86: Eighty Six Japonesa

Tradução: LordAzure


Volume 9

Capítulo 5: E o flautista avançou, E os ratos e as crianças seguiram.

- Azure: Bom pessoal estamos aqui mais um dia com 86 e também em mais uma nova fase da minha vida para quem não sabe fundei minha própria Scan a Katzenfallen onde somos responsáveis pela tradução de alguns capítulos e das artes traduzidas que vocês veem apartir do volume 7. Mais e isso pessoal entrem no nosso Discord para dar uma ajudinha! :D

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"Não... Não pode ser...!"

Ninguém poderia culpar Michihi quando sua unidade, Hualien, deu um passo atônito para trás. Naquele momento, todos os Juggernauts imediatamente cessaram o combate. Os Reginleifs possuíam uma funcionalidade de link de dados. Contanto que permanecessem a uma curta distância uns dos outros, podiam compartilhar dados mesmo sob interferência eletromagnética. Assim, os membros de seu batalhão, agrupados ao seu lado, e o próprio batalhão de Rito, que estava lutando nas proximidades, todos receberam aquelas imagens.

As imagens de um cadáver de uma jovem dentro do Lyano-Shu que Hualien acabara de destruir. Eles estavam sob a impressão de que eram drones de extensão conectados ao Feldreß primário da Teocracia. Eram tão pequenos que ninguém acreditaria que poderiam realmente conter seres humanos vivos. Mas aquela garota era provavelmente uma piloto. Dada a terrível condição de seu corpo, mal conseguiam reconhecer que ela era uma pessoa. Sobre sua cabeça, parcialmente separada, havia duas tranças loiras.

É claro que essa visão horrível não era algo com o qual eles não estavam familiarizados. Os Juggernauts que eles usavam para lutar contra a Legião eram essencialmente caixões ambulantes, portanto, todos os Eighty-Six já tinham visto os corpos de seus companheiros serem destruídos por projéteis de tanques, carbonizados por mísseis antitanques ou dizimados por tiros de metralhadoras pesadas.

Depois de testemunharem essa tragédia com tanta frequência, essa era uma visão que eles gostariam de nunca mais ver.

Portanto, o que os fez congelar não foi o estado horrível do cadáver. Foi o fato de que o corpo dessa criança os lembrava tanto de si mesmos. Embora tenham sido eles que pintaram esse quadro, os Eighty-Six congelaram.

Por pouco o link de dados não conseguiu superar a interferência e transmitir a filmagem para Vanadis também.

"…Meu Deus."

Lena ficou sem palavras. Isso era demais. Foi exatamente porque essa era a maneira como a República tratava os Eighty-Six que ela achou tão difícil de acreditar.

Uma arma que se dizia ser um drone autônomo era, na verdade, pilotada por pessoas. Por crianças.

Poderia haver algo mais absurdo?

Os únicos que desenvolveram com sucesso uma máquina de combate totalmente autônoma foram, até onde Lena sabia, o antigo Império Giadiano. Até mesmo o Reino Unido - onde o Modelo Mariana, a base da inteligência artificial da Legião, foi inventado - usava Barushka Matushkas.

A Teocracia era tecnologicamente inferior em comparação com esses dois países, e, portanto, não poderiam ter desenvolvido um drone funcional nos últimos onze anos.

Mas ainda assim, o Lyano-Shu tinha meros cento e vinte centímetros de comprimento. Era até menor do que Frederica. E assim, Lena estava convencida de que ninguém poderia estar dentro dele.

Mas se o piloto fosse uma criança mais jovem do que Frederica, que estava na pré-adolescência, ou mesmo Svenja, que se aproximava dos dez anos...

"…!"

O pequeno tamanho do Lyano-Shu devia-se ao fato de ser um Feldreß improvisado, montado às pressas.

"Eles os fizeram pequenos porque planejavam colocar crianças neles desde o início...! Minimiza a área de superfície da unidade e economiza matéria-prima! Isso é... terrível! Eles estão usando pessoas, crianças, como peças de drone...!"

Hilnå deu de ombros indiferente à acusação de Lena.

"Nunca dissemos que o Lyano-Shu eram drones não tripulados. E um soldado da República, você, que forçou os Eighty-Six a serem peças de drone, não tem o direito de nos criticar."

"E daí?! Isso não significa que você pode simplesmente — Você está colocando crianças em Feldreß, pelo amor de Deus...!"

"Não temos escolha... A Teocracia mal tem soldados adultos restantes."

Todos que a seguiram. Os oficiais de estado-maior do corpo. Os comandantes das divisões, regimentos e batalhões. E os pilotos das poucas unidades que restavam de seus Feldreß legítimos, do tipo 5 Fah-Maras. Todos exceto eles...

"Os soldados de nosso país — nossas lanças de Deus, Teshat, como os chamamos — foram quase extintos por esses onze anos de guerra."

Frederica franziu a testa enquanto estava dentro da apertada câmara de controle de pernas do Trauerschwan.

"Eu não contei porque você não perguntou, Vladilena. Nem contei aos Eighty-Six, nem a Bernholdt e aos Vargus. Eu achei que seria uma revelação muito desagradável para todos vocês."

Zashya balançou a cabeça amargamente, com os olhos roxos de Tyrian nublados de ódio. Ela estava sentada dentro da cabine de comando de seu Alkonost, com uma fina armadura, escondida na torre de uma estrutura religiosa nas ruínas da cidade.

"Sim... O Príncipe Viktor me ordenou expressamente que não mencionasse isso enquanto não houvesse necessidade... Na verdade, é porque este país é tão radicalmente diferente que Sua Alteza não pôde vir aqui."

"Noirya proíbe o derramamento de sangue", disse Frederica. "Levantar a mão para seu semelhante e derramar seu sangue é visto como um pecado que nunca pode ser lavado. Isso se aplica não apenas a Shekha, os adeptos da fé de Noirya, mas também a Aurata e ao povo da Teocracia. Não se deve derramar o sangue de pagãos, de pessoas de diferentes grupos étnicos e de outras nações. Qualquer um e todos estão sob a proteção sagrada de Noirya. Mesmo que alguém - quem quer que seja - levante a espada contra a Sagrada Teocracia, um Shekha jamais poderá revidar em retaliação.

"Mas todos os países precisam de um exército para manter a segurança de seus cidadãos. No início, eles contratavam soldados das nações ocidentais, mas mesmo assim, eram pessoas de outro país. Eles priorizavam suas terras natais sobre a Teocracia e não eram vistos como confiáveis."

"Então, a Teocracia percebeu que era necessário organizar um exército a partir de seu povo. E ainda assim, o Noirya é a religião nacional. Todo o seu povo obedecia aos seus preceitos, e assim nenhum cidadão da Teocracia estava autorizado a derramar o sangue de outro ser humano. E para resolver essa contradição, decidiram que os soldados que defendem a Teocracia não devem ser contados como seus cidadãos. Eles são considerados armas vivas, enviadas pela deusa da terra da fé para defender os Shekha."

Por isso, as lanças de Deus: os Teshat. Eles não eram vistos como humanos, mas como armamentos divinos. Portanto, embora tivessem nascido na Teocracia, os preceitos não se aplicavam a eles. Eles não eram Shekha e, portanto, podiam se opor violentamente a qualquer invasor sem manchar a fé da Teocracia.

"A Teocracia considera-se uma terra santa. Uma terra que não pode manchar a mão de Deus com sangue. É por isso que tanto o Reino Unido quanto o antigo Império chamaram a Teocracia de um país louco."

"O Império Giadiano, o Reino Unido de Roa Gracia e os outros países eram todos militaristas, tendo a destreza marcial como um símbolo de orgulho. Eles provavelmente consideravam inaceitáveis os ensinamentos da Teocracia, que via o pecado na posse de um exército. A República de San Magnolia se orgulhava da democracia, em que a defesa nacional era dever do povo e considerada um símbolo de patriotismo. Eles provavelmente também teriam considerado as práticas da Teocracia antinaturais. Nosso país não compartilha o mesmo ponto de vista sobre a guerra, o que nos faz parecer anômalos."

O país louco, Noiryanaruse. Hilnå só tinha ouvido os rumores de como seu país era visto. Desde que se lembrava, o extremo oeste estava isolado das outras nações pelas fileiras da Legião e pela ruptura do Eintagsfliege. E, por causa disso, foram os valores desses outros países, e não os da Teocracia, que pareceram estranhos a Hilnå.

"Mas para os habitantes desta terra... essas leis não parecem nem um pouco estranhas. Na Teocracia, a família em que você nasce decide sua futura profissão, suas perspectivas de casamento e o resto de sua vida. O destino de uma pessoa é decidido no nascimento. E é por isso que as crianças nascidas nas oficinas Teshat veem como seu destino natural na vida servir como lanças da deusa."

O regime da teocracia vinculava as linhagens sanguíneas que tinham determinados atributos físicos às profissões mais adequadas para elas. E assim, para manter a força de seu exército, aqueles com os traços e qualidades que os tornavam mais adequados para serem soldados eram fornecidos periodicamente para "oficinas", onde muitas mulheres Teshat serviam como "armeiros". Mas, fora isso, não havia diferença entre as casas dos shekha e as oficinas dos teshat. Um arranjo bastante distinto.

"Não agimos como a República quando classificou os Eighty-Six como gado em forma humana. Os Teshat podem não ser vistos como humanos, mas são considerados mensageiros divinos. Eles são tratados com respeito e reverência em suas vidas diárias. Aqueles que se tornam oficiais devem lidar com a diplomacia e recebem a educação superior necessária para isso. Os Shekha não têm poder militar próprio, portanto, se nós, os Teshat, estivéssemos insatisfeitos com a forma como éramos tratados, teríamos nos rebelado e derrubado a Teocracia há muito tempo... Mas nem nós nem nossos ancestrais ficamos insatisfeitos. Não por séculos..."

A Teocracia não permitia que uma pessoa exercesse livremente sua profissão. O próprio conceito de profissão não existia nesse país. Portanto, não havia diferença prática entre os cidadãos e a classe guerreira dos Teshat. Para outros países, isso parecia muito incomum, mas os Shekha e os Teshat não consideravam ruim a maneira como eram tratados.

Tudo considerado, esse era o resultado de sua educação. E a educação poderia ser vista como uma forma de lavagem cerebral. E assim, não estavam descontentes.

Após dez anos de luta, a maioria dos Shekha adultos havia perecido na Guerra da Legion, e até mesmo os idosos, que eram vistos como reservas, foram dizimados. Isso levou a Teocracia a um estado em que não tinha escolha a não ser enviar Shekha que normalmente ainda estariam em treinamento de combate para as linhas de frente. E mesmo agora, os Shekha não lamentavam seu destino.

"...até que essa doutrina foi derrubada."

Do ponto de vista dos Shekha do 3º Corpo de Exército, as palavras de Hilnå e o fogo que ardia dentro delas soavam como uma denúncia. Especialmente para os oficiais de controle, os oficiais de estado-maior e os pilotos de Fah-Maras, que eram mais velhos do que ela.

A maioria dos pilotos da Theocracy eram crianças pilotando Lyano-Shu, com menos de dez anos. Mas aqueles que estavam no comando deles eram todos jovens, no máximo na adolescência ou por volta dos vinte anos. Muito poucas pessoas em todo o corpo tinham mais idade que isso, e todos os outros já haviam morrido. Onze anos de luta contra a Legion os tinham desgastado até quase o ponto de quebrar.

E foi-lhes dito que era o destino deles fazer isso. Proteger os escolhidos puros e imaculados e obedecer à santa que era sua general. E assim eles viveram suas vidas. Tendo sido dito que isso era o destino deles, obedeceram obedientemente e reverentemente.

Ao lado da jovem santa que os liderava, pois era o destino dela fazê-lo.

E no entanto, essa doutrina...

"Com a ofensiva em larga escala do ano passado, os únicos sobreviventes foram os bebês. E isso deixou claro que os dias da Teocracia estão contados. Os santos se reuniram para discutir uma solução e escolheram abandonar a doutrina. Decidiram convocar os Shekha, que, até agora, nunca tinham lutado por causa de sua fé."

... foi derrubada por ninguém menos que a própria Teocracia.

Hilnå falava, seus olhos dourados como estrelas ardiam com fúria celestial, e seu olhar como chamas incandescentes. Ela passou seu braço direito pelo ar quase reflexivamente, fazendo com que o sino de vidro de seu bastão de comando tocasse e a seda de sua manga farfalhasse.

"Insistindo que este era o destino dos Teshat, eles nos levaram à beira da extinção. Mas quando chegou a hora de outros irem para o cadafalso, afirmaram que não era o destino que os trouxe lá. Depois de dizer que era nosso papel dado pela deusa viver no campo de batalha e usar isso como desculpa para nos roubar tudo, tiveram a audácia de tirar até mesmo esse destino! Desprezá-lo!"

Esse destino tirou tudo de Hilnå. A escritura do destino foi o que impulsionou gerações de Shekha ao longo dos séculos a se mancharem de sangue e caírem sobre as espadas de seus inimigos no lugar de seus compatriotas.

