamos assumir que a ‘Rejecting Classroom’ é um filme que o culpado está dirigindo. As filmagens terminaram então só falta a edição para ser feita. Mas devido a algumas circunstâncias da companhia, tem um novo ator que tem que aparecer no filme. Não tem mais nenhum papel sobrando. Mas é sem sentido não dar um papel a ele e ao invés disso só mostrar esse ator adicional parado na tela. Isso não seria mais um filme. Então ele decide modificar o script ao seu nível mais básico para poder dar um papel a ele. Isso é o que quero dizer por ‘manter a consistência’.

— Em outras palavras ele não pode fazer nada contra sua entrada e teve que de alguma maneira integrar você. Então foi forçado a fazer de você uma súbita «estudante transferida» e preservou o ambiente escolar do dia 2 de Março, é isso?

— Sim. E só isso deveria te fazer sentir que tem algo errado com a ‘Rejecting Classroom’. É muito problemático explicar cada detalhe então vou direto a conclusão. Essa não é a «realidade». E nem é uma repetição. É meramente um pequeno «espaço» separado. Apenas um ‘desejo’ mal feito que se mantém enquanto o culpado continuar achando que isso é um loop temporal.

— Err... então é por isso que as repetições são imperfeitas?

— Exatamente. O culpado apenas não acredita que é possível voltar no tempo, mas não permite que o tempo prossiga. Ele está apenas rejeitando. O ‘portador’ está satisfeito enquanto ele puder enganar a si mesmo.

— Essa imperfeição é a razão pela qual nós podemos manter nossas memórias?

— Acho que sim. As razões pela qual nós podemos manter nossas memórias podem ser diferentes, mas é sem dúvida uma falha na ‘Rejecting Classroom’.

Mas tem algo que eu não conseguia entender não importa o que.

— Mas afinal de contas, quem é você? Otonashi-san.

Ela franze as sobrancelhas abertamente. Talvez essa seja uma questão que ela queria evitar.

— Ah, não... você não precisa me dizer se não quiser...

Contudo, ela abre a boca, sem mudar a expressão.

— Não tem nenhum título bonito para mim como você deve estar esperando. Sou apenas uma estudante. ... é o que gostaria de dizer, mas isso se aplica apenas até um ano atrás... Meu ponto de vista, huh? Nunca dei um nome para isso, mas certo, provavelmente só tem uma maneira de expressar isso. Sou --

Otonashi-san cuspe suas próximas palavras parecendo bastante desconfortável.

— a personificação de uma ‘caixa’.

— Uma ‘caixa’ personificada? O que você quer dizer?

Quando pergunto como um papagaio porque não consegui entender, Otonashi-san franze sua testa ainda mais.

— Vão surgir obstáculos se explicar os detalhes para você. Portanto não posso te dizer.

Fico um pouco desapontado. E isso aparentemente está claro em minha expressão, então ela continua depois de olhar para mim.

— Mas vou te dizer apenas isso. Já obtive e usei uma ‘caixa’.

— Eh--!!

Meu desejo ainda está sendo garantido.

Otonashi-san tem uma ‘caixa’?

— Você está curioso sobre minha razão para querer a ‘caixa’, não está? Muito bem, eu vou te contar. Meu ‘desejo’ com certeza foi garantido. Mas ao mesmo tempo eu perdi tudo.

—...tudo?

— Minha família, amigos, colegas, conhecidos, professores, vizinhos – Perdi todas as pessoas próximas a mim por causa do meu ‘desejo’. Todas as pessoas relacionadas a mim, não estão mais aqui.

Fico sem palavras.

— Isso não é... algum tipo de metáfora, mas literalmente?

— Sim. Não posso deixar tudo isso perdido. É por isso que quero a ‘caixa’.

Ela perdeu tudo. Ela não tem mais nada a perder. Essa deve ser a razão do porque ela pode ser tão descuidada e destemida. Mas de qualquer forma, para desejar esse tipo de situação, caramba que tipo de ‘desejo’ ela inseriu na ‘caixa’?

— Não é possível destruir a ‘caixa’? Esse desejo não se tornaria inutilizado se ela fosse destruída?

— Hoshino.

Otonashi-san disse com um forte tom de aviso contra minha dúvida óbvia.

— A ‘caixa’ ainda está garantindo o meu desejo. Entendeu? Não me faça dizer mais do que isso.

Certo. Não tem como ela não ter pensado nessa opção óbvia por ela mesma. Em outras palavras, a ‘caixa’ certamente tirou tudo dela. Mas mesmo assim —Otonashi-san não quer tornar esse ‘desejo’ inválido. Quando me mantenho em silêncio, Otonashi-san assume de novo a iniciativa e começa a falar.

— O meu ‘desejo’ e o ‘desejo’ do ‘portador’ da ‘Rejecting Classroom’ não podem existir juntos. A ‘caixa’ é feita dessa maneira. Portanto elas se repeliram quando entrei na ‘Rejecting Classroom’ e a interferência sob mim foi reduzida. Mas apenas «reduzida». Colocando de outra maneira, também não posso evitar o efeito da ‘Rejecting Classroom’. Mesmo eu não sei o quanto sou afetada. Se desistir, também vou ser capturada pela ‘Rejecting Classroom’... foi o que já te disse a muito tempo atrás.

Nesse caso o que o ‘portador’ acha da Otonashi-san? Pelo menos não acho que ele a veja como alguém agradável.

— Agora você deve finalmente ter entendido a situação até certo ponto, então vamos voltar ao tópico principal. Acho que não é mais possível obter a ‘Rejecting Classroom’ e usá-la. Essa ‘caixa’ já foi usada pelo ‘portador’, então está tudo bem apenas encerrarmos a ‘Rejecting Classroom’.

— Como nós encerramos a ‘Rejecting Classroom’?

— Destruindo a ‘caixa’ do ‘portador’. Ou a destruindo junto com o ‘portador’. É isso. Outra possibilidade seria... achar ele, o distribuidor da ‘caixa’, já que ele poderia fazer alguma coisa. Mas ele não estaria dentro da ‘caixa’, então isso não se parece muito com uma opção.

O distribuidor da ‘caixa’? Quase pergunto sobre ele -- mas parei. Não sei sobre esse “*” que já devo ter encontrado, e não quero saber sobre ele também.

—......então não podemos fazer nada enquanto não acharmos o culpado, certo?

— Oh? Não podemos fazer nada, huh? Então você está reclamando abertamente que nossa conversa até agora foi completamente sem sentido, desnecessária e desperdício de tempo, certo? Você tem coragem.

— N-Não! Isso foi só uma confirmação...

— Hmph, há uma probabilidade de você resolver esse problema que nem eu pude resolver, com seu conhecimento e sabedoria? Tenho certeza que você não disse isso sem ter nenhuma ideia, certo?

— Ugh...

Estremeço. Não tem como eu ter tido uma ideia.

— Se soubesse como, não teria como ainda não o ter encontrado. Mas, certo... diferente dos outros, a morte do ‘portador’ não seria negada dentro da ‘Rejecting Classroom’. Por exemplo, morri inúmeras vezes dentro da ‘Rejecting Classroom’ mas estou aqui nesse momento e não perdi minha ‘caixa’.

— Mas o ‘portador’ é diferente?

— Sim, exato. O ‘portador’ e a ‘caixa’ são conectados. No instante que o ‘portador’ morrer a ‘Rejecting Classroom’ vai ser destruída. Isso deve ser certeza já que confirmei isso em outro caso similar. A ‘caixa’ vai quebrar no momento em que o ‘portador’ morrer, e ao mesmo tempo as características da ‘Rejectign Classroom’ serão aniquiladas e o conceito de morte vai ser restaurado.

— Então ele permaneceria morto dessa maneira...?

— Exato.

— Então posso dizer que não sou o culpado. E, naturalmente, você também não.

— Bom, sim.

Então Mogi-san não pode ser a culpada também. Quero dizer, Mogi-san já sofreu esse acidente.

— Falando nisso, alguns de nossos colegas desapareceram certo? Isso não tem nada a ver com morte?

—...Não posso dizer com certeza, mas não deve ter nenhuma relação. Ainda não sei o propósito disso, mas provavelmente é outra característica da ‘Rejecting Classroom’.

...espere!

Subitamente percebo. Um simples jeito de se determinar o culpado. Ao mesmo tempo, todo o sangue do meu cérebro some. O que estou pensando? Isso é muito desprezível. Mas, mas — se for Aya Otonashi, ela pode fazer isso.

Não devo dizer isso. Mas porque Otonashi-san não percebeu esse método? Não tem como ela não ter percebido. Mas ela não o realizou. Então isso significa? O que isso significa--?

— Hoshino.

Meu corpo estremece quando meu nome é chamado.

— O que você está pensando? Você com certeza não pensou em um meio de encontrar o ‘portador’--

Meu corpo estremece de novo.

— --você pensou em um meio, Hoshino?

— Ah, não--

— Tentar esconder é fútil. Quanto tempo você acha que passei junto com você. Estive caçando você mais tempo do que qualquer um no mundo. Mesmo contra minha vontade.

Sei disso. Qualquer um iria perceber que estou tentando esconder algo.

“----”

Mas não tem como eu simplesmente dizer isso para ela tão facilmente.

— Hoshino. Até você deve ter percebido que não sou uma pessoa muito paciente.

Ela não é alguém que seria enganada por uma mentira aleatória. Mesmo que tente evitar a questão, ainda acabaria entregando o método no final.

Mas ainda assim--

— Hoshino!!

Otonashi-san me segura pelo colarinho. Ah, isso dói. Ela está séria. ...bom, é claro. Afinal de contas ela aguentou mais de 20.000 repetições apenas para obter a ‘caixa’.

— Diga!! Me diga o que você está pensando!!

Com certeza vou me arrepender se contar para ela. Mas posso ficar quieto nessa situação?

—...você só precisa matar todos os nossos colegas de classe.

E então conto para ela. É simples. Se você pode excluir qualquer pessoa que morre pelo menos uma vez, da lista de suspeitos, então você apenas tem que fazer isso. Apenas precisa matá-los. Ah, isso é ao mesmo tempo simples e demoníaco.

Mas as pessoas que morrerem aqui irão reviver. Não há nada para se preocupar. Não poderia em hipótese alguma fazer tal coisa, mas tenho certeza que Otonashi-san está pensando em algo assim.

Afinal de contas ela criou corpos para manter as memórias dela. Mas isso realmente não veio à mente dela? Porque ela não pensou que ela poderia usar isso não só para manter as memórias, mas também para encontrar o culpado? E assumindo que ela tenha pensado nisso, porque ela executou esse método efetivo que apenas faria com que ela precisasse repetir no máximo mais 40 vezes?

Ela não responde. Ela não mostra nenhuma reação. Lentamente olho para a face dela. Otonashi-san ainda está segurando meu colarinho e me encarando sem piscar.

— Isso não--

Ela lentamente larga da minha camisa.

— Isso não — é um método.

—...eh?

— Isso seria algo como fazer testes em uma pessoa viva. É claro que é a melhor maneira usar humanos se você quiser saber o quanto um humano é influenciado. Mas esse tipo de coisa não deveria ser considerado um método desde o início.

Otonashi-san cuspe essas palavras em uma voz baixa sem desviar o olhar de mim.

— Você quer saber o por quê? Isso é obvio. Porque fazer esse tipo de coisa é desumano. No momento em que alguém fizer esse tipo de coisa, ele não é mais humano. ...sim, eu certamente sou uma ‘caixa’ personificada. É por causa disso? É por causa disso que você....

O que habitava os olhos dela era raiva sem sombra de dúvida.

— ...você não está me considerando como humana!?

Aah, certamente, se ela entender o que eu disse por esse lado, então posso entender essa raiva. Percebo que não estava pensando o suficiente. Mas não posso compreender.

— Mas você matou pessoas para manter suas memórias, não matou?

—......o que você está dizendo?

Ela parece não ser capaz de aguentar mais o que eu estava dizendo e me lança um olhar afiado.

—...c-como eu disse, você criou acontecimentos que te deixassem impressionada para manter suas memórias, não criou?

— Já chega de me insultar--!! Não acabei de te explicar?! Só posso manter minhas memórias porque sou uma ‘caixa’!

Aah, certo. Ela manter as memórias criando corpos foi apenas uma teoria sem fundamentos do Daiya. Mas mesmo assim não consigo entender.

— O que há com esse rosto? Se você tem algo para dizer, então ponha para fora logo!!

Otonashi-san agarra meu colarinho novamente. Por causa do súbito grito dela, eu grito de volta. Sim... não tinha me preparado. Não considerei realmente o significado de gritar de volta para ela, o que é bem incomum para mim. Ela estava me segurando com mais força. Sei disso, e sei que é por causa do que eu disse. Porque fiz uma declaração que fez nossa relação quebrar.

— Então porque você me matou?!!

E então as palavras entre nós se perderam.

Nossa relação que ruiu com essas palavras, não pode ser recuperada no final. Otonashi-san desiste de todas as palavras e expressões direcionadas a mim. Completamente. Vendo ela desse jeito, não posso fazer nada, e no fim, não tive escolha a não ser deixar o hotel.

Fico ao redor do hotel, mas isso foi apenas relutância. Apenas desperdicei meu tempo sem objetivo. Dei uma olhada na moto em que viemos e me afasto. Vou até a loja de conveniências. Compro chá em uma garrafa PET. Vou bebendo aos poucos até ela acabar. Percebo que quase não consigo me lembrar o que bebo.

Isso pode ser o fim. Diferente de Otonashi-san, não sei se posso manter minhas memórias. Se ela não me considerar mais necessário, vou esquecer tudo e antes que perceba, vou serei jogado para fora da ‘Rejecting Classroom’. Vou desaparecer daqui como certa pessoa.

Não tinha sons no meu caminho. Também não tinham postes de luz e não tinham cores. Quase como se quem fez tudo isso não tivesse se preocupado com os detalhes. Coloco a garrafa vazia na minha boca. Sinto como se fosse ser engolido se não fizesse parecer que estou bebendo. ...pelo que? Eu não sei.

Do nada, a música do meu artista preferido começa a tocar na rua silenciosa. O que? ...aah, entendi. É o meu celular. ...meu celular? Então alguém me ligou? Certo. Certo!

Não me lembro de ter falado para ela. Não me lembro de ter falado para Otonashi-san o número do meu celular, mas em alguma repetição devo ter dito! Tiro meu celular do bolso do uniforme. O nome «Kokone Kirino» está aparecendo na pequena tela de LCD.

Olho para o céu. Como se um desenvolvimento tão conveniente pudesse acontecer! Sei disso. Mas não posso fazer nada a não ser ter alguma expectativa, certo? Coloco o ritmo da minha respiração em ordem e atendo a chamada.

«Ah, alô... Kazu-kun.»

Não sinto a energia habitual na voz dela, mas pode ser impressão minha. Ou Kokone é sempre assim pelo telefone? Nós podemos ser próximos, mas quase nunca falei com ela pelo telefone antes.

«Ah, err--»

Tenho um pressentimento de que já conheço esse desenvolvimento. Ah, não, com certeza conheço. Só não consigo me lembrar agora.

«Por favor, venha por um momento para o lugar que vou te dizer.»

O que era isso mesmo? Como esse desenvolvimento continua?

«Tem algo que preciso te dizer, Kazu-kun.»

 

3.087ª vez

Certamente amo Umaibōs, mas na verdade não gosto muito daqueles com sabor de Teriyaki Burger. Estou no parque abandonado em frente à casa dela. Em frente à fonte de água, nós estamos olhando um para o outro enquanto como o Umaibō que ela me deu.

—...e então?

—......mh, err, não é que seja um sabor que não goste, mas bem...

—...não estou perguntando sobre... o Umaibō.

Sei disso, mas veja bem. Também não sei como deveria reagir.

—...então, você sairia comigo?

Não tenho tanta experiência com esse tipo de coisa para não ficar envergonhado. Mas a colega na minha frente está tão envergonhada quanto eu. Pelo menos nunca a vi assim antes.

Talvez seja por causa da nova máscara sobre a qual ela me falou essa manhã, mas os olhos dela que já são grandes, me parecem ainda maiores. E esses olhos estão olhando diretamente para mim. ...como seria capaz de não desviar meu olhar?

Não sei o que dizer, mas sei que tenho que dizer algo, então abro minha boca.

— Então... você me ama?

A face diante dos meus olhos muda de cor para um vermelho vivo.

—...tal...vez.

— Talvez?

Pergunto de volta reflexivamente.

—......E-Eu não entendo, por que você está perguntando esse tipo de coisa? Você deveria saber minha resposta para isso certo? ...O-Ou você quer que eu diga?

— Ah...!

Finalmente percebo minha falta de delicadeza e agarro minha cabeça em vergonha.

— Eu... sinto muito.

Me desculpo reflexivamente. Ela me olha com os olhos arregalados e murmura.

—......eu te amo.

Então ela se levanta e diz olhando diretamente em meus olhos.

—...eu te amo.

Estou espontaneamente atordoado pelo seu rosto adorável e desvio meus olhos. Meu coração é seduzido apenas por essa afeição direcionada a mim. Acho que ela é adorável. Sua personalidade é brilhante, e também ela está sempre cercada por outras pessoas. Também sei que muitos já se confessaram para ela e foram rejeitados. Acho que seria divertido sair com ela.

Mas —

— Sinto muito.

Respondo assim. Tão claramente que quase me surpreendo comigo mesmo. Sei que o que estou fazendo é um desperdício. Mas não consigo imaginar nós dois saindo. Isso seria muito surreal. A expectativa desaparece dos olhos dela e lagrimas apareceram em seu lugar. Não consigo olhar diretamente para ela, apesar de saber que é minha responsabilidade. Não posso dizer nada. Porque tenho certeza que diria ‘sinto muito’ se começasse a falar.

—......você hesitou bastante, mh?

Concordo para o que ela murmurou.

—...diga, você gosta de Umaibōs, certo?

Palavras sem contexto. Também concordo com elas.

— Mas você não gosta muito do sabor de Teriyaki Burger, certo?

—...sim.

— Qual o seu sabor preferido?

— Err... sabor de milho, eu acho.

Não tenho ideia do porque ela está perguntando isso, mas respondo timidamente.

— Entendo. Entendo, entendo...

Ela assente repetidamente.

— Ahaha... cometi um erro.

Essa observação sem sentido dela. Me pergunto porquê, mas por alguma razão essas palavras ficaram marcadas em mim. Foi como assistir um vídeo mal editado.

— Me pergunto se teria uma conclusão em que você aceitaria a minha confissão se mudasse o meu jeito de me aproximar.

Ela diz com os olhos apontados para baixo.

Não sei. Afinal de contas hesito desse jeito. ...não, isso não é verdade. Sei disso. Eu a rejeitaria com certeza. Quero dizer, se for o mesmo eu, então iria com certeza continuar a dar a ela a mesma resposta a menos que as condições mudassem. Enquanto for hoje, não consigo me imaginar saindo com ela. Portanto, enquanto for hoje, não posso de maneira alguma aceitar a confissão dela.

— Seu rosto me diz que você não sabe.

Não posso dizer nada em resposta. Mas ela aceita isso como um ‘sim’ e sorri docemente.

— Aah, sim. Então só preciso continuar me confessando até eu conseguir, certo?

Isso não seria ruim. Quero aceitar pelo menos esse tanto de responsabilidade por rejeitar os sentimentos dela. Mas ainda assim--tem que ser depois de hoje, você sabe.

 

27.754ª vez

Estou sem rumo depois da ruína da minha relação com a Otonashi-san e a súbita ligação da Kokone em seguida. ...isso é só uma desculpa, na verdade. Esqueço completamente que um acidente vai acontecer com certeza no cruzamento.

Estou seguro. Lembro graças a um reflexo que me ocorreu quando me aproximo daquele cruzamento, já que o choque de ser morto uma vez é grande demais.

Autopreservação não é um problema. Mas isso não é o suficiente para mim. Porque, esse acidente vai acontecer não importa o quê, então outra pessoa vai ser atropelada. Me esqueço disso. E por causa disso, não posso salvar essa pessoa. Apesar de saber que alguém será atropelado, não impeço. Ter me esquecido nem ao menos conta como uma desculpa. Sou horrível. É o mesmo que eu ter matado essa pessoa.

Kasumi Mogi está lá. A garota que amo está lá. O caminhão está seguindo em direção a ela com uma velocidade absurda como sempre. Incapaz de salvá-la da minha atual posição. Não importa o quanto corra em direção a ela, não sou capaz de salvá-la a essa distância.

Ela vai ser manchada de sangue. A garota que amo ser manchada de sangue. A garota que amo vai, por minha culpa, ficar manchada de sangue. Como quando a ignorei de novo e de novo, por minha culpa de novo e de novo, a garota amo vai ficar manchada de sangue de novo e de novo.

— U-UAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!!

Corro na direção do caminhão. Para salvá-la? Não. Certamente não. Apenas não posso aguentar meus sentimentos de culpa e por isso quero agir como se tivesse feito algo. Puramente autossatisfação. Horrível. O quão horrível eu sou?

Então vejo.

— Eh...?

A garota, que já não tinha mais nenhuma esperança, foi jogada para longe. Não fui eu. Estou em uma posição distante de onde jamais poderia alcançá-la. Consequentemente, só há uma pessoa que poderia ter feito isso. Apenas a garota que continua lutando mesmo quando abandonei minhas memórias e agi como se não a conhecesse. Mesmo que ela não pudesse fazê-lo a tempo. Mesmo que ela não pudesse fazê-lo a tempo de salvar a si mesma.

Mesmo assim, ela —

—— Aya Otonashi se joga.

Ah, certo. Me lembro. Já testemunhei essa exata mesma cena inúmeras vezes. Para ela, isso vai sempre se repetir de qualquer jeito. Até mesmo o fato de que ela salvou alguém vai desaparecer. O que sobra é apenas as memórias da dor até a morte dela. E o medo de encontrar a morte. O desespero de saber que ela vai ter que repetir a mesma coisa de novo.

Mas, mesmo assim, Aya Otonashi se joga em frente do caminhão. Para salvar outra pessoa de ser atropelada.  De novo e de novo. Milhares de vezes. Certo. Porque esqueci isso?

O alto barulho de uma batida ressoa, mas o caminhão não para seu curso e esmaga muro a baixo com um som estrondoso. Me aproximo da Otonashi-san enquanto me impressiono pelo som. Do lado dela, Mogi-san está caída paralisada na mesma posição em que ela é jogada. Aparentemente ela sofre um choque.

Olho para Otonashi-san. Sua perna esquerda está torcida em uma posição anormal. Ela está suando frio, mas começa a falar com uma resolução como se não estivesse machucada.

— Da última vez, eu matei você.

Apesar de que falar deveria ser doloroso para ela, ela diz claramente.

— Achei que tudo iria terminar se matasse o ‘portador’. Estava relutante. Mas no momento que acreditei que essa era a única maneira de sair da ‘Rejecting Classroom’. Aceitei me tornar um ser inferior a um humano. É difícil de acreditar, mas pensei naquela hora que poderia ficar tudo bem daquela maneira. O motivo é que achei que o ‘eu’, que se tornou um ser inferior a um humano, fosse desaparecer depois que saísse da ‘Rejecting Classroom’.

Finalmente entendo porque ela agiu como se tivesse esquecido tudo naquela hora. Ela não podia perdoar a si mesma. Por aprovar minha morte quando fui a vítima do acidente. Ela se sentia tão culpada a um nível em que ela estava para abandonar a ideia de sair da ‘Rejecting Classroom’ e obter a ‘caixa’ que ela tanto queria.

«Então porque você me matou?!!»

Ela se sentia tão culpada que não pode nem mesmo responder contra essas palavras.  O quão cruel foram aquelas palavras que disse para ela? E elas nem eram verdade no final de contas. Da última vez, eu me joguei para salvar a Mogi-san e morri por causa do acidente. Considerei isso como culpa da Otonashi-san, assim como sempre considerei as mortes da Mogi-san como culpa dela.

Por causa desse preconceito gritei algo como «Você me matou». Devia ter percebido esse mal entendido no momento em que ela negou os assassinatos. Na verdade, ela apenas não foi capaz de me salvar. Por alguma razão esse acidente sempre acontece. Alguém é atropelado com certeza. Apenas aconteceu de ser eu aquela vez por coincidência.

