86: Eighty Six Japonesa

Tradução: LordAzure, Jeff-f


Volume 9

Capítulo 4: Espelho, Espelho Meu, O que Esplendidos Espelhos Mostram?

Diante dos restos fumegantes de um Weisel, uma voz humana — uma presença incomum nos territórios da Legion — ressoou em um grito triunfante.

"Sim, está tudo acabado! Ganhamos! Whoooo!"

Esse grito veio de Siri, que estava no cockpit de sua unidade, Baldanders. Transmitido pelo Para-RAID, pelo rádio e pelo alto-falante externo de sua unidade, seu grito de vitória ecoou por todo o campo de batalha.

Eles estavam na ponta mais ao norte da frente ocidental da Federação, no sopé de uma montanha que fazia parte da cordilheira Dragon Corpse, que também servia como fronteira do antigo Império com o Reino Unido. Era a zona de operação designada da 2ª Divisão Blindada do Esquadrão de Ataque. 

Um comandante do Regimento Livre, que estava tomando uma base próxima, respondeu com um sorriso sardônico. Como estavam em zonas de combate adjacentes, Siri e ele foram ressonados para evitar fogo amigo.

"Poderosa voz, Primeiro-Tenente. Um barítono esplêndido, que me lembra um cantor de ópera que ouvi uma vez."

"Muito obrigado. E, uh... desculpe. Esqueci que ainda estava em ressonância com você."

Realmente tinha esquecido. Coçando a bochecha de forma desajeitada, ele cortou a Ressonância. Ainda assim, essa batalha tinha sido caótica o suficiente para fazê-lo comemorar aos berros ao vencer. Tinha sido irritante e exaustivo.

Antes que o inimigo pudesse se preparar para o combate, os Reginleifs deveriam atacar ao saltar com a Armée Furieuse e assumir o controle da situação. O plano da Federação estava certeiro; eles encontraram apenas um pequeno número de unidades da Legion, provavelmente designadas para proteger diretamente o Weisel.

A estratégia de Siri para lidar com tipos grandes da Legion como o Noctiluca — bombardear seus dissipadores de calor — mostrou-se bem-sucedida. No entanto, os dissipadores de calor do Weisel eram maiores e adequadamente espessos e duráveis, com várias camadas. Até possuía alguns dissipadores de calor sobressalentes dentro do corpo, e, após aparentemente ter quebrado, voltou à vida novamente. Isso não estava nos planos.

Um novo alvo de Ressonância se conectou a Siri. Desta vez, era Canaan, que estava na fronteira norte das regiões da antiga República.

"Bom trabalho. A propósito, a 3ª Divisão Blindada neutralizou seu alvo há trinta minutos".

O relatório foi entregue com uma voz profissional, mas definitivamente era uma fanfarronice. Siri estalou a língua com o tom despreocupado.

"Isso está dentro da margem de erro aceitável, seu idiota."

"Bem, os mais rápidos a atingir seu objetivo foram alguns soldados do Regimento Livre na frente norte, então você está certo. Isso também deixou claro as limitações do meu método. Se não conseguirmos prever com precisão onde está o núcleo de controle, precisaremos começar a atirar às cegas. Além disso, as aberturas e os poços de implantação estão todos cheios de minas e anteparos blindados. Demora muito para passar por eles".

"Sim..."

Entrar por uma abertura de implantação geralmente era visto como algo a ser evitado, mas, no caso do Weisel, provou ser eficaz.

"Desta vez, reunimos informações sobre sua estrutura interna com esse ataque simultâneo, então provavelmente seremos mais precisos em nossas previsões da próxima vez. Mas acho que deveríamos desistir de tentar entrar pelas aberturas de implantação."

"Nosso método também foi eficaz, até certo ponto, mas destruir todos os dissipadores de calor demora muito. Eles são mais difíceis do que se pensa, e o inimigo é muito grande. Mirar neles com uma torre de tanque nessa elevação é difícil. Desta vez, tudo bem, porque estávamos lutando em terra, mas se for uma batalha no mar, como com o Noctiluca, acho que não terá problemas para se resfriar de qualquer maneira."

Então mencionou que provavelmente valia a pena aprender como esses sistemas funcionam, mesmo que estritamente por curiosidade.

"O pessoal da 1ª Divisão Blindada está usando lâminas para cortar a armadura e atirar mísseis em seu interior. Esse é o tipo de ideia maluca que Nouzen e seu bando alegre teriam, eu acho. Mas esse plano pode ter sido o mais eficaz, afinal de contas."

"Desde que você possa abrir um buraco na armadura, na pior das hipóteses, nem precisa desligar os sistemas de refrigeração. É possível destruir o núcleo de controle ou o reator de energia deles... Dito isso, o Nouzen e seu grupo ainda estão lutando."

Hmm? Siri levantou uma sobrancelha.

"Espera aí, eles estão trabalhando com o Regimento Livre Myrmecoleo, aquele protótipo de railgun, e o Nouzen, que pode detectar o núcleo do inimigo... e ainda não terminaram?"

"Bem, eles estão enfrentando aquela unidade Halcyon. O Weisel que tem railguns. Eles têm que avançar naquele pássaro monstro enquanto desativam seus railguns. Imagino que isso vá demorar um pouco."

"...Não, na verdade, pelo que parece, tudo correu bem até a parte em que eles pararam o Halcyon", Suiu, que estava em treinamento na Federação, cortou subitamente a conversa.

Sua voz soava bastante tensa. "—O que aconteceu?", perguntou Siri.

"Alguma coisa aconteceu?", Canaan pareceu preocupado.

"Sim. A Coronel Grethe já está em ação, e todos os membros da 4ª Divisão Blindada - suboficiais e abaixo - e os oficiais da equipe devem ouvi-la. Ouça o que ela tem a dizer, se puder, também".

O Halcyon se chocou contra o chão, resultando em um terremoto que fez até mesmo os Reginleifs de dez toneladas saltarem, e lançou uma espessa camada de cinzas no ar, como um suspiro exausto. Shin inspirou profundamente, mantendo-se cauteloso, e falou.

Queimá-lo por dentro por um momento não foi suficiente para eliminá-lo afinal. Todos os núcleos de controle, com exceção dos railguns, estavam intactos. Ainda podia ouvir seus rugidos.

"Vanadis. Incapacitação temporária do Halcyon bem-sucedida. Prosseguindo para manter a área de combate segura até que o Trauerschwan e a força principal da brigada assumam posições de tiro."

"Entendido. Bom trabalho, todas as unidades aéreas", respondeu Lena, ouvindo os Processadores do batalhão aéreo comemorarem através da Ressonância. "Cyclops, por favor, não faça nada imprudente."

Em contraste com sua operação nos Países da Frota, onde estavam bastante pressionados, a contramedida que eles criaram por conta própria mostrou-se eficaz e gerou resultados. Isso os fez se sentir ainda mais realizados.

Shiden, a quem ela repreendeu, simplesmente deu uma resposta vaga e imediatamente investiu contra Shin.

“Yeah, senhora... Ah, e a propósito, Lil’Reaper? Ei, Reaperrr! Estou falando com você, Reaper!”

"Ugh, o que você quer?", respondeu Shin com irritação evidente em sua voz.

"Você sabe muito bem o que eu quero. Arrisquei meu pescoço para manter a mira do railgun longe de você - não tem nada a dizer?"

"Você se ofereceu para isso. Não preciso ouvir suas reclamações."

"Eu não estava reclamando, estava? Só disse que você tem algo que precisa me contar."

Shin respondeu com um estalido exasperado da língua.

Bernholdt e o esquadrão de Nordlicht pareciam espantados, enquanto Anju conteve uma risada. Raiden, Claude e Tohru riram alto. Lena não pôde deixar de sorrir ao dar suas próximas ordens; parecia que fazia muito tempo que ela não escutava Shin e Shiden brigarem daquele jeito.

"Undertaker, Cyclops, já chega disso. Batalhão aerotransportado, mantenha uma vigilância cuidadosa sobre a área de combate. Força principal, precisamos colocar o Trauerschwan em posição o mais rápido possível..."

Foi então que Hilnå disse algo. Não foi na língua comum da República ou da Federação, mas na língua da Teocracia, que nem Lena nem os Eighty-Six conseguiam entender.

E então, na tela holográfica gigante projetada no centro de comando...

...todos os soldados com o símbolo da unidade de um cavalo veloz e cinza-escuro - os soldados de Shiga Toura, o 3º Corpo de Exército da Teocracia sob seu comando direto - pararam de repente em seus caminhos.

Lena, os oficiais da equipe e o pessoal de controle, como Marcel, foram pegos de surpresa. A unidade de desvio não estava programada para parar de marchar naquele momento, é claro.

"Hilnå, o que você está fazendo?’’ Lena se virou para encará-la.

Dessa vez, Hilnå falou no idioma comum da República e da Federação. Com um sorriso angelical e uma voz tão suave e flexível quanto a exuberante areia de sílica.

" Bloody Regina. Eighty-Six. Vocês vão desertar para o nosso país?"

"...?!"

Rito engoliu nervosamente enquanto inúmeros pontos apareceram de repente em sua tela de radar. Estava diretamente à frente, na direção em que estavam viajando, numa área liberada da força de avanço da Legion. O IFF não respondeu a essas unidades; suas assinaturas de calor eram desconhecidas. E estavam espalhados em formação de leque — posicionados para uma emboscada.

"Espalhem-se!"

Quando ele gritou essa ordem para seus companheiros, já havia se movido para fazer Milan saltar para longe. Rito era um Eighty-Six e tinha seus sentidos de guerreiro aguçados pelas dificuldades da guerra. Ele de maneira alguma era otimista o suficiente para adotar uma abordagem de esperar para ver quando enfrentava unidades não identificadas em uma emboscada.

O estrondo retumbante de disparos de canhão de grande calibre rugiu à frente deles. Enquanto Rito suportava a aceleração severa resultante de sua manobra evasiva, ele olhava fixamente para a tela óptica com seus olhos de ágata. Um projétil aerodinâmico acabara de roçar de raspão o flanco de Milan. Uma grande nuvem de cinzas surgiu da origem desse tiro.

Sua velocidade de disparo era rápida. E, além disso, havia desencadeado uma explosão poderosa atrás, única daquela arma.

Um canhão sem recuo.

"Maldição, isso significa que outro tiro está vindo! Continuem desviando!"

O canhão rugiu novamente, e os projéteis HEAT mais uma vez choveram sobre eles. Mais nuvens de poeira brotaram, enchendo o ar e cegando seu campo de visão.