Tudo o que lhes restava era o destino da vida no campo de batalha. E o destino era uma palavra pesada. Carregava peso suficiente para fazer com que o fato de que essencialmente tudo mais lhes foi roubado parecesse trivial em comparação.

Mas a Teocracia derrubou esse destino. Eles o desprezaram, chamaram-no de inútil e trataram-no como algo que poderia ser tirado ao capricho. Eles valorizavam tanto suas próprias vidas que, mesmo depois de negar a Hilnå e aos Shekha qualquer outra coisa, mais uma vez tiraram tudo deles.

"E isso é imperdoável. Não aceitaremos. Não nós, que tivemos tudo roubado em nome da guerra. Nosso destino, lutar até o fim, é a única coisa que nos resta. Se eles conseguirem arrancar até isso de nós... então teremos realmente perdido tudo."

E assim, se a alternativa fosse perder tudo o que tinham...

"Que a Teocracia caia. Que tudo seja perdido. Se eles valorizam tanto suas vidas, que pereçam. Que a guerra continue para sempre."

Que qualquer esperança de sobrevivência desapareça.

Que a mão estendida da salvação seja cortada.

Que tudo e todos se percam para sempre.

"Desta vez, seremos nós a fazer a tomada."

Para proteger a única coisa que lhes restava — seu dever como soldados — mesmo quando escorregava de seu alcance coletivo. Essa era a maneira deles de retribuir ao país que os criara para viver e respirar guerra e depois os descartara.

Um grande feito de suicídio em massa.

O espelho se quebrou.

Um arrepio percorreu Kurena.

"Isso não é..."

O orgulho de continuar lutando. O orgulho ao qual os Eighty-Six se agarravam mesmo quando eram privados de tudo mais. O sentimento era quase idêntico.

Eles haviam perdido tudo no campo de batalha, e o orgulho que os mantinha vivos naquele inferno era tudo o que tinham para lhes dar forma, propósito e identidade. No final, nem mesmo lhes era permitido desejar por mais nada.

Era idêntico até mesmo ao desejo escuro, leve e não expresso de ver a guerra nunca terminar.

Mas por mais idêntico que fosse, ainda era diferente.

"Deixar tudo e todos morrerem, isso não é o que eu...!"

Não era o que ela queria. Mas talvez, houve um tempo em que ela se sentiu assim.

Aquela jovem santa carregava uma delusão obsessiva que nasceu do orgulho do campo de batalha, se agarrando a nada mais. Até o final, ela descartou tudo. Era o que Kurena teria sido se realmente desejasse nada além do campo de batalha.

Em outras palavras, Hilnå era quem Kurena poderia ter sido. E essa realização fez Kurena tremer.

Isso a fez perceber — e, portanto, incapaz de negar — seu próprio desejo. Desejar afastar o futuro, mesmo que isso despedaça o futuro que ele desejava.

"Não."

Ela balançou a cabeça desesperadamente. Não. Ela não queria isso. Mesmo que tivesse desejado em algum momento, agora, ela não queria que tudo fosse destruído.

Ela não queria desejar isso.

"Nós... nós nunca gostaríamos disso...!"

"Não direi que não posso me solidarizar com você, mas o que isso tem a ver com o que você está fazendo agora?" Gilwiese interrompeu a troca de palavras entre Hilnå e Lena com um suspiro.

Isso era realmente um nível de egoísmo que ele não suportava ouvir. Se Hilnå não fosse uma criança, nem mesmo teria vontade de sentir por ela. Ela deve ter sido verdadeiramente uma criança machucada e lamentável. Mas o que gritar tão teatralmente sobre suas cicatrizes e apresentá-las como justificações realmente alcançava?

"Para nós, militares da Federação, tudo o que você acabou de dizer honestamente não é da nossa conta. Se brigas internas dentro da Teocracia é o que você quer, então vá em frente, se destruam. Você mesma disse antes. Você poderia ter reunido os Teshat e liderado uma revolta contra seu país."

Se eles estivessem tão pressionados por soldados a ponto de terem que recorrer a enviar crianças para o campo de batalha, a Teocracia teria sido impotente para resistir a um corpo de exército se revoltando. Na verdade, nem precisariam se revoltar ativamente. Tudo o que precisavam era permitir a passagem da Legion e deixar que ela reduzisse a Teocracia a cinzas por eles.

Mas Hilnå não fez nada disso.

"Por que você está envolvendo os soldados da Federação? Por que envolver os Eighty-Six — pessoas que foram tratadas da mesma forma que você? Por que fazer toda aquela encenação anterior, nos pedindo para desertar e fazendo parecer que a Teocracia nos traiu?"

Hilnå o encarou com curiosidade. Major Günter, certo? Comandante do Regimento Livre Myrmecoleo... Como pode um comandante ser tão obtuso?

"Eu disse todos e tudo, não disse?"

Tudo. Certamente, ele não achava que ela só queria tirar a vida da Teocracia.

"Se nós destruíssemos nosso país por não querer que a guerra fosse tirada de nós... seríamos vistos como tolos por tal motivo. Ninguém choraria por nós. Mas todos simpatizam com os Eighty-Six. Todos têm pena deles, e se eles morressem, todos ofereceriam suas lágrimas em homenagem, não é mesmo?"

Ela ouvira dizer que era isso que acontecia em outros países quando as atrocidades do Setor Eighty-Six vinham à tona. A República que impôs aquela tragédia aos Eighty-Six foi marcada com um estigma que talvez nunca se livrasse.

"Eles são os soldados-crianças que todos têm tanta pena e que foram ajudar a Teocracia por pura bondade. Mas aquela Teocracia os traiu, pondo-os à espada por reagirem. Deixa um gosto amargo na boca, não é? Faria com que todos queimassem de indignação, derramassem lágrimas amargas e culpassem a Teocracia sem parar. Uma tragédia verdadeiramente agradável, ideal, não é?"

"Então você fez isso para manchar o nome da Teocracia."

"Sim. E..."

Que a Teocracia seja odiada por todos.

Que sua honra e dignidade se queimem até virar cinzas.

Que sejam marcados como traidores.

Que qualquer confiança e fé que tenham se perca.

Que nunca encontrem ajuda.

Que a Legion devore tudo o que são.

Que todos temam sua traição.

  1. .. que a Federação perca a fé de seu povo.

"Se os cidadãos da Federação culparem o regime da Federação pelo sacrifício desses soldados-crianças, o governo de seu país ficaria receoso de traição e hesitaria em fazer justiça... Todos os outros países perderiam o poder de se defender e caíram um após o outro."

Hilnå pronunciou essas palavras quase com esperança. Como se estivesse devaneando. Como uma garota tentando manifestar seu futuro desejado.

"E se isso acontecer, tudo poderia acabar... Toda a humanidade poderia ser levada à extinção."

Depois de um longo silêncio atordoado, Gilwiese suspirou.

— Uma perspectiva imatura. Até infantil.

"Bem, como Lena descobriu, eles podem verificar os registros de comunicação depois, o que pode absolver a Teocracia," Hilnå admitiu.

Falar de uma maneira que permitisse que os Reginleifs e Vánagandrs da Federação gravassem tudo saiu pela culatra para Hilnå. Ela praticamente admitiu estar tentando fazer parecer que a Teocracia estava tentando usurpar os soldados da Federação. Se tudo o que ela queria era maximizar o número de perdas, não deveria ter poupado Lena e os oficiais de controle no centro de comando.

"Mas de qualquer forma, enquanto alguém for sacrificado, é tudo a mesma coisa... Se muitos Eighty-Six morrerem, e a Federação descobrir esse registro, você deveria torcer para que o achem convincente. Porque para mim..."

Hilnå riu.

"...soa nada mais do que uma desculpa fraca."

O desejo de Hilnå era tão infantil que Lena não pôde deixar de rir. Como uma deusa cruel e impiedosa, empunhando a espada do julgamento e da condenação.

"Hilnå. Tudo isso está assumindo que, depois de você eliminar a Brigada de Expedição, a Federação sequer ouvirá qualquer coisa que você tenha a dizer."

A voz de Hilnå vacilou em mal-entendido.

"As comunicações sem fio neste campo de batalha estão bloqueadas pelo bloqueio."

"Sim. Assim como a República foi isolada de todas as direções."

E, tendo visto isso, Frederica falou. Ela, que utilizava sua habilidade para vislumbrar o passado e o presente de qualquer pessoa com quem tivesse falado, usou seu poder para observar o 2º Corpo do Exército da Teocracia antecipadamente.

"Parece que estão vindo, Vladilena. A cavalaria que você estava esperando está quase aqui."

Uma voz ecoou pelo campo de batalha. Não foi através do rádio, que ainda estava bloqueado, mas veio alto de um alto-falante. Estava cheio de ruídos, com o interior do alto-falante danificado pela exposição a cinzas e poeira, mas tinha um certo timbre. Como o som de água pingando em uma panela de barro.

"Este é o comandante do corpo para o 2º Corpo do Exército — Eu, Thafaca — e o primeiro santo general, Totoka, falando."

Este grupo ainda deveria estar longe. Ele estava transmitindo através dos alto-falantes de alta potência da unidade de reconhecimento, destinados à guerra psicológica.

"Ouvimos e aceitamos a declaração da Federação. Vemos sua sagacidade e boa vontade com bons olhos, sábia rainha do Esquadrão de Ataque."

Hilnå deu um suspiro de surpresa.

"Por que...?! Como a Federação poderia reagir tão rapidamente?!"

Hilnå só havia bloqueado as comunicações de rádio. Mas a Federação nunca contou à Teocracia sobre essa tecnologia. E como a Federação era tão rígida em manter essa informação em segredo, Lena assumiu que estavam sendo cautelosos com algo. Para esse fim, ela não contou nada a Hilnå, mesmo quando a tratou com tanta bondade.

Eles também foram proibidos de divulgar a habilidade de Shin e a existência dos Sirins. Vika, o príncipe do Reino Unido, não participou e, em vez disso, enviou Zashya em seu lugar. E finalmente, Zelene, a quem eles não hesitaram em levar para os Países da Frota, não foi trazida para a Teocracia. Saber de tudo isso deixava claro que Lena não deveria confiar nos comandantes deste país.

Ela sabia que Hilnå e os Teshat a tratavam com respeito, mas mesmo assim — Lena era, antes de tudo, a comandante tática do Esquadrão de Ataque. Sua Rainha Ensanguentada. Os Eighty-Six eram seus camaradas e subordinados, e mantê-los seguros era sua primeira prioridade.

"Temos uma tecnologia da qual nunca falamos com vocês, chamada Para-RAID. Um dispositivo de comunicação capaz de se comunicar mesmo através do bloqueio do Eintagsfliege. A Federação tem acompanhado toda essa situação desde o início."

E isso provou ser útil de uma maneira que eles não anteciparam; a Federação foi capaz de entrar em contato com o governo da Teocracia e exercer pressão sobre eles, para evitar que a luta se prolongasse e prevenir qualquer morte. Além disso, para evitar que as transmissões da Federação passassem pelo território da Legion, elas precisavam ser transmitidas pelo Reino Unido. Isso significava que Roa Gracia também recebeu notícias do que aconteceu aqui.

Diplomaticamente falando, mesmo se a luta parasse ali, a Teocracia ainda estaria em uma posição comprometida por permitir que um de seus generais fizesse algo tão escandaloso. Mas como a Federação estava perfeitamente ciente das circunstâncias, a Teocracia provavelmente não teria sanções contra ela.

"Seu plano foi completamente desfeito, Hilnå. Você perdeu. A Teocracia não vai cair. Você não usará a Federação como a vanguarda de suas ambições infantis."

"..."

"Ordene que seus soldados se rendam. Por favor. Não há sentido em continuar a luta."

O comandante do 2º Corpo do Exército continuou. Sua voz também parecia terrivelmente jovem.

"Renda-se, Rèze. Faça isso agora, e sua punição não será tão severa... A Teocracia proíbe derramar sangue. Não desejamos ver atrocidades cometidas contra nossos compatriotas."

Mas Hilnå sorriu subitamente com desdém evidente.

"Você diz isso agora, depois de tudo o que foi feito...? Se quiser que isso pare, abandone seus ensinamentos aqui e agora. Eles podem muito bem ser descartados amanhã de qualquer maneira."

Um silêncio pairou entre eles, antes que o comandante do 2º Corpo do Exército suspirasse uma vez.

"Muito bem... Segundo Santo General Himmelnåde Rèze, comandante do 3º Corpo do Exército, Shiga Toura, e todos os seus subordinados. A Fé Noirya e a Santa Teocracia de Noiryanaruse reconhecem vocês como insurgentes. Daqui para frente, entregaremos a punição por seus crimes. Vocês estão condenados à morte."

"...!"

Lena cerrou os dentes. O comandante do corpo continuou friamente, talvez sem estar ciente de seus sentimentos ou talvez simplesmente escolhendo ignorá-los.