— Mph, só posso rir da minha própria idiotice. Não tem como a culpa desaparecer só porque iria me esquecer. E sério, a ‘Rejecting Classroom’ não acabou e tive que lidar com o meu eu que se tornou um ser abaixo de um humano. Não posso imaginar uma situação aonde a ‘retribuição’ do mundo se aplicaria melhor.

Após dizer isso, ela vomita sangue.

— Otonashi-san, você não precisa falar se isso te machuca...

— Vai ter alguma outra chance para falar? Já me acostumei com essa dor. Isso não é nada. Essa dor momentânea é muito melhor do que sentir dor cronicamente por causa de uma doença.

Você não pode chamar isso de estar ‘acostumada’!

— Não perdi minhas memórias, nem saí da ‘Rejecting Classroom’. Fufu... acho que eu já sabia. Que não seria libertada da ‘Rejecting Classroom’.

—...porquê?

— É simples. Sei disso. Minha força de vontade não me libertaria tão facilmente.

Otonashi-san se levanta cambaleando. Mesmo que ela pudesse continuar deitada, mas acho que ela não pode aguentar me ver olhando ela de cima. A perna dela não funciona no final das contas. Ela tosse sangue violentamente. Mas então se levanta usando o muro como suporte e olha para mim. Provavelmente porque Otonashi-san se levanta, a Mogi-san inexpressível e petrificada também começa a se mexer também. Então ela me encara timidamente.

— Você está bem, Mogi-san?

—......hy!!

Ela gritou subitamente.

— O-Oquê vocês estavam falando... agora a pouco...? Mmhm, não apenas agora, desde ontem... o que vocês dois?

...o que? Para quem você está olhando com esses olhos? Para quem você está olhando com esses olhos assustados?

...eu sei. Sou quem está na mira do olhar dela.

De alguma forma sou incapaz de deixá-la sozinha e tento tocar o rosto dela.

— N-Não me toque!

Aah... você está certa. O que estou fazendo? Porque estou tentando confortá-la, apesar de ser aquele que a está assustando? Ou será que pensei que isso fosse acalmá-la? Realmente pensei que poderia acalmá-la? ...não tem como eu ser capaz disso.

—... o quê... é você...?

Fecho meu punho. Não posso explicar nada para ela. Então não tenho outra escolha a não ser suportar esse olhar. Adoraria explicar a situação toda agora mesmo. Talvez ela nem ao menos compreenda minha situação.

Mas — não devo fazer isso. Afinal de contas tenho que lutar. Tenho que lutar contra a ‘Rejecting Classroom’. E para isso preciso rejeitar o falso cotidiano da ‘Rejecting Classroom’. Estou determinado a isso desde que segurei a mão da Otonashi-san antes. Vou rejeitar. Mesmo ter feito a Mogi-san sorrir, poder tê-la visto com o rosto vermelho, e até mesmo dormir no colo dela —  eu rejeito tudo isso.

Mogi-san desiste de tentar me entender e fica parada ainda assustada. Ela dá um passo para trás cambaleando enquanto ainda olha em nossa direção, como se estivesse rezando para que não fossemos atrás dela. E então ela foge. Fico olhando para ela. Nesse momento me forço a ter certeza que não desviarei meu olhar. Já que essa é supostamente a conclusão que desejo.

— Reconheço a sua determinação.

Otonashi-san que fica nos observando do início ao fim diz isso ainda apoiada no muro.

— Então também vou criar essa mesma determinação. Vou desistir de tentar obter a ‘caixa’ pelo bem do meu objetivo.

—...eh?

Isso me incomoda. Me incomoda muito. Preciso da força da Otonashi-san. Abro minha boca sem pensar para impedi-la. Quando faço isso...

— Portanto devo te dar uma mão.

—...eh?

Não esperava por isso. Me dar uma mão? Aya Otonashi vai me dar uma mão?

— Porque essa boca aberta como um idiota gritando? Acabei de dizer que vou te dar uma mão. Você não me ouviu?

Mas isso é tão impossível quanto o sol nascer no Oeste e se pôr no Leste.

— Perdi meu rumo. Assim como você tinha reclamado, me tornei um ser inferior a um ser humano por matar você. Não, ainda pior. Sou uma covarde que abandonou meu próprio objetivo e tentou fugir por que não pode admitir isso. Para simplificar, me rendi a ‘Rejecting Classroom’ uma vez. E continuei fugindo e dizendo para mim mesma que não tinha mais nada que uma ‘caixa’ derrotada como eu poderia fazer.

Apesar dela estar falando mal de si mesma, o brilho no seu olhar ainda era afiado. Estou um pouco aliviado.

— Mas isso não vai mais me fazer hesitar. Certamente fiz algo digno de vergonha. Mas não tem porque me diminuir por causa disso. Nada vai se resolver se eu só ficar me arrependendo. Portanto não vou mais fugir. Então--

Ela fecha sua boca por um momento, hesitando para terminar o que ia dizer. Mas já que estava para começar um sermão, ela termina.

— Então por favor — me perdoe.

Aah, entendo. Foi isso que ela quis dizer. Essa conversa estranha é supostamente um pedido de desculpas para mim. Esse pedido é completamente sem sentido.

— Não posso perdoar você.

Otonashi-san olha para mim surpresa por um instante me ouvindo dizer isso tão claramente, mas logo em seguida sua face volta a sua expressão séria.

— Entendo... perdoar alguém que te assassinou não é possível. Eu entendo.

— Não é isso.

Ela franze a testa como se minhas palavras fossem incompreensíveis para ela.

— O que quis dizer foi...Não tenho ideia o porquê tenho que te perdoar para começo de conversa.

Certo. Não é como se não tivesse perdoado ela. Apenas não posso perdoá-la. Ela não tem culpa alguma.

—...Hoshino, o que você está dizendo? Eu...

— Você me matou?

—...certo.

— Do que você está falando?

Sorrio espontaneamente.

Estou aqui!

Sim. Isso não tem relação nenhuma.

— Estou aqui, Otonashi-san.

Não importa o quão responsável ela se sinta, isso não é de forma alguma algo que não possa ser desfeito. Não entendo porque ela se sente tão culpada, de qualquer forma. Não foi ela que criou a ‘Rejecting Classroom’ afinal de contas. Otonashi-san foi apenas envolvida na ‘Rejecting Classroom’ — não, isso não está certo. Otonashi-san não é apenas uma vítima. Ela é uma administradora que entende nossas personalidades e pode ler através do nosso comportamento. Ela sabe como as ondas na água vão expandir se ela jogar a pedra em um certo lugar. Ela é uma administradora pelo menos no mesmo nível que o próprio criador da ‘Rejecting Classroom’.

Precisamente por causa desse poder, ela se sente responsável pelas coisas que acontecem. Ela acha que as coisas só vão funcionar quando ela apenas agir corretamente. Portanto considera sua culpa quando não pode e não previne a morte de alguém. Mas foi ela mesma quem disse. Que a morte na ‘Rejecting Classroom’ é apenas temporária.

— Não acho que isso importe. Mas se você insistir nisso mesmo assim, então que tal usar uma palavra mais apropriada?

Ela não se move por alguns instantes e mantém sua testa franzida. Quando acho que ela finalmente voltou a se mover, ela olha para baixo.

— Fufu...

Os ombros dela estavam tremendo. Eh? O quê? O que isso significa? Eu fico nervoso e presto atenção nela.

— hehe...haha...Hahahahahaha!!

...ela está rindo! Na verdade, é uma gargalhada explosiva!!

— H-Hey! Por que você está rindo aqui? Me desculpe, mas não entendi!!

Otonashi-san continua sua gargalhada por um tempo sem ouvir meus protestos. Droga... o que é isso? Estava confiante de que tinha dito algo ‘legal’, mas parece que no final foi apenas motivo de risada...

Ela finalmente para sua risada e volta para a sua expressão destemida de sempre enquanto me diz com os lábios tortos.

— Me transferi 27754 vezes.

—...sei disso muito bem.

— Estava convencida de que tinha entendido seu comportamento perfeitamente durante esse tempo. Mas não pude prever que você ia dizer o que acabou de dizer. Pode imaginar o quão incrível isso é para alguém que se acostumou com o tédio?

Ela diz, parecendo bastante satisfeita. Ainda não pude entender as reais intenções dela e inclino minha cabeça em dúvida.

— Hoshino. Você é realmente incrível. Você é um humano como nunca vi antes. À primeira vista você parecia uma pessoa comum sem nenhuma crença, mas na verdade não tem ninguém que seja mais vigorosamente apegado ao cotidiano do que você. Exatamente por causa disso é capaz de claramente distinguir esse falso cotidiano do verdadeiro. Melhor até do que eu mesma.

Melhor do que a Otonashi-san?

— Isso não é verdade. Não posso distinguir tão claramente assim. Afinal de contas, meu coração ainda dói quando o acidente acontece, mesmo sabendo que isso vai ser desfeito...

— É claro. Isso não tem nada a ver com distinção. Por exemplo, quando você vê um filme ou lê um livro, quando o personagem passa por coisas ruins você se sente desconfortável como se sentiria na realidade, não se sente? É a mesma coisa aqui.

É realmente assim? Não entendo direito.

— Hoshino.

— O que?

— Me desculpe.

Foi muito súbito, não entendo pelo que ela está se desculpando. Antes de perceber, a expressão satisfeita no rosto dela desaparece.

— Realmente, estou envergonhada da minha própria incompetência. Sinto muito.

— E-Está tudo bem...

Apenas me sinto desconfortável quando alguém obviamente superior a mim me pede desculpas tão honestamente. Vacilo como se estivesse sendo criticado por ela. Tenho que admitir que sou patético.

— Isso foi uma mera cortesia, mas está bem para você, certo? Apenas tenho que continuar a te compreender normalmente, te entender e te indicar o caminho. É isso o que você espera de mim, certo?

— S-Sim...

— Pedir desculpas, huh? Certamente é uma necessidade, mas tenho a impressão de que não faço isso há anos.

...Tenho certeza que é exatamente assim.

— Muito bem então, está na hora.

— Hora?

— Para o fim da 27.754ª ‘Transferência Escolar’. E o início da 27.755ª ‘Transferência Escolar’.

— Aah, entendo.

Aceito esse estranho fato surpreendentemente calmo. Várias pessoas já se amontoaram ao redor por causa do enorme acidente, o que é natural, quando você olha ao redor. Entre eles estavam vários uniformes familiares.

Kokone também estava entre eles nos observando. Nós estivemos conversando todo esse tempo enquanto ignorávamos todos ao nosso redor. Bom acho que posso entender porque a Mogi-san estava assustada. Uma Otonashi-san coberta em sangue conversando naturalmente comigo é com certeza estranho.

Ofereci minha mão para Otonashi-san. Ela aceita minha mão, que outra pessoa recusou antes, sem hesitar. Meu coração foi despedaçado por um poder absurdo como se estivesse sendo esmagado por um trator. O céu começa a se fechar como se estivesse dentro de uma pequena bolsa de moedas. E apesar de estar sendo fechado, o mundo se tornou branco. Branco. Branco. O chão se tornou instável e tem um sabor açucarado por alguma razão – não na boca, mas na pele. Essa sensação não era ruim, mas ao mesmo tempo era nojenta. Finalmente entendo que esse era o final da 27.754ª repetição.

Estamos dentro de um desespero macio, doce e puramente branco.

 

0ª vez

Não tinha percebido até completar dezesseis anos que ‘O amor pode mudar o Mundo’ não é apenas uma metáfora.

Você já não pensou inúmeras vezes que a vida é comprida demais com todas as repetições de hábitos? Tenho certeza que o número de vezes que pensei em morre, não pode ser expresso usando todos os dedos de minhas mãos e nem mesmo se tentar contar os dos pés junto. O tédio era terrível.

Mas não expressava isso em palavras e agia alegremente como sempre. Afinal de contas, não vai ser bom para ninguém se eu mostrar essa atitude abertamente para todos. Portanto me esforçava para me dar bem com todos. O que não é muito difícil. Se você não pensar muito sobre pontos fortes e pontos fracos ou sobre gostos e desgostos, você pode se dar bem com todos. Um grande número de pessoas se reunia ao meu redor e todos sempre me diziam o mesmo.

— Você é sempre tão animada. Você realmente não tem preocupação alguma, não é mesmo?

Ah, sim. Muito obrigado a todos por serem enganados tão honestamente. Muito obrigado por não reconhecerem meu lado negro até agora. Graças a vocês comecei a querer jogar tudo isso fora.

Provavelmente sei o ponto aonde esse tédio começou. Cada pessoa é autocentrada demais. Quando trocava endereços de e-mail com um garoto e respondia as mensagens dele regularmente, ele ficava animado por si só e se confessava para mim. Quando tentava não excluir um garoto que não se dava bem com as outras garotas, ele se enganava achando que isso era afeto e se confessava para mim. Quando era convidada por alguém para ir ao cinema e aceitava já que era difícil recusar, ele se confessava. Quando andava junto com alguém regularmente, porque o caminho para a casa, já que o caminho dele era o mesmo que o meu, ele se confessava.

Todos eles faziam expressões como se os tivesse traído, e de forma egoísta se machucavam e guardavam rancor de mim. Também era alvo do rancor das garotas que gostavam desses garotos. De forma egoísta. Autocentrada. Isso me machucava cada uma das vezes, fiquei cheia de cicatrizes, e quando nem ao menos reconhecia mais as novas cicatrizes ao ser ferida, finalmente percebi.

Apenas preciso me associar com todos superficialmente no meu tempo livre. Só preciso ler o clima e continuar tendo conversas frívolas. Não iria mostrar a eles como sou por dentro. Iria apenas que me fechar como uma concha para proteger o meu interior frágil.

E então fiquei entediada. Ninguém percebia que estava escondendo meu interior. Todos diziam a mesma coisa para mim.

— Você é sempre tão animada. Você realmente não tem preocupação alguma, não é mesmo?

Que grande sucesso. Vocês deveriam todos desaparecer. Era um dia comum depois da aula. Estava sorrindo como sempre enquanto conversava comicamente com os estranhos ao meu redor que fingiam ser meus amigos. Então, subitamente – sem nenhum motivo em especial. Não importa como, isso me ocorreu. Esse conceito subitamente ganhou forma e me fez pensar em certa palavra.

«Solidão»

Aah, estou em completa — solidão.

Solidão. Entendo, estava solitária. Apesar de estar sempre cercada por todos, estava solitária. Isso me fez sentir estranhamente bem. Essa palavra se encaixava perfeitamente. Mas essa palavra abruptamente mostrou suas garras e me atacou.

Foi a primeira vez que percebi que solidão vem acompanhada dessa dor tão profunda. Meu peito doía, não podia respirar. E mesmo quando finalmente consegui respirar, sentia como se tivessem agulhas no ar. Meu pulmão doía a cada vez que puxava o ar. Minha visão escureceu por um momento e eu achei que minha vida poderia terminar nesse momento. Mas minha visão voltou logo em seguida e minha vida não acabou assim tão facilmente. Portanto, não sei o que fazer. Não sei. Me ajude. Pessoal, me ajudem.

— Qual o problema?

Alguém percebeu a minha mudança e me chamou.

— Você parece incrivelmente feliz sorrindo desse jeito.

Eh? Estou sorrindo--?

Toquei minhas bochechas porque não consegui entender o que ele estava dizendo. Certamente, os cantos dos meus lábios estão erguidos.

— Sério, você é sempre tão animada. Você realmente não tem preocupação alguma, não é mesmo?

Isso me fez rir. “Sim, estou feliz!” Disse rindo. Ri sem nem saber o porquê. Nesse momento, a cor das pessoas ao redor gradualmente começou a se tornar transparente. Um a um eles se tornaram transparente. Cada um se tornando transparente e desaparecendo, então não podia mais vê-los. Algumas vozes me chamavam, mas não podia ouvi-las. Mas por alguma razão ainda respondia apropriadamente. Não entendo.

Quando percebi, a sala estava vazia. Só eu ainda estava nela. Mas tenho certeza que fui eu quem fez isso. Eu os rejeitei.

— Tenho um compromisso, então estou indo.

Apesar de não poder ver ninguém, disse sorrindo enquanto pegava minha mala. Minha relação com os outros poderia ser estabelecida mesmo se não estivesse falando com ninguém em particular. Deveria estar falando com as paredes desde o começo se era para ser assim.

E ainda assim, porque?

—... com licença, você está bem?

Apesar de que não deveria ter ninguém aqui, pude ouvir essas palavras claramente por alguma razão. Tinha acabado de passar pelos portões da escola quando fui trazida de volta a realidade em um instante e o que era invisível voltou ao normal. Um garoto da nossa classe estava parado em minha frente e ofegando quando me virei. Pelo que parece ele correu atrás de mim.

O nome dele era certamente Kazuki Hoshino. Nós não éramos íntimos, e ele não tinha nenhuma característica especial – não sabia mais do que o nome dele.

— O que você quer dizer?

Enquanto perguntava, percebi que uma estranha expectativa estava me envolvendo. Afinal de contas, ele não me perguntaria se estou «bem», se ele não tivesse percebido minha anomalia. Isso significa que ele pode ter sido capaz de perceber minha mudança, o que não foi possível nem para as pessoas que estavam ao meu redor.

— Err... como devo dizer? Você parecia «distante»... ou não, não tenho certeza, mas pareceu como se você não estivesse vivendo seu cotidiano normalmente...”

Ele disse com dificuldade. Parecia hesitante em ser direto.

— Err... não se incomode comigo se isso foi só minha imaginação. Desculpe-me por dizer essas coisas estranhas.

Ele parecia estar se sentindo envergonhado e estava para sair.

—...espere um momento.

Eu o segurei. Ele inclinou a cabeça levemente e olhou para mim.

— E-err...

Posso ter segurado ele, mas o que deveria dizer agora?

Mas então — ele foi capaz de me descrever como «distante», apesar de eu estar sorrindo enquanto estava naquela sala solitária.

—...eu pareço estar sempre animada?

Se ele responder como os outros, então ele não é diferente deles. Ah, estou tendo uma enorme expectativa. Tenho uma enorme expectativa de que ele vai negar e me entender.

— Sim. Bem, ...você parece ser.

Ele disse hesitantemente. Ouvindo essas palavras, me desencantei por ele, perdi meu interesse e comecei a odiá-lo. Estava surpresa a essa incrível inversão dos meus sentimentos, mas minhas expectativas eram, de alguma forma, consideravelmente altas. Mas então, ele, que eu odiei, adicionou essas palavras.

— Você realmente se esforça muito para parecer, não é mesmo?

Meus sentimentos se inverteram novamente e meu ódio se transformou. Meu rosto não pode acompanhar essas mudanças – apenas meu coração tinha uma sensação estranhamente quente. Se esforçando muito. Se esforçando muito para parecer animada. Isso está certo. Muito mais certo do que negar isso.

E então eu — me apaixonei.

Sei disso. Estou apenas assumindo isso convenientemente. Apenas porque ele disse «Você realmente se esforça muito para parecer, não é mesmo? » não significa que ele me entenda por inteira. Sei disso. Mas mesmo assim – isso que assumi não sai mais da minha cabeça.

Primeiro, achei que esses sentimentos fossem apenas temporários. Mas logo isso começou a crescer até um ponto em que não havia mais volta. Meus sentimentos por ele começaram a se empilhar como neve que não derrete e cobriu meu coração completamente. Apesar de estar ciente de que ele pode acabar se tornando tudo para mim se isso continuar assim, isso não era ruim por alguma razão. Afinal de contas Kazuki Hoshino me resgatou daquela sala solitária e desfez o meu tédio.

Se ele sumir do meu coração, tenho certeza que tudo vai voltar a ser como era antes. Voltaria para aquela sala solitária onde estou completamente sozinha. Meu mundo mudou tão simplesmente. É como se o meu tédio de antes fosse uma mentira. Como se meus sentimentos fossem conectados a um poderoso amplificador. Ficava feliz apenas por dar bom dia para ele. Ficava triste por não poder falar muito com ele. Meu coração estava obviamente fora de ordem, fazia me sentir complicada e isso era bom.

Sim! Vou me dar bem com você sem falha!

Primeiro, gostaria que começássemos a nos chamar um ao outro pelo primeiro nome.

————————————— . . . . .

— Você tem um desejo?

Ele parece existir em todo o lugar, mas ao mesmo tempo parece não existir em lugar nenhum. A aparência dele lembra a de todos, mas ao mesmo tempo não parece ser igual a ninguém. Alguém que eu não sabia se era homem ou mulher começou a falar comigo.

Desejo?

É claro que tenho um.

— Essa é uma ‘caixa’ que realiza qualquer desejo.

A aceitei com minhas mãos manchadas de sangue.

Imediatamente entendi que essa coisa era real. Portanto, estava determinada a não largar dessa ‘caixa’. É o mesmo para qualquer um, não é mesmo? Não acho que exista alguém que a devolveria.

Eu desejei.

Sabendo que era impossível, eu desejei.

— Eu não quero — me arrepender.

 

27.755ª vez

— Vamos lá, não tem algo diferente em mim hoje? Hein?

Kokone pergunta com a mesma expressão de sempre. Ela já me perguntou isso antes. Qual era mesmo a resposta?

—...você está usando máscara.

— Ooh! Muito bom Kazu-kun!

Parece que estou certo.

—...então, como está?

— Sim, você está linda.

Falo sem hesitar. Essa era a resposta correta novamente. Não estou muito sério ao dizer isso, mas Kokone está satisfeita ao ouvir a palavra ‘linda’ e acena com a cabeça com um sorriso.

— Mhm, mhm. Entendo, você tem uma ótima visão das coisas. Hey você! O cara com essa personalidade estragada, você devia aprender alguma coisa com ele!

Contente, ela cruza os braços e vira sua cabeça em direção à Daiya.

— Prefiro morder a língua até ela cair do que dizer isso.

— Ah, isso seria bom para o mundo todo, então, por favor, vá em frente.

— Não, estou falando da sua língua.

— Hahaa, então você deseja um beijo intenso e profundo comigo? Por favor, não se deixe seu fascínio por mim te levar muito longe ~

Sem a mínima ideia da situação que estou, os dois começaram seu duelo de insultos sem deixar espaço para uma réplica de fora. Pouco depois, Daiya traz o assunto da estudante transferida. Por favor, venha logo, Otonashi-san.

— Meu nome é Aya Otonashi. Não tenho interesse em ninguém além de Kazuki Hoshino e o ‘portador’.

A sala se torna barulhenta no mesmo instante. Err, Otonashi-san? Você é livre para por alguma distância entre você e seus colegas no primeiro dia já que você é uma aluna transferida, afinal de contas. Mas veja bem. Estou nessa sala há quase um ano, então as coisas não funcionam desse jeito para mim, você entende?

— O que ela quis dizer com ‘portador’? Quem é o ‘possuído’? Ela quer dizer ‘a pessoa que o Hoshino possui’?

— Isso não seria a «namorada»?

— O que significa que Kazuki-kun tem uma «namorada» e a estudante transferida, Otonashi-san, está procurando por ela? Por quê?

— Talvez tenha algo entre ele e a Otonashi-san. Talvez eles estejam se encontrando... então ele está saindo com duas ao mesmo tempo?!

— Exato! Com certeza é isso! Desse jeito parece ser mais divertido, então vamos acreditar nisso!

— Então, tendo um complexo sentimento de amor e ódio por Hoshino, ela perseguiu e se transferiu para nossa escola. Deve ser isso.

— O que significa que o Hoshino... seduziu aquela beldade?! Droga!!”

Nossos colegas continuaram especulando sobre o assunto e nos ignoraram, apesar de sermos nós a fonte do assunto. Droga, de onde vêm essas ideias?

— Então Hoshino... estava apenas brincando comigo...

— O que?! Você é a outra?!

— Não... provavelmente era apenas uma extra... a terceira, não, talvez até mais.

— Mas o que... aquele bastardo!

Kokone finge estar chorando enquanto Daiya aproveita a oportunidade para erguer a voz de uma maneira que ele normalmente não faz. Droga, esses dois só cooperam em momentos como esses.

—...Que problemático. Por sua culpa eles começaram a falar sobre mim, ao invés de se distanciarem.

Otonashi-san murmura. Err... isso é realmente minha culpa?