Um canhão sem recuo era um canhão anti-tanque que anulava o recuo de disparar grandes projéteis desencadeando-o como uma onda de choque atrás dele. Com este método, até mesmo um Feldreß leve poderia carregar um canhão de grande calibre, mas tinha falhas graves.

A maior parte da energia cinética da pólvora era dedicada a reduzir o recuo, tornando os projéteis mais lentos, e o intenso golpe para trás levantava areia e sedimentos, expondo a posição do atirador. Por este motivo, unidades que usavam canhões sem recuo não tinham apenas um cano, mas seis. O primeiro disparo exporia a posição, mas caso falhasse em destruir o inimigo, era possível disparar um segundo ou terceiro imediatamente.

Isso era algo que Rito havia aprendido imediatamente antes desta operação. O que quer dizer que nem Reginleifs nem Juggernauts — nem a Legion que os enfrentava — usavam esse canhão sem recuo. O que significava...

O vento soprou, carregando consigo um pouco das cinzas que pairavam sobre o campo de batalha como uma cortina. E do outro lado dela apareceu um grupo de pequenas sombras cinza-peroladas.

Cinza-peroladas.

Essas unidades sacrificavam pura mobilidade para priorizar permanecer acima da cinza que cobria esta terra. Tinham quatro pernas mecânicas largas. Mantinham grande superfície de contato com o solo e lembravam as asas de um pássaro. Mesmo considerando a forma dessas pernas, que pareciam rastejar pelo chão, tinham torsos curtos, não mais altos que Frederica.

Estendendo-se de cada um de seus flancos havia um conjunto de três enormes canhões sem recuo de 106 mm, espalhados como asas.

Elas pareciam ter sido construídas às pressas no meio de uma guerra. Eram difíceis de olhar. A visão delas quase parecia brutal, como assistir a pequenos pássaros feridos arrastando suas asas quebradas pelo chão.

Tipo blindado 7, Lyano-Shu.

O drone não tripulado que acompanhava o Feldreß oficial do exército da Teocracia, o tipo blindado 5 Fah-Maras. Muitos Fah-Maras haviam sido destruídos durante a década de combate, então os drones tipo 7 foram produzidos em grande número para compensar.

"...Por quê?"

Unidades Fah-Maras apareceram atrás do Lyano-Shu. Moviam-se de maneira típica ao Feldreß da Teocracia, algo reminiscente a um bebê engatinhando, como um animal arrastando seus membros quebrados. Também tinham oito pernas semelhantes a asas, mas como era uma unidade tripulada, e a situação estressante da guerra significava que a vida do piloto tinha que ser priorizada, seu espesso e pesado blindagem frontal era coberto por placas de blindagem extras. Até mesmo o motor e o cartucho de seu canhão de rifle de 120 mm eram colocados à frente do cockpit para proteger o piloto, resultando em um design bastante distintivo.

Não podia haver mais dúvidas. O exército da Teocracia — que havia sido aliado até agora — havia virado suas armas contra os Eighty-Six e o Esquadrão de Ataque Eighty-Six da Federação, como inimigos.

Diante do olhar atônito de Lena, Hilnå sorriu.

Enquanto se virava de costas para a tela principal, os oficiais de controle e de staff da Teocracia permaneceram com os olhos fixos em seus consoles, como se nada disso fosse fora do comum. Eles não consideraram com dúvida ou confusão a repentina parada do corpo em seus passos e as palavras repentinas dos comandantes do corpo. Permaneceram em silêncio e sem resposta, como se tudo estivesse indo de acordo com o plano.

A única mudança foi que seus rostos, escondidos sob os capuzes, estavam ligeiramente inclinados enquanto trocavam olhares e começavam a sussurrar entre si.

Lena conteve a vontade de estalar a língua. As unidades da linha de frente não eram as únicas envolvidas nisso. Os oficiais de estado-maior também estavam envolvidos. Se nada mais, toda a 3ª Divisão de Exército, Shiga Toura, era seu inimigo.

Mas além disso, ela notou algo mais estranho: as vozes dos oficiais de estado-maior da Teocracia e as linhas de suas mandíbulas, um pouco visíveis sob os capuzes. Eles pareciam muito mais jovens do que ela imaginava. Eram, na melhor das hipóteses, da mesma idade que Shin e Lena, se não um ou dois anos mais novos.

Claro, oficiais adolescentes não eram tão incomuns nos dias de hoje. A Federação tinha seus oficiais especiais, e Lena estava acostumada a conviver com os Eighty-Six. Mas aquele era o centro de comando do corpo. E mesmo com o número decrescente de soldados, os mais velhos do exército da Teocracia tinham apenas vinte e poucos anos.

Era estranho. Era como se tudo indicasse que o exército da Teocracia fosse composto inteiramente por adolescentes e jovens adultos... E de fato, Lena não conseguia se lembrar de ter visto um único soldado adulto desde que chegara à Teocracia. Os oficiais de estado-maior, os tradutores, os soldados crianças que apareciam para brincar com eles — todos eram jovens.

E assim Hilnå observava Lena, que permanecia em silêncio, com olhos indiferentes. Ela desviou o olhar para os oficiais da Federação, vestidos com seus uniformes metálicos negros, enquanto suas expressões mudavam de suspeita para cautela, para aflição, e então repetiu a pergunta.

"Vocês vão desertar para nosso país? Eighty-Six, Bloody Regina, e os muitos oficiais de estado-maior. Apresentem suas realizações e feitos heroicos — vocês mesmos — como uma oferta para nós."

* * *

Em termos de cadeia de comando, o 3º Batalhão não possuía relação hierárquica com o Esquadrão de Ataque Eighty-Six, então não havia motivo para Shin estar conectado a Hilnå pelo rádio. Mas ainda assim, a voz de Hilnå alcançou seus ouvidos, de modo sonoro.

Sua voz foi transmitida através do dispositivo que lhes foi entregue em alto volume. Foi claramente repassada a eles com a intenção de que ouvissem.

"Você irá desertar para nosso país? Eighty-Six, a Bloody Regina e os muitos oficiais. Apresentem suas conquistas e feitos heroicos — vocês mesmos — como uma oferta para nós."

"...O que ela está pensando?"

A operação ainda estava em andamento, e eles nunca tinham pedido para desertar para começar. Mas isso claramente não era uma pergunta ou um convite. Isso era...

"Vocês devem se deliciar com o desejo de salvar os outros, ó heróis. Então saibam que a situação de nosso país é muito mais desesperadora do que a da Federação. Priorizem-nos em relação à Federação e a qualquer outro país, pois nenhum é mais digno de pena e desamparado do que nós."

...uma ameaça.

Eles queriam tirar as informações que o Esquadrão de Ataque possuía. Ou talvez quisessem colocar as mãos nos Eighty-Six como soldados — assim como os remanescentes da República, os Bleachers, fizeram.

Parecia que o desdobramento do Eintagsfliege estava fraco no momento.

Havia apenas vestígios escassos de ruído estático poluindo a transmissão de rádio, enquanto a risada gentil da garota dançava pelas ondas sonoras.

"Se vocês se recusarem a aceitar, perecerão neste campo de batalha."

Ainda assim, os Eighty-Six não conseguiam entender o que estava acontecendo. Eles podiam compreender que o exército da Teocracia, que havia sido seu aliado até então, de repente virou suas armas contra eles. Eles podiam entender que agora eram seus inimigos. Mas por quê? O que diabos estava acontecendo?

Os primeiros a responder a isso foram o Regimento Myrmecoleo. O único das cinco divisões a permanecer como retaguarda em vez de agir como parte da força de diversão, que havia ficado para trás do resto da força principal — a 8ª Divisão. Enquanto o inimigo se aproximava por trás deles, as unidades cor de cinábrio imediatamente se viraram e abriram fogo.

Os Reginleifs reagiram um momento tarde demais. Eles não foram vergonhosamente atingidos pelos primeiros tiros, mas, como Gilwiese viu a divisão diretamente atrás dele se mover de uma maneira que claramente mostrava que eles não antecipavam o ataque surpresa, ele conteve o impulso de clicar a língua.

Provavelmente, eles nem sequer consideraram que a Teocracia poderia traí-los. Eles não esperavam traição em nenhum dos campos de batalha de outros países que haviam estado, ou no território da Federação, apesar de não ser sua própria terra natal.

"Vocês são muito ingênuos, Eighty-Six! Pessoas e até países inteiros podem traí-los; vocês não sabem disso?!"

E tudo isso depois que tanto a Federação quanto a Teocracia os haviam empurrado para agir como a força avançada e a unidade aerotransportada, que eram de longe os papéis mais perigosos nesta operação!

Mesmo assim, eles nunca tinham considerado isso. Essas crianças soldados, que foram forçadas ao mortal Setor Oitenta e Sexto da República, que lutaram e se agarraram à vida, nunca cedendo ao desespero. Eles não sabiam que, no fim das contas, a guerra não passava de um método terrível e desagradável que as pessoas usavam para resolver disputas entre si.

"Gilwiese para todos os capitães! A partir deste momento, o Regimento Livre Myrmecoleo termina voluntariamente sua missão de apoio ao exército da Teocracia!"

Sua ordem não foi recebida com dúvida ou confusão. Desde que foram implantados, Gilwiese suspeitava da Teocracia e até do Esquadrão de Ataque, como uma espada mantida entre seus lábios. Ele sempre estava pronto para a traição, então quando ela aconteceu, ele não foi pego de surpresa.

"A unidade blindada da Teocracia em nossa direção das doze horas deve ser considerada uma unidade inimiga desconhecida. Em nome da proteção da Brigada de Expedição da Federação -"

Afinal, o Regimento Livre Myrmecoleo foi estabelecido como uma ferramenta a ser utilizada em nome de um conflito. Assim, a nobreza poderia usá-los para roubar os direitos sobre o exército dos civis. Assim, os nobres carmesim Pyropes poderiam recuperar o título de herói do mestiço Onyx. E assim poderiam garantir que aqueles que tinham o sangue dos Pyropes, mas o sujavam sendo simples oficiais, pudessem permanecer como uma força militar, mantendo a honra de serem soldados.

" —nós declaramos hostilidades contra a 8ª Divisão do 3º Corpo de Exército da Teocracia, bem como a unidade inimiga desconhecida. Vamos mostrar a eles!"