"Todas as unidades da Federação e da Brigada de Expedição — vocês estão livres para iniciar hostilidades contra eles. A Federação não será responsabilizada por qualquer dano que vocês possam causar aos insurgentes."

A resposta de Gilwiese foi arrepiante, como se quisesse dizer que não precisavam da aprovação dele para saber que não seriam culpados por isso.

"Entendido. Permitam-nos mostrar suprimindo os insurgentes antes mesmo de chegarem."

Mas Lena, ao contrário, não ordenou que os Eighty-Six os destruíssem, mesmo que o primeiro santo general tivesse dado permissão para isso. Seria realmente a única maneira? Eles podiam ser seus inimigos, mas ainda eram seres humanos. Crianças.

Mesmo que tivessem que lutar, se pudessem simplesmente capturar Hilnå, talvez pudessem minimizar as baixas...

"Não se preocupe", Hilnå disse com um sorriso, como se visse através de sua intenção. "Os Teshat só obedecem à voz de uma santa."

A voz dela era desesperada, como a de uma velha derrotada. Até as reverberações daquela risada e da voz eram únicas, como o tilintar de gotas d'água. Não diferente do tom do primeiro santo general. Aquela qualidade vocal única que os santos possuíam deve ter sido o que os Teshat obedeciam.

Lena cerrou os punhos. Nesse caso, se pudessem se reunir com o 2º Corpo do Exército e seu general, a voz dele poderia fazê-los parar. Ele não deu a ordem para cessar a luta anteriormente, mas não podia ser o único capaz de encerrar as coisas.

Porque se fosse o caso, se um comandante de corpo morresse em batalha, não haveria mais ninguém para assumir sua posição. Levando isso em consideração, Hilnå não poderia ser a única sobrevivente de sua família. A Teocracia não poderia ter corrido esse risco. O fato de a ordem de cessar-fogo ainda não ter chegado poderia ter sido simplesmente devido à qualidade de som da transmissão sendo ruim por causa do alto-falante danificado, a ponto de sua voz não ser clara o suficiente para fazê-los parar.

Mas talvez, se usassem os sistemas de comunicação sem fio que a Teocracia sempre usava...

Ela precisaria confirmar isso com o 2º Corpo do Exército, e para fazer isso, eles tinham que se reunir.

"Vanadis para todas as unidades. Quebrem o bloqueio. Precisamos cooperar com o 2º Corpo do Exército —"

Mas de repente, uma voz respondeu a ela. Era a voz de alguém, chegando até ela através do Para-RAID. A voz de um Eighty-Six... Não, talvez representasse todas as vozes dos Eighty-Six.

"Não."

Era uma voz imprudente, apavorada, assustada... e infantil.

"Não. Não atire em mim."

Ao contrário de Não me faça atirar neles.

Lena deu um suspiro e, em seguida, cerrou os dentes com força.

É isso mesmo. Seria Não atire em mim. Os Eighty-Six foram enviados para campos de internação quando eram tão jovens quanto os pilotos de Lyano-Shu, senão mais jovens. Naquelas idades tenras, foram expostos à violência e ao abuso verbal, tratados como prisioneiros ou gado. Pessoas nos uniformes azul-prússia de sua terra natal lhes apontavam armas quando eram tão pequenos.

Sim, o padre lhe contou tudo isso. Crianças, com sete ou oito anos, foram expostas a uma violência avassaladora contra a qual eram impotentes. Deve ter sido uma experiência traumática. Alguns deles viram suas famílias e amigos sendo massacrados, testemunharam seus pais morrendo diante de seus próprios olhos.

Os Eighty-Six não puderam deixar de sobrepor a imagem de si mesmos e o terror que estava gravado em suas almas com os jovens soldados diante deles. Não conseguiram se obrigar a atirar neles.

Não puderam evitar de ouvir. O choro de seus próprios eu mais jovens, suplicando para não serem atirados.

"Não... mesmo que não fosse esse o caso..."

Shin acreditava que não conseguiria se obrigar a atirar de qualquer maneira, seja em um soldado adulto ou em um soldado infantil de sua idade. Ele ainda conseguia manter a compostura, apenas porque ele e o batalhão aéreo estavam lutando contra o Halcyon e não enfrentavam nenhum oponente humano. Mas ele nunca havia imaginado isso. Enfrentar um ser humano no campo de batalha - matar um companheiro humano na guerra.

Atirar em outra pessoa não era um conceito estranho para Shin. Ele atirara em um número incontável de seus camaradas, que estavam gravemente feridos, mas ainda vivos. Ele lhes concedia o alívio da morte. Havia momentos no campo de batalha do Setor Eighty-Six e, de fato, até mesmo na Federação, quando era necessário.

Mas ele nunca tinha matado um ser humano por malícia - alguém que ele via como inimigo. Imaginar isso o arrepiava até o fundo do estômago. Na primeira vez que teve que matar outro Eighty-Six, ele ficou assustado. O ato de apontar uma ferramenta de assassinato para outra pessoa o deixava doente.

Então, ter que fazer isso sem a intenção de dar a alguém a paz da morte ou impedir que fossem levados pela Legion era impensável.

Lutar até o fim. Eles tinham dito essas palavras tantas vezes já, sem um traço sequer de preocupação ou culpa. Mas agora Shin percebia que só podiam fazer isso porque o tempo todo estavam contra a Legion - fantasmas mecânicos sem vida.

"Não podemos atirar neles. Não podemos lutar... contra outras pessoas."

Enquanto os Reginleifs permaneciam imóveis, a batalha do Regimento Myrmecoleo contra a 8ª Divisão do 3º Corpo do Exército da Teocracia e o regimento de emboscada só estava se intensificando. Na verdade, parecia estar pendendo a favor de Myrmecoleo.

"Mesmo após uma emboscada e um bloqueio, e mesmo com o Feldreß otimizado para este campo de batalha cinzento, isso é tudo o que eles conseguem fazer."

A batalha estava tão desequilibrada que Gilwiese não pôde deixar de fazer esse comentário exasperado. Estavam esmagando-os. Era um massacre.

O Vánagandr não podia igualar-se à absurdamente alta fidelidade do Löwe ou do Dinosauria, mas ainda assim era agraciado com a honra de ser a principal arma blindada da Federação, herdeira de um poder militar e uma potência mundial atual.

Ele estava equipado com uma poderosa torreta de 120 mm e placas de aço espessas de 600 mm. Sua saída maciça permitia que seu peso total de cinquenta toneladas se movesse a velocidades próximas a cem km/h. De muitas maneiras, era provavelmente uma das armas blindadas mais poderosas da humanidade.

A Teocracia tinha aversão à batalha, e assim desenvolveram os Fah-Maras exclusivamente para fins de autodefesa. Unidades defensivas como essas e as armas improvisadas dos Lyano-Shu não eram páreo para os Vánagandrs.

Na tentativa de se orientarem, os Fah-Maras se debatiam sobre as cinzas como peixes lançados à costa. Os Vánagandrs fechavam o cerco como lobos famintos, eliminando-os com tiros à queima-roupa. Esgotados os seus tambores, os Lyano-Shu eram impotentes enquanto eram expostos aos rugidos de canhões lisos de 120 mm, ao chiado de metralhadoras giratórias de 12,7 mm e ao staccato de fuzis de assalto pesados.

"Inimigo suprimido. Eles são tão indefesos que chega a ser entediante, Mock Turtle."

"Eles têm a vantagem ambiental e numérica, mas não estão usando. Estão descoordenados, e a habilidade deles é insuficiente."

"São como um bando de ratos de brinquedo. Tudo o que fazem é correr em círculos, e nem estão pensando direito."

"Subestime os ratos, e eles te morderão. Não seja descuidado, especialmente perto dos Fah-Maras. O canhão principal deles é forte o suficiente para perfurar um Vánagandr se atingir você de lado ou por trás."

Não havia muitos Fah-Maras implantados, então não representavam uma grande ameaça. Ainda assim, ao contrário dos Lyano-Shu, que eram tão pequenos que só podiam ser pilotados por uma criança, o Fah-Maras era uma arma blindada legítima que estava em uso desde antes da Guerra da Legion. Eram pilotados pelos Teshat mais velhos, embora, com base no que Hilnå disse, a maioria estivesse na faixa dos late teens. E como eram mais velhos, tinham mais experiência de combate, servindo tanto como a fonte mais forte de poder de fogo das forças blindadas inimigas quanto como seus comandantes.

Esses pontos faziam com que os Vánagandrs os destacassem e concentrassem o fogo neles. E de fato, Gilwiese falou enquanto Mock Turtle encarava um Fah-Maras que tinha atingido. Ele jazia encolhido no chão, fumaça negra subindo do flanco explodido de seu bloco de cockpit.

Um grupo de Lyano-Shu se aglomerou em torno de Mock Turtle conforme sua formação se desfez. Eles não estavam se apressando para lançar um contra-ataque rápido, nem estavam correndo para se proteger, temendo que ele fosse atrás deles em seguida.

Eles estavam simplesmente tão sobrecarregados que permaneciam enraizados no lugar, ou talvez, quebravam a formação por medo. Alguns Lyano-Shu até viravam descuidadamente, encarando a unidade inimiga que derrotara seu comandante. Como crianças jovens, de olhos arregalados, que olham ao redor apenas para perceber que seu irmão mais velho acabou de desaparecer em algum lugar.

Ah, percebeu amargamente Gilwiese. É por isso.

Essa foi parte da razão pela qual ele e os Eighty-Six inicialmente confundiram os Lyano-Shu com drones. Não apenas eram pequenos demais para o indivíduo médio pilotar, mas cada ação que executavam também era terrivelmente lenta e rígida. Parecia que tudo o que faziam, desde se mover para frente até disparar suas armas, tinha um atraso de tempo. Como se cada ação deles exigisse uma instrução explícita. Era uma falta de flexibilidade que não se esperaria de um soldado treinado.

Como ratos mecânicos acionados por molas, incapazes de pensar por conta própria.

Dentro daqueles canhões anti-tanque desajeitados, não havia nada mais do que crianças jovens, bebês - soldados apenas no nome.

"Todas as unidades. Os Fah-Maras são os cérebros das unidades inimigas, e os Lyano-Shu não passam de ratos que seguem a melodia de sua flauta. Eles não podem se mover sem alguém para lhes dar ordens. Concentrem-se em eliminar os Fah-Maras e, em seguida, aniquilem os Lyano-Shu."

"Entendido."

Em pouco tempo, as unidades vermelho-cinábrio se reuniram em torno das maiores aves cinza-peroladas. Como Gilwiese previra, os Lyano-Shu caíram em um estado de pânico atordoado sem seus comandantes. Gritos irromperam de seus alto-falantes externos. O regimento não conseguia entender o que estavam dizendo, mas estava claro, a partir dos gritos jovens, que haviam regredido para crianças confusas, atordoadas e aterrorizadas.

Ajude-me. Salve-me. Irmão. Irmã. Não me deixe. Eu não quero ficar sozinho.

Por um segundo, Gilwiese deu um suspiro. Mesmo sem olhar, podia sentir Svenja encolhida atrás dele. Suprimindo essa emoção, repetiu suas ordens.

"Limpe-os."

Essa limpeza se transformou em uma competição de velocidade entre as companhias e batalhões individuais do Regimento Myrmecoleo. Eles disputaram quem poderia avançar e suprimir seus inimigos mais rápido. O campo de batalha tornou-se um terreno de caça, onde todos competiam por presas e glória. Risos e aplausos enchiam a frente cinza.

Uma saraivada de projéteis APFSDS de 120 mm viajou pelo ar a 1.650 metros por segundo, capazes de perfurar placas de aço blindado de 600 mm. Eram efetivamente blocos de energia cinética em movimento. Mesmo que não conseguissem penetrar na armadura Feldreß em si, a força por trás deles ainda dilaceraria o frágil corpo humano dentro em pedaços. Nem mesmo um cadáver restaria no rastro da explosão, poupando seus agressores de testemunhar os restos mortais das crianças.

Observar os Eighty-Six exibindo fraqueza e evitando o combate apenas serviu para incentivar as forças do Regimento Myrmecoleo.

Agora você entende? Os Eighty-Six não são realmente guerreiros. São covardes sem um pingo de determinação. Mas nós somos verdadeiros guerreiros. Herdeiros legítimos do nobre sangue e orgulho do Império, heróis valentes que trazem honra à nossa linhagem.

Eles riram alto, competindo para ver quem poderia reivindicar mais mortes e declarando seus nomes em gritos pelos alto-falantes externos para os líderes inimigos nas Fah-Maras.

Como nobres em uma caçada esportiva, ou os cavaleiros de antigamente correndo pelo campo de batalha.

Uma sede de sangue enlouquecida desceu sobre o campo de batalha.

Ao ver isso, os Eighty-Six ficaram paralisados. Não por medo do massacre realizado por esses cavaleiros, mas pelo terror diante do evento traumático ocorrendo diante deles. Isso não era mais uma batalha. Era um massacre. Um massacre unilateral.

Uma recriação vívida do momento em que suas próprias cicatrizes foram esculpidas em suas carnes e almas.