Logo depois da primeira aula, Otonashi-san e eu corremos para fora da sala. É claro, com os gritos de encorajamento dos meus colegas, e até sinto a sede por sangue nos olhares de alguns garotos, mas não havia tempo para me preocupar com esse tipo de coisa. Nós chegamos ao nosso lugar usual – atrás do prédio da escola. Não vamos mais assistir às aulas.

— Entendo. É assim que vai ser se for trabalhar com você. Não posso fazer nada contra ser envolvida em sua rede de relacionamentos. Jeez... que problemático.

Não, acho que o principal problema está no seu jeito de falar.

— Mas foi a primeira vez nessas 27.755 que rejeitá-los teve um efeito negativo. Isso foi realmente interessante.

— Não, não acho que você deva pensar nesse tipo de coisa como interessante...

— Não diga isso. Até mesmo eu fico mais ou menos empolgada ao experimentar algo novo. E você sabe, apenas por ter você cooperando comigo, a situação mudou para o jeito que está. Nós devemos dar boas-vindas a essas mudanças.

— O que você quer dizer?

— Talvez tenha algo novo que não tenha percebido previamente.

Olhando por esse lado, certamente é válida a nossa cooperação, mas bem... Isso pode ser surpreendentemente eficiente. Otonashi-san não sabe como nossa classe 1-6 era antes de hoje, afinal de contas. Ela não pode comparar hoje com como era antes. Por exemplo, ela não sabe que a minha paixão pela Mogi-san surgiu entre ontem e hoje – em outras palavras, durante a ‘Rejecting Classroom’.

— Mas o que nós devemos fazer agora?

—...sobre isso, Kazuki. Pensei no assunto e cheguei à conclusão de que talvez você ainda seja a chave dessa situação.

— Eh? Então você ainda suspeita de mim?

— Não é isso. Deixe-me perguntar, por que você pode manter suas memórias?

— Eh... quem sabe?

— É um mistério, não é? Você certamente tem aspectos que são diferentes dos outros. Mesmo assim, você não acha que é estranho que só você possa reter as suas memórias?

— Bom... com certeza.

— Portanto acho que esse possa ser um dos objetivos do ‘portador’.

— E..rr...?

— Você é estúpido como sempre. Em outras palavras, pode ser um dos objetivos do ‘portador’ que você mantenha suas memórias.

É um objetivo da ‘Rejecting Classroom’ que eu mantenha minhas memórias?

— Isso não é possível. Não é como se eu com certeza mantivesse minhas memórias, não é mesmo? Se não fosse por você, provavelmente continuaria perdendo minhas memórias como os outros.

— Esse é certamente o ponto fraco da minha hipótese. Contudo, também é uma possibilidade que você manter suas memórias não estava estabelecido como a repetição do passado pela ’Rejecting Classroom’. Isso faria sentido para esse sistema contraditório, já que o passado não pode ser refeito se você mantiver suas memórias.

Isso certamente parece possível. Mas não me faz sentido por outra razão.

— Em primeiro lugar, que significado tem em me deixar manter minhas memórias?

— Eu não poderia saber.

...ela responde bruscamente.

— Mas sei qual o sentimento que afeta mais a decisão das pessoas.

— O que?

Otonashi-san olha profundamente em meus olhos e diz.

— Amor.

—...’amor’...?

Ela diz com uma expressão assustadora, por isso não entendi o significado logo de cara. Aah, amor?

— Otonashi-san, você diz umas coisas bonitinhas.

Ela me encara com olhos frios.

— O que? Esse tipo de amor podre é o mesmo que ódio, não é?

— O mesmo que ódio?  ...i-isso não pode ser!

Sou surpreendido.

— É o mesmo. ...Não, certamente é algo errado. É um sentimento pior do que ódio já que a própria pessoa não está consciente da própria sujeira. Horrivelmente repulsivo.

Repulsivo, huh...

— Isso não importa agora. Kazuki, alguém vem à mente?

— Você quer dizer alguém que esteja gostando de mim, certo? Não tem como ter--

Começo a falar, mas me lembro no meio da frase. Tem alguém. Se o que ouvi quando fui chamado pelo celular não era uma piada — então tem alguém.

— Parece que você tem uma ideia.

......

— O que?

—...err, bem. Não é certeza que alguém que gosta de mim seja com certeza o culpado, certo?

— É óbvio. Não tem como concluirmos que alguém é a culpada apenas por isso. No entanto, não há motivos para não investigarmos o assunto.

— Não... bem... não tem como essa pessoa ser a culpada.

— Como você pode afirmar com tanta certeza que essa pessoa não é a ‘portadora’?

Eu sei. Apenas não quero que ela seja a culpada.

— Nós temos chances ilimitadas enquanto a ‘Rejecting Classroom’ continuar. Vamos aproveitar qualquer oportunidade para nos aproximarmos do ‘portador’.

—...mas você não teve sucesso com esse método até agora, não é mesmo?

— Você é bem precipitado, não? É como você disse. Contudo, o fato de você manter suas memórias é uma nova pista, é um novo ponto de vista que não tinha tentado. Nunca investiguei por esse ângulo. Nós podemos ser capazes de obter novas informações que não fui capaz de obter antes.

— Mas--

— Exatamente porque você confia nessa pessoa, nós temos que sanar essas dúvidas, certo?

Certo. É exatamente como ela diz. Em algum lugar dentro de mim estou duvidando dessa pessoa, e por isso, não quero investigar.

—......Entendi. Certo, vou ajudar.

— Você não deveria apenas ajudar, mas assumir a liderança ao invés disso.

Ela está certa. Sou eu quem quer sair da ‘Rejecting Classroom’....De qualquer forma, desde mais cedo, algo tem me incomodado. O que é esse sentimento estranho?

— Muito bem, então vamos.

— E-Espere um segundo!

— Porque você está hesitando?! Estou próxima do fim da minha paciência, se quer saber!

O que está me incomodando é — ah, entendo. Quando entendo a origem dessa sensação estranha, meus ouvidos ficam quentes.

— Mh? Qual o problema Kazuki? Seu rosto está todo vermelho.

— Ah, não, apenas que —

Porque ela parou de me chamar de «Hoshino» e começou a me chamar de «Kazuki»?

— Apenas que? Do que você está falando? ...Hey, porque seu rosto está ficando vermelho?

—...D-Desculpe. Não é nada.

Desde quando ela começou a me chamar pelo meu primeiro nome? Nem meus pais me chamam assim. Meu rosto provavelmente está ficando ainda mais vermelho.

—...? Garoto estranho. De qualquer forma, vamos indo.

«Otonashi-san» dá as costas para mim e começa a andar.

— S-Sim...

Eu também a deveria chamar de outro jeito que não seja «Otonashi-san»? Se for usar o mesmo jeito que ela, então a chamaria de «Aya»? ...Não, não, não!! Não posso, não posso isso é realmente impossível!! No mínimo «Aya-san»... não, isso ainda é um pouco difícil. Mas também acho que «Otonashi-san» é reservado de mais. Tem que ser um nome que seja fácil de dizer e um pouco mais casual.

— Ah...

Um nome surge em minha mente. Parece ser difícil de dizer, mas já o usei várias vezes, deve ser fácil.

—......Maria.

Quando murmuro isso com uma voz baixa, «Otonashi-san» para de andar e se vira para mim. Seus olhos arregalados.

— Uwa! M-Me desculpe!!

Me desculpo reflexivamente por causa da reação assustadora dela.

—...Porque você está se desculpando? Apenas fiquei um pouco surpresa.

—... Então você não está zangada?

— Porque ficaria zangada? Me chame como quiser.

— E-Entendo...

Otonashi-sa... não, Maria relaxa sua expressão.

— Mas ainda assim, de todas as opções você escolheu Maria... fufu.

— Ah, bem... se você não gostar.

— Não me importo. Só estava reafirmando.

— Err... o que você estava reafirmando?

Por alguma razão, Maria sorri gentilmente.

— Que você, Kazuki, é um cara interessante.

Estou com pressa. Voltei para a sala e estou vasculhando os pertences da garota que gosta de mim. É claro que não estou fazendo isso porque quero, e também estou com um forte sentimento de imoralidade enquanto faço isso.

A turma está tendo educação física no momento. Portanto, deve ser melhor procurar por uma dica nos pertences dela do que falar diretamente – foi o que Maria disse. Já que estava pensando a mesma coisa, mas não conseguia dizer, obedeci sem reclamar enquanto aguentava esse sentimento de imoralidade.

Falando nisso, só tem sentido se eu fizer isso. Maria já revistou os pertences de todos várias vezes. Mas o resultado não foi bom, vendo como a situação está agora – o que posso entender. Maria só nos conhece desde hoje, então ela não notaria se algo tivesse mudado de antes desse dia.

— Huu...

Em seu caderno há marcações bem desenhadas de várias cores. Sua letra também tem traços arredondados bem desenhados. Ela também usa várias cores para suas anotações. Na beirada da folha tem um desenho de um gato. Na outra pagina o gato estava novamente no mesmo lugar. A mesma coisa na próxima página... então percebo. Quando você passa rapidamente pelas páginas a figura se move. Tento passar por todas as páginas e o gato voa em um foguete que ele construiu com uma lata. Sorrio inconscientemente, Maria briga comigo.

Basicamente há várias coisas típicas de garotas. As cores eram em geral rosas ou brancas. O iPod dela estava cheio de J-POP. Não achei a carteira dela, então provavelmente ela a está carregando consigo.

— Oh!

Acho um celular bem decorado. Isso é um baú do tesouro de informações pessoais. Tenho alguma expectativa por pistas, mas o celular está travado então não posso olhar o que ten nele. ...Mas de certa maneira, estou aliviado que não consegui.

Tento abrir o estojo de maquiagem ao lado do espelho de mão rosa. Essa é provavelmente a base, esse é o batom, esse é o lápis de olho para desenhar as sobrancelhas, essa é a tesoura para aparar as sobrancelhas também, e finalmente algo que parecia ser novidade... acho que isso é máscara.

---

Oh? Algo parece estranho.

— Você achou algo, Kazuki?

—......ainda não sei...

Revisto o conteúdo do estojo de maquiagem. Não tem nada de especial aqui, acho.

— Maria, alguma coisa chama a atenção nesse estojo de maquiagem?

— Não? Já o revistei antes, mas não achei nada de especial —

Ela começa a falar, mas então sua face fica tensa.

— Espere, não pode ser. Ela não deveria ter isso. Ou então não teria como não ter percebido durante essas 27.755 repetições. Mas... de fato ela tem —

— Eh? Você achou algo?

—...Kazuki. Você não sente nada olhando para isso?

—...eh? ...mhh, bem, acho que ela não parece ser do tipo que usa maquiagem.

— Bem pensado!

Maria contorce seu rosto em desconforto. Continua a procurar na mala por provas mais concretas. Dentro dela, a percebe algo que tem uma textura familiar. Puxo para fora.

— Ah —

Sou puxado. Vendo essa embalagem familiar, minhas memórias são puxadas à tona.

«Me pergunto, alguma vez você aceitaria a minha confissão se mudasse o jeito de me aproximar?»

«Aah, sim. Então só preciso continuar me confessando até conseguir, certo? »

Sem chance. Sem chance. Sem chance. Não posso acreditar nisso. É apenas coincidência, mas apesar de ser apenas coincidência, as memórias que voltaram em minha mente são incomuns demais para ser invenção —

— Diga, qual é a sua comida preferida, Maria?

—...De onde veio essa pergunta tão de repente?

Maria me olha franzindo sua testa.

—...Hey, qual o problema Kazuki? Você não parece muito bem!

—...Você sabe, a minha é Umaibō.

Mostro o objeto que acabo de pegar de dentro da mala. Um Umaibō.

— Prefiro o sabor de milho. Mas não contei isso para ninguém já que ninguém se preocupa. Normalmente como eles na sala, mas sobre os sabores, não sou muito fiel a eles e como um diferente a cada vez. Ninguém deveria saber que gosto mais do sabor de milho!

 

«Mas você não gosta muito do sabor de Teriyaki Burger, certo? »

«Qual o seu sabor preferido? »

 

Rezo para que fosse apenas um engano e olho de novo para a embalagem. Ela continua a mesma, não importa o quanto olhe para ela. Não era sabor de Teriyaki Burger. Era um Umaibō sabor de milho. As memórias que voltaram me afirmaram isso. Mesmo que seja apenas coincidência que ela tenha um Umaibō sabor de milho na mochila – o que vejo através dessas memórias me afirmaram sem sombra de dúvidas. Ela é —  a ‘portadora’.

— Kazuki.

Maria segura meus ombros com força. Suas unhas encravam nos meus ombros e me trazem de volta para a realidade.

— Ela é a ‘portadora’ com certeza. Nós finalmente alcançamos nosso objetivo... bem, não exatamente.

Quando Maria fala essas palavras amargamente, pergunto, “O que você quer dizer?”.

— Não tem como alguém que faça esse tipo de erro possa me enganar por 27.755 ‘Transferências Escolares’.

— Mas Maria, você não tinha descoberto quem era o ‘portador’, não é mesmo?

— Isso não é verdade. Provavelmente cheguei a ela várias vezes. Mas não pude manter minhas memórias de que ela era a ‘portadora’.

— Eh? Porque não?

— Não posso dizer com certeza, mas acho que essa também deve ser alguma regra da ‘Rejecting Classroom’. Faz sentido. A ‘Rejecting Classroom’ se mantém enquanto a ‘portadora’ continuar acreditando que está dentro de um loop. Se alguém souber que ela é a ‘portadora’, então esse pré-requisito é perdido. Portanto, mesmo que alguém descubra que ela é a ‘portadora’, as lembranças sobre isso são perdidas.

—...Mas nós sabemos que ela é a ‘portadora’ dessa vez.

— Sim. Mas isso é de forma alguma uma situação que possamos comemorar.

Maria diz como se estivesse cuspindo as palavras.

— Se nós não fizermos algo sobre isso dessa vez, vamos perder essa pista de novo.

Entendo. Se nós perdermos aqui, nós vamos esquecer o que nós descobrimos dessa vez e vamos novamente começar a procurar pelo culpado. Maria, irritada, está mordendo seus lábios. Para alguém como ela, que está acostumada a poder reverter às coisas, deve ser uma situação incômoda já que não podemos perder.

—...Mas Maria, a vida não é um desafio decidido em um único round? Não importa o quão insignificante seja o problema, não é normalmente possível simplesmente voltar ao último save point apertando o botão de reset.

Pessoalmente gostei da minha frase, mas Maria me lança um olhar frio.

— O que você está tentando conseguir com esse encorajamento mal orientado?

Agora ela está até suspirando.

— D-Desculpa... Só achei que você parecia abatida.

Ouvindo minhas desculpas, Maria relaxa um pouco.

— Sim, realmente estou abatida. Mas não é porque nossa situação é desfavorável.

—...mas então?

— Não entende? Apesar de ter descoberto várias vezes que ela é a ‘portadora’, a ‘Rejecting Classroom’ ainda não acabou. Você não entende o significado disso?

Inclino minha cabeça. Não sei se é contra mim, a culpada ou a ela mesma, mas Maria cuspe essas palavras irritada:

— Eu perdi contra a ‘portadora’ várias vezes.

— Kokone.

— Ah, o homem do amor – Kazuki Hoshino em pessoa!

Kokone me provoca com seu usual tom de brincadeira. É horário de almoço agora. No final, eu e Maria não participamos das aulas da manhã e fomos terrivelmente provocados. Mas porque Maria se manteve em silencio, as provocações pararam logo, mas os olhares curiosos dos nossos colegas ainda eram direcionados a nós. Bom, sabia que seria assim desde o começo.

— Ouça, Kokone. Para falar a verdade —

Paro o que estou falando. Kokone mudou sua expressão relaxada para uma séria e me segura pela manga do uniforme. Depois de lançar um breve olhar para Maria, Kokone me leva para fora da sala.

— Kazu-kun, quero que você me responda sem fugir da pergunta.

Kokone larga do meu uniforme logo depois que passamos da porta e continua.

— Qual a sua relação com a Otonashi-san?

—...Por que você está perguntando esse tipo de coisa?

Apesar de saber a resposta, perguntei mesmo assim. Kokone apenas deixa seu olhar cair e acaba não respondendo minha pergunta.

— Não posso descrever minha relação com a Maria tão simplesmente.

O olhar dela cai de novo sem resposta.

— Mas gosto de outra pessoa, não da Otonashi-san.

Kokone arregala seus olhos ao ouvir o que digo e me encara.

— Isso significa —

Mas Kokone não diz mais nada e move seu olhar. Não previ isso. Ela espia a sala procurando por alguém. Seus olhos param de se mover. E eles estão apontados para -- Kasumi Mogi. Como no dia 01 de Março ainda não amava a Mogi-san. E nessa repetição – a 27.755 vez – não entrei em contato com ela de nenhuma maneira.

— Kokone, para falar a verdade, tem algo que gostaria de te pedir. Isso é--

— Eu sei. Não precisa dizer. Acho que entendi com a nossa conversa até agora.

Kokone diz com um sorriso.

— Sala de culinária depois da aula – está bem para você? Vou te dizer tudo lá!

Porque a sala de culinária? – Penso por um momento, mas é verdade, Kokone está no clube de economia doméstica.

— Provavelmente não vai ter mais ninguém lá hoje.

Assinto com a cabeça, ela me olha novamente. Não posso ler o que está se passando na mente dela por trás da sua face.

— Kazuki.

Maria, que estava nos vendo de perto da porta, me chama. Provavelmente é o sinal para me retirar. Me despeço da Kokone e estou para me virar.

— Ah, espere um segundo!

Kokone me impede. Olho para ela sem me virar.

— Posso perguntar? Ah, mas é claro que você não precisa responder se você não quiser...

— O que é?

— Quem é a pessoa que você gosta, Kazu-kun?

Respondo sem hesitar

— Mogi-san!

Logo após me ouvir, Kokone olha para baixo e esconde o rosto. Mas pude notar a expressão que ela está fazendo antes de esconder. Kokone está sorrindo.

Então, depois da aula. Quando nós ouvimos um grito ecoando de dentro da sala de culinária, entramos e imediatamente percebemos que tudo tinha dado errado. Nós perdemos essa oportunidade excepcional. Na sala de culinária, como é de se esperar, está Kokone Kirino e Kasumi Mogi.

Não, falando corretamente--algo que costumava ser Kokone Kirino, e Kasumi Mogi estavam lá. A sala de culinária está tingida em sangue. O culpado está segurando uma faca de cozinha manchada de sangue.

— Kazu-kun.

A expressão dela não muda quando ela me percebe.

—...P-por que--

Não entendo. Porque ela fez algo assim?

Mogi-san coberta de sangue olha para mim. Sem expressão como sempre. Mas percebo uma luz tremulante nos olhos dela que stá me condenando.

Aah, sim. Certo. Sem dúvidas fui eu quem provoquei essa situação.

—...morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra..

Mogi-san estava murmurando algo sem parar como se fosse uma maldição.

Não quero ouvir isso. Quero tapar meus ouvidos neste instante. Mas não cou capaz nem mesmo disso. O controle do meu corpo foi tomado no momento em que vejo a Mogi-san coberta em sangue. As palavras dela invadem meus ouvidos. Eu tento desesperadamente não entender o significado dessas palavras. Mas é fútil – as palavras me esmagam como uma avalanche, elas caíram sobre mim e cobriram meu corpo paralisado.

Mogi-san fala. Ela me censurou com suas palavras.

—...morra.

 

27.755ª vez

— Pode ser um pouco tarde, mas percebi que não preciso de você.

Ela inclina a cabeça, talvez isso tenha sido um pouco súbito para ela.

— Sabe, percebi há muito tempo que você é um obstáculo. Mas não queria ser cruel. Afinal nós éramos «amigas».

Mas não somos mais.

Acho que ela ainda me considera como «amiga». Até ontem, nós éramos tão íntimas a ponto de ouvir os problemas amorosos uma da outra. Mas agora mudei, não posso mais pensar dessa maneira. Portanto, nós não somos mais «amigas» ou qualquer coisa parecida. Isso não é um problema apenas do meu lado. Ela não consegue duvidar de mim de forma alguma, mesmo eu tendo mudado. Mesmo quando não falo com ela como fiz antes, ela não consegue perceber.

--«Minhas mudanças não podem ser perturbadas».

Essa é uma regra desse mundo.

Vamos assumir que eu tenha mudado, mas os outros não tenham no mundo normal. Por exemplo, no caso dela, ela pensa em mim como uma amiga. Se eu mudasse, ela perceberia essa anomalia em mim. Isso já seria o suficiente para perturbar a minha mudança. Receberia a mesma reação de alguém que subitamente pinta seu cabelo de loiro durante as férias de verão. Minhas possibilidades se tornam limitadas em um ambiente onde não posso mudar.

Nesse caso, meu único desejo, «viver o dia de hoje, sem me arrepender», não pode ser garantido. É por isso que existe essa regra conveniente. Certo. Esse mundo é inteiramente feito para ser conveniente a mim.

 

E mesmo assim—

 

E mesmo assim, por quê? Não consigo pensar no que virá após tudo isso. Tenho uma sensação de que não devo pensar sobre isso. Portanto omito esses pensamentos e venho com um novo assunto.

— Você não acha que ‘amor’ lembra derramar molho de soja em um vestido branco?

Ela parece não ter entendido minha pergunta e inclina a cabeça.

— Vamos dizer que você derramou molho de soja em seu vestido branco, ok? Mesmo quando você o limpar, as manchas vão ficar. Elas vão ficar para sempre. Portanto, você sempre vai pensar ‘Aah, derramei molho de soja...’ quando ver as manchas. Não tem como esquecer já que elas vão ficar lá para sempre.

Abro uma gaveta do armário.

— Sabe, isso me deixa enojada.

Seguro a faca de cozinha na gaveta firmemente.

— O fato de que foram essas manchas que me fizeram ruir por dentro.

Tiro a faca da gaveta. Já usei essa mesma faca para o mesmo propósito inúmeras vezes. Essa faca que estou segurando é a mais afiada.

Ela fica pálida me vendo com a faca na mão e me pergunta ‘O que você está pensando em fazer com isso?’, apesar de que aposto que ela deve conseguir prever até certo ponto – acreditando que nunca faria o que ela está «prevendo».

— O que vou fazer com isso? Ufufu...

Mas sabe de uma coisa? Sinto muito. É provavelmente--

— Estou rejeitando você!

--exatamente o que você previu.

Eu ***ei ****** com uma ****.

Tento não compreender esse negro e doloroso sentimento que está para surgir. Essa resistência é fútil de qualquer forma, e se não a compreender, então isso não vai ter sentido. Mas mesmo assim, tento resistir. Porque não quero sentir isso. Por que tenho agido como se não compreendesse esse sentimento todo esse tempo até agora.

Ela cai e espalha sangue. Parece estar sentido muita dor, que lamentável. Provavelmente, eu falhei. Deveria ter ****do ela da forma mais indolor possível.

— Você sabe, falhar pode ser meio assustador. Garotos criam uma força absurda quando estão desesperados. Mesmo um garoto magro é muito mais forte do que eu. Ser acertada por essa força é realmente doloroso. Mas os olhos deles quando estão me batendo é muito mais assustador. Eles olham para mim como se eu fosse lixo. Porque falhei daquela vez? ...certo, certo. Porque usei uma faca barata, mas de aparência legal. É bem difícil matar alguém com esse tipo de coisa, sabe? E é desagradável também. Apunhalar ou cortar uma pessoa é, é nojento! Me faz querer vomitar. Até chorei, me perguntando porque tive que fazer algo tão desagradável. Mas você sabe? No fim, o resultado nunca vai mudar enquanto a mesma pessoa fizer as mesmas coisas – e por isso meu desejado futuro nunca vai chegar. Então não tenho escolha a não ser apagar essa pessoa, certo? Não há mais nada a se fazer, há? Isso é cruel, não é mesmo? Me pergunto porque tenho que fazer esse tipo de coisa?

Ela está me lançando um olhar sem forças.