Mostrar essas crianças, que talvez tenham conhecido a malícia e a irracionalidade de um campo de batalha dominado pela Legion, mas ainda eram ignorantes e inocentes quanto às trevas e melancolia do mundo da humanidade.

"...Mesmo que tenham sido traídos por sua própria terra natal e tenham tudo tirado deles, essas crianças não perderam a humanidade fundamental necessária para acreditar em algo."

Ele achou isso invejável. Mas enquanto as palavras escapavam de seus lábios, o rugido do Vánagandr abafou-os, e elas não chegaram aos ouvidos de Svenja.

"Se vocês se recusarem a aceitar, perecerão no campo de batalha."

Kurena ouviu essas palavras em espanto vazio. Era a mesma garota delicada, aparentemente virtuosa que ela tinha conhecido antes, a mesma que havia rezado por seu sucesso na batalha logo antes da missão. Ela os pediu para salvar seu país, e o Esquadrão de Ataque respondeu às suas palavras.

Mas então uma emoção sombria subiu do fundo de seu coração como uma estalagmite. Kurena apertou os dedos dos pés amargamente. A adorável postura daquela garota, seu sorriso, a gentileza que ela dirigiu a eles.

Era tudo mentira.

"...Como você se atreve."

Por que ela acreditou nela? Nos ajude, ela disse, como se fosse para lutar em nosso nome. Ela acariciou seus egos, chamando-os de heróis, quando tudo o que ela realmente queria era usá-los como armas. E isso não era diferente do que os porcos brancos da República diriam.

E realmente, porcos brancos não estavam apenas na República. Havia outros porcos exatamente iguais em todos os lugares. E a Teocracia era apenas mais um. Todo outro país era capaz disso. Eles os tentariam com palavras doces e sorrisos gentis, falando de esperanças intangíveis como sonhos e o futuro.

Foi assim que todos tentaram tirar vantagem dela e de seus amigos.

Em todo lugar era igual. Sempre era igual.

Todos que não fossem seus camaradas sempre pareciam querer usá-los e, cruel e implacavelmente, tirar tudo deles.

As formas como os Eighty-Six eram tratados sempre foi assim. No Setor Eighty-Six, era através da morte no campo de batalha. Em lugares mais pacíficos, era por meio de expressões de piedade. E aqui na Teocracia, era forçando o manto de herói sobre eles.

Sempre foi feito de forma natural, como se usar e ser usado fosse a natureza fundamental do mundo.

Era como se uma cortina escura tivesse se estendido sobre seu campo de visão.

Certo. No final, era assim que as pessoas, como o mundo, eram. Frio, implacável, insensível e desprezível. Era um lugar onde quanto mais esperança se tinha, mais se podia esperar perder.

Assim como levaram embora seus pais. Assim como levaram embora sua irmã mais velha. Assim como tiraram o orgulho de Theo, mesmo quando ele não queria nada além de lutar até o fim.

Ela não acreditaria mais em nada. Os únicos dignos de confiança eram seus camaradas. E todos que não eram seus camaradas eram ou seus inimigos ou pessoas sem sentido que simplesmente ainda não tinham virado as costas para eles.

Ela não acreditaria nas pessoas. Nem no mundo, nem no futuro. Nem no fim da guerra.

<< Refrigeração do sistema de propulsão concluída. Plano Ferdinand, reiniciando. >>

<< Alerta. Os Núcleos de controle dos Railguns de um a cinco foram todos eliminados. Iniciando reparos enquanto utilizamos o núcleo do Railgun número um como base para a reprodução. >>

<< Melusine Dois, iniciando reprodução. Melusine Três, iniciando reprodução. Melusine Quatro, iniciando reprodução— >>

<< Melusine Seis, reprodução concluída. >>

<< Railguns de um a cinco—reiniciar. >>

De repente, o tremor do monstro agachado, não muito diferente das convulsões de um inseto moribundo, tornou-se uma vibração estável. Era o som do poderoso sistema de propulsão do Halcyon reiniciando. Ele foi construído para suportar seu peso maciço e acabara de se recuperar de seu desligamento temporário devido ao superaquecimento.

O monstro metálico ergueu sua forma gigantesca, fazendo a terra tremer sob seu peso.

<< Tão frio. >>

E conforme o Halcyon se erguia, os gemidos dolorosos das garotas, que haviam sido silenciados, jorravam novamente de sua forma maciça. O Pastor controlando o Railgun... o fantasma mecânico de Shana. Seus lamentos ecoavam ao redor deles em curto alcance de cada um dos cinco torreões ao mesmo tempo.

<< Tão frio. >> << Tãofrio. >> << TÃOfrioFrioFRIo >> << o >> << FRIO >>
<< FrioFrioFRIO >> <<Frioooooooooooooooooooo…!>>

"Argh?!"

"Aaah...!"

Esta foi a primeira operação em que Olivia e Zashya estiveram Resonadas com Shin em combate real. As duas não estavam acostumadas com sua habilidade ainda e prontamente cortaram a conexão do Para-RAID e saíram da rede de comunicação.

A agonia—a loucura mecânica era simplesmente intensa demais.

Os Railguns reativados giraram, apontando para o alto em direção aos céus. A luz piscante de uma descarga em arco cortou o céu cinzento enquanto ele desencadeava uma longa e incessante barragem para cima.

As unidades do batalhão aéreo evitaram a chuva de projéteis, que pesava várias toneladas, e se afastaram rapidamente do Halcyon para escapar do alcance do bombardeio dos estilhaços. Depois de afastar os insetos zumbindo ao redor deles e recuperar sua distância mínima, os Railguns moveram suas armas para um grau de elevação—horizontalmente. Os lamentos de Shana mais uma vez aumentaram de tom.

"…!"

"Maldição, de novo…!"

"Ouvir isso tão de perto... É realmente difícil...!"

O peso desses gritos dilacerava os corações de todos. Mesmo Raiden e os membros do esquadrão Spearhead, que haviam lutado ao lado de Shin por anos e estavam acostumados com sua habilidade. Até mesmo Claude e os Processadores do batalhão aéreo que haviam participado de várias operações com ele.

"Shin! Você está bem?!"

"Sim. É um pouco difícil quando está bem perto, mas a esta distância, estarei bem."

O fato de os cinco Railguns poderem voltar à vida sem usar as borboletas líquidas como os Noctiluca faziam foi uma surpresa... Mas como o Halcyon era originalmente um Weisel, ele podia produzir Micromáquinas Líquidas de dentro de seu corpo para compensar os danos que sofria, e seria capaz de usá-las sem precisar expô-las ao exterior.

Olivia logo reconectou a Ressonância, e um momento depois, Zashya também. Seus dentes ainda batiam um pouco, mas ela falou corajosamente.

"S-só levou duzentos segundos para reiniciar. Está se recuperando mais rápido do que o esperado, Capitão Nouzen! E com a marcha do Trauerschwan sendo obstruída além disso, se nós tentarmos super aquecê-lo toda vez que ele ativar, não teremos munição suficiente para durar muito tempo!"

Anju entrou na conversa.

"Shin, só temos sete lançadores de mísseis entre nós e a outra unidade. O esquadrão de artilharia quer economizar sua munição para impedir que os tiros do Trauerschwan sejam interceptados. É como ela diz: não podemos derrubá-lo repetidamente."

"Não temos tantos projéteis de tanque ou de canhão automático restantes também. Não pudemos trazer o Fido para o nosso agradável voo."

"Sim. Então, no pior dos casos, mesmo que não possamos incapacitá-lo, precisamos pelo menos garantir que ele não dispare contra o Trauerschwan. Confirmamos que os pilares de lâmina são eficazes; só precisamos destruir o Halcyon, e nosso objetivo estará completo."

De qualquer forma, eles precisavam derrotar essa ameaça para a Federação. E, se pudessem, precisavam coletar informações ou partes dos destroços. E, o mais importante, todos tinham que voltar vivos. Então, em nome de todos esses objetivos...

"Królik, estou compartilhando imagens ópticas do interior do Halcyon com você. Você pode identificar os tubos do sistema de refrigeração?"

"Entendido; essa é nossa contra-medida caso fiquemos sem foguetes, certo? Vou fazer isso."

"Shiden, posso contar com você para lidar com a Shana novamente?" perguntou a Shiden, que havia permanecido em silêncio desde que os gritos recomeçaram.

Ele sabia que essa era uma pergunta cruel de se fazer. Ela havia decidido descansá-la com suas próprias mãos e até seguiu adiante com isso, apenas para que Shana voltasse à vida como se estivesse desafiando-a. Pedir a Shiden para matá-la novamente era cruel demais.

Mas sua resposta foi surpreendentemente calma.

"Sim, eu vou cuidar disso. E não me fale com esse tom preocupado, Lil’Reaper."

Ela até sorriu ironicamente para ele, inesperadamente.

"Vou socá-la tão fundo no chão que ela não terá escolha a não ser ficar lá embaixo. Ninguém além de mim vai enterrá-la."

O porte de armas de fogo era estritamente proibido na sala de controle da Teocracia. Antes de entrar, Lena e os outros foram instruídos a deixar suas armas para trás, e eles obedeceram a essas instruções. O cano de um fuzil de assalto era longo demais para ser escondido. Assim, Lena não tinha poder para se defender, para não falar em sair dali.

O cano de um rifle de assalto era longo demais para esconder. E assim, Lena não tinha poder para se defender, sem mencionar conseguir escapar dali.

"Não", disse Lena por cima do ombro. "Nós nos recusamos."

No momento seguinte, a oficial de controle sentada ao lado dela chutou a própria cadeira e se levantou. Ela estava vestida com um uniforme cor de aço, de modo a enganar a Teocracia e fazê-la pensar que fazia parte do pessoal de controle. E, à primeira vista, ela parecia perfeitamente humana. A única coisa que a diferenciava era o tom vívido de seu cabelo e seus olhos vidrados. E, é claro, o cristal quase nervoso em sua testa.

Uma Sirin.

"Situação presumida, Eight of Red. Iniciando o combate."

Ela ergueu as palmas das mãos em direção à equipe que guardava as portas, que de repente cuspiu sangue e cambaleou para trás. Ela provavelmente era um modelo modificado que tinha uma arma de fogo de repetição escondida entre os mecanismos do braço.

O porte de armas de fogo era estritamente proibido na sala de controle da Teocracia. Antes de entrar, Lena e os outros haviam sido instruídos a deixar suas armas para trás, e eles obedeceram a essas regras. E foi por isso que a possibilidade de uma Sirin, uma boneca mecânica que escondia uma arma de fogo em seu corpo, era algo que Hilnå e os guardas não podiam prever.