Quando os Eighty-Six foram enviados para os campos de internamento, armas foram apontadas para eles da mesma maneira. Na época, eles não perceberam, mas quem estava fazendo isso eram os soldados de seu próprio país - as pessoas que normalmente seriam encarregadas de defendê-los.

De repente, esses mesmos soldados despejaram abusos físicos e verbais sobre eles, apontando suas armas com desprezo e malícia.

Mataram pessoas para coagir e assustar outros à submissão. Alguns viram atirarem em seres humanos vivos, mortos por diversão maliciosa ou um senso doentio de humor. As vítimas poderiam ter sido seus pais ou irmãos, talvez amigos ou vizinhos. E eles eram impotentes para resistir a essa violência absurda. Tudo o que podiam fazer era ser violados e dominados por ela.

"…Não. Não isso. Não!"

Eles não podiam lutar contra eles. Não contra humanos, não contra crianças. Não podiam matar seus próprios eus do passado. E mais importante que isso...

"…Precisamos parar com isso."

Eles tinham que pôr fim a essa atrocidade. Não suportavam ver essas imagens de seus eus do passado serem pisoteadas até a morte assim.

Eles tinham que parar com isso. Desta vez, tinham que parar com isso.

O massacre cinnabar continuava. Os nobres de Pyrope aplaudiam felizes, ávidos, intoxicados de excitação. Como meninos correndo pelos campos calmos da primavera. Tinham que fazer isso, ou então não conseguiriam suportar. Tinham que vencer. Esse era o papel deles. O primeiro papel que fracassos inúteis como eles já haviam recebido, e a última chance de se redimir.

Pelo que conseguem se lembrar, sempre foram considerados inúteis. Todos eram fracassos. Apesar do grande esforço empregado em seus nascimentos, consistindo em várias gerações de reprodução seletiva, ainda eram mestiços.

Eram odiados e maltratados por tornar todos esses esforços inúteis. Seu destino era viver sob a nobreza imperial e sua aderência à pureza do sangue. Viver sob aqueles que os desprezavam e zombavam deles ou de seu sangue misto. Chamavam-nos de sem valor. Parasitas. Mestiços humanos que valiam até menos que cães.

Não tinham dignidade, afeto, e nenhum futuro à frente. Como filhos de sangue misto, suas famílias nunca os reconheceriam, e ninguém ofereceria ajuda ou proteção a falhas na reprodução seletiva. Eram vistos como desgraças que não deveriam ser mostradas em público e eram proibidos de sair de suas casas, para nunca serem expostos ao mundo.

Tudo o que tinham era aquele único tipo de sangue Pyrope correndo em suas veias e o devaneio de que mereciam esse sangue. Que eram herdeiros dignos da linhagem guerreira Pyrope que outrora reinou sobre o continente. Que eram guerreiros ousados, poderosos e nobres. O sonho de que eles mesmos, inúteis como eram, seriam um dia celebrados como heróis.

E então chegou o momento em que lhes disseram que teriam a chance de fazer isso acontecer. Uma chance final de mostrar que eram orgulhosos Pyropes.

E isso era o Regimento Livre Myrmecoleo. A primeira e única chance que lhes foi dada para validar sua existência.

Então eles tinham que provar. Provar que eram guerreiros dignos da manta de herói. Tinham que provar ao mundo e, mais importante, a si mesmos.

Eles tinham que comprovar seu devaneio, seus ideais, aquilo que lhes dava propósito. Tinham orgulho de seu sangue guerreiro. Fracassar em se tornar heróis seria uma traição a essa identidade. Eles não podiam se dar ao luxo de deixar isso acontecer.

Então tinham que sair vitoriosos. E uma simples vitória não seria suficiente. Tinham que vencer de uma maneira tão esmagadora, tão impressionante, que o mundo inteiro não teria escolha senão notar.

E assim, os cavaleiros levantaram suas vozes em risadas caóticas enquanto corriam pelo campo de batalha em busca de presas.

Svenja sentou-se no meio deste campo de batalha horrendo, proibida de puxar o gatilho da arma blindada em que estava e, ao mesmo tempo, incapaz de se alegrar com a exaltação da batalha. Para ela, só parecia horrendo. Ela estava pálida e tremendo, mas incapaz de desviar os olhos. Como filha da Arquiduquesa Brantolote, ela não podia se dar ao luxo de desviar o olhar da batalha.

“Princesa! Você está vendo isso, Princesa?! Como nossa batalha parece para você?!”

“C-claro que sim!” Ela assentiu com lágrimas nos olhos. “Aquele primeiro golpe da lança naquele fosso, sim? Tilda, Siegfried!”

Ela chamou o nome do vice-comandante e de seu piloto enquanto eles comemoravam orgulhosamente. Ela assistiu enquanto o Vánagandr de cinquenta toneladas esmagava impiedosamente um Lyano-Shu, rompendo facilmente o bloco de cockpit. Ela viu o líquido vermelho escorrendo dos destroços.

“Ambroise, Oscar, vocês fizeram bem em matá-los um após o outro. Isso faz oito comandantes inimigos, não é? E vocês também são maravilhosos, Ludwig, Leonhart…”

“Princesa, isso é o bastante.”

Vendo suas corajosas tentativas de elogiar seus cavaleiros apesar de segurar as lágrimas e a náusea, Gilwiese interveio.

“Mesmo que você não diga nada, seu coração está com eles… Você não precisa se forçar a fazer mais.”

"M-mas, Irmão, esse é o papel que o 'Pai' me confiou."

Ele se viu clicando a língua com rudeza.

"Por que você precisa ser tão obcecada com seu papel...? Não passa de um colar de escravo. Eles nos forçaram esse desejo de nos tornarmos heróis, fazendo parecer que era algo que queríamos desde o início."

Os cavaleiros e heróis cantados em poemas épicos, erguendo ideais elevados de nobreza e justiça. Ideais que não tinham lugar no mundo real. Eles foram criados para desejar apenas isso... E de fato, isso se tornou sua única aspiração.

Um terrível silêncio desceu sobre os dois, como o momento temeroso antes de um vidro se quebrar. Gilwiese virou-se subitamente, fitando Svenja com olhos arregalados. Seus encantadores traços estavam desprovidos de expressão, e a voz que saía de seus lábios era como a de uma velha.

"…Por que você precisa dizer isso?"

Seus olhos dourados estavam vazios, capazes apenas de refletir a luz, como espelhos exibindo uma lua cheia que não estava lá.

"‘Pai’ falou. E além disso, este é o nosso único e exclusivo papel. Se não pudermos fazer isso, verdadeiramente não nos restará mais nada. É um papel crucial, importante e elevado!"

"…Svenja."

"O mesmo deveria ser verdade para você, também, Irmão! Deveria! Todos nós, cada um de nós, deve cumprir esse papel! É tudo o que temos. Eu, você, todos os outros — não há mais nada em nossos nomes. Por que você diz que precisamos parar?!"

"Porque —"

"Não tire isso de mim! E não descarte seu próprio papel, Irmão! Porque fazer isso seria nos abandonar. As únicas coisas que temos são esse papel e uns aos outros. É por isso que estamos sempre juntos, não é? Você também sente assim, não é, Irmão? É tudo o que somos. Cães vadios com nada além dos companheiros que compartilham nossas cicatrizes e vivem nos mesmos canis!"

"…"

Ouvir seus apelos fez com que ele cerrasse os dentes.

Não, Svenja, ela… ela não tem mais o poder de se opor, também. Isso foi martelado nela, em nós, desde que éramos pequenos demais e jovens. Não temos mais a força.

Era como ela dizia. O único caminho disponível para eles era aquele em que cumpririam seus papéis dados. O Regimento Livre Myrmecoleo deveria ser nada mais do que uma peça no jogo de poder da Arquiduquesa Brantolote. E se não se mostrassem úteis, seriam novamente forçados a viver como vadios inúteis.

Então, para evitar que Svenja e seus camaradas fossem forçados de volta ao chiqueiro, ele teria que ajudá-los a se tornarem uma espada que traria mais glória à sua família.

…Maldita víbora.

"No final, nosso único caminho… é deixar essa maldição nos amarrar e nos impulsionar para frente."

"Umm, Major Günter…"

Kurena abriu os lábios timidamente. Aqueles encarregados de movimentar essa gigantesca arma construída às pressas não estavam em um estado mental para ouvir qualquer transmissão não dirigida a eles, mas Kurena, a Gunslinger, tinha pouco a fazer no momento.

"Eu posso ouvir ela. A garota da mascote... Svenja, certo? Ela deixou o rádio ligado."

Kurena podia ouvir que Gilwiese estava sem palavras. Ele desligou apressadamente a transmissão e reconectou um momento depois.

"Segundo-tenente Kukumila, me desculpe, mas você poderia esquecer tudo o que acabou de ouvir? Se os outros descobrirem que eu discuti com a Princesa apesar da minha idade ou que agi tão fracamente, isso recairá mal sobre mim."

"Sim, eu não vou contar a ninguém mais…," ela disse, tentando minimizar, acenando como se isso fosse insignificante. "Mas…"

"Mas?"

"Só que, hmm, sinto muito."

Gilwiese pareceu surpreso.

"...Pelo que exatamente você está se desculpando?"

"Se eu fosse sua subordinada e ouvisse você dizer isso, eu me desculparia. E... há alguém mais para quem eu tenho que pedir desculpas pelo mesmo motivo."

"..."

"Eu não quero que eles me deixem. Mas eu também não quero acorrentá-los a mim. Não quero amaldiçoá-los assim. Mas... tenho quase certeza de que agi da mesma maneira que Svenja acabou de fazer."

Era como se Svenja tivesse lançado algum tipo de maldição para vincular Gilwiese a ela, da mesma forma que os soldados de Myrmecoleo haviam amaldiçoado Svenja para que ela permanecesse vinculada a eles. Eles eram camaradas, irmãos carregando as mesmas cicatrizes, então essas cicatrizes deviam ter sido o vínculo deles. Uma maldição na forma de orgulho, de suas cicatrizes comuns.

É como se...

Kurena disse a Shin que ele não precisava mudar, mas na verdade, tudo o que ela fez foi pedir a ele para permanecer o mesmo. Os Eighty-Six se orgulhavam de lutar até o fim. Mas em algum momento, eles esqueceram que esse orgulho não era a única coisa pela qual viver — que eles tinham mais a viver.

Pela primeira vez, ela percebeu que estava presa no lugar pela maldição chamada orgulho. E não só isso; em algum momento, ela começou a tentar prender os outros com essa maldição. Ela prenderia seus camaradas e prenderia Shin, para que não a deixassem para trás em busca de felicidade pessoal.

"Então, peço desculpas... Sinto muito por tentar prender seus pés para que você não pudesse se afastar. E, Svenja?"

Kurena não obteve resposta, mas presumindo que estava sendo ouvida, continuou: "Eu sei que é difícil, mas não use suas cicatrizes para manter seu irmão mais velho como refém... Por favor."

Não o segure tão firmemente que ele não possa escapar... Mesmo que pareça que ele pode tentar deixá-la. Porque não é isso que ele está tentando fazer.

Embora ela se sentisse um pouco covarde por fazer isso, desligou o Dispositivo RAID antes de obter uma resposta. Mesmo enquanto falavam, Shin estava lutando, e crianças estavam morrendo. Ela não tinha o luxo de falar com Gilwiese em um momento como esse. Então, ela deu um longo suspiro.

Não mude. Não me deixe para trás. Sim, eu desejei isso.

Ela estava ciente do desejo sombrio fervendo no fundo de sua mente. Provavelmente nunca desapareceria. Mas...

Eu quero te mostrar o mar.

Ele tinha encontrado um desejo para si mesmo. E ela ficou feliz por ele. Alguma parte dela realmente, honestamente, queria ver isso acontecer. Erguendo a cabeça, ela cerrou os dentes, resistindo à súbita e temerosa tontura que a envolveu.

Avançar ainda a assustava. Ela tinha medo de avançar desde a infância. Porque além desse próximo passo, o cano de uma arma que tirou seus pais e irmã poderia estar esperando por ela também. O momento em que a malícia humana ressurgir poderia estar espreitando além desse próximo passo, pronta para tirar tudo dela novamente. E bem poderia ser que, mais uma vez, ela seria negada, ferida e incapaz de fazer nada a respeito.

Mas mesmo assim.

"Vamos seguir em frente."

Aquela voz percorreu o campo de batalha cinza através da Ressonância Sensorial. Era uma voz cheia de determinação, mesmo que houvesse um toque de medo nela. Michihi murmurou o nome da pessoa em estado de torpor. Com um toque de incredulidade. Era difícil acreditar que esta era a mesma garota que estava tão abatida e deprimida após a última operação.

"Kurena."

"Vamos seguir em frente. Precisamos salvar o Shin. Temos que derrotar a Shana. E os Lyano-Shu... precisamos salvá-los também."