— Mas você sabe? Na verdade, talvez não precisasse apunhalar você desse jeito. ‘Rejeitar’ no final das contas é apenas uma questão de mentalidade. Mas quer saber? Não encontrei nenhuma outra maneira. Não pude ‘rejeitar’ ninguém com outro método se não o matando com minhas próprias mãos. Não é tão fácil ‘rejeitar’ alguém do fundo do seu coração. Estou colocando um peso dentro do meu peito. E criando esses sentimentos de culpa, não tenho outra escolha se não fugir dessa pessoa. Fazendo isso, sou capaz de pensar que não quero mais encontrar essa pessoa e posso ‘rejeitá-la’. Então, nem eu, nem os outros podem se lembrar dessa pessoa não importa o que aconteça.

Ela deixa sua cabeça cair não sendo mais capaz de aguentar o peso dela.

— Sei disso! É minha culpa, certo? É tudo minha culpa, certo? Mas então me diga, o que deveria fazer? ...Desculpe. Você não tem ideia, tem? Aah, por que estou falando tanto? Eu sei porque. Estou ansiosa, tão ansiosa, tão ansiosa, não consigo ficar quieta. Gosto de pensar que você poderia me perdoar quando te contasse meus motivos. Mas eu sei. Não tem como você me perdoar, certo? Sinto muito. Realmente sinto muito. Sinto muito, sinto muito. Sinto muito por ser egoísta. Mas sabe de uma coisa? Sou a que mais sofre com isso tudo. Estou jogando a culpa sobre meus ombros apropriadamente. Sei que estou fazendo algo ruim. Então para ser honesta, não podia me importar menos com o que você acha de mim.

Me pergunto, com quem estou falando? Mas tenho uma sensação de que isso não importa. Nunca falei diretamente com ninguém, de qualquer forma. Nem mesmo considerava essa pessoa caída como uma «amiga». Estou sozinha de qualquer forma.

— N-Não--

E mesmo assim, não quero admitir. Digo, apesar de estar consciente do fato de que estou sozinha, sobrando nesse lugar que não é aonde deveria estar. Por favor, venha! Venha logo!

Kazu-kun!

Me pergunto desde quando? Desde quando o chamo assim? Apesar de nós termos começado a nos chamar dessa forma, apesar de ter conseguido a aprovação dele para chamá-lo assim, ele não se lembra.

Nesse momento, a porta se abre. Ele está ali. Aquele que estou esperando, Kazuki Hoshino, está ali.

Kazuki-kun perde suas palavras ao ver esse terrível espetáculo. Do lado dele, está aquela jovem incômoda, Aya Otonashi, que está vivendo como uma parasita na minha ‘caixa’.

—...então você finalmente veio, Kazu-kun.

Estou impressionada pelas minhas próprias palavras. Quão estúpida eu sou? Quantas vezes Kazu-kun traiu minhas expectativas? Não tinha desistido dele após essas incontáveis traições?

Não é nem uma coincidência que ele tenha vindo aqui. Decidi convidá-lo para cá, apenas para mostrar isso a ele. E mesmo assim, apenas por ele aparecendo na hora certa, começo a esperar pelo milagre que aconteceu uma vez. Começo a esperar que ele me leve de volta ao mundo real. Apesar de que -- não tem como isso acontecer. Kazuki-kun está com seus olhos arregalados.

— Kazuki. Posso imaginar seus sentimentos. Mas você já sabia.

O que essa garota desnecessária está dizendo?

 

— Que a ‘portadora’ é -- Kasumi Mogi.

Kazuki-kun ainda está olhando, com olhos bem abertos para a ****** deitada.

Qual era o nome dela? Ah, bem. Esqueci. Até esqueci de quem foi que me esqueci.

—...P-por que--

Você quer saber o porquê que fiz isso? Não consigo esconder minha irritação contra esse Kazuki de raciocínio tão lento. Carregando rancor em meus olhos, jogo meus pensamentos sobre ele.

—...morra!

Não é o suficiente.

—...morra... morra...

Ainda não é o bastante.

—...morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra... morra..

E mesmo assim, eu--

— Não quero morrer!!

 

27.755ª vez

Agora que penso nisso, Mogi-san não é do tipo que usa maquiagem. Isso não passou pela minha cabeça por um tempo, já que não sou um garoto que usa maquiagem, diferente de Maria. Mas ela tem um estojo de maquiagem. Por que? Maria presumiu o seguinte:

--se tornou cansativo.

Não posso me lembrar, mas acho que originalmente, Mogi-san se preocupava bastante com a sua aparência. Mas durante a ‘Rejecting Classroom’ ela perdeu o motivo para se preocupar sobre isso e por tanto parou. O estojo está intocado dentro da mala dela desde 01 de Março – desde antes de a ‘Rejecting Classroom’ começar.

Mogi-san se cansou de pôr maquiagem e também se cansou de tirar o estojo da mala. Somente alguém que manteve suas memórias por esses mais de 20.000 loops acabaria nessa situação.

O único que seria capaz disso--é o ‘portador’.

Portanto, a garota que amo; a garota que me ama –Kasumi Mogi – é a ‘portadora’.

«Tem algo que preciso te dizer, Kazu-kun.»

Durante o último loop – a 27.754ª repetição – Kokone ligou para o meu celular e disse o seguinte:

«A Kasumi ama você!»

Kokone sabia dos sentimentos da Mogi-san por mim. Tenho certeza que Mogi-san consultou ela sobre isso já que elas eram boas amigas até ontem. Nós queríamos enganar Mogi-san. Mas se fizéssemos isso, ela ficaria em guarda naturalmente. Maria já perdeu para ela inúmeras vezes. Se possível, nós não queremos dar para a Mogi-san a chance de se preparar.

Portanto, nós decidimos em usar Kokone como mensageira. Nós chegamos à conclusão de que poderíamos atrair a Mogi-san até nós se ela achasse que estivesse querendo me confessar.

Como resultado disso, nós -- matamos Kokone.

Me lembro das palavras de Mogi-san.

«...então, você sairia comigo?»

O quão frequente ela se confessava para mim? Por quanto tempo ela gostou de mim? Se era um amor recíproco, então porque--

«Por favor, espere até amanhã.»

Por que ela dizia isso? Mogi-san estava parada sem esboçar nenhuma expressão, parecendo não estar consciente do sangue espalhado sobre ela.

--como sempre.

Ela sempre teve um rosto tão inexpressivo? Não, ela não tinha. Existe uma radiante e sorridente Mogi-san em uma parte de minhas memórias. Mas essa Mogi-san não parece ser real para mim, nem um pouco. A Mogi-san em minha mente é inexpressiva e silenciosa.

Mas e se essa Mogi-san radiante que não parece ser real para mim for à verdadeira? Para onde a garota chamada Kasumi Mogi foi?

— Ela foi tomada.

Como se estivesse respondendo minha pergunta, Maria recita essas palavras.

— Ela foi totalmente tomada, durante essas infinitas repetições.

Ela declara enquanto lança um olhar acusatório para Mogi-san. Já pensei nisso há muito tempo atrás. Não tem como a mente humana aguentar um número tão gigante de repetições.

E Mogi-san repetiu por 27.755 vezes. A Mogi-san que repetiu o mesmo dia tantas vezes está agora coberta de sangue.

—...é sua culpa, Kazu-kun!

Ela diz olhando para mim.

— É porque você me encurralou!

—...Mogi-san, o que eu fiz?

Mogi-san.

Ela repete o que digo e o canto esquerdo de sua boca se ergue.

— Com certeza disse, não disse? Eu realmente disse, não foi? Disse centenas de vezes, não é mesmo?

— O-O que você...?

— Eu disse ‘Me chame de «Kasumi»’, não disse?!

...Não sei. Não sei... sobre isso...

— Disse centenas de vezes e você concordou centenas de vezes, não concordou? E mesmo assim, por quê? Por que você esquece logo em seguida?

— Não é minha... culpa...

— Não é sua culpa?! Me pergunto, o que não é sua culpa?!

Ela grita histericamente. Mas seu rosto continua inexpressivo. Certamente, ela não teve motivos para mudar de expressão durante esses milhares de repetições e esqueceu de como fazer isso. Ela não pode mais rir, chorar ou ficar zangada.

— Kazuki, não dê ouvidos a ela.

Mogi-san olha para Maria finalmente.

— Não o chame pelo nome como se vocês fossem íntimos!

— Sou livre para chamá-lo como quiser.

— Você não é! ... porque o Kazu-kun lembra de você e não de mim...?

— Kasumi, não foi você que fez as coisas assim? Porque é mais fácil repetir as coisas dessa forma.

— Calada! Não queria isso!

Agora que penso nisso, na última 27.754ª repetição, Mogi-san ficou assustada depois de ver que eu me lembrava da Maria. Naquela hora estava certo de que ela estava aterrorizada pelo meu comportamento estranho. Mas agora que sei que ela é a ‘portadora’, minha percepção mudou. A decepção acumulada dela explodiu porque me lembrava da Maria e não dela, e por isso ela teve aquela reação.

— Kazu-kun...

Não estou acostumado a ser chamado assim por ela. Talvez ela tenha me perguntado antes se podia me chamar de «Kazu-kun», assim como ela me pediu para chamá-la de «Kasumi». Posso ter esquecido, mas Mogi-san se lembra de tudo.

— Kazu-kun, você disse que me amava.

—...Sim. Acredito que disse.

— Concordei na hora! Te disse que eu também te amava!

“......”

Suas palavras «Por favor, espere até amanhã» é tudo o que consigo me lembrar. Apenas isso. Não me lembro de mais nada.

— Você não se lembra, huh?

Não posso abrir a boca para responder.

— Consegue imaginar o quanto fiquei feliz? Me esforcei tanto o tempo durante todas aquelas repetições para fazer você olhar para mim. Mudei o meu cabelo, tentei por máscara, fiz coisas para chamar a sua atenção, aprendi seus hobbies, observei seu jeito de falar... e você sabe o que aconteceu então? Um milagre aconteceu! Sua atitude mudou claramente. Entendi que você tinha interesse em mim. Você aceitou minha confissão que antes havia rejeitado. Até se confessou para mim. Quando você fez aquilo, achei que finalmente tinha sido recompensada. Achei que um feliz «a seguir » me aguardava. Achei que as repetições iam terminar. Mas quer saber? ...Kazu-kun, você --

Mogi-san olha para mim inexpressiva como sempre.

— Esquecia cada uma das vezes.

Não aguento o olhar dela e olho para baixo.

— Mesmo quando você esquecia, tinha esperança de que você se lembraria na próxima vez. Cada vez você aceitava minha confissão, cada vez você se confessava para mim, você fez minhas expectativas crescerem cada vez mais. Mas no final, não se lembrava. Logo perdi as esperanças de que você poderia se lembrar. Mas sabe, se alguém se confessa para você, não tem como não criar expectativas! Afinal de contas, um milagre pode acontecer. E me machucava cada uma das vezes.

Não consigo me imaginar saindo com ela. Mas ela tornou real o que não podia imaginar. Ela fez eu me apaixonar por ela. Talvez essa seja a razão pela qual minhas memórias são mantidas vagamente. Mas mesmo assim todo o trabalho dela foi sem sentido no final. Não tem nada a seguir, no final das contas. Depois que ela me fez olhar para ela, acabou. O que havia a seguir era um amor completamente unilateral. Um amor completamente não correspondido e sem recompensa, não importa se ela foi capaz de capturar meu interesse.

— Portanto, não queria que você se confessasse mais para mim. Mesmo assim, você sempre vinha. Dizia que me amava. Apesar de ficar feliz, isso só tornava as coisas mais dolorosas... por isso comecei a dizer aquelas palavras.

E então ela repetiu as palavras que certamente já ouvi inúmeras vezes.

— ‘Por favor, espere até amanhã’.

Sinto meu peito apertar. Essas palavras a machucavam mais do que qualquer um – mais até do que machucavam a mim. Mas me pergunto, por que ela não encerrou a ‘Rejecting Classroom’? O amor não correspondido dela não seria recompensado. Mesmo que esse não fosse seu único objetivo, ela sofria com isso.

— Kazu-kun... você entendeu? É sua culpa que estou sofrendo. É tudo, tudo, tuuudo sua culpa.

— Você está sendo ridícula.

Maria a interrompe com uma expressão mal-humorada.

— Esse é o cúmulo da irresponsabilidade. Você apenas está forçando a responsabilidade da sua ‘Rejecting Classroom’ em cima do Kazuki porque você não consegue aguentar mais o seu sofrimento.

—...não! É culpa do Kazu-kun que estou sofrendo!

— Sinta-se livre para achar o que quiser. Mas o Kazuki não pensa assim. Não é nem possível se lembrar de você. Kazuki manteve as memórias dele dessa vez pelos seus próprios motivos. Não pelo seu amor podre.

— Por que... por que você sabe disso!?

— Porquê, você pergunta?

Maria sorri ouvindo essa pergunta e zomba dela.

— A resposta é simples.

Ela fala com indiferença.

— Porque observei Kazuki Hoshino mais do que qualquer um nesse mundo.

— O qu--

Ouvindo isso, Mogi-san fica sem fala.

Ela tenta se opor, mas a boca dela apenas abre e fecha sem que nenhuma palavra seja pronunciada.

Fico quieto por uma razão diferente da Mogi-san. Quero dizer, afinal de contas. É embaraçoso ouvir isso!

— C-Contudo, o observei pela mesma quantidade de--

— O seu tempo não vale nada.

Maria a nega com um argumento irracional.

— Você não percebe o quão inútil é o seu tempo apenas olhando para a situação? Olhe para você mesma no espelho. Olhe para suas mãos. Olhe para seus pés.

No rosto da Mogi-san havia sangue coagulado a ponto de se tornar preto. Na mão dela havia uma faca de cozinha. Aos seus pés estava o corpo de Kokone.

— Sinta-se livre para contestar o quanto quiser. Insista que você esteve observando o Kazuki por tanto tempo quanto eu. Se você puder acreditar que existe algum significado nas suas palavras.

Mogi-san parece arrasada e deixa seu olhar cair. Não tenho nada para dizer.

—......ufu, fufufu. Você observou o Kazu-kun mais tempo do que qualquer um nesse mundo? Acho que sim. Pode ser exatamente como você diz. Ufufufu, mas isso não importa! Isso não importa.

Ela está rindo com sua cabeça ainda virada para baixo.

— Hmph, tenho pena de você. Então você quebrou no final.

— No final...? Ufufu... o que você está dizendo?

Ela aponta a faca para Maria sem mover seu olhar ainda para baixo.

— Você acha que ainda estava sã?

Ela ergue o rosto.

— Vou te dizer algo bom, Otonashi-san! As pessoas que são mortas por mim, desaparecem desse mundo!

Seu rosto inexpressivo como sempre.

— Portanto, isso não importa! Não importa quanto tempo alguém tenha observado Kazu-kun que vai desaparecer de qualquer jeito!!

Mogi-san coloca força em sua mão segurando a faca e investe contra Maria. Grito o nome da Maria por reflexo. Mas Maria apenas mantém seu olhar entediado em Mogi-san e não parece estar incomodada de nenhuma forma. Ela apenas segura normalmente o braço da Mogi-san que está segurando a faca e a mantém imóvel daquele jeito.

— Ugh...

A diferença de força era gritante. A um ponto em que me sinto envergonhado de sequer ter gritado pelo nome da Maria.

— Sinto muito. Veja bem, aprendi uma grande variedade de artes marciais. Ver através de seus movimentos descuidados é tão fácil quanto torcer o braço de um bebê.

A faca cai no chão fazendo barulho. Sem sua arma, Mogi-san só pode observar sua faca no chão pasma.

—... tão fácil quanto torcer o braço de um bebê...?

Mogi-san sussurra isso ainda olhando para a faca.

—......ufufu

Mesmo assim, mesmo sentindo dor, ela está rindo.

— O que é tão engraçado?

— «O que é tão engraçado?» ela pergunta! Ufu... ahaha, hahahahahahahaa!

Ela está gargalhando com sua boca largamente aberta. Apesar de que seu rosto coberto de sangue está longe de mostrar uma expressão feliz. Apesar de estar rindo, os cantos de sua boca não estão erguidos. Ao invés de estar com os olhos estreitados, eles estão arregalados. Maria franze seu rosto em desgosto ao ouvir essa gargalhada.

— É claro que é engraçado!! Afinal de contas, você comparou segurar meu braço com torcer o braço de um bebê! Você, de todas as pessoas! Você, Aya Otonashi disse isso! Isso é arrogante! Se não for arrogante, o que seria?!

— Não faço a mínima ideia do que você acha tão divertido.

— Sério? Então me diga, você é realmente capaz de torcer o braço de um bebê?

Ainda não entendo o motivo da risada da Mogi-san. Mas Maria fica sem palavras.

— Você me pegou. Sim, que bom para você. Parabéns. E então? Qual era seu objetivo mesmo?

“......”

— Eu sei qual é. Afinal de contas, o ouvi inúmeras vezes. É o fim desse mundo que fica se repetindo, certo? É obter a ‘caixa’, certo? O que você precisa fazer para tê-la? Você só precisa me matar para acabar com isso?

—...diria que sim.

— Sei que você aprendeu artes marciais! Você mesma me disse isso! O que você... o que você está fazendo, agindo como se estivesse um passo à frente de mim? Isso não é arrogante? Você por acaso achou que eu não sabia disso? Que constrangedor! É constrangedor, não? Você sabe... voltei ao passado tantas vezes quanto você. E te conheço muito bem! Você me desarmou. Você está segurando meu braço. E então--?

Mogi-san volta a sua expressão séria e fala em uma voz baixa;

O que você vai fazer comigo agora?

“......”

Maria não responde.

— Oh a gentil, gentil Otonashi-san. Você, que não pode me matar. Você, que não pode me torturar. Você, que não pode nem mesmo quebrar um osso meu. Seria você, que tão elegantemente odeia violência, capaz de torcer o braço de um tão frágil bebê? Não. Você não pode. É claro que não pode.

Entendo. Então esse era o principal problema que fez a Maria perder. Quando violência é a única solução, Maria não pode fazer nada. E Mogi-san sabe disso.

— Pense nisso por um momento. Você não acha que já tive a chance de te matar e ‘rejeitar’ durante todo esse tempo? Sabe por que não fiz isso, apesar de você ser obviamente um incômodo? Primeiro, é conveniente que você me salve do acidente! Mas isso não é tudo. Percebi desde a primeira vez que você descobriu que tenho a ‘caixa’ e falhou em me persuadir.

Maria range os dentes.

Você -- nem ao menos conta como uma oponente.

Há algum tempo atrás, Daiya me disse. Que o «Protagonista» é inferior a «Estudante Transferida» por causa da diferença na quantidade de informação. Mas essa tese estava errada. A Kasumi Mogi «Protagonista» tem mais informação que Aya Otonashi «Estudante Transferida».

— Já tive o bastante desse seu comportamento.

Mogi-san diz propositalmente em um tom de voz entediado.

—...mas agora é diferente. Kazuki está aqui.

— Parece que sim. Então, devemos tentar um novo desenvolvimento?

Mogi-san chuta a empunhadura da faca. Ela vem girando em minha direção e para no meu pé.

— Pegue-a, Kazu-kun.

Pegá-la? A faca? Olho novamente para a faca de cozinha aos meus pés. Ela está ainda mais coberta de sangue, emitindo um brilho vermelho profundo.

— Diga, Kazu-kun. Você me ama? Se sim--

Ergo meu rosto e observo os lábios dela se movendo.

vou te matar, então dê essa faca para mim.

.....o que?

Não entendo. Sei o significado das palavras que ela disse. Mas não entendo o que ela acabou de falar.

— Você não me ouviu? Disse para você trazer a faca para que possa te matar você.

Ela repete para que eu entenda.

— Mogi, o que você está fazendo, dizendo essas loucuras! Você não ama o Kazuki?! E mesmo assim, por que você está pedindo isso dele?!

— Você está certa. Amo ele! Mas exatamente por causa disso quero que ele morra. Não disse? É culpa dele que estou sofrendo. Portanto, quero que ele desapareça. Não é uma conclusão lógica?

Ela diz como se fosse completamente natural.

— Para começo de conversa, por que você acha que fingi ser atraída, apesar de saber que o Kazu-kun viria? Tenho um objetivo! Fiz uma decisão –decidi matar o Kazu-kun.

Ela diz essas palavras enquanto me observa pelo canto do olho.

— Posso ‘rejeitar’ o Kazu-kun se matá-lo. Ele vai desaparecer da minha frente. Se isso acontecer, tenho certeza que não vou mais sofrer. Serei capaz de ficar aqui para sempre.

— Mogi, por que você está falando essas besteiras--ugh! Ah--

Maria geme subitamente e se ajoelha. Ela está segurando seu lado esquerdo.

—...? Maria?

Alguma coisa a apunhala pelo lado esquerdo.

...eh? Apunhala?

— Ah--Ma-Maria!

Maria se concentra na coisa que está apunhalada no seu corpo. Rangendo os dentes, ela puxa o corpo estranho para fora. Ela geme em silêncio novamente por causa da dor. Olhando com raiva para Mogi-san, ela joga fora o objeto puxou. Olho para o objeto que rola no chão fazendo barulho. É um canivete.

— Você foi negligente. Pode ter aprendido artes marciais, mas isso não te faz imune a ataques surpresa. Essa faca barata, que até mesmo deixa um garoto resistir após ser esfaqueado por ela, deve ser o suficiente para o seu corpo fino, certo? Sinto muito, mas você não pode mudar o seu corpo nesse mundo não importa o quanto você treine!

Maria tenta se levantar, mas sua ferida está muito profunda pelo que posso ver, então ela não consegue se erguer. O sangue escorre constantemente do seu lado esquerdo onde está segurando.

— Tenho várias experiências também, você sabe. Então eu achei que seria melhor ter isso comigo. Sempre carrego essa faca escondida.

Mogi-san anda em minha direção até ficar diante de mim. Se abaixou e pega a faca de cozinha.

— Ah--

Apesar dela estar completamente indefesa em relação a mim, sou apenas capaz de soltar esse som. Estou imóvel como se tivesse sido petrificado. Não posso fazer nada a não ser ficar parado como um prego encravado. Meu corpo é deixado para trás. Minha mente trava acreditando que isso não pode estar acontecendo e não aceita a cena diante dos meus olhos.

— Não disse, Aya Otonashi? Pessoas que estão para desaparecer não importam.

Mogi-san monta em cima da Maria e ergue a faca. A faca, que antes estava erguida, desce sem hesitação. De novo e de novo. De novo e de novo. Até ter certeza de que a respiração da Maria parou. Durante isso, Maria não deixa escapar nem mesmo um gemido sequer.

— Se você continuasse sendo uma mera coisa desagradável como uma mosca que se amontoa nas fezes, teria poupado sua vida. Mas não, você tinha que dar em cima do meu Kazu-kun!

Cuspindo isso, Mogi-san se levanta. Maria não podia mais se mover. Mogi-san observa a faca que ela usou para atravessar o corpo de Maria várias vezes, e então joga a faca no chão diante de mim. Olho para a faca reflexivamente. Para a faca encharcada com o sangue da Kokone e da Maria.

— Muito bem, você é o próximo Kazu-kun.

Me ajoelho e relutante, toco a faca. Minha mão se afasta instintivamente ao sentir a viscosidade do sangue. Engulo minha própria saliva. Minha mão começa a tremer. Não consiso segurá-la apropriadamente. Fecho meus olhos e a seguro de alguma maneira. Então abro meus olhos novamente. O fato de que estou segurando a arma que matou a Kokone e a Maria faz com que minha mão trema ainda mais. Quase a deixo cair. Então a seguro com as duas mãos para suprimir o tremor. Aah, não posso. Fazer algo com essa faca não é possível para mim.

— O que você está fazendo, Kazu-kun? Vamos... me dê a faca!

Não, não sou apenas eu. Ninguém poderia fazer algo com essa faca. Portanto--

—...Quem fez você fazer isso, Mogi-san?

Mogi-san, também não deveria ser capaz de fazer isso. Não tem como ela ser capaz. A menos que ela esteja sendo manipulada por alguém. Ela me lança um olhar confuso.

—...o que você está falando? Você está tentando dizer que alguém me mandou fazer isso? Você está bem, Kazu-kun? Não tem como isso acontecer, tem?

— Mas me apaixonei por você.

—......e o que você quer dizer isso?

— Mesmo depois de ter repetido o mesmo dia por mais de 20.000 vezes, mesmo sendo encurralada – Mogi-san jamais faria isso. A garota por quem me apaixonei jamais faria algo assim!

Mogi-san hesitou por um momento pelas minhas palavras, mas então ela franze a testa e responde.