"—Fujam!"

No mesmo momento, um oficial da equipe de suprimentos, de constituição física avantajada, jogou Lena por cima do ombro e correu em direção à saída. Os oficiais de controle e inteligência seguiram o exemplo, chutando para longe os guardas que estavam ajoelhados no chão e segurando os ombros feridos, e apertaram o botão que acionava o mecanismo da porta.

O oficial de suprimentos passou pela porta, cobrindo Lena. Os oficiais de controle, os oficiais da equipe e o Sirin que havia entrado sorrateiramente como oficial os seguiram. Felizmente, não havia sinal de nenhum soldado da Teocracia no longo corredor. Eles correram pelo corredor, mas ainda era um caminho perigoso para se trilhar. Era uma única linha reta sem nada para oferecer cobertura

Ao ver Marcel se contorcer, o oficial que corria ao seu lado diminuiu a velocidade e perguntou:

"Segundo Tenente Marcel, você está bem?"

"Se for apenas uma distância curta, ainda posso correr melhor do que qualquer marginal nas ruas."

Marcel era originalmente um operador da Vánagandr, mas mudou de profissão para oficial de controle depois de machucar a perna. Sua perna não conseguia reagir tão rapidamente quanto seria exigido de um Operador, mas ele era perfeitamente capaz de correr, mesmo assim.

"...Mas percorrer longas distâncias pode ser muito ruim. Mas não se preocupe; deixe-me para trás se as coisas derem errado."

"Você sabe que não podemos fazer isso," disse o oficial.

"Sim, servir como retaguarda é o dever de um Sirin", a garota mecânica interrompeu a conversa.

Ao virarem uma esquina, usaram a parede como cobertura e pararam por um momento. A Sirin pediu desculpas e arregaçou a calça do uniforme que cobria seus joelhos finos. Aparentemente, havia uma fenda em sua pele artificial.

Marcel não pôde deixar de desviar o olhar, mas os oficiais da equipe ficaram boquiabertos. Por baixo das pernas em forma humana dessa garota artificial, havia ossos metálicos prateados e nada mais. Seu corpo era sustentado e impulsionado por um atuador linear cilíndrico. Não havia nem mesmo substitutos artificiais onde seus músculos deveriam estar, mas sim várias metralhadoras escondidas dentro da abertura vazia de suas pernas.

"Sua Alteza preparou isso em caso de emergência. Elas usam balas pontiagudas giratórias personalizadas de alta velocidade, feitas para alvos antipessoais. Elas devem ser úteis para sair daqui".

Sua velocidade inicial era rápida e elas deveriam ser capazes de penetrar nas placas do corpo. Além disso, as balas giravam dentro do corpo, causando danos aos tecidos sem desperdiçar nenhuma energia cinética. Do ponto de vista de Vika, a Teocracia - ou melhor, os humanos em geral - eram perfeitamente capazes de trair, e se preparar para isso era algo natural para ele.

A vivacidade de tudo isso fez Lena e Marcel estremecerem. Os oficiais da equipe, por outro lado, não hesitaram em pegar os punhos das armas.

"- Os pedaços de metal são uma coisa, mas esse não é o tipo de brinquedo que deveríamos estar apontando para as pessoas", disse um oficial da equipe de operações, menos para os dois e mais para si mesmo.

A garota Sirin assentiu.

"Deixo o resto com vocês, amigos humanos... Não posso correr por muito mais tempo, então vou ficar aqui e ganhar tempo."

Ela havia eliminado seus músculos artificiais e se movia apenas minimamente em seu atuador linear. Ela ainda podia andar, mas não podia correr por muito tempo. Ela sorriu para eles e saiu e, momentos depois, eles puderam ouvir uma forte explosão sacudir o centro de comando que tinham acabado de deixar para trás. As perfumadas paredes cinza-pérola tremeram.

O 3º Corpo de Exército da Teocracia, que estava encarregado do desvio, havia parado no local, mas isso era irrelevante para a Legião que estava lutando no momento. Uma parte das unidades da Legião se virou e correu para defender a Halcyon, mas muitos da Legião ainda permaneceram para exterminar o inimigo. Isso significava que o exército da Teocracia, que deveria manter a Legião sob controle, foi parado no lugar pela Legião que deveria distrair.

Para começar, uma divisão inteira, com dezenas de milhares de integrantes, era uma unidade grande demais para mudar de rumo ou parar em seu caminho tão facilmente. Especialmente quando o inimigo à frente deles estava tentando impedi-los de fazer qualquer coisa. E com o 2º Corpo de Exército bem ao lado deles, eles foram impedidos tanto por seu próprio tamanho grande quanto pela horda da Legião que lutava contra eles.

Mas, apesar de todo o exército da Teocracia ter se voltado contra eles, os únicos que lutaram diretamente contra a Brigada de Expedição da Federação foram o regimento de emboscada na frente deles e a 8ª Divisão, que os atacou por trás.

E, embora duas divisões fossem uma força muito maior em comparação com eles, os Reginleifs do Esquadrão de Ataque e os Vánagandr's do Regimento Livre Myrmecoleo eram modelos de ponta da Federacy Feldreß desenvolvidos por uma das potências militares mais fortes do continente e aperfeiçoados no campo de batalha. Apesar da desvantagem numérica, a Brigada de Expedição da Federação interceptou com sucesso o ataque do exército inimigo.

Entretanto...

... o Fah-Maras era uma unidade tripulada, e Rito e seus companheiros não poderiam muito bem usá-lo como um trampolim da mesma forma que fizeram contra a Legião. Mesmo que eles soubessem que essa unidade não era um caixão frágil e ambulante como o Juggernaut, e mesmo que fosse tão blindada e resistente quanto um Vánagandr ou um Löwe

Nada disso importava. Havia pessoas dentro.

"Por quê...?!"

Ele se lembrou de um garoto que gostava de comer cascas de limão. Outro que era bom em queda de braço. Um rapaz mais velho que lhe servirá chá com condimentos apimentados quando chegaram pela primeira vez à Teocracia.

Claramente, eles não estavam mentindo sobre isso — isso ficou óbvio — mas se é o caso, por quê?

Um alarme soou.

Por mais fina que fosse a armadura do Reginleif, ela desviava balas de 12,7 mm, mas o fato de ter sido atacado ativou seus alertas. Provavelmente, um rifle de observação havia disparado contra ele. Como as cinzas atrapalhavam as miras a laser, esse rifle era usado exclusivamente para focalizar a mira da arma no campo de batalha do setor vazio.

E se um rifle de reconhecimento tivesse sido disparado, isso significava que um tiro de canhão viria em seguida.

Rito se esquivou, virando reflexivamente o cano de sua arma de 88 mm na direção do inimigo. Mas sua mira se fixou em um Fah-Maras. E lá dentro, poderia haver alguém que tivesse compartilhado doces com ele, competido com ele ou brincado com ele.

Rito vacilou no último segundo. Mas o Fah-Maras não hesitou em disparar contra ele. Ele podia ouvir uma voz vinda do alto-falante externo. Parecia ser uma menina, ou talvez um menino cuja voz ainda não tinha se tornado mais grave. Eles falavam em um idioma que ele não conhecia, mas a maneira de falar deixava clara a intenção deles.

Me desculpe.

Se eles foram tão longe a ponto de dizer isso... então por quê?

"…!"

Rito teve sorte por ter tomado medidas evasivas antes do tempo. O projétil do tanque passou por pouco por Milan, voando por ele antes de explodir. Os fragmentos do projétil atingiram sua unidade a curta distância, quebrando sua tela óptica. Os fragmentos afiados da tela choveram sobre sua cabeça.

"Rito?!"

"Estou bem, apenas um pouquinho arranhado. Desculpe, posso continuar comandando, mas lutar pode ser um pouco demais agora."

Os fragmentos da tela óptica apenas o arranharam. Mas o corte estava em sua testa, diretamente acima do olho direito. Seu olho dominante estava fechado com sangue e, ao tocá-lo, ele percebeu que o ferimento não iria se fechar sozinho tão cedo. Ele tentou limpar o sangue, mesmo sabendo que era inútil.

"Por quê…?!"

"Os imperiais estão mais obcecados por guerra do que nunca..."

Apenas um soldado da Federação lutou contra os que estavam na base, mas acabou se autodestruindo. Ela havia escondido em seu corpo algum tipo de dispositivo altamente explosivo, que tinha até rolamentos de esferas escondidos dentro dele para funcionar como estilhaços. O cinza-pérola estéril das paredes estava agora manchado de sangue, com seu fedor sufocando o aroma da madeira de águia perfumada do centro de comando.

Hilnå suspirou. A explosão de um explosivo seria suficientemente letal por si só, mas eles tinham de adicionar bolas metálicas para criar um chumbo grosso, aumentando sua letalidade e alcance. Era uma ideia semelhante à de uma mina de chumbo grosso. A garota tinha uma pistola, que de alguma forma havia escondido em seu corpo, mas quando ficou sem balas, ela se recusou a se render. Se os oficiais de controle não tivessem percebido seu desafio e agarrado o soldado da federação, nenhuma das pessoas do centro de comando teria sobrevivido..

Os dois oficiais que a seguraram foram arrancados pelo tiro e a soldado que se explodiu foi dizimada pela explosão. A carne e o sangue de três pessoas, bem como inúmeros fragmentos de metal, espalharam-se pelo centro de comando em um respingo sangrento. O oficial que havia empurrado Hilnå para o chão estava coberto de sangue de outras pessoas e também sangrava um pouco.

Hilnå, no entanto, foi mantida a salvo por sua proteção e pelo sacrifício dos outros dois oficiais. Não havia um único arranhão nela. Uma gota de sangue que respingou em suas bochechas brancas foi a única coisa que suas fiéis lâminas não conseguiram desviar.

"Você está bem, princesa?", perguntou o oficial que a havia protegido.

"Sim. Você tem meus agradecimentos, assim como os dois que se sacrificaram."

O corpo humano pode servir como um escudo eficaz contra balas e chumbo grosso. Desde o início do exército moderno, há inúmeras histórias de soldados que se jogaram sobre granadas de mão para salvar seus companheiros.

E é assim que protegemos nosso país: sacrificando muitos.

Hilnå limpou a gota de sangue sob os olhos, desenhando uma linha de vermelho sangue em sua pele imaculada e branca como a neve, como se fosse maquiagem.