Ela pensou que tinha recuperado a compostura, mas sua voz ainda tremia. Ela ainda estava assustada. O medo a paralisava. Tomar uma decisão tão importante era assustador. A vida de todos estava em jogo, afinal. E se ela cometesse um erro? E se Shin e o batalhão aéreo, Lena e Rito e Michihi, e o resto da força principal da brigada — e se todos eles fossem mortos por causa de suas palavras?

Essa ideia a assustava profundamente.

Mas ainda assim...

"Se aquela santa ou o que quer que seja falar com eles, isso deverá impedir aquelas crianças, certo? Então, vamos chamar a santa do 2º Corpo de Exército. Vamos chegar à posição de tiro do Trauerschwan, pegar o Shin depois que derrotarem a Shana e nos reunir com o 2º Corpo de Exército para suspender a interferência eletrônica. Se fizermos isso, a batalha com aquelas crianças terminará... Podemos parar com isso."

Podemos encerrar o sangrento massacre de crianças que são como nós.

"Nós... não podemos mais nos dar ao luxo de nos matarmos. Precisamos parar tudo. Tanto esta batalha quanto a guerra estúpida que nos mantém presos!"

Ouvindo seu grito, alguém sussurrou. Não era tanto uma resposta a ela quanto um sussurro que dirigiam a si mesmos, como se estivessem reafirmando algo.

"…É isso mesmo. Vamos lá."

Alguém mais então seguiu. Ou talvez, fosse todo mundo.

"Vamos lá."

Pelos seus amigos. Pelos camaradas, por mais distantes que possam estar. Pela Teshat, que não podia sair. E, mais importante, por si próprios. Eles podem não ter conseguido salvar seus próprios eus mais jovens, mas podem salvar as crianças bem na frente deles agora.

Se pudessem estender uma mão, por mais insignificante que fosse a ajuda, mesmo quando ninguém estava lá para salvá-los quando eram pequenos... isso seria uma salvação para eles também.

"Vamos lá."

Para salvar nossos camaradas. Para salvar quem fomos no passado.

"Vamos lá!"

Ao som dos gritos e aplausos dos Eighty-Six, Lena apertou os lábios.

Vamos lá.

Nesse caso, era seu papel abrir o caminho para frente.

"Major Günter. Estamos indo para a posição de tiro do Trauerschwan. Ajude-nos a quebrar o bloqueio. Quero que você amplie a lacuna na direção das três horas, onde a 8ª Divisão do 3º Corpo de Exército e o regimento de emboscada se conectam."

Se eles fossem retomar a marcha, a batalha com os Teshat das unidades do 3º Corpo de Exército e os soldados crianças seria inevitável. Lena não poderia concordar com o assassinato de crianças, e assim doía nela impor o fardo de sua batalha a Gilwiese e ao Regimento Myrmecoleo. Mas se os Eighty-Six sentiam que era uma linha que não podiam cruzar, Lena respeitaria isso.

Ela não podia colocar a vida de soldados crianças estrangeiros acima da de uma unidade colega da Federação, assim como acima de seus próprios subordinados - e camaradas.

Gilwiese sorriu amargamente, é claro.

"Então você está nos pedindo educadamente para fazer o trabalho sujo,  Bloody Regina?"

"Sim", Lena disse sem pestanejar. "Eu reconheço isso, e minha ordem permanece, Major. Como a Rainha que serve sob eles."

Carregue esse pecado para que os Oitenta e Seis não precisem carregar. Esculpa-o em sua carne, em sua própria alma, para que os corações dos Eighty-Six permaneçam inteiros. Suportarei a crueldade de ter de pesar a vida de meus companheiros contra a vida de outros. Não deixarei que o Eighty-Six faça essa escolha, nem serei atormentado por ela.

Porque eu sou a rainha dos Eighty-Six - e sua companheira de armas.

Gilwiese aprofundou seu sorriso sarcástico.

"Isso é um problema, Coronel Milizé. Fui eu quem disse que faríamos isso para começar. Se você é a Rainha dos Eighty-Six, então eu sou o irmão mais velho que lidera o Regimento Myrmecoleo. Deixar uma forasteira como você levar a culpa por meus irmãos mais novos prejudicaria nossa dignidade... Seria um grande problema se deixássemos você levar a culpa por esse massacre só porque você nos ordenou fazer isso."

"..."

"Aceitamos, Rainha Prateada. Todos, temos nossas ordens, e assim seguimos. Myrmecoleo, todas as unidades!"

"Estou contando com você, Capitão dos Cavaleiros de Cinábrio. Todas as unidades do Esquadrão de Ataque!"

Ambos deram suas ordens. O Capitão dos Cavaleiros de Cinábrio para sua ordem de formigas-leão, e a Rainha Prateada para seu exército de esqueletos agraciados com o nome de uma Valquíria.

"Abra caminho para essas Valkírias entre as nuvens!"

"Retome a marcha em plena velocidade e posicione o Trauerschwan para o disparo!"

Parecia que a força principal havia quebrado o bloqueio do 3º Corpo de Exército e retomado a marcha. Shin percebeu isso pelos movimentos da Legion, mesmo estando distante das linhas de frente da Teocracia, lutando contra o Halcyon.

As forças de frente da Legion se desvincularam da batalha com as divisões do 3º Corpo de Exército e seguiram em direção às ruínas da cidade onde estavam lutando.

"Lena, há uma unidade da Legion se reunindo no caminho principal da força principal."

A unidade da Legion era menor do que o previsto. Desde que o 3º Corpo de Exército interrompeu sua marcha, Shin havia assumido que a Legion enviaria um grupo consideravelmente maior para interceptar a força principal do Esquadrão de Ataque. Talvez, o 2º Corpo de Exército tenha enviado uma força que controlou a Legion, ou talvez a batalha da Legion com o 3º Corpo de Exército ainda estivesse em andamento. De qualquer forma...

"E acho que eles não conseguirão evitar lutar contra três deles. Faça com que a força principal se prepare para a batalha."

Shin detectou a posição da Legion com sua habilidade, e com base nisso, Lena calculou a rota que resultaria em encontrar o menor número possível de unidades da Legion. Mesmo assim, a linha Reginleif protegendo o Trauerschwan se desfez rapidamente.

Estavam lutando no território da Legion, e mesmo que houvesse menos inimigos do que o esperado, a formação metálica-cinza ainda era tão grande e ameaçadora quanto o nome Legion sugeria. Priorizando a manutenção da velocidade do Trauerschwan, cada esquadrão Reginleif se separou da equipe para distrair as forças da Legion enquanto avançavam pelo campo de batalha cinzento.

Eles lutaram com mais fervor do que antes. Há pouco tempo, muitos dos Eighty-Six haviam perdido a coragem ou a força para continuar, e o restante sentia reservas em relação aos que o faziam.

Mas agora eles encontraram seu caminho. Eles encontraram a coragem deles.

O sistema de navegação inercial emitiu um alerta, informando a todos que o Trauerschwan havia alcançado sua posição de disparo. Naquele exato momento, o Hualien de Michihi se desfez, suas pernas dianteiras cedendo. Estava danificado e prejudicado por toda parte. Não havia mais nenhum Reginleif ao redor do Trauerschwan ileso para formar um batalhão. Todos os outros estavam ocupados, ganhando tempo ou mantendo os inimigos sob controle. Com base em quantos ainda estavam conectados à Ressonância, não houve muitas baixas, mas esta era uma batalha profunda no território da Legion. Eles não durariam muito.

"…É por isso que temos que…parar isso aqui..."

Essas batalhas. A luta contra o Halcyon, e esse escaramuça sem sentido com o 3º Corpo de Exército da Teocracia. Ver crianças morrerem diante dela, ser lembrada da dor de ver sua família, amigos e camaradas perecerem - tudo isso a fazia sentir-se impotente. Ela odiava isso. Parecia que estava expondo suas cicatrizes para o mundo ver. Como se dissesse que qualquer um podia ser ferido, e isso era apenas natural. Era vergonhoso e terrível.

Ainda respirando pesadamente, Michihi expirou abruptamente e tomou outra respiração, gritando.

"Kurena, estamos contando com você!"

Um pensamento atravessou casualmente a mente de Michihi. Se esta guerra - esta operação - pudesse acabar, ela gostaria de visitar a terra natal de seus antepassados algum dia. Claro, ela não tinha parentes ou conhecidos lá. Ela não conhecia o lugar o suficiente para sentir falta dele.

Mas ainda era o desejo dela. Um que ela encontrou e decidiu por si mesma.

De volta ao Setor Eighty-Six, eles não tinham futuro, e assim, pelo menos, tinham que decidir como viveriam e como morreriam por si mesmos. Isso era o mesmo. Ela tinha decidido um desejo para si mesma. Seu próprio futuro, escolhido por suas mãos.

Neste ponto, desejar a morte ao final de suas batalhas era algo que ela não podia mais fazer. Talvez, até mesmo o nome Eighty-Six perderia seu significado assim que toda essa luta chegasse ao fim.

Mas mesmo assim. Mesmo que o orgulho deles, os sacrifícios e as cicatrizes que carregavam fossem tornados sem sentido... Ela não queria se tornar uma pessoa patética que não podia decidir seu próprio modo de viver. Seus próprios desejos ou futuros.

"Vamos encerrar esta batalha!"

Os cinco canhões eletromagnéticos do Halcyon subitamente ignoraram o batalhão aéreo e viraram em uma direção inesperada. As torres pesadas giraram, rangendo alto e lançando faíscas enquanto se voltavam para o sul. Estava mirando na direção do Trauerschwan - ele havia detectado sua aproximação.

O Trauerschwan era massivo, tão grande quanto o Morpho, e era um protótipo. Não poderia possivelmente tomar uma ação evasiva. Os Reginleifs começaram a bombardear o Halcyon imediatamente, pretendendo dispersar seu metal líquido e interromper seu disparo.

Era uma arma que a humanidade introduziu no campo de batalha apenas após esperar o momento certo. Uma nova arma não registrada no banco de dados da Legion. Mas os canhões eletromagnéticos imediatamente a reconheceram como uma ameaça mais urgente do que os Reginleifs e se movimentaram para abatê-la. No entanto, os explosivos de alto poder repetidamente bombardeando-a dizimaram seus eletrodos, forçando o Halcyon a recuar.

O líquido prateado foi soprado pelas explosões, brilhando nas chamas enquanto dançava pelo ar como respingos de sangue.

Mas os Reginleifs estavam ficando sem munição. Se o Trauerschwan fosse destruído, não haveria maneira de encerrar esta batalha. E assim, o batalhão aéreo disparou nele com todas as suas forças. Todos mantiveram a respiração, pensando que poderiam ter conseguido. Mas, como se visse através da pausa momentânea, um dos canhões eletromagnéticos ergueu a cabeça.

Johanna. O canhão eletromagnético que originalmente continha Shana. As micromáquinas líquidas que respingavam de todos os cinco torreões se reuniram entre seus trilhos. Utilizar todo esse líquido para regenerar um único canhão seria mais rápido do que cada gota retornando ao seu respectivo canhão e reparando as partes ausentes de dentro.

A escolha do Halcyon estava correta. Usando o único momento em que o bombardeio diminuiu, Johanna completou seus preparativos para disparar novamente. Tendrils de corrente elétrica dançavam com um estridente grito enquanto corriam sobre o cano em forma de lança.

“Não vou deixar você fazer isso!”

No momento seguinte, Cyclops saltou na frente do cano. Ela preferiu destruir o canhão que originalmente continha Shana novamente em vez de deixar que o Trauerschwan o fizesse. Ela escalou, mirando mais uma vez na abertura do torreão.

Ela havia sido incumbida de lidar com Johanna. Ela disse que faria isso. Então, desta vez, ela cumpriu sua promessa.

E assim, Shiden apareceu na mira de Johanna. Ativando e purgando seus propulsores para se impulsionar para cima, ela mudou sua postura no ar, ajustando a mira do canhão principal de Cyclops para as profundezas abertas do cano de 800 mm.

Então, calibre 800 mm - um canhão de longa distância, né? Atirar nunca foi o seu forte.

Você é quem fala. Você também usou um canhão de chumbo. Você também não era uma Gunslinger.

Ela pensou que poderia ouvir uma voz fria respondendo.

Eu sempre te odiei, desde o primeiro dia em que nos conhecemos.

Era o tom gelado de Shana. A primeira coisa que ela disse quando se conheceram. Eles sempre discutiam na época. Mesmo depois que todos, exceto eles, morreram no primeiro setor a que foram designados no Setor Eighty-Six, continuaram discutindo.

Da próxima vez, vou enterrar o seu corpo.

Quando isso acontecer, vou cavar a sua cova.

Na época, ela não gostava muito de Shana. Shana também a odiava. Foi por isso que sempre brigavam. Não importava o que acontecesse, eles sempre competiam.

Mas se uma delas fosse morrer, a outra cavaria sua cova. Isso era a única coisa que fariam uma pela outra, não importa o quê.

"A única que terá o direito de te enterrar... sou eu."

Gatilho.