—...entendo. Então, apelando para as minhas emoções, você quer fazer com que te poupe, huh? Estou desapontada. Nunca achei que você poderia ser tão injusto. Então você não quer morrer pelo meu bem, huh?

Não tem como eu querer. Primeiro, não quero morrer, e não acredito que ela vai ser salva desse jeito.

—......Kazu-kun, você acha que alguém não deve matar em circunstância alguma?

—...Sim.

— Ufufu. Como você é direito. Sim, isso está completamente certo. Tão perfeitamente certo, não está?

Dizendo isso, ela espia dentro dos meus olhos.

— Então, até você morrer... não. Então aproveite sua estadia aqui por toda a eternidade.

Diz essas palavras friamente. Provavelmente ela sabe que isso é a última coisa que quero.

— Afinal de contas -- se entregar essa ‘caixa’, vou morrer.

Em outras palavras, ela vai morrer se a ‘Rejecting Classroom’ terminar? Maria não falou nada sobre isso.

— Você entende? Tirar essa ‘caixa’ é o mesmo que me matar. Você acha que estou mentindo? Você acha que só estou dizendo qualquer coisa para proteger a ‘caixa’? Não estou! É fácil se você pensar sobre isso! Quero dizer, por que você acha que desejei voltar ao passado?

Quando alguém deseja voltar no tempo? Talvez quando algo que não possa ser desfeito acontece...?

— Diga, você não acha que é estranho? Que eu sempre seja atropelada por aquele caminhão. Bom, teve vezes em que Aya Otonashi se sacrificou por mim, realmente... ah, falando nisso, teve vezes em que você se sacrificou por mim. Mas basicamente sou sempre eu, certo?

— Ah—

Não me diga que-- Finalmente percebo essa possibilidade. Por que a Mogi-san não termina a ‘Rejecting Classroom’? Aquele acidente de transito é um fenômeno inevitável dentro da ‘Rejecting Classroom’. Alguém, especialmente Mogi-san, vai sofrer um acidente. Não sei o porquê, mas isso é certeza.

«Acho que--coisas que já aconteceram não podem ser revertidas.»

Disse essas palavras uma vez. E Maria respondeu o seguinte. ‘O que você sente é provavelmente o normal. E o criador da ‘Rejecting Classroom’ também sentia a mesma coisa’. Então, assumindo que eu tenha a oportunidade de destruir a ‘caixa’. Ao mesmo tempo significaria--

Você está preparado para me deixar morrer em um acidente?

--matar a garota que amo?

Clonk--esse som ecooa. Me pergunto que som era, mas era o som da faca que estava em minha mão caindo.

— Que miserável. Você não é nem ao menos capaz de me dar a faca...

Mogi-san vem até o meu lado e pega a faca que deixei cair. Ela provavelmente vai me matar agora. Tendo acumulado pecado sob pecado, ela não pode justificar a si mesma de outra maneira a não ser continuar acumulando pecados. Se ela não fizer, sua consciência vai se destruir. Não tem mais como voltar atrás. Essa garota que perdeu a capacidade de controlar a si mesma vai ficar violenta e me matar. Tenho certeza que «Kasumi Mogi» deixou de ser «Kasumi Mogi» quando ela matou pela primeira vez.

Em sua face inexpressiva estava o sangue de duas pessoas. Dobrando os joelhos, ela se ajusta para ficar na mesma altura, já que eu que não posso me levantar. Ainda segurando a faca, ela me envolve em seus braços. Os braços dela se cruzam atrás do meu pescoço, aonde ela pressiona a lamina na minha artéria carótida. Mogi-san aproxima o seu rosto para perto de mim e abre sua boca.

— Se você puder, por favor, fique assim com os seus olhos fechados.

Fecho os olhos como ela pede.

 

Algo macio toca meus lábios. Imediatamente percebo do que era esse toque. No final, certo sentimento brota dentro de mim. Esse sentimento que não apareceu nem mesmo quando vi o corpo de Kokone, ou Maria sendo esfaqueada. Raiva. Não posso--perdoar isso.

— Não é a primeira vez que te beijo, sabia? Desculpe por ser sempre tão forçado.

Não posso perdoar isso. Afinal de contas não me lembro. E tenho certeza que não vou me lembrar dessa vez também.

— Adeus, Kazu-kun. Eu amei você!

Ela está satisfeita criando memórias que não pode compartilhar com ninguém? Talvez Mogi-san esteja satisfeita com isso. Quero dizer, ela se acostumou a estar sozinha até esse ponto. Uma dor afiada percorre a parte de trás do meu pescoço. Traindo Mogi-san, que queria que eu ficasse de olhos fechados, abro meus olhos. Ela fica agitada, mas não pode desviar o olhar a tempo já que foi tão súbito.

Aah, finalmente nossos olhares se cruzam apropriadamente. Seguro a mão dela. Percebo pelo canto da minha visão como o liquido vermelho jorra e escorre do meu pescoço para as mãos dela.

—...o que você está fazendo?

— Eu... não posso perdoar.

— Você não pode me perdoar? Fufu... Não ligo! Eu sei disso! Mas não importa! Isso é um adeus de qualquer forma.

— Não é isso.

— Não é você que não posso perdoar. É essa ‘Rejecting Classroom’ que está longe de ser um cotidiano normal!

Coloco força na mão que está segurando o pulso dela. A mão delicada está presa por mim. Minha visão escurece por um momento. O sangramento no meu pescoço pode ser fatal.

— Me largue--!

— Não vou!

Ainda não sei o que fazer. Tenho certeza que não posso mata-la. Mas claramente percebo que essa ‘Rejecting Classroom’ é imperdoável. Portanto, não posso de maneira alguma desaparecer agora.

— Me deixe te matar! Por favor, me deixe te matar!

Ela grita. Apesar de essas supostamente serem palavras de rejeição, para mim soa como se ela estivesse gritando de dor. Quase como se estivesse se lamentando.

...Ah, entendo. Finalmente percebo. Ela está chorando. Por fora, ela continua inexpressiva como sempre. Não derrama lagrimas. Olho diretamente para ela. Ela desvia o olhar imediatamente. Suas pernas estão tremendo o tempo todo, sendo tão finas, elas mal parecem ser capazes de sustentá-la.

Ela, que perdeu suas expressões, não é capaz de perceber seus próprios sentimentos. Não consegue nem perceber que ela está chorando. Suas lágrimas não caem mais. Porque secaram há muito tempo atrás, com certeza. Me desculpe por não ter percebido antes.

— Não vou deixar você me matar. Não vou deixar você me rejeitar.

— Não brinque comigo! Não me atormente ainda mais!

Me desculpe, mas não posso ouvir seu pedido. Portanto--

— De forma alguma vou deixar você ficar aqui sozinha!

Eu grito. Pode ser minha imaginação, mas sinto que ela perde a força por um momento. Mesmo assim.

— Ah--

Minha visão escurece completamente. Um impacto no osso da minha face faz com que a minha visão volte temporariamente. O cenário tinha muda do que era antes do blackout. Os chinelos manchados de sangue da Mogi-san estão diante dos meus olhos. Minha mão não está mais segurando o pulso dela e está caída sem forças no chão.

Não é como se ela tivesse feito algo comigo. Apenas caí sozinho. Achei que finalmente tinha encontrado um meio de persuadi-la e agora eu não posso nem me mover. Tenho problemas até em mover minha boca.

— Sou uma idiota.

Ouço a voz dela.

— Só por causa disso, só por essas palavras, eu--

Não sei com que rosto ela está dizendo essas coisas já que não posso levantar minha cabeça.

—............Tenho que... matar. Tenho que matar. Tenho que matar. Tenho que matar. Tenho que matar. Tenho que matar. Tenho que matar. Tenho que matar. Tenho que matar. Tenho que matar. Tenho que matar. Tenho que matar.

Como se estivesse dando uma ordem para si mesma, ela repete essas palavras.

Os chinelos dela se movem. O sangue de alguém espirra no meu rosto. Vejo de relance o reflexo da faca de cozinha. --ah, ela está pensando em usar isso.

— Mas agora é adeus, Kazu-kun.

Ela se ajoelhou e acariciou minhas costas gentilmente.

— Tenho que matar.

E então ela enfia a faca.

— Tenho que me matar.

Em seu próprio corpo.

 

27.755ª vez

— Tenho que me matar.

Me ordeno desesperadamente. Esse é a única maneira. A única maneira de prevenir que eu seja possuída pelo falso «eu» novamente.

Vou abandonar tudo. Essa é a única forma que consigo pensar de pagar pelos meus pecados. Atravesso a faca no meio do meu corpo. Caio sob o corpo de Kazu-kun que está caído. O rosto dele agora está bem próximo ao meu. Ele finalmente percebe o meu falso eu, e está me observando com os olhos arregalados.

Por favor, não faça essa expressão. Para o acalmar, tento sorrir--mas percebo que não posso sorrir. Afinal de contas, não tenho sorrido ou chorado a eras.

A temperatura do meu corpo está sumindo cada vez mais. Espero que a sujeira dentro de mim também suma completamente.

 

«De forma alguma vou deixar você ficar aqui sozinha!»

Obrigado. Mas é impossível. Era impossível desde o começo, há muito tempo atrás. Não estou certa? Quero dizer--

--Já morri há muito tempo atrás.

 

0ª vez

Aah, vou morrer.

Sou jogada para longe pelo caminhão e estou pensando nisso enquanto meu tempo é prolongado a uma incrível extensão. Não sobreviveria a tal impacto. Vou morrer. Minha vida vai terminar aqui.

N-Não, eu não quero--

São as tolas palavras de alguém que jamais pensou seriamente sobre o que morrer significa seriamente, apesar de ter pensado em morrer várias vezes.

Morrer. O fim. Não tem nada adiante. Percebo o quão assustador esse fato é, agora que estou prestes a morrer. Se é para ser assim, então preferia que isso acontecesse antes do meu mundo ter sido mudado pelo amor!

Apesar de conhecer o amor agora, apesar de ter um objetivo, apesar de ainda não ter feito nada com a pessoa que amo --- isso é cruel de mais.

Mhm, uma situação que me interessa.

Esse homem (mulher?) aparece do nada. Não faço ideia de como ele apareceu. Para começo de conversa, como essa pessoa pode falar comigo tão normalmente? Também não consigo ver claramente onde ele está. Estou toda torcida então nem sei direito para que direção estou olhando. E mesmo assim, essa pessoa não desvia seu olhar de mim. Essa é uma situação impossível.

Ah, não, isso não está certo. Estou em algum lugar desconhecido. Essa pessoa está parada em frente a mim. Não sei onde estou. Esse lugar não deixa nenhuma impressão forte, mas é um lugar especial.

Não me entenda errado, quando falo dessa situação, não é sobre você ser vítima de um acidente. Esse tipo de coisa é comum e acontece no mundo todo. O que chamou minha atenção, é que esse acidente aconteceu próximo ao garoto que tenho interesse.

O que essa pessoa está dizendo? Ouvi falar que você tem um flashback de toda a sua vida quando você morre, mas não ouvi nada sobre ser traga para esse lugar e conversar com essa pessoa.

Essa pessoa é o ceifador ou algo assim? Essa pessoa que não se parece com ninguém, mas que pode se parecer com qualquer um. Mas de uma coisa tenho certeza. Essa pessoa é fantástica. Sua aparência, sua voz e sua fragrância me fascinam.

— Quero ver como esse garoto reage a ‘caixas’ usadas próximas a ele. Ah, mas é claro que também estou interessado em como você vai usar a sua ‘caixa’. Afinal de contas, estou interessado em toda a humanidade. Bom, mas naturalmente, sobre você é apenas «enquanto aquela pessoa estiver envolvida».

Dizendo essas coisas incompreensíveis, a pessoa sorri.

Você tem um desejo?

Um desejo? É claro que tenho um.

Essa é uma ‘caixa’ que garante qualquer desejo.

A aceito. Imediatamente entendo que aquilo era real. Portanto, estou determinada a não largar essa ‘caixa’. Por favor, se esse final não puder ser mudado, então, por favor, me deixe apenas refazer as coisas um pouco. Mesmo que seja só ontem é o bastante. Tem algo que ainda preciso fazer. Se puder apenas refazer ontem, posso expressar meus sentimentos. Se puder fazer apenas isso, tenho certeza que eu não vou ter arrependimentos. Não importa qual seja a conclusão, não vou ter arrependimentos.

Por favor, faça o tempo voltar só um pouco. Sei que isso é impossível. Mas mesmo assim, esse é o meu desejo. Quando desejo, a tampa da ‘caixa’ abre como a boca de um animal carnívoro, se mistura com o ambiente e desaparece. Sim, certo. Deve estar certo dessa maneira.

Huhu--

A pessoa sorrindo de uma maneira charmosa comenta o meu desejo em uma única frase.

Então você se conteve.

E então desaparece.

Sou jogada para fora desse lugar especial que não deixa nenhuma impressão. Pouso em uma câmara envolta em escuridão, onde um cheiro podre invade meu nariz, como se inúmeros corpos tivessem sido abandonados aqui.

É um lugar nojento, se comparado, uma prisão seria como o paraíso. Aah, se eu ficar aqui por uma hora que seja vou desmaiar. Mas esse lugar está começando a se tornar branco, quase como se estivesse sendo pintado. Perco os limites do quarto de visão porque tudo se torna branco. Uma fragrância que parece ter sido feita de doces faz com que o cheiro podre suma.

Cada vez que pisco, quadro negro, mesas, cadeiras e outros objetos necessários são adicionados. Todos os objetos estão lá, então à única coisa que falta é chamar os personagens necessários. Adicionar as pessoas que entraram na nossa sala ontem. Se fizer isso, posso refazer as coisas. Posso refazer o ontem. Mas não importa o quão bem feito seja a pintura, esse lugar ainda é aquela câmara, a qual até uma prisão parece ser melhor.

Meu mundo após a morte, embalado em branco, branco, branco desespero. Então, sim. Se perceber que sou incapaz de alcançar meu objetivo -- vou ter que destruir essa caixa por mim mesma, antes que essa bela decoração se desprenda, antes que possa ver essa cena lamentável.

 

5.000ª vez

— Porque não apenas matá-lo?

Haruaki-kun sugere brincando com essa estúpida ideia sem sentido quando o consulto.

 

6.000ª vez

— Porque não apenas matá-lo?

Haruaki-kun sugere pela enésima vez brincando com essa solução desesperada quando o consulto.

 

7.000ª vez

— Porque não apenas matá-lo?

Haruaki-kun sugere brincando com essa solução lógica.

 

8.000ª vez

— Porque não apenas matá-lo?

Haruaki-kun sugere brincando com sua teoria como se estivesse se auto afirmando.

 

9.000ª vez

— Porque não apenas matá-lo?

Haruaki-kun sugere brincando com esse fato óbvio para alguém que está encurralada, como eu.

 

9.999ª vez

Já ouvi os meios de matá-lo de sua própria boca.

— Como fazer alguém não querer encontrar outra pessoa nunca mais?

Haruaki já sugeriu o mesmo método várias vezes. Já ouvi isso tantas vezes que estou cansada. Chego à conclusão de que, sentir culpa em relação à certa pessoa é a melhor maneira não querer mais encontrar certa pessoa. Como sempre. E como sempre, ele me diz a maneira de criar sentimentos de culpa em relação a alguém.

— Porque não apenas matá-lo?

Haruaki-kun sugere brincando, esse que é o único método possível para alguém em minha situação.

— Em último caso, você sabe. Bom, apesar de que, se você matar essa pessoa, não é nem um problema de encontrar ou não encontrar mais, hehe!

Porque existe a necessidade de ‘rejeitar’ o Haruaki-kun? É porque acho que isso é o que mais vai afetar a mim e o Kazu-kun quando ele desaparecer. Viver nesse mundo lembra jogar um jogo de Tetris que você não pode terminar. No começo você dá o seu melhor para fazer um novo recorde. Isso é legal. Mas depois de um tempo isso se torna indiferente. Afinal de contas, não importa se você fizer um novo recorde ou não, é só um jogo que vai ser reiniciado. E daí você tem que começar tudo de novo. Nada muda mesmo quando você acabe em um Game Over. Você faz o seu melhor para se divertir, mas com esse sentimento, os blocos atingem o topo em um instante. Isso se torna entediante. Se torna desinteressante. Se torna difícil. Se torna penoso. Você perde a motivação até mesmo para virar os blocos. É indiferente. E apesar de ser indiferente, os blocos não param de cair. E não importa o quão frequente eles atinjam o topo, você não pode parar o jogo. Se você parar, você morre. E não quero isso. Afinal de contas tenho um objetivo a cumprir. Tenho que viver o dia de hoje sem deixar nenhum arrependimento para trás. Então tenho que mudar esse sistema de alguma maneira.

Haruaki é uma parte importante desse sistema.

Portanto, eu tenho que ‘rejeitá-lo’.

—......você pode me dizer mais uma vez o que devo fazer para criar sentimentos de culpa?

—...Kasumi, qual o problema? Bom, apesar de que não me importo...

Haruaki diz como sempre.

— Porque não apenas matá-lo?

Com essa, é a 1.000ª resposta.

Certo! Esse é o único meio. Sim. Então não há mais nada para se fazer. Você entende, certo? Afinal de contas, me disse isso 1.000 vezes, então você compreende não é mesmo? Ou melhor, você quer que eu faça isso não é mesmo? Você quer ser morto por mim, certo?

 

10.000ª vez

Por favor, pare! Eu imploro, não me mate!

Não me importo com as palavras dele. Vou matar Usui Haruaki. Afinal de contas, ele sugere isso por ele mesmo!

Eu ***ei Usui Haruaki.

E então desapareço. A pessoa conhecida como Kasumi Mogi desaparece. Acho que não vou ser capaz de encontrar a ‘mim mesma’ outra vez, ela foi esmagada pela agonia, virou pó e foi jogada fora em algum lugar. Independente disso, meu corpo vai continuar ressuscitando eternamente. Ele vai ressuscitar independentemente de estar vazio por dentro.

Sinto algo invadindo meu corpo vazio.

Algo que nasce dentro dessa ‘caixa’ imunda. Algo inacreditavelmente grotesco que tem um cheiro tão nojento como se um amontoado de insetos mortos estivesse colado uns nos outros com fezes. Rejeito isso. Continuamente rejeito isso. Mas já sabia. Mesmo que rejeite isso inúmeras vezes, essa coisa vai me invadir aos poucos pelas minhas aberturas. Essa coisa fareja meus pontos fracos como uma hiena e quando os devora fico manchada com essa tinta negra. Me torno suja e perco noção de mim mesma. Me torno uma falsa eu, que apesar de tudo não sou ninguém mais do que eu mesma.

Mesmo assim, ainda não posso terminar. Afinal de contas, desejei por um hoje sem arrependimentos.

-Hoje sem arrependimentos?

Hahaha.

Sou estúpida? Não tem como existir algo assim. Esse é o meu mundo após a morte. Não tem como meus arrependimentos na vida real desaparecerem se fizer algo nesse mundo após a morte. Mesmo que o Kazuki se confesse para mim nesse mundo, seria sem sentido. Como poderia ficar satisfeita em um hoje separado sem conexão com nada em lugar nenhum? ...veja, nada me vem à mente.

O resultado que espero há tanto tempo.

Para poder perseguir isso, faço o meu melhor o tempo todo até agora nesse mundo completamente paralisado. Mas ainda nem faço ideia do que esse resultado que espero a tanto tempo é. Desejei isso por todo esse tempo sem ao menos saber o que era. E então chego à conclusão de que esse resultado não existe.

Não quero morrer!

Aah--certo, finalmente percebo. Então esse era o meu ‘desejo’. Então é por isso que ‘desejos’ não podem ser compensados por toda a eternidade. Distorci tanto a ‘caixa’ porque não sabia disso. Esse meu ‘desejo’ distorcido se tornou um «apego» e não pode mais desaparecer. Isso está dentro da ‘caixa’, portanto isso não vai desaparecer.

Esse «apego» continua lá e é o que move esse falso eu.

Então tenho certeza que, mesmo que eu desapareça, essa ‘caixa’ jamais irá.

 

27.755ª vez

— De forma alguma vou deixar você ficar aqui sozinha!

Com apenas essas palavras, Kazu-kun me faz voltar a ser a antiga Kasumi Mogi apenas por um instante.

— Sou uma idiota.

Apesar de já ter decidido. Apesar de ter decidido desde o começo que destruiria a ‘caixa’ antes de ter que ver essa cena lamentável. Mas a minha determinação se tornou cada vez mais fraca durante essas intermináveis repetições e acabou por desaparecer. Uma vez, quando matei alguém cujo nome não me lembro mais, deveria ter me tornado incapaz de voltar.

— Só por causa disso, só por essas palavras, eu--

-Pude voltar ao meu antigo eu.

Meu amor me salvou no último momento. Mas sei que vou ser dominada de novo em pouco tempo. Vou ser dominada por essa ‘caixa’. Portanto, enquanto ainda sou «Kasumi Mogi» — tenho que me matar.

— Adeus, Kazu-kun.

E agora, essa ‘caixa’ que é tão conveniente, mas incapaz de me trazer alegria vai acabar. Posso morrer caída sobre o meu amado. Talvez isso seja, no final, algum tipo de felicidade. Portanto isso é o bastante para mim. É o bastante para mim.

Fecho meus olhos. Certamente não os abrirei por um t--

— Quem te deu o direito de morrer?

Me assusto e abro meus olhos.

Essa pessoa inidentificável que me entregou a ‘caixa’ está ali. Kazu-kun não parece perceber, então acho que só é visível para mim. Quando nossos olhares se encontraram, essa pessoa sorri calmamente.

— Ainda quero observar esse garoto. É problemático para mim se você acabar com essa oportunidade de observação ilimitada por vontade própria.

O que? ...O que ele está dizendo?

— Bom, acho que não é tão excitante com situações similares o tempo todo. Vamos ver... é contra os meus princípios, mas posso tomar conta da ‘caixa’? Vou mexer nela um pouco. Você estava planejando destruí-la de qualquer maneira, então não se importa certo?

Sem esperar pela minha resposta, ele coloca a mão no meu peito. No momento em que ele encosta.

— Ugh, aaaah! AAaaAAahhh!!

Uma dor intensa que jamais poderia imaginar. Uma dor que me faz até mesmo gritar, apesar de ter me acostumado a ser atropelada por caminhões e nem ao menos soltei minha voz quando perfurei meu próprio peito. O tipo de dor era diferente.

Era uma sensação como se minha alma fosse cortada em milhares de pedaços. Uma dor que ataca diretamente nos nervos sem nenhuma barreira. Ele tira a ‘caixa’ do tamanho da palma de uma mão e sorri.

— Aah, acho que você já sabe disso, mas essa ‘caixa’ não funciona mais sem você. Então vou colocar você dentro da ‘caixa’.

Quando ele diz isso, ele começa a me dobrar. Ele me dobra e dobra, e então me espreme dentro da ‘caixa’.

Kazu-kun. Por favor, Kazu-kun. Sei que estou sendo egoísta. Sei que é absurdo, depois de tudo que fiz com você. Mas, mas -- Não aguento -- Não aguento mais--

Kazu-kun, me ajude--

 

27.756ª vez

Tenho que encerrar a ‘Rejecting Classroom’ e recuperar meu dia a dia normal. Qual seria a pior situação possível que me impediria de alcançar esse objetivo? Ter de superar um grande obstáculo? Por exemplo, um em que precise atravessar uma corda fina entre um prédio e outro. Ou que eu tenha que repetir o mesmo dia por um milhão de vezes.

Não acho que seja isso. Quero dizer, saberia como superar o obstáculo nesse caso. Não importa o quão difícil pareça, posso ser capaz de obter as habilidades necessárias para superar isso com o meu tempo ilimitado. Obviamente, a pior crise seria quando nem ao menos sei que obstáculo devo superar.

Se não souber o que fazer, não tenho outra escolha a não ser procurar as cegas. Mas não importa o quão desesperador seja minha situação, o tempo não avança dentro da ‘Rejecting Classroom’. Tempo não seria capaz de resolver esse problema para mim. E agora -- cheguei a pior situação possível.

— Qual o problema, Hoshii? De alguma forma, você está agindo de uma maneira estranha hoje.