"Aderir ao seu destino e cair em batalha como manda o chamado do destino. Que sorte... e que invejável."

Um Vánagandr cor de cinábrio cobriu um Reginleif que não conseguiu se esquivar de um tiro, ficando no caminho do tiro e bloqueando o projétil HEAT com sua firme blindagem frontal. A placa sólida impediu que o jato de metal invadisse o interior do Vánagandr, enquanto o APFSDS de 120 mm que ele disparou de volta como contra-ataque explodiu o Lyano-Shu em pedaços.

"Você está bem, jovem?"

"O-Obrigado..."

"Não diga nada. Proteger mulheres e crianças do perigo é nossa honra."

Ao ouvir essa conversa pelo rádio e quase imaginar o sorriso de dentes do piloto do Vánagandr, Frederica se sentiu um pouco relutante. Mas depois de ver a cena com seus próprios olhos, ela entreabriu os lábios em agradecimento.

Ela estava sentada dentro de uma das câmaras de controle das pernas da Trauerschwan, escondida atrás da formação Reginleif. O grupo de Lena ainda estava fugindo, e seus substitutos, os comandantes de esquadrão, estavam todos no meio do combate. Por mais que ela fosse uma mascote e não tivesse nenhuma autoridade, deveria pelo menos agradecê-los em seu lugar.

A blindagem frontal de um Vánagandr poderia bloquear até mesmo um projétil de tanque de 120 mm, mas enquanto ela sentia vontade de dizer-lhes para não serem imprudentes, também percebia que seria inadequado.

Mas Svenja, que provavelmente tinha visto a mesma coisa que Frederica, interveio na transmissão antes que ela pudesse. E de forma rude.

"Você viu isso agora mesmo, Eighty-Six?! Os Vánagandrs do Regimento Myrmecoleo o protegerão, portanto, fique escondido na fileira de trás! Nossos corcéis carmesins não permitirão que nenhuma flecha sorrateira passe por eles..."

Frederica gritou de volta para ela. Como a mascote de outra unidade ousa dizer isso a eles?

"Sua blindagem frontal, isso sim! Seus Vánagandr lentos e preguiçosos são bons para fazer uma parede, talvez. E, deixando tudo de lado, você não tem nenhuma autoridade sobre sua própria unidade, sem falar no direito de dar ordens a outras unidades. Mantenha sua cabeça baixa e sua boca fechada, seu enfeite insignificante!"

“Eep?!”

Apesar de ter gritado com ela a plenos pulmões, sem qualquer reserva, a voz de Frederica ainda era a de uma menina, que mal havia entrado na adolescência. Ainda assim, foi o suficiente para fazer Svenja estremecer e se encolher o suficiente para que Frederica pudesse ouvi-la pelo rádio. Quando Frederica levantou uma sobrancelha, o alvo da chamada mudou para Gilwiese.

“Você está certo. Peço desculpas se confundimos a cadeia de comando. No entanto, eu apreciaria se você pudesse se abster de elevar a voz contra nossa Princesa. Ela é bastante sensível a gritos.”

“…Bem, suponho que não houve mal algum, já que nenhum dos Processadores estava ouvindo-a.”

Afinal de contas, os Oitenta e Seis estavam supostamente acostumados com os Operadores da República que ocasionalmente tagarelavam pela Ressonância Sensorial e pelo rádio. Eles não iriam simplesmente ignorar as palavras de uma Mascote desconhecida; para começar, eles não lhe dariam ouvidos.

Dito isso, Frederica franziu o cenho. Não causaria nenhum problema pelo rádio, mas…

"No entanto, você me disse para não gritar, mas cabe a você educá-la sobre os princípios básicos do comportamento no campo de batalha. Preste atenção a isso. E não me peça para não repreendê-la por isso. Você afirma ser a figura de irmão dela, não é?"

“…Peço desculpas.”

"... Posso ver por que ela é a 'irmã mais nova' do capitão Nouzen. Ela tem uma boa cabeça sobre os ombros, Princesa".

Após desligar o rádio com um sorriso sardônico, Gilwiese virou-se com algum esforço para o assento do atirador. Eles estavam dentro do cockpit de dois lugares do Mock Turtle. O assento era apertado demais para um adulto, mas grande demais para o pequeno porte de Svenja.

Especialmente agora, enquanto ela estava encolhida e tremendo. Gilwiese falou com ela com calma.

“Aquela não era a arquiduquesa gritando com você. Não era a arquiduquesa repreendendo você. Está tudo bem. Não tenha medo.”

“S-sim…,” ela murmurou, levantando a cabeça com medo.

Os sinais de lágrimas e pânico ainda eram evidentes em seus olhos dourados.

Aquela garota Mascote não sairia do lado de Shin, então ele presumiu que fosse alguma garota relacionada à Casa Nouzen. Ou talvez estivesse envolvida com o pai adotivo de Shin — o presidente temporário, Ernst. O presidente era um soldado antes da revolução, e os soldados eram nobres ou plebeus afiliados ao seu regimento.

Independentemente disso, estavam sob o comando do governador. Então aquele ex-governador poderia ter confiado a Shin o cuidado de uma criança ilegítima. Não era improvável.

De qualquer forma, aquela garota provavelmente vinha de uma linhagem de guerreiros Onyx e também tinha sangue de Pyrope correndo em suas veias.

E, apesar de ser mestiça de Pyrope, como Svenja, ela não conseguia compreender seu terror ao ser repreendida. E ela até mesmo discutiu com um adulto como Gilwiese sem nenhum sinal de medo.

“…Não adianta. Eu me sinto… Qual é a palavra certa para isso? Indignado, suponho.”

Ele não poderia culpar a garota Mascote por ter crescido sem nunca conhecer o gosto do chicote. Os Onyx não precisavam se envolver em seleção genética, então não tinham filhos que eram produtos fracassados. Desperdícios indesejados que tinham que viver enquanto suportavam gritos e xingamentos por serem parasitas inúteis.

“Irmão. Certo, devemos relatar ao ‘Pai’, nesse caso. Se informássemos ao ‘Pai’ que essa teocracia de segunda categoria nos traiu, tenho certeza de que ele traria retribuição—”

“Supondo que pudéssemos contar a ele. Princesa… Os Eintagsfliege estão bloqueando nossas comunicações. Não podemos contatar a Federação agora.”

“…Ah.”

Entre eles e a Federação estavam a Teocracia, a República e os países do extremo oeste, bem como as zonas e os territórios contestados da Legião. Os Eintagsfliege estavam constantemente posicionados sobre seus territórios, com sua interrupção eletromagnética bloqueando a comunicação sem fio.

Em outras palavras, qualquer coisa que tenha acontecido com a Brigada de Expedição na Teocracia, o continente da Federação não seria alertado. Eles não tinham meios de pedir à Federação para resgatá-los dessa situação ou pressionar a Teocracia.

O Esquadão de Ataque e, originalmente, a República, utilizavam a Ressonância Sensorial. Uma recriação mecânica de uma parte da habilidade da Marquesa Maika. Eles não conseguiram reproduzir totalmente a habilidade, é claro, mas o dispositivo permitiu comunicações que ignoravam a distância e a interrupção do Eintagsfliege.

Mas, no final das contas, era apenas uma máquina. Alguém na Federação tinha que ter um dispositivo RAID configurado para se comunicar com a 1ª Divisão Blindada, e precisava estar ligado naquele exato momento. E mesmo que Gilwiese e Svenja informassem alguém da Federação, levaria tempo para que a ajuda chegasse.

E no clima atual, era improvável que a Federação, mesmo que fosse herdeira do glorioso Império Giadiano, estivesse disposta a entrar em uma guerra com a Teocracia. Em termos realistas, tudo o que eles perderiam seriam dois regimentos. Eles não iniciariam uma guerra apenas para recuperá-los. Especialmente os Eighty-Six, que não eram cidadãos da Federação por nascimento ou tinham qualquer família que quisesse vê-los de volta.

Eles seriam aclamados como heróis trágicos, e os cidadãos clamariam sobre seu destino por um tempo, mas uma vez que a Federação anunciasse que cessaria o apoio à Teocracia ou impusesse alguma outra sanção, a história seria esquecida em pouco tempo.

Ninguém se importaria se uma unidade de plebeus morresse. No final, o Regimento Myrmecoleo não era nada mais do que um peão descartável, tanto para a Federação quanto para seus senhores. Sua perda não causaria dor duradoura a ninguém.

“…E é por isso que ser uma unidade de destaque não traz nenhum benefício.”

"Mas... qual é o propósito?" Shin murmurou para si mesmo

Não era algo que ele deveria estar pensando nessa situação, mas simplesmente não fazia sentido. O que estava acontecendo provavelmente não desencadearia uma guerra com a Federação, mas criaria antagonismo e apenas pioraria a posição da Teocracia.

As relações da Teocracia com a Federação, o Reino Unido e a Aliança azedariam, e eles perderiam qualquer apoio futuro que estivessem prestes a receber. E embora não fosse tão grave quanto o caso da República, ainda seriam rotulados como párias por forçar crianças soldados ao combate... E tudo o que ganhariam em troca disso seriam dois regimentos blindados.

Não compensa. Não, mesmo antes de considerar isso, para começar…

“…Por que estão fazendo isso agora?”

Isso foi o que chamou a atenção de Lena. Afinal, o Halcyon só tinha sido temporariamente imobilizado devido ao superaquecimento. Era a ameaça iminente da enorme arma apontada para o templo da Teocracia; eliminá-la deveria ter sido a prioridade máxima. E não só isso ainda estava em grande escala, mas seus exércitos ainda estavam enredados em combate com as forças de linha de frente da Legion.

Então, por que eles trairiam a Brigada de Expedição da Federação e se arriscaram a lutar em duas frentes - mesmo que um dos exércitos contra o qual estariam lutando fosse muito mais fraco? Por que traí-los agora? Não havia nada a ganhar se eles voltassem contra eles aqui.

Hilnå mencionou conquistas e informações, mas a Brigada de Expedição da Federação não tinha capturado o núcleo de controle da Legion, para não falar em eliminar o Halcyon, que era seu objetivo inicial. Não teria sido tarde demais para atacá-los depois; na verdade, se a Teocracia realmente quisesse trair tanto assim, deveria ter feito isso após completarem a missão — quando tivessem derrotado a ameaça iminente do Halcyon e possivelmente obtido informações confidenciais ou destroços do railgun.