O torreão de 88 mm de Cyclops rugiu um momento mais rápido do que Johanna podia. O tiro que disparou atingiu o eletrodo que estava rugindo pelos trilhos naquele momento, causando uma pane nos circuitos.

O torre de Johanna, seu cano de trinta metros - e Cyclops, que estava bem na frente dele - foram todos explodidos na feroz explosão do canhão eletromagnético de 800 mm.

"Sua idiota."

Shin viu acontecer. Ao receber a notícia da aproximação do Trauerschwan, Shin se moveu para superaquecer novamente o Halcyon. E ele viu acontecer. O Para-RAID de Shiden... desligou. O ponto de Cyclops havia desaparecido da ligação de dados.

Mas eles não tinham tempo para gastar confirmando sua sobrevivência. Os quatro canhões eletromagnéticos restantes poderiam disparar novamente se lhes fossem fornecidas mais Micromáquinas Líquidas. E isso tornaria o sacrifício de Shiden sem sentido.

Usando suas lâminas de alta frequência para rasgar o Halcyon, ele aumentou a abertura que tinham esculpido nele. Ele não sabia quanto tempo levaria para reativar os canhões eletromagnéticos. As três unidades de supressão de superfície, Undertaker, Anna Maria e as seis unidades em seus pelotões, todas dispararam contra o Halcyon de uma vez.

Uma chuva de fogo, mísseis anti-blindagem e projéteis HEAT encheram a barriga da besta. O gigante de aço mais uma vez caiu de joelhos.

"Kurena!"

Vamos terminar essa luta!

"Sim, eu sei." Kurena assentiu brevemente. "Michihi, todos."

A partir deste momento, era a vez dela brilhar.

"Trauerschwan, assumindo posição de disparo!"

O som de vários bloqueios pesados sendo desfeitos chegou aos seus ouvidos quando dois amortecedores de recuo em forma de arado se implantaram nos dois lados do torreão, como as asas de um pássaro. A enorme estrutura se cravou no solo, fixando-se em posição e levantando uma grande nuvem de poeira ao seu redor. Espalhando suas quatro enormes asas, assumiu a posição de uma ave aquática estendendo o pescoço.

Um visor montado na cabeça abaixou automaticamente na frente dela. Era destinado à mira precisa e conectado ao sistema de controle de fogo do Trauerschwan. O cano longo e fino - o pescoço proverbial da ave aquática - tremia à medida que seu ângulo de tiro era cuidadosamente ajustado.

Kurena estava acostumada à resposta imediata do Reginleif, e assim o alinhamento horizontal e depois vertical dos trilhos parecia terrivelmente lento. Sistema de refrigeração online. Capacitor conectado. Circuitos chefe e vice-chefe operando normalmente.

<<Aviso. Exposição de radar de uma assinatura de calor não registrada detectada a quinze quilômetros, NNW.>>

"Eu sei disso", ela sussurrou roucamente.

O Halcyon era uma unidade Legion equipada com canhões eletromagnéticos. Em outras palavras, o sucessor do Morpho. Claro que tinha um sistema de radar para autodefesa -

<<Aviso retirado. Ondas de radar terminadas.>>

"—Kurena!"

Assim que ela voltou sua atenção para o aviso, uma voz a chamou. E ela soube imediatamente de quem era. Ela nunca confundiria a voz dele com a de mais ninguém.

Shin.

"Os canhões eletromagnéticos do Halcyon estão todos silenciados, e nós o superaquecemos novamente, então ele não pode se mover! O tempo estimado até reativar é de cento e setenta segundos... Desculpe, mas estou contando com você para cuidar do resto."

"Entendido, pode contar comigo." Ela assentiu, com um toque de constrangimento em sua voz.

Cento e setenta segundos. O tempo de recarga do Trauerschwan era de duzentos segundos, significando que ela não tinha tempo para disparar um segundo tiro. Mas isso estava bem. Um tiro era tudo de que ela precisava. Neste momento, coisas como a questão do que aconteceria se ela falhasse, ou a ansiedade de perceber que ela não podia errar desta vez - nada disso passava por sua mente.

O batalhão aéreo havia sido forçado a uma batalha mais longa do que o esperado. Mas mesmo assim, eles colocaram desesperadamente suas vidas na linha para lhe dar esses cento e setenta segundos. Com a traição do 3º Corpo de Exército, a Brigada de Expedição era o único obstáculo restante que a impedia de derrotar a Legion. Mas apesar de todos esses desenvolvimentos inesperados, seus camaradas ainda abriram um caminho para ela chegar à posição planejada.

Todos colocaram suas vidas em risco para ajudar Kurena a chegar até aqui - então agora, a única coisa que restava era para ela derrubar o inimigo.

Era só isso.

Roger - pode contar comigo.

Ela percebeu, sorrindo, que já havia dito essas mesmas palavras para Shin inúmeras vezes no passado. No campo de batalha do Setor Eighty-Six, ela dava essa resposta regularmente. Inúmeras vezes, ele dependeu dela, confiou nela, e ela esteve à altura das expectativas dele.

Ela abateu unidades comandantes da Legion. Unidades Observadoras. Os restos de seus camaradas, que foram forçados a se tornarem fantasmas mecânicos.

Nesse caso, pelo menos no campo de batalha, ela esteve salvando-o o tempo todo, desde então. Ou talvez ela já estivesse fazendo isso desde o começo, quando abriu o coração para ele e agradeceu por ele assumir a dor de ser o Reaper deles.

Um apito eletrônico soou. O sistema de controle de fogo informou que a trajetória projetada do seu tiro estava travada no alvo. Mas ainda não. Ainda estava um pouco fora.

Tudo lhe foi tirado por esta guerra. E é por isso que ela não podia se dar ao luxo de perder mais nada.

Realinhou sua mira e depois sussurrou, como se estivesse rezando.

"Vamos encerrar isso. Vamos encerrar esta guerra com as nossas próprias mãos."

Ela apertou o gatilho.

O Trauerschwan - o primeiro canhão eletromagnético que a humanidade já introduziu no campo de batalha - rugiu. Uma quantidade absurda de energia elétrica, capaz de alimentar uma cidade inteira, impulsionou um projétil que voou pela terra, visando derrubar o Golias mecânico.

Uma descarga em arco clareou a terra cinzenta como um flash de relâmpago. As asas dobradas e a estrutura metálica gigantesca do Trauerschwan refletiram a luz para longe, tornando-se negras por um segundo - dignas de seu nome como o Cisne Negro da Morte.

Um som ensurdecedor, como o estilhaçar de inúmeras janelas, rasgou os céus.

Devido ao calor de fricção contra o projétil, que foi lançado a uma velocidade de 2.300 metros por segundo em questão de segundos, os trilhos do Trauerschwan começaram a fundir e derreter, e o recuo do tiro os quebrou em pedaços. Contra-massa se espalhou por trás do Trauerschwan para compensar o recuo, mas a contra-massa não conseguiu conter adequadamente a massa e se dispersou para o solo cinza com os fragmentos dos trilhos.

Rasgou o céu cinzento, como as flores coloridas de chamas que ela já tinha visto no céu noturno do campo de batalha. Os fragmentos dispersos capturaram os raios de sol, refletindo uma variedade de luz prismática.

E antes que o fragmento final pudesse flutuar até o chão, a seta de trovão havia se enfiado na forma massiva de aço à distância.

"Impacto confirmado", disse Frederica. "E um acerto direto, na verdade. Trabalho impressionante... Kurena."

"Yeah."

O Halcyon vacilou. Rachaduras surgiram nele, irradiando do buraco gigantesco que foi perfurado diretamente nele. Incapaz de suportar seu próprio peso, começou a perder integridade estrutural. Era como ver uma escultura grande desmoronar, tendo perdido seus vínculos secos. Desfez-se com a majestade de um monstro mítico e com a rapidez de ter sido derrubado pela fúria de um Deus.

Enquanto ela assistia através da tela projetada sobre suas óticas, um pensamento lhe ocorreu. A verdade era que sempre fora assim, mas ela não percebera até agora.

Quando era uma criança enviada para os campos de internamento, quando seus pais e irmã morreram, ela não conseguia reagir. Era muito jovem, muito impotente, e era fraca demais para oferecer qualquer resistência. Qualquer absurdidade que pudesse ter acontecido a ela era algo contra o qual ela era impotente.

Mas as coisas eram diferentes agora.

Anos se passaram. Ela envelheceu e não era mais uma criança impotente. Ela tinha a força, os meios e, mais importante, a vontade de revidar. De lutar contra a Legion e o desespero que eles traziam. Contra qualquer absurdo que tentasse acometê-la.

Se ela quisesse encerrar esse massacre, ela poderia fazê-lo.

Se ela desejasse proteger o futuro que ele queria - o futuro que ela queria - ela poderia defendê-lo contra qualquer mal que a humanidade pudesse direcionar a eles.

As pessoas e o mundo eram cruéis e insensíveis. Maliciosos e irracionais. Mas mesmo assim, ela se oporia, venha o que vier. Ela protegeria até o futuro que estava à frente deles.

O emaranhado de interferência eletromagnética que selava o campo de batalha foi levantado. Os Lyano-Shu que estavam equipados com equipamentos de interferência foram destruídos ou incapacitados. E sem esperar um minuto a mais, o lado da Federação começou a interferir na frequência que Hilnå usava para enviar comandos para o 3º Corpo de Exército.

Em breve, a voz de outra santa encheu o campo de batalha, viajando pelas ondas sonoras agora claras.

"Eu invoco o verdadeiro nome da deusa da terra, '            '! Todas as lanças sem Deus do 3º Corpo de Exército, parem com suas liturgias!"

Essas palavras foram inculcadas em todas as psiques Teshat durante o treinamento, para evitar que se rebelassem e forçá-los a interromper qualquer combate, independentemente de sua vontade. Essa era uma medida de segurança que nunca havia sido usada antes, mas, no último momento, cumpriu seu papel.

Após isso, o comandante das duas unidades da Federação falou, entregando uma mensagem que não teria alcançado o Esquadrão de Ataque Eighty-Six se o 3º Corpo de Exército decidisse rejeitar as ordens do primeiro santo geral.

“Vanadis para todas as unidades do Esquadrão de Ataque Eighty-Six. Assim que o batalhão aéreo for resgatado com segurança, recuem para o território da Teocracia.”

“Mock Turtle para todas as unidades do Regimento Myrmecoleo. Cesse toda hostilidade com o 3º Corpo de Exército e auxilie no resgate do batalhão aéreo. Coopere com o 2º Corpo de Exército para eliminar a Legion e—”

O timbre da voz de Gilwiese contrastava com o toque prateado de Lena. Hilnå foi dominada por um desespero tão grande que a fez afundar no chão.

Ó terra. Deusa sem cabeça e alada.

“Por que você me abandonou...?”

Foi então que uma comunicação de Lena a alcançou.

“Hilnå. Você perdeu... Por favor, aproveite esta chance e se entregue.”

Hilnå não pôde deixar de zombar com desdém da preocupação clara e genuína em sua voz. Até que ponto alguém que se proclamava a Rainha Manchada de Sangue poderia fingir ser compassivo?

"Isso é misericórdia, Rainha? Depois que virei minha espada contra você e seus cavaleiros?"

"Não." O tom de Lena era tranquilo e suave, mas ainda assim severo. "Tudo o que eu quero é que você não sobrecarregue os Eighty-Six com o peso do seu desejo e a sombra da sua morte. Eles não são heróis. São crianças que foram marcadas por esta guerra... Que têm as mãos ocupadas apenas para se manterem vivas... Assim como você."

Isso é verdade. Eu sabia disso. Ainda assim, eu queria que fôssemos juntas ao fundo. Não queria redenção para nenhuma de nós. Se pudéssemos conseguir isso, eu... e os Teshat provaríamos que não podíamos nos salvar. Nossa negligência não era nossa culpa...

Depois de pausar por um momento, Lena abriu os lábios novamente.

"Eu notei uma divisão do 3º Corpo de Exército que foi encarregada de manter a Legion à distância enquanto a Força Expedicionária marchava para a posição de disparo. Eles se apegaram ao seu dever anterior, lutando contra a Legion."

"…? O que você que—?"

"Eles continuaram fazendo isso mesmo depois que seu plano foi exposto, Hilnå. Seus subordinados mantiveram a maioria das forças da Legion à distância. E provavelmente fizeram isso para impedir que a Legion atrapalhasse a marcha da força principal. Para que não houvesse mais baixas dos Eighty-Six e para que o peso do seu pecado não aumentasse."

"…?!" Hilnå arregalou os olhos diante dessas palavras inesperadas.

"Você não queria que mais nada fosse tirado de você, certo? Seus soldados te amam tanto, Hilnå. Não se odeie quando eles se importam tanto com você. Não priva seus soldados, que te têm tão querida, ao deixar-se morrer. Deixe-os sentir-se recompensados pelo fato de terem conseguido te proteger."

A transmissão foi interrompida. E como se fosse o sinal, alguns homens em uniformes cinza-perolado - soldados que não eram seus subordinados - invadiram o centro de comando. Seus braçadeiras ostentavam o símbolo de uma ave de rapina. Os Teshat do 2º Corpo de Exército. Todos carregavam rifles de assalto, que começaram a apontar para ela.