O intervalo após a primeira aula. Haruaki fala comigo com uma leve risada. A aula terminou agora a pouco, então ninguém sai da sala ainda. Mogi-san também está sentada em seu lugar. Certo -- todos os meus 38 colegas estão dentro dessa sala.

Tento pensar sobre o porquê das pessoas ‘rejeitadas’ estarem aqui, mas por alguma razão não consigo me lembrar de quase nada da última repetição. Acho que nós encontramos alguma coisa, mas não consigo me lembrar de nada. Mas está tudo bem. Ainda está tudo bem. Se nós pudemos achar algo importante antes, então logo vamos achar de novo. Ainda é um enigma para mim o porquê todos os meus colegas voltaram, mas isso não afeta o que tenho que fazer. Esse não é o problema.

— De qualquer forma, hoje está sendo um dia realmente entediante~. Não tem nada de interessante hoje!

Não tem nada de interessante.

Uma dor disforme percorre o meu peito por causa do que Kokone diz. Não quero acreditar nisso. Não quero admitir minha atual situação.

— Daiya.

Como se estivesse buscando ajuda, chamo Daiya, que está sentado próximo a mim. Ele vira apenas a sua cabeça e me olha.

— Você ouviu algo sobre uma estudante transferida chegando hoje?

Pergunto com a frágil esperança de que ele afirmaria. Mas minha pergunta é--

— Haa? Do que você está falando?

--negada com uma cara zangada, como esperado.

Certo -- Aya Otonashi não se ‘transfere’ mais. Portanto, não sei mais o que fazer. Encontrar o ‘portador’. E então o quê? Retirar a ‘caixa’? Destruir a ‘caixa’? Como faço isso?

Planejei em acertar as coisas junto com a Maria. Mas isso é apenas eu sendo presunçoso. Sou completamente dependente dela, então não sei o que fazer agora que ela não está aqui.

— Mas veja bem, não é a mesma coisa se for o nosso cotidiano normal ou dentro da ‘Rejecting Classroom’?

Quando o consulto, Haruaki responde dessa forma. Não sei o que fazer, então o consulto durante o intervalo. E essa é a resposta que recebo dele atrás do prédio da escola quando ele termina de ouvir minha história durante o intervalo de almoço. Conheço a personalidade do Haruaki. Não é como se ele estivesse dizendo isso porque não consegue acreditar na minha história absurda.

— A mesma coisa, você diz...

— Ah, não. Não é como se não acreditasse em você. Apenas, vamos assumir que nós realmente estamos dentro dessa ‘Rejecting Classroom’. Então como isso se difere do cotidiano que você deseja?

— Como isso se difere? Eles são completamente--

— Iguais, não são? Eu e os outros que desapareceram agora voltamos. E Aya Otonashi não era originalmente uma parte dessa classe de qualquer forma. A situação acaba de voltar a ser como era no começo. Ou estou errado?

Acaba de voltar a ser como era antes? ...pode ser. Afinal de contas, mesmo eu poderia nunca ter conhecido ela se não fosse pela ‘Rejecting Classroom’. Ninguém sabe sobre Maria. Isso faz sentido. A existência de Aya Otonashi não pertence a classe 1-6 para começo de conversa. Talvez tenha sido tudo um sonho? Talvez Aya Otonashi tenha sido minha ilusão?

...Não sei. Mas hoje ainda é «02 de Março».

— Se nós estamos dentro da ‘Rejecting Classroom’, então esse «02 de Março» não vai acabar, você sabe? Você ainda pode chamar isso de igual ao cotidiano normal?

Achei que Haruaki concordaria comigo. Mas...

— Mas eu disse levando isso em consideração.

Haruaki inclina a cabeça e diz isso. Ouvindo-o falar isso como se fosse algo óbvio, fico mudo sem querer. Me vendo dessa maneira, Haruaki coça a cabeça um pouco tenso e continua.

— Acho que entendi o que você quer dizer. Mas veja, você não se sente desconfortável por saber que está dentro de um ciclo? Pegue, por exemplo, o cotidiano que você considerava normal antes. Assumindo que aqueles dias estejam se repetindo por um longo tempo, você não percebeu certo? E, além disso, não sinto nada nesse momento. Considero esse momento como sendo o meu cotidiano normal. Mesmo que, por razões de argumento, isso seja dentro da ‘Rejecting Classroom’.

Isso -- com certeza está correto. Porque sei o que está acontecendo, tenho esse sentimento de nojo e desconforto. Se não soubesse, não acharia nada. Se não soubesse sobre a ‘Rejecting Classroom’, nem ao menos teria esse conflito agora. Mesmo que o dia se repita, posso aproveitar completamente o cotidiano dado a mim. Posso gastar o meu tempo ignorando o triste destino de certa pessoa. Isso é felicidade, e é conveniente. Destruir isso não é nada mais que autossatisfação.

— Você entendeu, certo Hoshii? O que você tem que fazer?

— Sim. Entendo o que tenho que fazer!

— Certo? Então--

Haruaki para de falar subitamente. Sem entender, me viro e vejo Mogi-san parada na direção dos olhos dele.

— Qual o problema?

Pergunto.

— Gostaria de falar com o Kazuki, pode ser?

Eu e Haruaki olhamos um para o outro sem entender o que está acontecendo.

— Err, Hoshii. Bom, isso é o suficiente por hora? Se ainda tiver algo que você queira me dizer vou ouvir.

— Sim, obrigado Haruaki.

Haruaki se afastou após dizer, “De nada”.

Me pergunto o que ela quer de mim. Ela veio procurar especialmente por mim? Olho para o rosto dela. Que rosto lindo. Quando começo a pensar sobre isso, não aguento mais olhar para ela e desvio meu olhar.

“---”

Apesar de ter vindo procurar por mim, Mogi-san está com uma expressão dura.

—...Vou te perguntar algo agora. Isso pode soar meio estranho, mas por favor, responda sem hesitar.

— Ah, certo...

Concordo, mas Mogi-san ainda parece estar hesitante para falar e sua expressão séria continua em seu rosto. Depois de um tempo, ela se decide e olha nos meus olhos.

— Eu sou Kasumi Mogi?

--huh?

Essa pergunta foi tão inesperada que não posso nem mesmo ficar surpreso, apenas fico ali parado com uma expressão séria. Ela desvia o olhar parecendo estar desconfortável.

—......err, Mogi-san? Você por acaso está com amnésia?

—...Te entendo. Mas por favor, responda minha pergunta.

— É claro que você é Kasumi Mogi...

Isso definitivamente é algo que não costumo dizer no meu cotidiano.

— Entendo...

Por alguma razão, Mogi-san murmura isso e parece um pouco desolada.

— Muito bem. Isso pode ser um pouco inacreditável, mas, por favor, ouça. Eu sou...

Então, Mogi-san - Kasumi Mogi, a garota que amo – diz algo completamente contraditório.

— ...Aya Otonashi.

— Eh? Aya Otonashi...? Mogi-san é a Maria? O que isso significa?

Enquanto ainda estou me recuperando da minha surpresa, Mogi-san continua.

— Sim, sou Aya Otonashi. Perplexa por essa absurda situação onde todo mundo sem exceções me chama de «Kasumi Mogi» apesar da minha aparência e modo de falar diferentes, perdi a confiança em mim mesma, mas com certeza sou «Aya Otonashi».

Mesmo que você diga isso, a pessoa diante de mim é «Kasumi Mogi». Mas realmente tenho a impressão de que essa expressão e maneira de falar combinam perfeitamente com a «Aya Otonashi» na minha memória...

— Err... certo! Tem esse negócio de dupla personalidade que aparece em Mangás o tempo todo, não é mesmo? Então por acaso você está com uma personalidade diferente agora...?

Isso é absurdo também, mas pelo menos parece ser algo mais realista.

— Pensei nisso também. Mas se fosse isso, você deveria pelo menos duvidar da minha forma de comportamento diferente e não deveria conhecer o nome «Aya Otonashi ». Não estou certa?

Certo, nunca falei o nome «Aya Otonashi» na frente dela.

— Em primeiro lugar, por que você subitamente se transformou na Mogi-san?

—... não coloque isso de uma forma tão ambígua. Apenas fui colocada na posição de «Kasumi Mogi». Não é como se tivesse me transformado na Mogi. Bom... de qualquer forma, para explicar essa situação. Certo, você entende que não tem «Kasumi Mogi» na 27.756ª repetição se sou «Aya Otonashi», certo?

Concordo.

— «Kasumi Mogi» desapareceu. A posição dela ficou vazia. Você ainda se lembra quando te disse que não foi minha escolha ter me tornado uma estudante transferida? Dessa vez fui colocada nessa posição vazia ao invés de ter me tornado uma estudante transferida.

Isso é muito... forçado.

— Não tem como eu, não, a sala toda te confundir com a Mogi-san!

— Exato, essa foi uma grande questão para mim. Mas quando penso nisso, uma outra questão se resolve. O ‘portador’ da ‘Rejecting Classroom’ lembra de todos os 27.755 loops. Então a personalidade dela deve ter mudado também. Mesmo assim, ninguém percebe essa mudança dela.

Tenho que admitir, ela pode estar certa.

— É natural assumir que existe uma regra para a ‘Rejecting Classroom’ que faz com que os outros não possam perceber as mudanças do ‘portador’. Além disso, essa mudança não pode ser perturbada pelas relações da ‘portadora’. Kasumi Mogi era a ‘portadora’ mas desapareceu por alguma razão. E agora fui colocada no lugar dela. Então essa regra é aplicada e ninguém percebe nenhuma mudança, apesar da aparência e personalidade que pertencem a mim, «Aya Otonashi», serem completamente diferentes.

Eu entendo a explicação da Mogi-san por hora. Se ela realmente for a Maria, então isso deve ser motivo de alegria. Eu acho. Quero dizer, por mim mesmo, não faço ideia do que fazer. Mas se for a Maria, ela certamente vai ser capaz de me guiar.

Contudo--

— Eu não acredito nisso.

--não aceito isso.

Mogi-san parece surpresa pela minha resistência e arregala os olhos.

—...Sei que é inacreditável, mas não acho que isso seja motivo para você se opor dessa maneira.

Mordo meus lábios.

— Ah, entendo. Você não quer aceitar isso. Se você aceitar, você também admite que Mogi é a ‘portadora’. E se possível você não quer admitir isso. O que é compreensível. Afinal de contas, você ama a M--

— Pare!!

Grito impulsivamente.

Você está exatamente certa! Absolutamente não quero aceitar isso. E não estou falando do fato de ela ser a ‘portadora’. O que não posso aceitar é--

—......Eu amo a Mogi-san.

Coloco isso para fora.

— Sei disso.

Mogi-san ergue a sobrancelha como se estivesse dizendo que não preciso falar isso para ela.

— Portanto -- não é possível que você seja a Maria...!!

Aperto meu punho. Vendo minha mão tremendo, com certeza ela finalmente entendeu o que estou tentando dizer. Ela abre bem os olhos e fecha a boca. Amo Mogi-san. Esse sentimento não mudou, mesmo agora. Esse sentimento não mudou--mesmo agora que Mogi-san está igual a «Aya Otonashi».

Se o que Mogi-san está tentando dizer for verdade, então sou um tolo sem salvação. Não percebendo quando a pessoa que amo muda. Não percebendo quando a pessoa que amo foi trocada pela Maria. Isso não é um problema sobre ela, apenas não posso lidar com os meus próprios sentimentos.

Dizem que o amor é cego. Mas esse é um nível completamente novo. Falso. Esse amor que tive por um tempo incrivelmente longo acabou por se tornar falso. Portanto, não posso aceitar. Não posso aceitar que ela é «Aya Otonashi». No momento em que aceitar isso, esse amor vai acabar.

— Amo a Mogi-san!

Por isso continuo a dizer essas palavras como se estivesse proclamando guerra. Ela desvia o olhar para baixo sem palavras. Essa foi a pior confissão já feita. Uma confissão que durante ela, nem ao menos pensei na pessoa que estava a recebendo, foi uma confissão apenas para negar a presente situação. Aperto meus punhos com força. Não tive outra escolha.

— Se você insiste em ser a Maria, então me prove!

Ela continua com seu olhar voltado para baixo por algum tempo. Mas então, ela parece ter chegado a uma decisão, abriu os olhos e começa a falar.

— Kazuki. Mesmo se você se deixar levar pela ‘Rejecting Classroom’ dessa forma, isso não muda a minha missão. Então pensei em deixar você em paz. Contudo, depois de pensar nisso mais uma vez, não quero isso. Não quero que você se dê por vencido por algo assim.

Ela segura minha mão direita. Meu olhar hesitante a encontra. Ela está olhando firmemente nos meus olhos.

— Então você deve perceber agora que não sou ninguém a não ser «Aya Otonashi».

Ela coloca minha mão sobre o peito dela.

— O-O que você--?

— Sou uma ‘caixa’.

Ela diz como se estivesse brigando consigo mesma.

— Portanto, não sou o mesmo que a humana «Kasumi Mogi».

— O seu desejo não está meramente sendo garantido? Se for assim, então é o mesmo com a Mogi-san! Mesmo que você me mostre a sua ‘caixa’, isso não provaria que você é «Aya Otonashi»!

Ela chacoalha a cabeça de um lado para o outro.

— Nos contos de fadas, costumam ter essas fadas que garantem um único desejo, certo? Quando você ouve esse tipo de história, você nunca pensou «Por que não pedir por desejos ilimitados»?

Concordo. Fazendo isso, poderia ter desejos infinitos. Já pensei nisso.

— É um pouco constrangedor, mas meu desejo é parecido com isso.

Ela continua falando como se estivesse se culpando.

— Meu desejo foi «Quero conceder os desejos dos outros». Me tornei uma existência que garante desejos.

— Isso é--

Igual a uma ‘caixa’. Mas acho que esse é um bom ‘desejo’. Então por que ela tem esse sorriso autodepreciativo?

— Mas não podia acreditar que isso fosse completamente possível. A ‘caixa’ não pode garantir completamente o meu ‘desejo’. Cada pessoa que me usava, a ‘caixa’, desaparecia. Porque a ‘caixa’ absorveu o meu sentimento de que «não tem como ‘desejos’ serem realizados tão convenientemente na realidade».

Estou sem palavras. Quando essa ‘caixa’ vai estar satisfeita de brincar com as nossas vidas?

— Kazuki, vou deixar você tocar minha ‘caixa’. Quando fizer isso, não vou mais deixar você fazer perguntas estúpidas como quem sou eu.

Ela abre minha mão e a coloca sobre seu peito. Sinto os batimentos cardíacos. Nesse momento--

— Ah--

Piso no solo do fundo do oceano. E apesar de que deveria estar no fundo do oceano, estava brilhante como se o sol tivesse afundado aqui também. É bonito. Eestou fascinado pela água. Contudo, está frio. Não consigo respirar. Todos parecem felizes. Todos parecem felizes. Todos parecem felizes. No fundo do oceano. Eles brincam ao redor com os peixes do fundo do mar. Eles sufocam, incham, congelam, são esmagados pela pressão da água e sorriem. Nada tem qualquer sentido aqui. Nada é importante aqui. Animais domésticos aparecem por todo lugar. Brincando de casinha. Fazendo peças de teatros. Comédias. Uma tragédia aonde todo mundo é feliz.

Dentro dessa cena, alguém está chorando. Apenas uma única pessoa está chorando, cercada pelos outros que estão rindo ‘HAHAHAHAHA’ alegremente. Inclino minha cabeça. Isso é minha imaginação. Apenas minha imaginação. Não vi nada. Mas percebo apenas uma coisa. Percebo os sentimentos de alguém, que provavelmente não vou mais ser capaz de afastar.

Profunda solidão.

Rastejo para fora do fundo do mar e estou no mesmo lugar de antes. Ela solta minha mão. Afasto minha mão lentamente do seu peito, e então me sinto exausto e caio em meus joelhos. Ao mesmo tempo em que isso acontece, também percebo que minhas bochechas estão molhadas com lágrimas. Não posso mais negar. Depois de ver aquilo, não posso mais negar.

— Essa é minha ‘caixa’ - a ‘Flawed Bliss¹’.

Ela é--«Aya Otonashi». Mogi-san possui uma caixa também? Não importa. Isso não é algo que possa negar a Maria. Não preciso de nenhuma razão. Entendo apenas por tocá-la. Entendo que ela é a Maria. Tenho certeza de que ela não quer mostrar isso para os outros. E apesar disso, ela me mostrou. Para que não me rendesse a ‘Rejecting Classroom’.

— Maria, sinto muito...

Maria balança a cabeça de um lado para o outro.

“---“

Ela odeia seus próprios sentimentos. Percebo que ela é «Aya Otonashi». E mesmo assim, meus sentimentos por ela não mudam. O sorriso dela parece ser terrivelmente adorável para mim. Os restos do meu amor que não desapareceram continuam a me confundir. Me sinto tão arrasado por me apegar a esse amor, minhas lágrimas não param.

— Kazuki.

Maria chama meu nome.

— Eh?

E então ela faz algo inacreditável. Ela me abraça. Apesar de saber o que ela está fazendo, não consigo entender o porquê. A maneira que ela está me abraçando, não parece ser ela - ela parecia estranhamente hesitante.

— Você foi o único que lembrou meu nome.

Maria fala como se estivesse recitando versos de uma cantiga.

— Se não fosse por você, estaria sozinha. Tenho que admitir que você é meu suporte. Era assim mesmo quando considerava você como sendo o ‘portador’. Por isso--

Finalmente entendo o que ela está fazendo.

— --me deixe ser seu suporte, pelo menos agora.

Ela me puxa para mais perto dela. Em contraste com seu tom de voz, o abraço dela é fraco, de um modo que parece mais que ela está me envolvendo.

— Pelo menos agora, que você sente amor por mim, devo ser gentil com você.

Não sei. Não sei se esse meu sentimento agora é direcionado a «Kasumi Mogi», «Aya Otonashi», ou as duas. A única coisa que sei, é que estou feliz por isso.

— Ah.

Talvez -- talvez, Maria não tenha me deixado tocar a ‘caixa’ dela apenas pelo meu bem. Maria não quer que a chame de «Kasumi Mogi». Por isso ela quer que eu admita a existência dela. Considero essa possibilidade por um momento, mas chego à conclusão de que estou pensando demais e acabo rindo sem querer.

— Hoshii, sobre o que você e a Kasumi conversaram quando saí?

Depois da aula – Haruaki começa a me cutucar com um enorme sorriso.

— Por acaso ela se confessou para você ou algo assim!?

— Ah...não...

Ela me confessou que era «Aya Otonashi», então em um sentido mais amplo ele está certo.

— Você está se entregando! Que suspeito! Por acaso acertei em cheio?! Droga, estou com tanta inveja! Kasumi ficou bonita nesses últimos tempos.

Ah, entendo. Vendo Haruaki se empolgando, entendo o que eu preciso fazer. É reconfortante ter me reencontrado com a Maria, mas já que «Kasumi Mogi», a ‘portadora’, simplesmente desapareceu, estou sem opções sobre o que fazer.

«Se você fizer de Kazuki Hoshino um inimigo, você também vai fazer do eu imortal um inimigo!»

Lembro das palavras que Haruaki uma vez disse para Maria. Como faz muito tempo, não tenho certeza se está certo palavra por palavra. Certo. Absolutamente preciso que ele me ajude.

— Haruaki. Você ouviria a continuação da conversa que estávamos tendo?

Apenas por um instante ele parece surpreso quando o pergunto isso do nada, mas então ele concorda com um sorriso.

— Tinha dito que já sabia o que fazer, certo? Vou te dizer agora o que ia te dizer naquela hora.

Olho nos olhos dele e proclamo guerra.

— Eu vou -- lutar contra a ‘Rejecting Classroom’.

Ouvindo isso, ele arregala os olhos.

— Err, ouça... não te expliquei isso claramente? Mesmo que nós estejamos dentro dessa ‘Rejecting Classroom’ - não tem problema algum enquanto você não souber a verdade sobre isso.

— Sim. Mas não posso. Não posso permitir que esse cotidiano, onde não posso dar um passo à frente porque tudo se repete, continue!

— Por quê?

— Porque -- eu sei da verdade, nesse momento.

Posso ser capaz de viver minha vida sem problemas se apenas esquecer sobre estar dentro da ‘Rejecting Classroom’. Contudo, eu sei o que está acontecendo. Sei que estou vivendo um falso cotidiano. Portanto, não posso ignorar isso.

Talvez só esteja fazendo isso por autossatisfação. Mas mesmo assim, acho que estou certo e não posso agir de forma diferente.

—...bom, você quem sabe. Mas tem alguma razão para estar tão obstinado?

Haruaki pergunta apenas por curiosidade.

Uma razão...? A razão para insistir em um verdadeiro cotidiano? Penso sobre isso. E realmente, meu apego ao meu cotidiano pode não ser normal.

— Pelo que parece, essa razão também tem a ver com vida ou morte...

Haruaki sussurra. Ah, certo. É isso. A razão é simples assim.

— É isso -- o motivo da vida.

Haruaki arregala os olhos, pelo que parece ele não esperava por essa resposta.

— O motivo da vida? O que é isso? O que quer dizer?

— Não sei como dizer ao certo, mas... por exemplo. Quando você tira 100 em um teste em que não aprendeu nada, você não fica feliz, certo? Quando você se esforça ao máximo para aprender com o objetivo de tirar uma nota boa e então você tira 100, aí você fica feliz. Não estou certo?

— Sim, algo tem mais valor quando obtenho com meu esforço do que quando não fiz nada por isso.

— Acho que se esforçar por algo é o motivo da vida. Não acho que isso seja exagero. Quero dizer, todos vão morrer um dia. Então o resultado da vida é a morte! Para mim, perseguir apenas o resultado é terrível.

— Todos vão morrer um dia. ...Realmente.

— Mas aqui nós temos a ‘Rejecting Classroom’, aonde tudo o que for feito será ignorado, então não posso de maneira alguma aceitar isso. Para proteger o motivo da vida, o cotidiano tem que avançar. Portanto, rejeito a ‘caixa’ que rejeita o dia a dia.

Haruaki ouve minha opinião parecendo muito interessado....talvez nem tenha motivo para falar tudo isso. Haruaki provavelmente me ajudaria sem condições.

— Haruaki, você vai me ajudar?

Como se fosse óbvio, ele fecha a mão e aponta o dedão para cima.

Como Haruaki sugere, faço com que Kokone e Daiya ouçam a minha história junto com ele e Maria. Nós cinco nos reunimos em torno da cama do hotel de alta classe ao qual tinha ido antes com a Maria.

Explico a situação para Kokone e Daiya. Achei que Maria reclamaria que seria perda de tempo explicar tudo a eles, mas no final ela não me interrompeu e apenas complementou o que disse de tempos em tempos. Talvez ela queira ouvir algumas opiniões novas sobre o caso.

— Err... ‘Kasumi na verdade não é a Kasumi, mas Aya Otonashi-san, enquanto a verdadeira Kasumi é a ‘portadora’ que criou a ‘Rejecting Classroom’ e nós não sabemos onde ela está... ‘O que fazer?’ É o que você está perguntando, certo Kazu-kun? ...Não entendo! Não tem como entender!

Kokone se jogou na cama com isso.

— Aah, essa cama é tão gostosa.

— Não perguntei a sua impressão sobre a cama, sabe.

— Eu sei!

Ela responde com uma voz irritada a minha réplica. Contudo, acho que ela realmente está pensando seriamente sobre o que disse, apesar de estar com essa atitude.

— Quero perguntar uma coisa...

Daiya nos interrompe.

— Se nós estamos na ‘Rejecting Classroom’, esse acidente, que supostamente é inevitável, vai acontecer de novo, certo?

— Sim, provavelmente.

Maria respondeu à pergunta dele. O que... Daiya está perguntando isso seriamente?

— O que há com essa sua expressão estúpida, Kazu? Você por acaso é uma carpa que fica abrindo e fechando a boca ou algo parecido?

— Ah, não -- só fiquei surpreso por você ter acreditado na ‘Rejecting Classroom’ tão facilmente.

— Como se fosse acreditar em uma coisa dessas!

Daiya cospe essas palavras.

— err, huh...?

— Se pelo menos fosse só você que estivesse com um parafuso solto, mas agora até a Mogi está dizendo essas coisas estranhas naturalmente. Mesmo que tenha alguma circunstância especial por trás, é cansativo pensar sobre isso. Então decidi simplesmente aceitar a ‘Rejecting Classroom’ por hora sem pensar mais profundamente.