Após a conclusão da operação, a Brigada de Expedição estaria fatigada e desprevenida. Se a Teocracia os atacasse mais tarde, esta noite, quando estivessem fora de seus Reginleifs, até os Eighty-Six seriam capturados sem muita resistência. Sim, mesmo do ponto de vista de capturar os Eighty-Six eles próprios, trair após a conclusão da operação teria rendido à Teocracia muito mais com muito menos esforço.

Nesse caso, por quê? Por que fazer isso agora e passar pelo trabalho de infligir perdas desnecessárias uns aos outros?

Todos os corredores por onde corriam não tinham sinais de soldados ou guardas. Eles se dirigiam para o hangar da base. As metralhadoras que lhes foram entregues tinham apenas um número limitado de balas cada, devido à necessidade de serem escondidas, mas eles chegaram lá sem disparar uma única bala.

Eles olharam para fora e viram o ar aberto e cinzento que levava à porta. Eles não poderiam atravessar aquele terreno sem roupas de proteção.

“Entrem no Vanadis!”

Foi então que Lena recebeu uma transmissão através do Para-RAID. Era do capitão do esquadrão de guarda do quartel-general, que eles haviam deixado como unidade reserva.

"Decidimos vir buscá-lo antes mesmo de você nos chamar! Envie-me uma transmissão assim que estiver tudo dentro; estamos rompendo a persiana!"

“Sim, obrigada!”

Um subcondutor subiu no banco do motorista do Vanadis e acelerou o motor. Sem nem mesmo verificar se todos haviam se agarrado a alguma coisa, ele pisou no pedal sem hesitar.

"Segundo-tenente Nana!"

"Sim, senhora!"

Duas metralhadoras pesadas emitiram um guincho agudo reminiscente a uma serra elétrica. Suas balas rasgaram a cortina metálica em questão de segundos. Com o fogo cessando um momento depois, o Vanadis mergulhou através do buraco na cortina com um estampido estridente.

Fragmentos metálicos voaram pelo ar. Dentro do hangar, os Reginleifs saudaram a carruagem de sua rainha, formando uma formação defensiva ao seu redor num piscar de olhos.

A visão de figuras uniformizadas, carregando rifles de assalto, finalmente preencheu o monitor do Vanadis.

Kurena conseguiu ver a unidade de Mika, Bluebell, sendo arremessada bem abaixo dela através do sensor óptico do Trauerschwan.

"Mika!"

Não foi um golpe direto no cockpit. Sua unidade também não foi gravemente danificada. Mas ela estava definitivamente ferida. Com seu flanco esquerdo arrancado, Bluebell ficou parada no lugar, e uma unidade consorte se aproximou dela com um Juggernaut para rebocá-la. E mesmo enquanto faziam isso, unidades cinza-peroladas se aproximavam deles.

Uma transmissão acabara de chegar, informando que Rito também estava ferido e teve que recuar para o final da linha. Kurena só podia ficar parada, cerrando os punhos dentro do cockpit do Atiradora, que tinha suas pernas dianteira e traseira fixadas no bloco do gigante railgun.

"...Por quê?"

Eles fizeram isso por alguns canalhas que os enganariam e usariam. Para pessoas horríveis que tentariam empurrar a dificuldade e a dor da batalha para alguém mais e fingir que não existia.

Por que sempre nós?

Ela percebeu de repente que o denso amontoado de emoções que carregava em seu coração era raiva. Não fervia em seu peito, nem queimava no fundo do estômago. Era fria e dura, como um objeto estranho preso dentro dela e que não desaparecia. Como um veneno congelado e coagulado que se agarrou a ela de dentro para fora.

Era uma indignação que fervilhava dentro dela durante todo o Setor Eighty-Sixth e desde então.

"Por que nós... sempre temos que ser aqueles que lutam...?!"

Protegido por um esquadrão de Reginleifs, o Vanadis escapou do centro de comando do corpo de exército e entrou no terreno baldio. O Vanadis não estava desprovido de meios de autodefesa, mas sua metralhadora de 120 mm e suas metralhadoras pesadas não tinham potência. Sua mobilidade também estava muito longe do que os Reginleifs eram capazes de fazer. Dessa forma, o veículo de comando não foi projetado para combate e eles precisavam evitar todo e qualquer confronto.

O mesmo se aplicava ao esquadrão de guarda, que havia sido deixado para trás como apoio mínimo em caso de emergência. Eles correram pelo terreno cinzento, escondendo-se atrás de qualquer colina que pudessem encontrar para evitar o combate com os militares da Teocracia. Eles tinham que procurar uma maneira de romper o cerco do corpo de exército e tentar se reagrupar com o restante de suas forças.

Eles haviam conseguido escapar da base inimiga, mas se Lena e os outros fossem capturados novamente, poderiam ser usados como reféns para pressionar os Eighty-Six. E eles também precisavam reunir os técnicos e a equipe de manutenção da Armée Furieuse, que estavam localizados a quinze quilômetros de distância. Lena só podia rezar para que eles estivessem bem.

"Segundo-tenente Oriya, Segundo-tenente Michihi! Qual é a situação de vocês?!" Lena lhes perguntou através do Para-RAID.

"Estamos completamente cercados, Coronel!"

"As linhas da 3ª Divisão e do regimento de artilharia de emboscada estão finas às três horas! Estamos tentando romper a partir dali!"

Frederica então interveio com outro relatório.

"O 2º Corpo de Exército da Teocracia também está começando a se mover em nossa direção. No entanto, eles ainda estão enfrentando a Legião, portanto, não podem contribuir para o cerco... Ter andado sobre os oficiais e soldados da Teocracia enquanto fazia o papel de uma criança inocente provou ser útil."

Esse último comentário fez Lena piscar algumas vezes, por mais inapropriado que fosse nessa situação tensa.

"Frederica... Você consegue entender o idioma da Teocracia?"

Sua habilidade permitia que ela visse o passado e o presente de qualquer pessoa com quem estivesse familiarizada, mas pelo que Lena sabia, isso exigia que ela pelo menos soubesse o nome deles e tivesse trocado palavras com eles.

"O suficiente para manter uma conversa básica. Eu falei com eles, mas fiz parecer que não os entendia muito bem. Como eu disse, interpretei o papel de uma criança inocente, sorrindo como uma menina desamparada em uma terra estrangeira. Repeti meu nome como um bebê até que percebessem minha intenção e dessem o deles, e isso foi o suficiente para minha habilidade funcionar... Esta terra está muito longe da República e da Federação, afinal. Eu presumi que não faria mal agir com cautela."

Ela provavelmente não esperava uma traição direta, mas Frederica assumiu que algum tipo de mal-entendido ou falta de comunicação poderia levar a uma situação inesperada.

"Eu já provei que sou útil, Vladilena?"

"Claro que sim, Frederica... Obrigada. Você é uma grande ajuda."

Ela podia sentir Frederica acenar com a cabeça em sinal de satisfação. Lena, no entanto, considerou cuidadosamente suas informações. O 2º Corpo de Exército estava avançando. Não se podia esperar que dois regimentos conseguissem conter o exército de um país inteiro. Em termos de tempo desperdiçado, fadiga do batalhão aéreo e munição restante, eles não podiam deixar isso durar muito tempo...

"—Mas, Coronel, espere."

Alguém interveio. Era Mitsuda, um dos comandantes dos batalhões Reginleif configurados para a artilharia. Sua voz tinha um leve tom de descontentamento que não tentou esconder, embora não fosse direcionado diretamente a Lena. Ele continuou, com um tom mais calmo e sereno.

"Digo, e se tivermos o grupo do Shin recuar do Halcyon. Não podemos voltar depois disso?"

Lena se enrijeceu e engoliu nervosamente. Mitsuda prosseguiu.

"Quero dizer, o grupo do Shin parou temporariamente o Halcyon, mas ainda está intacto. Se simplesmente o deixarmos lá, não terão os homens da Teocracia suas mãos ocupadas lidando com isso? Afinal, chamaram a Federação para ajuda porque era demais para eles lidarem. Então, enquanto estiverem ocupados em resolver isso por conta própria, nós podemos ir para casa."

Isso os pouparia de ter que lutar desnecessariamente contra a Teocracia, o que evitaria perdas desnecessárias nessa batalha.

"Bem..."

Eles poderiam fazer isso? Sim. Seria necessário algum esforço, mas eles poderiam ajudar Shin e o batalhão aerotransportado a escapar, evacuar as linhas de frente no caos que se seguiria e deixar a Teocracia. Eles teriam que explodir o Armée Furieuse e o Trauerschwan para se livrar deles e não deixá-los para trás para serem capturados pelo inimigo. Mas, em comparação com uma batalha sem esperança contra uma nação inimiga, isso salvaria inúmeras vidas.

Mitsuda então falou em um tom distante, sem esforço para esconder a repulsa e ressentimento profundos que sentia.

"Sim, nos orgulhamos de lutar até o fim. E claro, se a Federação quiser se aproveitar de nossa vontade de perseverar, vamos permitir, contanto que nos ajudem a fazê-lo... Mas isso não significa que queremos ser usados como se não importássemos, para nos forçarem a ser mártires por eles."

Ao ouvir essas palavras, Michihi tremeu como alguém que acabara de ter seus pensamentos lidos em voz alta. Rito tentou negar, embora parte dele se questionasse sobre isso. E Kurena simplesmente concordou do fundo do coração.

A mesma dúvida, frustração e indignação fervilhavam no coração de cada um dos Eighty-Six e foram despertadas por essas palavras. Afinal, tinham o dever de lutar por pessoas assim? Ou pelo menos, por pessoas assim também? Só porque lutar até o fim estava em sua natureza, só porque tinham orgulho em fazê-lo, não significava que simplesmente se renderiam e aceitariam. Quando alguém os enganava, virava suas armas contra eles e exigia que lutassem suas batalhas, tinham o direito de recusar.

Para começar, não lutavam para proteger ninguém ou salvar algo.

Isso era verdade tanto no Setor Eighty-Sixth quanto fora dele. Eles não lutavam pelos porcos brancos da República. Eles o faziam por seu orgulho e por seus camaradas.

Eles não fugiriam, e não desistiriam. Lutariam até o fim, até o último suspiro que dariam em seu momento final — seguindo seu orgulho como Eighty-Six. E se acabassem protegendo os porcos brancos ao longo do caminho, bem, não gostariam disso, mas fariam o que precisava ser feito.