Mas antes que pudessem fazer isso, Hilnå soltou sua bengala de comando e ajoelhou-se lentamente.

Por que você me abandonou, deusa da terra? Por que você abandonou meus subordinados, minha terra natal? Não importa...

"Eu não posso abandonar meus subordinados."

Eles... eles sozinhos não me abandonaram. Mesmo quando todos e tudo mais o fizeram, quando o resto do mundo me deu as costas, eles permaneceram.

"Você é difícil de matar, você sabe disso, Shiden? Qualquer outra pessoa teria morrido fazendo o que você fez."

"Isso é o primeiro que você me diz? Eu preferiria não ouvir isso do cara que sobreviveu à Missão de Reconhecimento Especial - taxa de sobrevivência zero por cento."

A língua afiada de Shiden estava presente como sempre, apesar de estar coberta de sangue. Ela ainda estava de pé, embora para uma pessoa ferida, estivesse relativamente ágil.

Havia levado algumas pessoas para abrir a cúpula distorcida do Cyclops, mas uma vez feito isso, ela saiu sem ferimentos. Shin espiou, olhando para Shiden com os olhos semicerrados. Ela realmente tinha muita sorte para sair ilesa de situações perigosas. Ele quase se sentiu irritado consigo mesmo por perder a compostura quando parecia que o Cyclops tinha explodido junto com Shana. Não que ele expressasse o quanto estava preocupado com ela.

"Então, Lil’Reaper, como vai a batalha?"

"Acabou. Estamos esperando pela nossa unidade de resgate."

Com o Halcyon destruído, as unidades da Legion que anteriormente se apressavam para as ruínas da cidade para oferecer assistência pareciam ter decidido recuar para seus territórios. Qualquer unidade da Legion que ainda estivesse no caminho da unidade de resgate estava sendo eliminada pelo Regimento Myrmecoleo e pelo 2º Corpo do Exército. Eles também terminaram de limpar quaisquer minas autopropelidas deixadas nas ruínas da cidade, e não havia mais unidades inimigas ao redor de Shin e do batalhão aerotransportado.

Shiden concordou, fazendo uma expressão como se dissesse "ah, é mesmo?", e se esticou. Claro, como ela estava machucada e machucada por toda parte, começou a gritar de dor na metade do caminho e soltou um uivo enérgico enquanto se recuperava de sua postura desajeitada.

"Ah, droga! Eu nunca mais vou fazer esse tipo de truque novamente!"

"Por favor, não faça. Eu já recebi reclamações suficientes de você pelo Bernholdt para durar a vida toda."

Ela acabou ficando meio louca, afinal. Shin então lançou um olhar fugaz na direção dela.

"... Você está bem?"

Ela foi forçada a derrubar alguém que lhe era querido a ponto de perder toda a compostura e inibição. Ela olhou de volta para os olhos sinceros dele.

"Você está bem, Lil’Reaper? Desde quando você se preocupa comigo?"

".... Esqueça o que eu disse."

Irritado, Shin desceu da carcaça do Cyclops. Vendo-o virar as costas em desconforto flagrante, Shiden chamou-o.

"Como eu posso colocar isso? Foi agradável à sua maneira,"

Shin parou, sem se virar para olhá-la.

"O campo de batalha. Lá, eu tinha um lugar ao qual pertencia, mais ou menos. Então eu pensei que talvez eu pudesse passar o resto da minha vida lá. Seja no Setor Eighty-Sixth ou na Federação."

O campo de batalha. O lugar ao qual estavam determinados a permanecer, não importa o quê. Eles tinham chegado a abraçar e até mesmo se apegar ao mortal Setor Eighty-Six, a fonte de tanta dor.

"... Mas sabe? Enquanto ficarmos no campo de batalha... isso vai continuar acontecendo. Qualquer um dos nossos amigos pode acabar morto."

"Eu preferiria não perder mais amigos como perdi a Shana."

"Eu nunca quero ter que fazer algo assim de novo. Estou farta dessa maldita guerra."

E é por isso...

Ele virou seus olhos vermelhos de sangue para olhar para ela, e ela os encontrou, dando um sorriso jovial e aliviado.

"Vamos encerrar essa maldita guerra de uma vez por todas... Temos toda a nossa vida pela frente, certo?"

Gilwiese fazia parte da unidade de resgate do batalhão aerotransportado. Parte disso era porque ele queria ver todos os soldados do Eighty-Six retornando em segurança, é claro, mas, mais importante, ele tinha um objetivo a alcançar.

As ruínas da cidade haviam sido reduzidas a grandes extensões de terra vazia, que falavam silenciosamente da luta intensa que ocorreu ali. Era como se um gigante tivesse socado o chão sem parar. Lá, eles se reuniram com Shin e o batalhão aerotransportado.

Gilwiese esperou até depois que seu vice-capitão e os Vánagandrs sob seu comando foram resgatados. Somente após isso ele foi manter guarda sobre a área, pilotando sua unidade até a ponta norte das ruínas.

A parte norte da Teocracia - o ponto mais profundo do setor em branco dentro dos territórios da Legion. O lugar mais distante onde um corpo humano poderia existir sem roupas de proteção. A habilidade Esper de Svenja estava longe da original, então seu alcance era muito menor. Se ele não a trouxesse até aqui, ela não seria capaz de detectar isso.

"Eu encontrei, Irmão Gilwiese."

Os olhos dourados de Svenja brilharam enquanto ela olhava para o norte distante. Sua habilidade Esper era a única coisa que a criação seletiva foi capaz de reproduzir, mesmo que apenas parcialmente. Ela era uma das poucas oráculos Heliodor restantes na Federação e na Teocracia, capaz de localizar ameaças distantes.

"Ficou bastante fraco, mas há vestígios da cor que os Espers da Teocracia deixaram para trás quando o detectaram. A ameaça que seus oráculos encontraram não foi o Halcyon, afinal."

"... Então realmente não é. Os oficiais da equipe da Federação definitivamente sabem como fazer seus trabalhos."

As ações e movimentos do Halcyon eram, falando honestamente, bastante incomuns. Mesmo que tenha notado o fato de que o reconhecimento da Teocracia o descobriu, isso não significava que ele tinha que ir em frente e atacá-los. Ele se aproximou, como se estivesse se exibindo. Como se estivesse os convidando a iniciar hostilidades com ele.

Enquanto estava lá, a atenção da Teocracia teve que permanecer focada nele. Afinal, os territórios da Legion eram permanentemente bloqueados pela Eintagsfliege, e o setor em branco e sua ameaça cinzenta rejeitavam a entrada de qualquer forma de vida.

Mas eles o colocaram lá para impedir que a humanidade chamasse a atenção para essa área. O Halcyon era um chamariz imponente destinado a desviar o olhar de todos da verdadeira ameaça que se escondia profundamente nos territórios.

"Devemos compartilhar isso com o Esquadrão de Ataque. Talvez eles tenham encontrado algo do lado deles."

O papel de Zashya dentro do batalhão aerotransportado era agir como um relé de comunicação e oferecer análises avançadas de informações. E também...

"... Você fez bem, Sirins. Inicie a sequência de autodestruição."

Os Sirins tinham sido implantados desde o dia anterior. Não em Alkonosts, mas simplesmente em suas formas humanóides. Ela os enviou para investigar a área a cem quilômetros nos territórios da Legion. E agora Zashya deu a suas aves mensageiras essa ordem. Era lamentável, mas eles não podiam se dar ao luxo de deixar que a Teocracia, ou pior, a Legion, colocasse as mãos neles.

Qualquer informação óptica que os Sirins percebessem era transmitida e armazenada dentro de Królik. Eles só tinham visto as coisas de longe, já que não podiam se dar ao luxo de serem descobertos e pegos, mas era o suficiente para usar na análise.

Olhando para a imagem em sua sub-janela, ela sussurrou:

"Impressionante, Príncipe Viktor. Eu encontrei. É como você esperava."

Diante dela estava a imagem da estrutura de uma torre iminente... construída na forma de um prisma hexagonal.

Parecia que Hilnå não enviou suas pessoas atrás da equipe de manutenção que ficou para trás na base. Talvez, ela simplesmente não tinha homens suficientes para fazer isso. Houve um pouco de luta, mas a equipe de manutenção conseguiu manter o catapulta Armée Furieuse a salvo.

Quando se reuniram com Lena e a equipe de controle, o 2º Corpo do Exército havia chegado para protegê-los, e eles permitiram cuidadosamente a entrada da Vanadis. Assim que finalmente se sentiram seguros o suficiente para relaxar um pouco, receberam a notícia de que a unidade de resgate havia se reunido com o batalhão aerotransportado. Pouco depois, o Para-RAID de Lena recebeu uma ligação do comandante do batalhão aerotransportado, e antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Lena falou.

"Shin. Bom trabalho lá fora."

"Lena."

Era o tom sereno e habitual de Shin. A batalha com o Halcyon foi bastante intensa, mas, felizmente, parecia que ele não estava gravemente ferido. Lena suspirou aliviada. Um momento depois:

“Lena, você poderia enviar o Fido para cá? Temos algo para coletar.”

Sério?

A primeira coisa que ele disse a ela, assim que começou a falar, foi sobre o Fido?

Verdade, o trabalho de recuperação deles ainda não estava completo, o que significava que eles ainda estavam efetivamente no meio da operação. Nesse sentido, o comportamento de Shin era justificável, mas entre isso e todas as outras coisas que a deixavam muito tensa, Lena considerou o pedido dele com mau humor.

Afinal, as coisas estavam bastante difíceis do lado dela também. Ela tinha se esforçado muito e estava muito preocupada com ele. Shin então riu baixinho através da Ressonância.

"Desculpe, não pude resistir... Mas realmente preciso que você envie o Fido."

"Aff...!"

"Estamos bem deste lado. Embora eu tenha ouvido dizer que você teve que puxar algumas acrobacias malucas para escapar do QG inimigo."

Seu tom era claramente provocador. Lena franziu os lábios.

"...Idiota."

"Bem, eu não fui quem foi lá e disse coisas tão distrativas bem antes de uma operação."

Aparentemente, a pequena briga deles antes do início da operação ainda não havia concluído. Lena verificou o relógio na tela óptica, que mostrava que havia passado apenas algumas horas. Mas parecia que eles tinham tido essa discussão boba dias atrás. Ela curvou os lábios em um sorriso meloso. E ela disse de novo, desta vez de maneira mais descontraída, seu tom rico em felicidade.

"Seu idiota."

Shin não respondeu, mas ela podia sentir que ele sorria através da Ressonância.

"E pode ser um pouco cedo demais para dizer, mas... bem-vindo de volta."

“Sim... É bom estar de volta."

Percebendo talvez que ela estava falando com Shin, Fido cambaleou animadamente para perto. Vendo-o pelo canto do olho, Lena fez uma pergunta. Ela queria continuar conversando um pouco mais, mas ela não podia desperdiçar muito mais tempo com brincadeiras que não tinham relação com a operação.

"Então, você disse que tem algo para coletar?"

"É," disse Shin com um toque de hesitação, olhando para o Halcyon.

O esquadrão Spearhead se afastara dele para não ser pego pelo tiro do Trauerschwan, e eles se reuniram em torno de seus destroços depois que ele foi eliminado. Através de sua capacidade de ouvir as vozes da Legion, ele ainda podia ouvir que ela estava apenas funcionando precariamente dentro dos destroços amassados. Seu poder permitia detectar onde estava o núcleo de controle.

"Alguns deles foram despedaçados, mas precisamos coletar os destroços dos cinco canhões de trilho e parte do núcleo de controle do Halcyon."

Para auxiliar em seu retorno, a Teocracia preparou um trem especial e extravagante próximo à fronteira, que os levaria de volta para casa. Era a maneira do país de mostrar gratidão e boa fé por ter as forças da Federação envolvidas em seu escândalo.

A área estava longe das linhas de frente. Aqui, a cinza vulcânica mal conseguia alcançar o céu azul. Os carros da locomotiva moviam-se lentamente ao longo das planícies de outono deste país estrangeiro. Um vento florido, carregando o aroma das plantas nativas da região, entrava pela janela aberta. Essas flores eram pequenas, flores douradas, frequentemente usadas como folhas de chá na Teocracia.

Era um chá que Lena se acostumara a beber ao longo do último mês. Durante as reuniões ou durante suas refeições diárias na base... e durante uma reunião que a Teocracia havia realizado para se desculpar formalmente pelo incidente de Hilnå.

Os Teshat talvez não pudessem ser considerados responsáveis, pois estavam apenas seguindo ordens. Mas Hilnå havia se rebelado contra seu país. Lena perguntou o que aconteceria com ela depois disso... mas o primeiro general santo, Totoka, apenas disse que ela não seria executada por isso. A fé proibia o derramamento de sangue como um mal absoluto, e era a Teocracia que havia forçado os Teshat ao serviço militar. Mesmo que ela fosse uma criminosa, a execução seria vista como assassinato e como um pecado. Por causa disso, a Teocracia não permitia a pena de morte.