Ele é ridiculamente indireto, mas resumindo, vai nos ajudar, certo?

— E então, Daiyan? O acidente vai acontecer novamente. E daí?

Haruaki o apressa a continuar o que estava dizendo.

— Aah. Se o acidente vai acontecer como sempre, então quem vai ser a vítima? Mogi não está mais aqui, está?

— Provavelmente... eu vou. É natural pensar que recebi esse papel também, já que a posição dela foi forçada sobre mim.

— Kasumi foi atropelada todas as vezes?

Haruaki pergunta.

— Não, também teve casos onde outros foram atropelados tentando salvá-la. Eu, Kazuki, Mogi e até mesmo você quando você tentou me salvar enquanto estava tentando salvar a Mogi. E não apenas uma, mas centenas de vezes.

— Whoa! Sério? Espere um pouco, centenas de vezes não é meio impossível? ...ah, não, não necessariamente, huh. Afinal de contas, é plausível que a mesma pessoa escolha as mesmas ações na mesma situação.

— E, além disso, na maioria dos casos você tinha se confessado para mim antes.

Maria diz com uma expressão atônita.

— Um homem que sacrifica sua própria vida para salvar a mulher que ele ama... oh droga! Não sou legal?!

— Para ser franca, cuide dos seus problemas.

— C-Cruel.

— Apenas tente imaginar nossos papéis invertidos. Imagine o que é aguentar ver alguém que te ama se sacrificando por você... suas ações insolentes me fizeram sentir culpada por tentar obter a ‘caixa’. Foi a maneira mais eficiente possível de ferir meus sentimentos.

— Bom...

Haruaki faz uma careta. Mas acho que ele não vai se arrepender do que fez já que a atitude dele não estava errada.

— Enquanto estamos falando sobre isso, quantas vezes me confessei para você, Aya-chan?

— Exatamente 3.000 vezes.

— U-Uau, sou tão romântico...

— Então você foi rejeitado 3.000 vezes! Esse é um recorde de ser rejeitado sem precedentes, não é? Você é tão lamentável que me faz rir, Haru!

— Calada, Kiri!

Esses dois são engraçados.

— Mogi... ah não, vou te chamar de Otonashi de agora em diante. Otonashi, por que a Mogi ia para a cena do acidente toda vez, apesar de saber que o acidente ia acontecer?

Maria ergue uma sobrancelha para a pergunta de Daiya e responde.

— Está definido nas regras da ‘Rejecting Classroom’, não? Oomine, acho que você já deduziu isso, mas tentei impedir o acidente várias vezes.

— Bom, é claro que você não iria se jogar na frente do caminhão sem motivos. É natural pensar que você estava pelo menos presente durante os acidentes. Embora eu não escolheria ser atropelado por mim mesmo se estivesse no seu lugar.

— Hey, por que vocês estão falando sobre o acidente? Nada vai se resolver se nós não acharmos a Kasumi, certo?

Kokone inclina sua cabeça e interfere na conversa dos dois. Daiya olha para longe parecendo irritado.

— Essa NPC de suporte é barulhenta de mais.

— Ahaha. Se pelo menos você tivesse sido a vítima do atropelamento 20.000 vezes, não é mesmo? ☆

— Só para saber, Kiri, como você pretende encontrar a Mogi?

— Bom... sei lá. E de qualquer forma, você sabe como?!

— Nem ideia.

— Oho... Estou impressionada, como você pode bancar o inocente enquanto me chama de NPC barulhenta. Por que você não larga o seu sobrenome ‘Oomine’ e começa a se chamar de ‘Sr. Inocente’, hein? Inocente Daiya. Whoa, combina perfeitamente!

— Não sou o único que não sabe. Os outros também não sabem, não é mesmo?

Eu e Haruaki nos entreolhamos. Bom, ele está certo. Se soubesse, já teria falado sobre isso.

— Portanto, nós temos que procurar por outra solução. E por isso estou com a minha atenção voltada para o acidente, que é obviamente um evento importante dessa situação. Uma dedução completamente normal. Sra. NPC estúpida de suporte, pode concordar com isso?

— Ugh...

Após essa explicação, Kokone só pode ranger seus dentes em derrota.

— De qualquer forma, prevenindo o acidente, nós podemos fazer algum progresso. Se tiver a chance de fazermos um progresso, vale a pena tentar. É isso que você está tentando dizer, certo, Daiyan?

Daiya concorda com o resumo feito por Haruaki.

— Exato. Mas não tem sentido se nós não podemos prevenir o acidente.

— Não —  Maria negao que ele diz. — Pode valer de alguma coisa tentar. Minhas opções eram limitadas quando estava sozinha, mas com esse número de pessoas pode dar certo de alguma forma.

— O número de pessoas realmente importa? Zero continua sendo zero não importa o quanto você o multiplique. É o mesmo com essa impossibilidade, não?

Daiya replica.

— Entendo o que você quer dizer. Mas acho que existe uma chance. Afinal de contas, as condições mudaram. Não sou Mogi, sou «Aya Otonashi». As chances podem não ser mais zero. Então, aumentar as chances de sucesso ao aumentar o número de pessoas envolvidas não pode ser uma ideia errada, não acha?

Daiya cruza os braços e pensa por alguns momentos, e no final ele assente.

— Você pode ter razão.

— Certo! Está decidido, vamos tentar fazer isso! Nós vamos impedir o acidente de alguma forma! Alguma objeção?

Ninguém discorda da proposta do Haruaki. Sim. Isso deve, provavelmente, dar certo.

Na manhã do dia seguinte. Uma hora antes do horário usual do acidente. Nós estávamos segurando guarda chuvas na cena onde o acidente vai acontecer – o cruzamento.

Eu e Haruaki ficamos com o papel de salvar a Maria. É perigoso se o acidente realmente acontecer, mas nos oferecemos para essa função por nós mesmos. Maria fica com a missão de encontrar e entrar no caminhão. Ela disse que sentada no assento do motorista do caminhão, seria o lugar menos provável de ser atropelada por ele.

Estou nervoso. Falhar não é uma opção. Mal pude dormir ontem. Por causa da minha ansiedade e para me afirmar da situação, fiquei com ela no telefone por horas. Olho para o rosto de Haruaki que está ao meu lado. Diferente de mim, ele não parece estar nervoso. Sua expressão é a mesma de sempre. Era o mesmo Haruaki que sempre vi na ‘Rejecting Classroom’.

Não importa se o acidente acontecer ou não.

— Haruaki, enquanto esperamos, queria conversar um pouco. Pode ser?

— Por que você está sendo tão formal? É claro que pode ser!

Ouvindo as gotas de chuva caindo sobre os guarda chuvas, olho para o céu sem pensar em nada em particular.

— É sobre a Mogi-san.

— Kasumi? Err, você quer dizer a verdadeira e não a Otonashi-san?

Concordo.

— Não te falei sobre isso, certo? Sobre ela ter me matado.

—...de onde veio essa história violenta?

Haruaki ergue uma sobrancelha. Não é como se tivesse escondido isso dele. Apenas não pude me lembrar disso até perceber que Mogi-san era a ‘portadora’. Como se tivesse sido desacorrentado, quando me lembrei quem era a ‘portadora’, também recuperei todas as memórias da última repetição.

— Eu, Maria, Kokone e provavelmente até você, fomos mortos pela Mogi-san.

—... nós fomos mortos? Pela Kasumi? Por quê? Com que propósito?

— Para ‘rejeitar’ os outros. Originalmente, tudo seria desfeito dentro da ‘Rejecting Classroom’. Mesmo que você mate alguém, isso vai ser desfeito. Mas pelo que parece, Mogi-san é capaz de ‘rejeitar’ apenas aqueles que ela mesma mata. Acho que é assim que funciona, porque então ela não iria mais querer encontrar essa pessoa de maneira alguma. Haruaki assente com uma expressão séria. Expliquei a ‘rejeição’ para ele antes. Fazendo isso, ela não poderia mais encontrar essa pessoa.

— A Kasumi fez isso, huh... inacreditável. Mas... bom, até a Kasumi pode ficar assim depois de repetir quase 30.000 vezes, eu acho. Faz sentido.

— Você realmente acha isso?

Pergunto para ele.

— Mh? Veja bem, pode ser difícil de se imaginar, mas depois de ficar vendo a mesma situação por tanto tempo, qualquer um começaria a pensar coisas estranhas, não?

— Também acho isso. Mas mesmo que você fique insano, você realmente começaria a matar? Esse tipo de pensamento não aparece normalmente!

— Você acha? Isso não é apenas a sua perspectiva?

Pode ser, mas não posso acreditar. Quero dizer, matar só se tornou um método efetivo de ‘rejeitar’ porque ela se sentia culpada por isso. Não acredito que alguém assim poderia pensar sozinha nesse tipo de crime.

—...você se confessou para a Maria 3.000 vezes e foi atropelado centenas de vezes no lugar dela, certo?

— É o que parece. Embora sendo o eu atual, não faço ideia.

— Mas mesmo assim, suas confissões, falando sobre as vezes que você se sacrificou por ela, atormentaram ela, certo?

— Ah--... embora não tenha sido intencional.

Haruaki diz com um sorriso amargo.

— Para explicar porque isso a atormentava tanto, é porque depois de tantas vezes, qualquer mensagem desenvolve um poder proporcional, não importa quão absurda sejam as palavras. Por exemplo, não importa quanto você pense que você é bonito, se alguém te falar mil vezes que você não é atraente, você perde a sua autoconfiança, independente do outro estar apenas brincando.

— Bom, acho que sim.

— Portanto, Maria não pode evitar estar consciente dos seus sentimentos depois de ter recebido sua confissão por 3.000 vezes. E nós estamos falando da Maria! Tenho certeza que ela sentiu algo quando você se opôs a ela.

«Se você fizer de Kazuki Hoshino um inimigo, você também vai fazer do eu imortal um inimigo!»

Lembro essas palavras novamente.

—...oh? Por acaso acertei a escolha para a rota dela?

Rio de leve e deixo a piada dele de lado.

— E se tiver alguém que sugeriu assassinato para a Mogi-san por mil vezes? Ela não iria ficar sem outra opção a não ser pensar que essa é a única forma, considerando que ela não apenas não tem ninguém para suportá-la, mas também estava a ponto de ficar insana?

Haruaki assente.

—...Eu admito que isso seria intenso. E é possível. Afinal de contas, quem sugere não pode mudar. As ações e valores não mudam. Não seria estranho dizer a mesma coisa de novo e de novo. Ao dizer algo uma vez, então existe a possibilidade de ele dizer a mesma coisa por milhares de vezes.

— É como você diz. Mas isso não seria um problema. Afinal de contas isso seria o mesmo que um acidente, não? Mas pense--

Finalmente, desvio meu olhar do céu nublado.

— E se alguém escolheu essas palavras de propósito para confundí-la?

E então -- olho para o Haruaki.

Haruaki não mostra nenhum sinal de desconforto mesmo quando olho para ele.

— Mh? Mas isso não é impossível?

A expressão de Haruaki é a mesma de sempre.

— Não é. Por exemplo, eu ou Maria seríamos capazes de fazer isso se nós quiséssemos, não é mesmo? Em outras palavras, se houvesse alguém que continuasse fingindo ter perdido suas memórias na frente da Mogi-san, isso seria possível.

Haruaki ouve minhas palavras em silêncio sem interromper.

— Manter as memórias é inegavelmente uma situação superior – é o que pensava. Afinal de contas, você normalmente acha que quanto mais informação melhor, certo? Mas isso não é verdade. Continuar mantendo as memórias também significa ser continuamente atacado por aqueles que não se lembram de nada ou os que fingem não se lembrar de nada. Aqueles que não se lembram de nada estão em uma zona segura. De lá eles podem atacar a nós que estamos na linha de frente.

Também sofri esse tipo de ataque, quando a garota que amo respondeu com «Por favor, espere até amanhã». Embora ela não estivesse na zona segura.

— E se tiver alguém que esteve conscientemente atacando a Mogi-san dessa zona segura? Alguém que soubesse do sofrimento dela, que cuidou para que ela não encontrasse uma maneira de escapar e que preparou a resposta ‘assassinato’ para ela. Se for assim--

— Se for assim, esse alguém esteve controlando a Kasumi e conscientemente contribuiu para os assassinatos.

Haruaki diz casualmente. Ele não nega o que digo.

— O alvo desse ataque não é limitado a Mogi-san.

—...mas?

— Quero dizer, não é apenas a Mogi-san que estava na linha de frente. Eu e Maria também estávamos. Isso depende do foco dessa pessoa, mas ele pode ter tentado manipular a mim e a Maria também. Não... talvez você possa considerar que nós já estamos sendo manipulados.

«---quer tentar me matar?»

Lembro essas palavras que uma vez foram ditas a mim. E realmente, não ouvi essas palavras apenas uma vez. Ele as disse para mim inúmeras vezes. Essas palavras ficaram vagando pela minha cabeça como uma maldição. Isso não é tudo. Vi corpos. Maria recebeu confissões, teve alguém se sacrificando por ela, e foi oposta por essa mesma pessoa.

Consigo puxar toda essa informação da minha memória que nem ao menos se recorda de tudo. Provavelmente tiveram outras pequenas armadilhas que não percebi. Esses ataques foram feitos de um lugar seguro e sem nenhum risco. Mesmo que eles não aconteçam como o esperado, é possível refazer esse ataque ilimitadas vezes.

— Se nós assumirmos que as ações que tomei foram feitas enquanto estava sendo controlado por essa pessoa até certo nível--

Engulo em seco.

Então a situação atual é exatamente como ele planejou.

Haruaki continua em silêncio. Sua face está escondida pelo guarda-chuva, por isso não posso ver a expressão dele. O silêncio continua. O som da chuva parece estranhamente alto para mim. Ouço uma voz baixa. No começo me pergunto o que era aquela voz, mas quando presto atenção, percebo que era uma tentativa de controlar uma risada. Haruaki move seu guarda-chuva e mostra seu rosto para mim. Ele está rindo e me encara com os cantos de sua boca erguidos.

— Err, ouça Hoshii. Que brincadeira é essa, ou melhor, essa grande hipótese? Primeiro, isso é completamente impossível. Não é tão fácil assim controlar os outros, é? Realmente, essa é uma história engraçada. Mas honestamente, não sei se eu posso rir ou não porque você está fazendo essa expressão séria... espere, já ri de qualquer forma porque isso foi muito engraçado.

— Sim, acho que é difícil de entender quando estou sendo tão indireto.

—...indireto? De qualquer forma, não entendo o que esse cara pode estar querendo. Acho que teria um método mais fácil, não importa qual o objetivo dele.

Haruaki continua falando como se estivesse controlando uma risada.

— É. Não sei quais são os motivos dele também. Portanto, pensei em perguntar a você.

—...me perguntar?

Quando disser isso não vou mais poder voltar atrás.

— Haruaki--

Mas não tenho a intenção de voltar atrás há muito tempo.

 

Por que você nos colocou nessa situação?

Ele não responde. Seu rosto novamente está escondido pelo guarda-chuva. Ele não diz nada. Provavelmente não tem a intenção de dizer nada.

— Posso ter me esquecido o motivo, mas pouco depois que entrei nesse colégio nós ficamos amigos, e graças a isso, também fiz amizade com a Kokone e o Daiya. Por isso, minha vida no colegial teria sido um pouco mais entediante se não fosse por você. É tudo graças a você.

Então tenho que falar no lugar dele.

— Não faz nem um ano desde que ficamos amigos, mas--

— Então você está dizendo que não seria estranho para eu fazer algo assim?

Chacoalho a minha cabeça. Embora ele provavelmente não possa ver.

— Tem muitas coisas que não sei sobre você. Mas tem algo que sei com certeza. Pelo menos isso posso dizer sem hesitar.

Declaro.

Usui Haruaki jamais nos colocaria nessa situação.

Finalmente posso ver a expressão dele. Haruaki olha para mim com os olhos arregalados.

— Então--

Finalmente digo.

 

Então -- quem é você?

 

«Você está se entregando! Que suspeito! Por acaso acertei em cheio?! Droga, estou com tanta inveja! Kasumi ficou bonita nesses últimos tempos.»

Haruaki pronuncia essas palavras comuns. Mas noto algo nelas. Tem uma regra na ‘Rejecting Classroom’. As pessoas ao redor não percebem as mudanças na Mogi-san. Eles não perceberam mesmo quando «Aya Otonashi» assumiu o lugar dela. Então como? Como? Como ele pode dizer: Kasumi ficou bonita nesses últimos tempos?

Essa não é a única coisa suspeita. Haruaki foi ‘rejeitado’. Também me esqueci dele, mas fui capaz de me lembrar. ‘Lembrei porque ele é um amigo importante’. Foi o que interpretei. Mas por que posso me lembrar dele quando não pude me lembrar de nenhuma outra pessoa que foi ‘rejeitada’?

É apenas minha hipótese, mas acho que não o esqueci completamente, porque alguém diferente assumiu o lugar do Haruaki. Essas duas coisas não contam como provas. Na verdade, elas estão cheias de falhas. Mas isso não importa mais. Para eu ter me lembrado. Para ter me lembrado de algo que não deveria ser capaz de me lembrar.

— Você tem algum desejo?

— Isto é uma ‘caixa’ que garante qualquer desejo.

Essas foram as palavras de alguém que poderia ser qualquer um, mas ao mesmo tempo não poderia ser ninguém.

— Diga-me quais são as suas intenções!

Então digo o nome dele. Falo o nome do distribuidor da ‘caixa’, que tinha esquecido por todo esse tempo. O nome dele é--

— ‘O’.

O momento que digo o nome dele--

— Fufu-

Haruaki some do rosto de Haruaki.

Não é como se o formato do rosto dele tivesse mudado. Haruaki não está no sorriso em sua face. É um impostor que apenas se cobriu com a pele de Haruaki. Aquele que nos caçou continuamente finalmente se tornou franco.

‘O’.

— Tsc. Ninguém além do atual ‘portador’ da ‘caixa’ deveria ser capaz de dizer esse nome. Isso é estranho.

— Você foi descuidado com as suas palavras.

— Descuidado?

‘O’ começa a rir, parece que ele está realmente se divertindo.

— Não fui descuidado. Afinal de contas, não tenho nada para ser cuidadoso originalmente. Você é que é o estranho por ser capaz de me perceber sob essas condições!

— Você acha?

— Então me diga, quando você vê alguém agindo de uma maneira um pouco incomum, você logo pensa ‘Isso é outra pessoa. Alguém assumiu o lugar dele’?

Tenho que admitir que ele está certo. Não importa o quão suspeito alguém pareça, não faz sentido considerar que seja outra pessoa.

— E mesmo assim, você me encontrou. Isso significa que você sabia da minha existência, que é capaz de criar essa situação. Apesar de que você não devia ser capaz de se lembrar da minha existência.

— Se não deveria ser capaz, por que me lembrei?

— Quem sabe? É realmente um mistério. Talvez a existência de Aya Otonashi tenha te influenciado? Embora minha existência não seja algo que você possa perceber apenas por que alguém te contou.

‘O’ está falando como se estivesse satisfeito. Mas nesse ponto já não me importo mais com isso.

—...Aah, você quer saber minhas intenções? Certo! Não tenho nada a esconder. Eu-- apenas queria te observar de perto.

Ao ouvir isso, começo a sentir. Aah -- de novo. A mesma estranha e desconfortável sensação que tive na primeira vez que o encontrei. O que é isso? O que é esse sentimento mesmo?

—...Não entendo! Como isso explica você ter usado a Mogi-san?

— O motivo pelo qual usei a ‘portadora’? Como disse, é porque queria te observar. Mas bem, vamos explicar isso de uma forma mais fácil.

‘O’ começa a falar empolgado.

— Queria ver como você reagiria a ‘caixa’ de outra pessoa. Quando o desejo de Kasumi Mogi de refazer o passado para corrigi-lo foi garantido, mal pude me conter de tanta alegria por um momento. Afinal de contas, isso fez com que fosse capaz de observar você sendo envolvido com uma ‘caixa’ por um longo tempo. ...mas percebi logo em seguida que estava enganado. Porque, naturalmente, gostaria de te observar em várias situações se possível. Mas não posso fazer isso dentro dessa ‘caixa’ que vocês chamam de ‘Rejecting Classroom’. Todos fazem as mesmas coisas o tempo todo, então naturalmente, você também. Não importa o quanto Kasumi Mogi e Aya Otonashi mantivessem suas memórias, se aquele que importa – você – não mantém as memórias, então não é interessante para mim.

Cruzo meus braços apertando a mim mesmo por causa dessa sensação desconfortável.

— Portanto decidi interferir com você. Me tornei em Usui Haruaki, já que era uma posição de onde poderia influenciar os três. Tomei a liberdade de criar uma situação desejável para mim usando Usui Haruaki, Aya Otonashi e Kasumi Mogi, e adicionando a retenção de suas memórias. Graças a isso pude te observar em uma situação bem interessante!

— Então, pode ser que você tenha manipulado a Mogi-san para ela me matar...?

— Sim, queria ver como você reagiria ao ser morto pela garota que você ama.

...por causa disso, Mogi-san foi atormentada por todo esse tempo.

— É claro que foi por isso também que inclui esse amor em você.

— O quê--

Meu amor pela Mogi-san foi induzido--?

— Oh? Tinha certeza que você tinha percebido. Ah, entendi. Você não queria perceber. Fufu... Exatamente porque posso observar esses momentos, é que vale a pena estar perto de você. Para falar a verdade, posso observar você mesmo que não esteja na ‘caixa’. Mas se fizesse isso acredito que não poderia observar momentos desse tipo. Olhar de fora da ‘caixa’ é entediante, é quase como observar do espaço com um telescópio superpotente. É possível ver, mas ficar focando é cansativo. É mais ou menos essa a sensação. Então, foi realmente bom poder te observar de perto, na forma de um subproduto, da posição de Usui Haruaki!

Finalmente entendo a verdadeira forma desse sentimento desconfortável. Sim. É pavor. Não é como se nunca tivesse sentido pavor antes. Só não pude reconhecê-lo, porque esse pavor era muito maior do que sua forma usual.

— Muito bem então, Kazuki Hoshino-kun. O que você vai fazer?

Não posso dizer nenhuma palavra. Porque percebo esse pavor, não consigo abrir minha boca.

— Achou que tudo se resolveria quando expôs minha existência dentro de Usui Haruaki? Como, por exemplo, você apenas teria que me entregar a polícia se fosse humano e um assassino? Você pode até dizer que isso resolveria a situação. Mas não é tão fácil, certo? Seu objetivo é recuperar o seu cotidiano, não é mesmo? Falar comigo não resolverá nada!

Ele é perigoso. Mais perigoso do que qualquer coisa que já encarei até hoje.

— Esse também é o motivo pelo qual não escondi o fato de ter me tornado Usui Haruaki mais do que o necessário. É claro, roubei a ‘caixa’ do ‘portador’ e tenho a posse dela agora. Poderia mostrá-la para você agora mesmo. Mas não tem porque fazer isso. E também não tenho motivo para lhe entregar a ‘caixa’ apenas por você ter se lembrado de mim. Você não obteve o poder de me forçar a isso.

Ele está interessado em mim. Mas apenas como objeto de teste. Nada mais nada menos. E naturalmente não faço ideia de como lidar com alguém que me trata dessa maneira. Portanto--

— Com certeza não.

--é claro que não sou capaz de falar tão desrespeitosamente.

— Sozinho o Kazuki não tem esse poder.

Contudo, ‘O’ olhou para mim, procurando pela origem da voz.

Ele está correto, a voz veio de trás de mim.

A buzina de um caminhão ressoa. Junto com o alto barulho do motor, um grande caminhão se aproxima em nossa direção. ‘O’ olha na direção do som e franze o rosto levemente. O caminhão que vinha em nossa direção era incrivelmente familiar para mim. E no assento do motorista estava Maria.

— Senti sua falta, ‘O’!