A Federação os usava como ponta de lança para destruir posições-chave da Legion, como ferramenta diplomática e material de propaganda. Eles sabiam disso. Os cidadãos da Federação viam apenas os Eighty-Six através da mídia e das notícias e os consideravam heróis trágicos a serem glorificados. Mas por outro lado, a Federação lhes dava muito em troca, então aceitavam isso a contragosto.

Mas não queriam ser ferramentas ou material de propaganda, e definitivamente não queriam ser vistos como heróis. Eles só lutavam por si mesmos. Por seu orgulho, pela pessoa que queriam ser e no que acreditavam. Não pelos outros.

E é por isso que, agora que haviam deixado o Setor Eighty-Sixth, não lutariam por pessoas como essas. Nem agora, nem nunca. Então, se não lutassem aqui... se simplesmente abandonassem essas pessoas que os deixaram para o destino deles... não haveria nada de errado com isso... certo?

Mas a dúvida que mexeu com os Eighty-Six por aquele momento foi despedaçada. Foi como o golpe decisivo de uma lâmina afiada.

"Undertaker para Vanadis."

Sua voz clara e serena alcançou seus ouvidos —

"A unidade aerotransportada retomará sua missão, conforme decidido inicialmente. Manteremos a zona de batalha sob controle até o Trauerschwan estar em posição."

— declarando que não voltariam atrás com a operação.

Lena, Kurena e as crianças-soldados sussurraram seu nome, como se estivessem saindo de um sonho. Todos eles tinham sentimentos diferentes, mas todos falavam igualmente o nome do Ceifador sem cabeça que um dia reinou no campo de batalha do Setor Eighty-Six. Do deus da guerra que um dia os liderou.

"Shin..."

Eles ainda não haviam eliminado o Halcyon. A operação ainda estava em andamento.

A chuva de estilhaços os obrigou a se manter longe do Halcyon, mas enquanto lutava para se aproximar novamente, ele continuou falando.

Ressonar com toda a divisão blindada fazia sua cabeça latejar, mas ele conseguia suportar por mais um tempo.

Shin sabia como eles se sentiam. Ele odiava tanto quanto eles. Não queria lutar por pessoas que não eram melhores do que os porcos brancos da República, muito menos morrer por elas. Especialmente agora, quando haviam percebido que tinham o direito de recusar... O direito de dizer que não queriam morrer.

No entanto...

"Entendo sua raiva. Mas se ignorarmos o Halcyon, ele pode aparecer na frente da Federação. E se não capturamos o núcleo de controle de uma unidade de comando — as informações confidenciais da Legion e o próprio railgun — a Federação não terá futuro. Esta não é uma operação em que podemos nos permitir ser consumidos por nossas emoções e desistir."

Não podiam renunciar à chance de viver movidos pela raiva e indignação. Suas vidas simplesmente não eram volúveis e transitórias o suficiente para permitir isso.

O núcleo de controle do Halcyon não era um oficial imperial. Nem o núcleo do Noctiluca, nem as "Shanas" que operam os railguns. Nenhum deles tinha as informações de que a Federação mais precisava. Mas mesmo assim.

Mitsuda falou. Não por insatisfação ou intenção de argumentar, mas como uma criança que havia perdido o motivo para ser teimosa e insistente.

"Mas, Shin... Mas..."

"Eu já disse, Mitsuda. Entendo sua raiva. Não está errado. Mas não vale a pena arriscarmos nossas vidas por isso. Se as coisas ficarem realmente perigosas, consideramos a retirada então."

"...Entendido."

Mitsuda concordou através do Resonance, ainda que de forma relutante. Tendo confirmado isso, Shin cortou a conexão com a unidade inteira. Assim que o fez, podia sentir claramente o sorriso amargo de Raiden através do Resonance.

"Bem, não é como se voltar do combate fosse tão simples como Mitsuda coloca."

A unidade aerotransportada trabalhava sob a suposição de que a unidade terrestre lidaria com a eliminação da Legion nas linhas de frente para eles.

Lutar contra o Halcyon era uma coisa, mas ter que lutar para sair da área com o Halcyon atirando neles por trás poderia ser um pouco difícil, especialmente porque não podiam contar com o exército da Teocracia para ajudar.

"Sim. Todas as unidades, me ouviram. Vamos retomar a operação."

Todos na unidade aerotransportada compartilhavam a postura de Raiden. Nenhum deles expressou qualquer reclamação, mantendo um senso de tensão. A operação foi retomada. No entanto, quem poderia dizer quanto tempo eles teriam que esperar para que o Trauerschwan assumisse sua posição de tiro agora?

"Com base na análise do sistema de resfriamento, talvez não precisemos esperar o Trauerschwan se posicionar para destruir o Halcyon, e se for possível, o faremos imediatamente. Até lá, tentem não desperdiçar munição, se não for necessário."

Através de ambos os setores Eighty-Six e o campo de batalha da Federação, ela o seguia. Ela o ansiava de uma maneira que beirava a fé religiosa. Mas ouvindo-o agora, Kurena só podia reagir com incredulidade.

"Por quê?"

Por que ele continuava dizendo que a guerra estava prestes a acabar, mesmo nessa situação? Por que insistia em ter fé nesse mundo? Em um mundo que ria enquanto abatia sua mãe e pai a sangue frio?

Em um mundo que cortaria o braço de um Eighty-Six que tinha seu coração decidido a lutar até seu último suspiro?

Os porcos brancos levaram sua família da mesma forma. Você viu Theo perder uma mão assim como eu. Então por quê? Como você ainda consegue fazer isso?

Por muito tempo, houve um abismo decisivo, uma fissura, que separou ela e Shin. Entre os Eighty-Six como ela e os Eighty-Six como Shin. E agora ela viu isso. O muro que se erguia entre aqueles que deixaram o Setor Eighty-Sixth e aqueles que não podiam deixá-lo — aqueles que foram deixados para trás.

"Você vai nos abandonar? Ei... "

Nosso Reaper. Ou assim eu pensava...

Vai nos abandonar?

Quando costumávamos ser seus camaradas?

"A unidade aerotransportada retomará sua missão, conforme decidido inicialmente. Manteremos a zona de batalha sob controle até o Trauerschwan estar em posição."

De todas as coisas, ela nunca esperava por isso.

Ouvir as palavras firmes e dignas do capitão dos Eighty-Six, Hilnå, não pôde deixar de arregalar os olhos e olhar com espanto.

Não pode ser. Não pode. Os Eighty-Six estão dizendo isso? Não... Afinal.

Ela não conseguiu evitar o sorriso que se formava em seus lábios.

"Estão vendo? Seu deus da guerra, seu Ceifador também diz isso, Eighty-Six."

Nem Lena nem os Eighty-Six puderam ver esse sorriso, mas era terrivelmente distorcido... e de alguma forma auto-depreciativo.

"Esse é o seu papel. Essa é a vontade da deusa da terra e o destino concedido a vocês por este mundo. Todos vocês não conhecem nada além de guerra. Vocês não têm outro lugar para viver. Vocês viverão no campo de batalha e lá também morrerão. Esse é o único destino que está reservado para vocês".

Assim como nós.

As palavras de Shin através da Ressonância eram coisas que todos pensavam, mas nenhum deles havia expressado em palavras. Ele não tinha tempo para debater o assunto, pois a batalha com o Halcyon estava prestes a recomeçar, então Lena falou em seu lugar.

"Todas as unidades. Vocês não precisam ver isso como salvar a Teocracia. Vocês não são heróis. Vocês podem e devem lutar por seus próprios motivos."

Fazer esse apelo era um dever do comandante. E ela não queria que as palavras dele fossem usadas contra ele.

"E mesmo que você se orgulhe de lutar até o último suspiro, isso não significa que seu único propósito seja lutar. Vocês não são drones e não são armas. E não devem se deixar enganar por essa bobagem! No entanto, concluiremos essa operação. Vamos destruir a Halcyon!"

Se eles estivessem descontentes ou infelizes, então que isso recaísse contra ela e não contra Shin. Ela era uma rainha que vivia sob os Eighty-Six. Em vez de nunca derramar seu próprio sangue no campo de batalha, ela deveria permanecer mais calma do que seus subordinados.

"E, para isso, precisamos primeiro romper esse bloqueio! Cooperem com o Regimento Myrmecoleo e abram uma brecha no cerco do inimigo!"

Mas assim que disse isso, percebeu algo criticamente errado neste plano. Romper um bloqueio. Um cerco completo.

Por quê?

Um exército fica mais fraco quando disperso. Um exército derrotado sofre a maioria de suas perdas durante a retirada. E por isso, como regra geral, não se assume uma formação que não permitiria que o inimigo escapasse de forma alguma. Quando empurradas para trás, as pessoas são tão propensas ao pânico e a fugir quanto os animais.

Mas se sua rota de fuga é cortada e a morte os encara, os soldados são impelidos a lutar até o último suspiro. E assim como os animais são mais perigosos quando encurralados, os soldados exibem uma ferocidade extraordinária quando libertos dos grilhões da inibição e do bom senso.

Forçar o inimigo a essa posição só resultaria em mais baixas para o lado atacante.

É por isso que cercar o inimigo é desaprovado. A menos que se busque aniquilar o inimigo por completo, deixar uma rota de fuga é essencial. Se a Teocracia realmente quisesse absorver os Eighty-Six em seu exército, bloquear Kurena, Michihi, Rito e a força principal da Brigada de Expedição com um cerco completo não fazia sentido.

E além disso, havia o momento estranho do ataque surpresa e o fato de o grupo de Lena não ter encontrado nenhum soldado inimigo até fazerem sua fuga. Eles não mantiveram Lena e os oficiais de controle como reféns. E o ponto mais estranho era que estavam se esforçando tanto, criando inimizades com grandes potências como a Federação e o Reino Unido, apenas para roubar dois regimentos.

E se o objetivo de Hilnå não fosse fazer os Eighty-Six se renderem?

Talvez essa situação, cheia de contradições e inconsistências, não fosse a vontade do exército da Teocracia, mas sim...

“...Eu sei que você está ouvindo, Hilnå,” Lena disse em voz baixa, mudando a transmissão do rádio para a frequência do centro de comando da Teocracia.

Seu tom era de raiva contida, como se não se sentisse completa consigo mesma sem dizer este último comentário.

“Você ouviu o que eu acabei de dizer, certo? Você está errada, Hilnå. Os Eighty-Six permanecem no campo de batalha por causa de seu orgulho, não porque é seu destino. Eles não lutam porque acreditam que o conflito seja seu único caminho. Eles estão lutando para acabar com esta guerra!”

“Não. Nós não estamos,” Kurena cuspiu amargamente.