Seus laços familiares e clânicos seriam cortados, e ela seria confinada em sua casa. Isso é certo.

Quando os santos encarregados dos assuntos governamentais vieram visitar os alojamentos usados pelo Esquadrão de Ataque durante sua expedição, ela conheceu o primeiro general santo no corredor dos alojamentos. Essa foi a resposta que ele deu quando ela perguntou.

Assim como Hilnå, ele era muito mais jovem do que seu posto sugeriria. Parecia ter cerca de vinte anos, e tinha seu longo cabelo dourado preso em uma trança. Seus olhos também tinham um tom dourado.

Pessoalmente, eu preferiria se ela pudesse ser perdoada de seu confinamento assim que a guerra terminasse... Mas eu não deveria dizer isso na sua frente. Não depois de ela ter ameaçado a vida de vocês. No entanto, você se recusou a matá-la e aos pequenos. Não devemos então cumprir a vontade da deusa da terra e poupar sua vida?

E os Teshat? Lena perguntou.

Eles são verdadeiramente inocentes. Um santo os ordenou, e eles foram obrigados a obedecer. Isso é tudo. Eles serão enviados de volta para serem reeducados assim que o exército estiver devidamente reorganizado... Mas pode ser o momento certo para nós reconsiderarmos esses costumes. Talvez, a Legion seja a maneira da deusa da terra nos mostrar que não podemos mais continuar assim.

Lena compreendeu completamente os sentimentos do general. Ele pretendia lutar contra os costumes que governaram essa terra por séculos. Talvez como uma maneira de absolver Hilnå de seus pecados. Ela teve sua família roubada dela e o papel de mulher sagrada forçado sobre ela pela guerra.

Ainda assim... enquanto Lena pensava que isso era o início de uma mudança, o início de um passo à frente, ela esteve com os Eighty-Six o tempo todo. E alguns deles não concordavam com a ideia de virar as costas para o campo de batalha e viverem suas vidas em uma gaiola dourada de paz. Então talvez o mesmo fosse verdade para os Teshat.

Talvez fosse verdade para Hilnå, que chorou e implorou para que nada mais lhe fosse tirado - tanto que ela lançaria sua própria pátria às chamas pela causa.

“Bu.”

“Eep!”

Enquanto olhava pela janela, perdida em pensamentos sobre coisas que não tinha poder para mudar, ela sentiu algo frio tocar a parte de trás do pescoço. Lena virou-se surpresa, apenas para encontrar Kurena. Ela segurava duas garrafas de uma bebida gaseificada e aparentemente encostara a superfície fria e pingando de uma delas contra a pele de Lena.

Era uma bebida com sabor de mel e cítricos, única da Teocracia. Entregando uma das garrafas a Lena, Kurena sentou-se na cadeira oposta à dela.

“Você está pensando nas crianças do exército da Teocracia?” ela perguntou.

“Sim...” Lena suspirou, envolvendo as mãos ao redor da garrafa gelada.

Kurena encolheu os ombros casualmente.

“Veja, você não deveria ter que carregar tudo isso. Isso só vai te cansar.”

Sentindo o par de olhos prateados sobre ela, Kurena focou intencionalmente em abrir sua garrafa. Kurena também sentia pena delas, é claro. Hilnå e os Teshat foram forçados a lutar e tiveram seus futuros tirados deles. Eram como imagens espelhadas dos Eighty-Six. Mas...

“Pode parecer frio vindo de mim, mas não há mais nada que você ou eu possamos fazer por eles. Eles são os únicos que podem decidir seus destinos.”

Quando os Eighty-Six foram inicialmente acolhidos pela Federação, foram piedosamente instruídos a entrar em uma gaiola de paz. A Federação disse que era para o bem de sua felicidade... Mas os Eighty-Six odiavam isso. Kurena ainda odiava essa ideia. Liberdade tratava-se inteiramente de escolha, afinal - e isso incluía o que fazia alguém feliz e como queria levar sua vida.

Se isso era liberdade, ela queria escolher por si mesma.

E se essas crianças não fossem autorizadas a escolher seus próprios destinos... provavelmente nunca seriam capazes de escapar das memórias das

inúmeras coisas que lhes foram tiradas.

“Além disso, você mesma disse, Lena. Você não pode se concentrar em crianças de outro país. Você tem alguém que precisa priorizar bem ao seu lado. Então, é melhor você tratá-lo como seu número um, entendeu?”

“Hmm... Você quer dizer...?”

Isso era óbvio, é claro.

O rosto de Lena corou, e seus olhos prateados se moveram nervosamente por um momento em pânico. Kurena não deixaria isso passar, no entanto. Ela a encarou ameaçadoramente com seus grandes olhos dourados. Ela tinha o direito de fazer essa pergunta. Absoluta e definitivamente tinha.

“Você... deu a ele a sua resposta?”

“Eu... eu dei...” respondeu Lena, com o rosto corado e a voz quase inaudivelmente fina.

Sua reação deixou claro que ela não estava mentindo. Incidentemente, algumas outras garotas - Anju, Shiden, Michihi, Mika e Zashya - estavam sentadas nas proximidades e se viraram para olhar a troca enquanto fingiam ser casuais. Lena percebeu isso, é claro. Daí sua timidez.

Mas de qualquer forma, Kurena assentiu. Bom. Porque se ela não desse a ele uma resposta... Kurena teria dificuldade em fazer o que viria a seguir.

“Então, a primeira coisa que você tem que fazer quando voltarmos para casa é convidar o Shin para um encontro. É o seu primeiro encontro como namorada dele. Você precisa torná-lo inesquecível.”

Não que ela realmente soubesse muito sobre o que namorados e namoradas faziam, mas aparentemente, era assim que as coisas eram.

Anju se aproximou. Ela apoiou os dois cotovelos no encosto da cadeira atrás de Lena e espiou para baixo.

"Nesse caso... Lena, a Tenente Esther nos deu um presente de despedida antes de deixarmos os Países da Frota. É um perfume único daquela região, feito com algo chamado âmbar gris. Aparentemente, eles coletam dos leviatãs? Eu peguei um pouco, mas cheira muito bem. Ela disse para entregarmos a você se você desse a Shin uma resposta clara."

"...Por que a Tenente Esther também sabe disso...?!"

A resposta era que Lena estava tão ocupada fugindo de Shin que todos se sentiam mal por ele. Então Marcel consultou a Tenente Esther, Anju reclamou, e Rito deixou escapar acidentalmente. Ishmael e alguns outros oficiais lá ouviram ou foram consultados sobre isso. Ishmael ajudou a conseguir o perfume de âmbar gris para eles.

Mas isso à parte, Anju sorriu para ela.

Aparentemente, é algum feromônio que os leviatãs emitem durante a temporada de acasalamento. Então a tradição dos clãs do Mar Aberto é usá-lo durante o namoro ou na noite de um casamento."

"Anju?!"

"Além disso, aparentemente, o rei do Reino Unido há três gerações espalhou pela sala na primeira noite. Invocou o azul profundo do fundo do oceano e teve a dignidade de um dragão ou algo assim. De qualquer forma, dizem que é um cheiro muito distinto e agradável."

"Hã, então não te coloca no clima? Chato," disse Shiden abruptamente.

"Se você quiser algo mais romântico, que tal um perfume de gardênia ou jasmim?" Michihi acrescentou. "Minha família tem o costume de aplicá-lo borrifando no ar durante a primeira noite. Usar todas essas flores que têm um aroma doce e sexy com um efeito afrodisíaco!"

E enquanto ela ria e sorria nessa troca animada, Kurena silenciosamente se afastou.

Alguns dos compartimentos do trem eram ocupados pelo Regimento Myrmecoleo, e o restante foi destinado ao Esquadrão de Ataque. De uma forma ou de outra, seus compartimentos acabaram sendo separados em masculinos e femininos.

Kurena abriu a porta horizontal que levava ao compartimento adjacente para os meninos. Ela havia verificado onde ele estava antecipadamente. As janelas aqui também estavam abertas, e o fraco aroma de flores entrava. Dentro de um assento de quatro pessoas, ela encontrou Shin cochilando, apoiado no encosto de sua cadeira.

Ele havia se machucado durante a operação anterior e foi enviado para comandar esta operação aérea assim que se recuperou dos ferimentos. E esta missão o esgotara de sua própria maneira. Ele estava provavelmente exausto. O livro que ele estava lendo estava aberto em suas mãos, e ele parecia tão indefeso que a ausência do gato preto em seu colo parecia quase antinatural.

Ela lançou um olhar para Raiden, que ocupava o assento oposto e apenas arqueou uma sobrancelha de maneira provocativa enquanto se levantava. Ele deixou o compartimento, cutucando Rito e alguns dos outros meninos do esquadrão Claymore que olhavam curiosos para dentro, e os levou para fora junto com ele. Ele então acenou para alguns dos outros membros do esquadrão Spearhead que estavam sentados por perto, como Claude, Tohru e Dustin, e os orientou a se levantar também.

Em pouco tempo, era apenas ela e Shin no compartimento.

Você não precisava fazer isso.

Ela estava aqui apenas para colocar seus próprios sentimentos à vontade. Shin em si não precisava ouvir isso. Ela simplesmente diria o que pensava e pronto. Ele podia dormir durante isso, tanto fazia. Ele estava cansado, afinal. O livro que ele estava lendo estava aberto em suas mãos, e ele parecia tão vulnerável que a ausência do gato preto em seu colo parecia quase antinatural.

Mas então ela balançou a cabeça. Sua timidez estava surgindo mesmo neste momento, sussurrando palavras sedutoras em seus ouvidos. Mas não. Isso não seria certo. Ela tinha que colocar seus sentimentos para descansar. Enfrentá-los de frente e resolver tudo. Fugir seria derrotar o propósito.

"Shin," ela chamou suavemente. "Shin, hum... Você tem um minuto?"

"...Mm." Uma voz escapou de seus lábios enquanto ela o sacudia um pouco.

Ele abriu as pálpebras e piscou algumas vezes antes de olhar para Kurena.

Seus olhos vermelhos como sangue. A única cor que Kurena achava a mais bonita do mundo. E antes que ele pudesse perguntar "O que é?", Kurena o antecipou.

"Eu te amei, Shin."

Seus olhos carmesim piscaram uma vez. E então se contorceram amargamente, dolorosamente. Era porque ele sabia que não podia e não tinha a intenção de responder às palavras de Kurena, aos seus sentimentos.

...Sim. Eu sei. Você não fugiria da pergunta. Você não tentaria escapar ou mentir sobre o fato de que não pode responder. Isso é o cruel em você.

Você é honesto de uma maneira cruel.

"Eu te amo até agora... Provavelmente sempre vou te amar."

Mesmo que ela viesse a amar outra pessoa mais tarde, ela ainda amaria Shin. Mesmo que essa pessoa hipotética a amasse de volta. E embora ela nem pudesse começar a imaginar isso, mesmo que ela começasse uma família com essa pessoa...

... ela sempre, sempre amaria Shin.

(Azure: Aqui eu fiquei com pena mas entendi o significado do amor verdadeiro! )

Ele era um salvador para ela e seus amigos no Setor Eighty-Sixth. Um camarada. Um irmão de armas. E, realmente, ela teria desejado que ele a escolhesse em vez de qualquer outra pessoa. Ele era o mais querido para ela, aquele em quem ela mais dependia.

Ela o amava, como a um irmão.

Meu... gentil, e precioso Ceifador.

"Então é por isso..."

Ela queria que o caminho de seu camarada, sua família, a pessoa que ela mais se importava neste mundo, fosse abençoado. Era, talvez, o desejo mais natural e óbvio que alguém poderia ter por outro. Mesmo com o mundo sendo o que era, desejar por isso era esperado.

"...você tem que ser feliz. Você tem que encontrar a felicidade," Kurena disse a ele com um sorriso.

Shin permaneceu em silêncio por um breve momento. Ele estava dividido entre a resposta que queria dar a ela e as palavras que poderia dirigir a si mesmo. E depois de permanecer em silêncio e chegar a um acordo com esses sentimentos conflitantes, ele eventualmente disse uma coisa.

Não importa o que ele quisesse dizer a ela, ele não podia responder aos sentimentos de Kurena, então ele disse a única coisa que lhe era permitida.

"Desculpe."

"Não precisa. Afinal, até agora..."

E mesmo agora. E provavelmente sempre.

"...nunca me arrependi de te amar."


Notas dos Tradutores / Revisores:

Azure: E rapaziada esse capitulo foi frenetico e fofo ao mesmo tempo, e tbm triste pq nossa menina Kurena resolveu finalmente se confessar, porem né infelizmente todos somos team Lena mais rlx Kurena se precisar te empresto meu ombro porem e incrivel ver como ao amor verdadeiro funciona o fato de você ser feliz em ver quem vc ama feliz e incrível (eu acho)! || Báleygr: Eu não entendi foi nada Azure. KKKKKKK




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