Essa voz veio do meu celular em minha mochila que esteve ligado o tempo todo. O caminhão está se aproximando. Nós ficamos no lugar. O som de uma freada de emergência enche o ambiente. Mas por causa da chuva, não funciona como deveria. O caminhão se aproximou mais e mais. Mesmo assim, ‘O’ não sai do lugar. Também fico no lugar ao vê-lo fazendo o mesmo. Instintivamente fecho meus olhos. O som da parada de emergência desaparece. Abro meus olhos. O caminhão está parado literalmente diante do meu nariz.

— Qual o significado desse blefe?

‘O’ sorri levemente e pergunta olhando na direção do assento do motorista.

— Apenas uma saudação de boas-vindas. Que bom que você não foi atropelado no lugar da Kasumi, não?

Posso ouvir essa voz tanto a frente de mim quanto vindo da minha mochila. Maria saiu do caminhão e remove o fone de ouvido com Bluetooth e assim nossa chamada é interrompida.

‘O’ está olhando para Maria, que está a nossa frente sem guarda-chuva.

— Então você ouviu toda a nossa conversa. Em outras palavras, não estava interessada nessa operação toda desde o início. É uma pena, teria amado ver o Kazuki ficar desmotivado com o resultado dessa estratégia.

— Pensei seriamente em usá-la quando você a propôs. Mas parece que o Kazuki sabia da sua verdadeira forma desde o início e estava me deixando no escuro.

Embora isso não tenha sido de propósito. Apenas não sabia o momento certo para dizer isso a ela. Mas fiz o Haruaki cooperar e escolhi o momento para falar efetivamente com ele.

— Mas no final essa foi a decisão certa. Porque se estivesse do lado dele, você poderia ter continuado a se fingir de desentendido.

— Você se afastou de propósito, roubou o caminhão para mostrar que estava longe? Muito bem, obrigado pelo seu esforço. Mas por que tenho que me fazer de desentendido quando você está aqui? Você pode ser uma ‘caixa’, mas isso não significa que é capaz de fazer qualquer coisa.

— O que, você não sabia? Então meus esforços foram inúteis. Muito bem, então me deixe perguntar. Você sabe sobre a minha ‘Flawed Bliss’, certo?

— Sim, sei sobre ela. E também sei que você não pode fazer nada contra mim usando ela.

Maria riu de ‘O’.

— Fufu, você realmente nunca vai compreender nós humanos. Você entende quando coloco dessa maneira? ‘Eu já fiz as preparações para me livrar de você’.

‘O’ reage com um sorriso fraco ao ouvir as palavras dela.

— Você pode apenas amontoar os outros em sua ‘caixa’, não é mesmo? Então como você vai fazer o que você acabou de dizer?

— Parece que você ainda não sabe o motivo de eu estar interessada no Kazuki.

Ela subitamente chama meu nome. ‘O’ olha para mim. Apesar de que esses olhos deveriam ser gentis, eles eram assustadores. Eles parecem os olhos de alguém que olha para um porco e pensa em como prepará-lo.

—......entendo.

‘O’ sorri.

— Então você entendeu afinal. Kazuki tem um talento para usar ‘caixas’. Ele pode ser capaz de usar perfeitamente até mesmo minha ‘Flawed Bliss’. E ele certamente desejaria isso. Ele desejaria que o dia a dia dele continuasse. Que o cotidiano normal continue pacificamente sem seres como você ou as ‘caixas’ que o destroem.

Maria olha ‘O’ com uma expressão assustadora ao declarar isso. ‘O’ não estava impressionado por essas palavras, nem estava surpreso, nem interessado. Ele apenas deixou seu olhar cair tristemente.

— Entendo. Então você não mudou nada.

‘O’ responde assim. Ele se referiu a ela, que viveu 27.755 loops, assim.

Se você fizer isso, você também vai desaparecer, já que é uma ‘caixa’ personificada.

Maria nem hesita diante dessas palavras.

Eu sei disso.

— Imaginei.

Contudo, ‘O’ ainda parece triste. Ele não parece nem ao menos se preocupar com a possibilidade de ele mesmo ser apagado.

— Você ainda não pode viver pelo seu próprio bem, huh? Você pode apenas se mover pelo bem dos outros. Tenho pena de você do fundo do meu coração por sua miserável maneira de viver!

— Sua pena não pode nem mesmo ser usada como isca para peixe.

— No começo estava interessado nessa característica incomum, mas ela não vale nada. Um humano que não tem desejos é o mesmo que uma máquina. Tão interessante quanto observar um aspirador de pó. Para mim, você é a existência mais entediante que existe!

Maria range os dentes, contrariada ao ouvi-lo dizer isso. É justo. O inimigo sente pena dela ao invés de percebê-la como uma oponente.

— Tudo bem! Não quero desaparecer. Vamos fazer um acordo. Entrego a ‘caixa’. Em troca quero que você me deixe em paz. O que você acha?

—...hmpf, bem egoísta para quem está para ser eliminado.

— Você deveria estar agradecida que respondi a sua ameaça duvidosa. Não existe garantia de que Kazuki Hoshino realmente usaria sua ‘caixa’. E não quero nem pensar em quão pequenas são as chances de eu desaparecer se ele usar a caixa. Estou fazendo uma conciliação desnecessária aqui para expressar meu respeito por Kazuki-kun ter me descoberto, entende?

— Conciliação? O que você vai nos entregar é uma gaiola velha que você usou para prender o Kazuki. Você pode preparar gaiolas novas o quanto quiser, não é mesmo? Você perdeu interesse nessa e ia trocar ela por uma nova de qualquer forma, não ia?

— Deixo isso para a sua imaginação.

— Hmpf... Kazuki, você concorda com isso?

Maria pede a minha opinião. Eu assinto. Se nós pudermos fazer algo sobre a ‘Rejecting Classroom’, estou bem com isso.

— Kazuki Hoshino-kun. Posso te dar um conselho?

‘O’ me pergunta.

— Você é alguém que não deseja mudança. Mas a maioria dos ‘portadores’ desejam alguma mudança quando eles obtêm a ‘caixa’. Eles querem algo. Eles querem se tornar algo. Eles querem se livrar de algo. Eles tentam realizar desejos desses tipos. Consequentemente, você está se opondo a eles.

Franzo minha testa porque não entendo o significado por trás dessas palavras.

— Kazuki Hoshino-kun. Você se considera como anormal?

Ele me pergunta.

—...Sou alguém comum.

Ouvindo minha resposta, ele sorri.

— Entendo. Mas sinto dizer que você é anormal! Mas você sabe, se você não gosta disso, fique tranquilo. O tempo que você tem para ser anormal não é longo. Pessoas como você, no final, acabam ou sendo isoladas ou perdem sua anomalia, se adaptando a sociedade. Fique calmo! Você sem dúvida está no segundo grupo. Ele diz sem deixar de sorrir.

— Portanto, você realmente tem muito azar.

Diz, com uma expressão satisfeita.

— O que quero dizer é, você descobriu que essa irregularidade existe. Toda vez que você passar por momentos difíceis você vai pensar «Se apenas tivesse aquela ‘caixa’...». Não importa quanto você chacoalhe sua cabeça para esquecer sobre isso, infelizmente a ‘caixa’ existe. A ‘caixa’ que garante qualquer desejo. Você nunca vai ser capaz de esquecer a existência dela. E então, enquanto você viver sabendo sobre a existência da ‘caixa’, você definitivamente vai um dia precisar da ‘caixa’!

Ele continua sorrindo. Aah, entendo... Devolvi a ‘caixa’. Mas foi inútil. Já estava manchado com a maldição do ‘O’.

— No momento em que você precisar da ‘caixa’, você pode ter perdido sua anomalia. Assim, você não será mais capaz de usar a ‘caixa’ perfeitamente. Isso vai aumentar o meu interesse um pouco. Portanto vou continuar interferindo um pouco com você e o ambiente aonde você vive de agora em diante, assim você terá um interesse na ‘caixa’.

O que deveria ter feito para prevenir que fosse amaldiçoado?

--Provavelmente, não podia ter feito nada contra isso.

Não, nós já perdemos no momento em que nos encontramos com o ‘O’.

— É claro, mesmo que você perca sua anomalia, ainda vou te dar uma ‘caixa’ quando precisar. Isso é o bastante para mim. Enquanto você me deixar ouvir o seu som.

—...som?

— Sim, gosto de qualquer tipo de tom que vocês humanos produzam, mas tem um som que gosto mais. Se possível gostaria que você me deixasse ouvir esse som. ...Mh? Que som é esse você pergunta? Meu interesse é completamente comum, então acho que você já sabe. É--

 

--o som de corações rangendo.

 

Deixando essas palavras, ‘O’ que possuía a aparência de Usui Haruaki desaparece. Uma pequena caixa cai sobre o lugar em que ‘O’ estava. Quando vou pegá-la, ela começa a se expandir automaticamente.

Logo em seguida, todo o cenário começa a se dobrar. Posso ver as paredes desse mundo. O papel de parede branco começa a virar pó. A sensação doce que estava em minha pele desaparece, e um puro e entorpecente desconforto ataca meu corpo. Meus canais semicirculares ficaram loucos e começaram a virar ao contrário. O som da destruição. O som da destruição. O som da destruição. Nós estamos no interior do desespero. No interior do desespero inegavelmente.

O fundo falso foi apagado e nós estávamos dentro de uma câmara escura. Uma pequena, pequena câmara na qual começaria a me sentir mal se ficasse apenas metade de um dia preso nela. Isso provavelmente é dentro da ‘caixa’.

Dentro dessa câmara que parece uma cela, ela estava sentada, abraçando suas próprias pernas e com sua testa encostada nos joelhos. A garota que amei.

—......Mogi... san.

Ao ouvir minha voz, ela ergue o rosto lentamente.

— Ah--

Uma luz se acende em seus olhos que antes pareciam quase sem vida.

— Não posso acreditar! Não tem como isso funcionar tão convenientemente!

Lágrimas rolaram pelo seu rosto. Algo parecia estranho para mim, mas logo percebi o que era.

— Você realmente veio me salvar.

Entendo. Então ela pode derramar lágrimas novamente.

— Mogi-san, me desculpe. Mas planejo destruir a ‘Rejecting Classroom’.

—...sim.

Ela assente ainda derramando lágrimas.

— Vou deixar você morrer no acidente.

—......sim.

Ela limpa as lágrimas de seu rosto.

— Você pode destruir a ‘caixa’. Você pode até mesmo acabar com a minha vida. Mas por favor, espere só um momento. Tem algo que preciso te dizer.

Dizendo isso, ela começa a procurar por algo em sua mochila. Ela tira algo de dentro dela e esconde atrás de seu corpo. Maria franze a testa por causa do comportamento da Mogi-san.

— Mogi... não me diga, que você ainda...

Ela ignora Maria e se aproxima de mim com as mãos escondidas atrás de suas costas.

—...espere, Mogi! Nesse ponto você ainda quer--

— Não é isso, Maria.

Repreendo a Maria. Não posso ver o que a Mogi-san está escondendo. Mas já sei o que é.

Maria reage com uma expressão duvidosa às minhas palavras e dá a volta para ver o que a Mogi-san está segurando. Após ver o que é, impressionada, ela sorri ironicamente.

— Kazu-kun, você acredita que existem sentimentos que não mudam?

Mogi-san me pergunta isso. Tenho uma resposta na ponta da língua. Mas não era uma resposta satisfatória para ela. Por isso tenho problemas para dizer. Acho que minha resposta seria diferente se não tivesse vivido na ‘Rejecting Classroom’. Mas a experimentei. Experimentei esse mundo próximo a uma eternidade. Portanto não posso pensar de outra maneira. Sentimentos que nunca mudam--

— Não existe algo assim, eu acho.

Mogi-san ouve minha resposta pacientemente.

E então ela sorri.

— É, também acho.

Olhei nos olhos dela. Ela continua sorrindo como se tivesse previsto essa reação.

— Meus sentimentos por você não se mantiveram iguais. Você deixou de ser querido para mim. Passei a não gostar de você, te odiei, te considerei como um incômodo. Estava até mesmo prestes a te matar. Mas você sabe? Isso significa que era dependente de você o tempo todo. Porque estava sempre esperando que você fosse me salvar desse lugar. Sempre, sempre... não pude ignorar você. Sei que é o pior e mais egoísta sentimento possível. Mas você sabe? Não conseguia mudar, mesmo sabendo que estava sendo egoísta. Sei o nome desse sentimento. Mesmo que você não acredite em sentimentos que não mudam, por favor, acredite apenas nisso. Durante toda a ‘Rejecting Classroom’--

Ela me abraça reservadamente. Coloca o objeto que ela estava escondendo em minha mão. Seus lábios tremeram ao lado do meu ouvido.

— Estive apaixonada por você, Kazu-kun.

Os lábios dela se aproximam do meu. Quando eles estavam para se tocar, ela para. Após um tempo, ela afasta seus lábios sem ter tocado os meus. No começo quis perguntar porque ela parou, mas reconsiderei. Porque vi o que ela tinha colocado em minha mão.

— Ah--

Era a razão pela qual ela não pode fazer nada. Entendo e mordo meu lábio. É algo diferente do que tinha esperado. É um Umaibō. Isso ainda é o que esperava. Mas não é de milho, o meu sabor preferido. É sabor de Teriyaki Burger. O sabor que não gosto muito. Ou seja -- é o que a Mogi-san me daria originalmente.

Por que ela me abraçou tão reservadamente? Por que ela não me beijou? Essa não era a confissão de Kasumi Mogi que já havia feito para mim várias vezes, a que me beijou e passou pela ‘Rejecting Classroom’. Essa era a primeira confissão de Kasumi Mogi antes da ‘Rejecting Classroom’, a que apenas podia me chamar de ‘Hoshino-kun’.

‘Eu quero refazer o dia 02 de Março’. O maior arrependimento do dia 02 de Março que ela queria refazer. Ela acaba de repetir esse arrependimento. Então -- devo respondê-la como respondi no verdadeiro 02 de Março...?

Olho para Mogi-san. Ela está sorrindo gentilmente. Esperando minha resposta com um sorriso gentil, apesar de saber o que vou dizer.

— Eu--

Não posso. Não quero dizer isso. Quer dizer, amei a Mogi-san. Mesmo que esses sentimentos tenham sido implantados pelo ‘O’, isso não torna os meus sentimentos falsos. Por que não tenho outra escolha a não ser dizer as palavras que vão machucá-la?

Aah, isso é óbvio. ‘Rejeitei’ essa ‘caixa’. Neguei o desejo da Mogi-san. Vou deixá-la morrer em um acidente. Não tenho o direito de dizer palavras gentis a ela. Abro minha boca. Ainda sim, é difícil dizer. Abro e fecho minha boca várias vezes, hesito várias vezes, mas então senti um liquido salgado percorrendo minha boca, o que me deixa assustado no começo. Mas não consigo pensar em outras palavras para dizer a ela.

 

— Por favor, espere até amanhã.

 

Mogi-san olha para baixo com uma expressão triste. Não tem como minhas palavras não terem machucado ela. E mesmo assim, ela muda sua expressão instantaneamente. E me diz:

— Obrigado.

Com um sorriso. Com um sorriso vindo do fundo de seu coração.

 

Aah-- Por causa desse sorriso, finalmente me lembro. Uma conversa que aconteceu a algum tempo atrás. A conversa que fez me apaixonar por ela. A conversa que foi o início desse amor, que logo irá desaparecer. Uma lembrança importante.

 

«Hoshino-kun. Você pode me chamar de Kasumi, por favor...?»

«Eh? M-Mas assim tão subitamente?»

«Pode parecer súbito para você, mas estive esperando que você me chamasse assim a um bom tempo, sabia?»

«É... verdade?»

«Então... tudo bem para você, certo?»

«C-Certo...»

«E-Então, err, bem -- posso te chamar de Kazu-kun?»

«Err... sim, não me importo.»

«C-Certo, então tente me chamar pelo nome.»

«......Kasumi.»

«...por favor, mais uma vez.»

«Kasumi.»

«...obrigado.»

«O qu...! P-Por que você está chorando...?!»

«Mh? Estou chorando?»

«Sim...»

«Então... é porque estou muito feliz, Kazu-kun.»

E então Kasumi ri, ainda com lágrimas em seus olhos. Nunca a vi rir desse jeito antes. É um sorriso cheio de felicidade verdadeira. Foi a primeira vez que fiz alguém ficar tão feliz. Essa sensação era totalmente nova para mim, e isso me deixa muito feliz. A felicidade é trazer felicidade para alguém.

Estou tão feliz por ter descoberto esse lado meu que não conhecia, e ela, que me mostrou esse sentimento, se tornou uma existência especial para mim. Talvez seja simples demais. Mas aquele sorriso conseguiu me mudar, sem dúvida alguma.

 

E mesmo assim vou destruir essa memória.

Vou destruir esse sentimento que acabei de descobrir.

 

Isso é demais para mim. Não acho que precisava ter esse tipo de coisa preparada para mim no último minuto. É cruel demais me fazer destruir isso com minhas próprias mãos. Mas mesmo assim, já fiz minha escolha. Já fiz essa escolha a muito tempo. Afinal de contas, até mesmo esses pensamentos enlouquecedores vão ser apagados pela ‘Rejecting Classroom’ logo em seguida, não vão?

— Maria, você pode me fazer um favor?

Por isso só quero que ela me dê um empurrão enquanto estou hesitando.

— Diga.

— Você deve saber o que vou fazer agora.

— Sim, porque te observei por mais tempo que qualquer outra pessoa no mundo.

— O que vou fazer agora? Só quero que você me diga isso.

Maria assente com uma expressão séria. Ela sem dúvida sabe por que estou pedindo isso.

— Você vai pisar em cima disso!

Mas ela não usa palavras gentis.

— Você vai pisar em cima desse ‘desejo’ bobo feito por outra pessoa pelo bem do seu próprio ‘desejo’! Você não vai desistir desse ‘desejo’ por nada, Kazuki.

Sim. Acredito que está certo.

— Portanto Kazuki, você vai--destruir a ‘caixa’.

Concordo com as palavras dela. Limpo minhas lágrimas usando meu braço esquerdo.

— É como você diz.

Paro de frente para a parede. A parede cinza que nos cercava era fina como se fosse feita de papel. Essa ‘caixa’ não tem mais poder. Ela está apenas protegendo minhas lembranças e garantindo que elas se mantenham por mais algum tempo.

Quero me virar e ver a expressão da Kasumi. Mas sinto que não devo fazer isso. Ergo meu punho direito. Para destruir a ‘caixa’, o desejo da ‘Kasumi’ e as minhas lembranças, ergo meu punho.

— Obrigado. Então no final, foi realmente você quem me salvou, Kazu-kun.

Por favor, pare com isso! Você não tem nenhum motivo para me agradecer. Estou apenas pisando em cima disso tudo. Apenas estou pisando em cima do seu desejo estragado, Kasumi. Me desculpe. Por favor, me desculpe por não poder salvar você. E então ignoro a voz dela. Mas mesmo assim, obrigado. Porque ela sorri no final, e finalmente posso acreditar em mim mesmo.

— UAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!

Grito usando todo o ar do meu pulmão e acerto a parede com o máximo de força que posso. Ela se quebra fácil como se fosse de vidro, e com um som alto. Dentro de um dos pedaços quebrados, posso ver a mim mesmo e a Kasumi. Nós estávamos sorrindo um para o outro. Esse pedaço cai, se quebra e vira pó.

Uma luz branca começa a brilhar do lado de fora. Quanto mais a parede se quebra, mais a escuridão dessa câmara fica corrompida pela luz. Essa luz sobrepôs tudo, exceto nós.

Está brilhante demais, não posso ver nada. Mas, cruelmente, a Kasumi está ali. A verdadeira Kasumi está claramente ali. A Kasumi está caída na rua. Manchada de sangue. É tão doloroso que quero desviar meu olhar. Mas a Kasumi está sorrindo. Ela está sorrindo com todas as suas forças para mim. Sua boca se abre.

— Adeus.

 

E então nós fomos cobertos por um branco puro e desaparecemos. A luz branca entra no meu corpo. A luz procura violentamente por aberturas e me invade. Meu interior, meu sangue, meu coração, meu cérebro, tudo é pintado em branco. Minhas falsas, mas valiosas memórias. Aquele sentimento novo que tinha descoberto. As palavras que acabamos de trocar.

Tudo se torna branco.

Tudo se torna branco.

Tudo se torna branco--

 

1ª vez

— Meu nome é Aya Otonashi. Prazer em conhecê-los.

Diz a estudante transferida com um sorriso fraco. Vendo a aparência deslumbrante dela, as garotas começam a fofocar entre si enquanto os garotos estavam impressionados demais para dizer qualquer coisa.

É claro que não sou exceção. Nunca vi alguém tão bonita antes. Mesmo querendo desviar meus olhos, eles estão fixados nela. Nossos olhares se encontram. Fico facilmente fascinado pelos olhos dela. De alguma maneira ela pareceu estar acostumada com olhares como o meu e sorri para mim.

Quase fico atordoado. Me apaixonar por ela é provavelmente impossível. Nossos níveis são muito diferentes. Tenho a sensação de que nós não vivemos no mesmo planeta. Isso pode soar um pouco cruel, mas acho que qualquer um concordaria ao vê-la.

— Primeiro, gostaria de fazer uma rejeição.

Diz Aya Otonashi com seu sorriso perfeito.

— Por favor --não façam amizade comigo.

Apenas com isso ela consegue silenciar a classe toda que está em alvoroço. Quase como mágica.

— Por favor, não se sintam ofendidos. Se pudesse, adoraria fazer amizade com todos. Contudo, isso é impossível. O motivo disso é que -- a existência de Aya Otonashi tem que ser uma ilusão.

Ainda não compreendo, mas por alguma razão engulo em seco.

— Em primeiro lugar, nós não combinamos. Nós somos fantasmas do ponto de vista um do outro. Afinal de contas, sou a ‘estudante transferida’. Não conheço ninguém, ninguém me conhece e vou voltar a essa situação constantemente. Vou ter que aguentar essa condição de não ter relações por um longo tempo. Acho que vocês podem dizer que minha existência é a mesma de um fantasma. Mas mesmo sendo um fantasma, ainda tenho uma identidade. E também sinto que isso é triste. Mas não tenho outra escolha se não aceitar isso. Quando deixar de aceitar que eu sou uma ilusão, quando não puder mais aguentar isso, vou me perder nessas falsas repetições.

Ainda não entendo. A única coisa que Entendo é que ela está falando sério e não permite que ninguém tire sarro dela.

— Para me tornar uma ilusão, abandonei meu nome verdadeiro dentro dessa ‘caixa’. Se usar meu verdadeiro nome, vou restringir a mim mesma. Desisto do meu nome porque sinto que essa barreira irá surgir. E quando me perder nessas repetições, provavelmente todos vocês vão sumir.

Ela continua dizendo com uma voz forte.

— Portanto, tenho que continuar sendo um fantasma, sendo Aya Otonashi.

Entendo. Bem, não entendo realmente, mas pelo que parece, ela ainda não é «Aya Otonashi». Ela vai se tornar «Aya Otonashi». Acho que ela não quer realmente isso. Não é o que ela desejou. Mas ela não tem outra escolha a não ser se tornar «Aya Otonashi».

— Mas não sou forte.

Ela diz amargamente.

— Acredito que vão ter momentos em que vou querer reclamar. Mas a partir de agora, se reclamar deixarei de ser «Aya Otonashi». Portanto, para garantir que não vou reclamar no futuro, vou fazer isso agora. Eu--

É coincidência. Sim, acho que é só coincidência. Mas sem dúvida alguma ela está olhando para mim quando diz o seguinte.

— Quero alguém para ficar ao meu lado.

E então eu sorrio.

— Então, por favor, deixem me apresentar mais uma vez.

Ela diz como se estivesse se apresentando pela primeira vez.

Sou «Aya Otonashi». Espero que possamos nos dar bem durante o longo tempo que virá.

Aya Otonashi se curva profundamente. Todos nós ainda estamos em silêncio, sem saber como reagir. Portanto, aplaudo. O som das minhas mãos batendo uma contra a outra é o único barulho dentro da sala. Finalmente alguém se junta aos aplausos. Depois dele, outra pessoa também começa a aplaudir. E o som dos aplausos se torna mais alto.

Quando todos os alunos finalmente aplaudem, ela ergue seu rosto novamente. Ela não está mais sorrindo. Está com os punhos cerrados firmemente e olha para frente de uma maneira imponente.

 

 


Nota:

1 – Felicidade Falha



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