Por ser Lena quem falava, ela não ficou tão irritada quanto poderia ter ficado. Mas se alguém mais tivesse dito aquelas palavras, ela teria ficado furiosa.

Eles não estavam lutando para acabar com a guerra. Nem todos os Eighty-Six pensavam como Shin. Lena disse aquilo porque estava sempre ao lado de Shin. Ele queria acabar com a guerra, e Lena o admirava acima de tudo.

Claro, Kurena achava que o fim desta maldita guerra seria uma boa coisa também. Ela queria ver o sonho de Shin realizado — ver o fim da guerra. Mas se ela terminasse, não teria um lugar ao lado dele, e não poderia mais ajudá-lo.

Mas...

Kurena estava confusa com a maneira como seus pensamentos estavam indo em círculos. O que ela realmente queria fazer? A resposta era bastante simples. Ela queria que as coisas permanecessem como estavam. Ajudar Shin e todos os seus camaradas, aqui no campo de batalha. Pelo menos aqui, ela sabia onde pertencia... onde estava. Shin estava muito mais à vontade agora do que estava no Setor Eighty-Sixth, e passar os dias com seus camaradas era muito mais agradável. E para esse fim...

Ela se lembrou de algo que Theo lhe disse uma vez.

Parece que você não quer que a guerra termine.

Naquele momento, ela disse que não era isso que ela queria. Mas isso não era verdade. Na verdade, era isso que ela queria. "A guerra tem que acabar...?"

Eu...

Mas, enquanto essas palavras vinham à mente, algo alcançou seus ouvidos como o ribombar do trovão que seguia um flash cegante de relâmpago. Enquanto o flash rasgava a noite, esse estrondo sacudia o firmamento.

"Não!"

Era Hilnå.

"Isso não pode ser! Eu não posso acreditar que um cidadão da República, um desses usurpadores, tenha a audácia de dizer isso!"

Hilnå gritou, como se lançasse fogo virtuoso a esta rainha de prata que ousava falar como se soubesse de tudo.

Você não entende. Você nunca entendeu os sentimentos daqueles que tiveram tudo tirado deles — a fixação completa com a qual eles se agarram à única coisa que lhes resta.

"O destino deve ter guiado os Eighty-Six! Afinal, não foram expulsos de sua terra natal, a República, e obrigados a viver no campo de batalha? Se a guerra privou-os de tudo e qualquer coisa, se não tinham nada além das cicatrizes dessa privação para seu nome... então não podem se desvencilhar desse destino! Não podem curar essas cicatrizes!"

Sem nem perceber, ela havia agarrado com força sua batuta de comando. Sentia como se aquele velho pesadelo estivesse ganhando vida bem diante de seus olhos.

Mesmo dez anos depois, ela ainda se lembrava com muita clareza da atrocidade que acometeu sua família.

"Porque eu sou igual! A mesma coisa aconteceu comigo! Eu nunca poderia esquecer os santos que me transformaram em uma figura trágica! Não esquecerei o que a Teocracia fez, como me transformaram em uma santa da guerra para garantir a união de nosso povo diante da calamidade!"

"Do que você está falando—?"

"Minha família, Casa Rèze, foi toda assassinada pela Legion no início da guerra."

Ela podia ouvir o fôlego de Lena se prender na garganta.

Casa Rèze — uma linhagem de santos. Sempre que a guerra estourava, era dever dos membros da Casa Rèze servir como comandantes de corpo ou divisão. Mas tais comandantes não poderiam ter sido todos mortos tão rapidamente após o início da guerra.

"Uma jovem santa, com toda sua família dizimada pela maldita Legion. Apesar de ser uma frágil adolescente, ela traria julgamento à Legion. O símbolo da Teocracia, lutando nobremente com raiva em seu coração. Era isso que eles buscavam fazer de mim, e para isso... o exército da Teocracia abandonou minha família."

O centro de comando de corpo foi atacado pela Legion. A unidade de escolta da base foi desviada do centro de comando coincidentemente devido a ordens equivocadas, e a unidade de resgate foi interrompida coincidentemente por um emboscada imprevista da Legion, não chegando a tempo.

Naquele momento, a jovem Hilnå estava falando com sua família por meio de uma transmissão. Sua avó — a comandante de corpo -, sua mãe, seu pai, seu avô e seus irmãos — comandantes de divisão e oficiais de equipe -, e seu tio e sua tia.

E apesar de ser apenas por meio de uma transmissão, ela teve que assistir à brutal morte de toda a sua família.

Os outros santos chamaram Hilnå mais cedo naquele dia. Ela era jovem demais para entrar no centro de comando integrado, e abriu a transmissão apenas uma vez para poder falar com sua mãe. E esses santos ficaram de lado, observando enquanto ela testemunhava o assassinato de sua família.

Ela nunca os esqueceria. Aquele pesadelo. As coisas que viu. Os rostos vis e insensíveis de seus compatriotas.

"Meu pai, minha mãe, minha avó, meu tio e meus irmãos foram todos dilacerados pela Legion. E os santos que permitiram isso... disseram que tomaram uma decisão dolorosa e sacrificaram muito, apenas para superar esse teste tortuoso. Eles derramaram lágrimas de alegria o tempo todo, embriagados por sua própria sublimidade."

"Minha pátria roubou minha família de mim, e por isso nunca mais amarei este país. Eu não tenho nada além do meu destino como santa da guerra, e as cicatrizes que ele gravou em mim são algo que não permitirei que ninguém tire de mim. Eu nunca poderei abandoná-las!"

Kurena sentiu como se as coisas que Hilnå acabara de dizer estivessem sendo gritadas para ela por seu reflexo no espelho. A garota que ela pensava ser igual aos porcos brancos, a personificação de tudo o que estava errado com o mundo, era igual a eles. Ela era uma imagem espelhada dos Eighty-Six.

Ela era uma criança que teve sua família e seu lugar de nascimento negados. Ela era uma garota à qual o esforço de guerra foi imposto. Ela era um bebê deixado apenas com este destino — este orgulho de viver no campo de batalha.

Era como se Hilnå tivesse acabado de abrir a garrafa de tudo o que ela havia mantido engarrafado, seus olhos dourados queimando furiosamente.

Sim, é isso mesmo. Hilnå está certa.

Depois de ter tudo o mais tirado dela, Kurena não podia deixar de lado a única coisa que lhe dava um senso de identidade. Mesmo que essa coisa fossem suas cicatrizes. Especialmente não...

"Não me diga que você não pode entender isso. Você deveria ser a última pessoa tentando tirar isso de mim."

Shin deveria ter carregado as mesmas cicatrizes. E ele sabia que ela não queria perdê-las, ter até isso tirado dela.

Você sabe que não posso desejar o futuro, então... Eu não quero que a guerra acabe.

Não tire isso de mim.

Eu só posso existir no campo de batalha. Não me force a deixar o único lugar a que pertenço.

O grito de Hilnå foi como um grito. Foi o grito de um bebê indefeso que finalmente, finalmente encontrou solidariedade em outra criança perdida. E agora ela se agarrava a esse aliado, chorando e se recusando a soltar.

"Tenho certeza de que você, mais do que qualquer pessoa, sabe! Vocês, soldados crianças, que foram forçados a se tornarem fantasmas vivos, perambulando pelo campo de batalha e se alimentando da guerra! E você, o Reaper sem cabeça que foi forçado a oferecer salvação em um campo de batalha abandonado pelos deuses! Você sabe que o mundo só tira e nunca dá! Você sabe que levantar bandeiras de virtude como justiça e retidão não têm significado!"

Shin olhou para o chão. Houve um tempo em que ele sentiu da mesma maneira. Justiça e retidão não tinham significado. Ele sentiu isso de volta no Setor Eighty-Sixth, nos alojamentos do esquadrão Spearhead, onde ele estava predestinado a morrer seis meses depois de maneira sem sentido.

Naquela época, ele não duvidou. Ele achava que era simplesmente uma inevitabilidade, uma verdade do mundo.

E aqui estava Hilnå, dizendo as mesmas coisas agora. Ela era igual aos Eighty-Six — uma criança expulsa para o campo de batalha pela malícia da humanidade. Agora ela erguia a verdade do Setor Eighty-Sixth como sua bandeira.

Parada e recusando-se a se mover. Presa dentro dos limites daquele campo de batalha. Deixando suas cicatrizes consumi-la, em vez de permitir que cicatrizassem.

 

E Lena, por sua vez, ficou ali com os olhos arregalados de choque. Ela estava positiva sobre isso. O que Hilnå acabara de dizer era...

Um novo ponto apareceu em uma das janelas holográficas de Vanadis, que exibia um mapa da área. Os sistemas de radar das Reginleifs que estavam atualmente cercadas pelo inimigo identificaram essa nova unidade, e de alguma forma conseguiram transmiti-la para Vanadis, apesar da interferência eletromagnética.

Retornou uma assinatura IFF. Era o pelotão de reconhecimento do 2º Corpo do Exército da Teocracia, o I Thafaca. Ao ver isso, Lena chamou a unidade com a qual estavam prestes a fazer contato — uma das unidades do esquadrão Scimitar.

"Gremlin!"

A traição inesperada da Teocracia, a interferência da cinza no ar e o conhecimento de que o batalhão aéreo estava isolado atrás das linhas inimigas. Tudo isso se juntou para formar confusão e pânico, fervilhando no estômago do Processador de Gremlin. E foi por isso que, quando o alerta de proximidade soou pelo cockpit, eles só puderam respirar surpresos.

Eles chutaram para longe o Lyano-Shu que se aproximava, mas, ao olhar para longe, de repente avistaram a silhueta volumosa de um Fah-Maras atrás da cortina de cinzas. Sua cabine se abriu, e uma figura humana pulou para fora. Sua insígnia era a de um pássaro de rapina de seis asas — do 2º Corpo do Exército da Teocracia.

Eles estão tão perto?!

O pânico do Processador finalmente levou seus pensamentos a um ponto de ebulição. Eles ajustaram reflexivamente as miras da metralhadora para o soldado vestido em roupas protetoras cinza-peroladas, que, por algum motivo, agitava apressadamente as mãos no ar.

"Gremlin!" Lena gritou para eles através da Ressonância Sensorial.

"Não atirem!"

"?!"

Eles moveram reflexivamente o cano, pulando para longe para não serem atingidos primeiro e criando distância entre eles. Só então perceberam completamente que o soldado havia desembarcado de sua unidade, descartando seus meios de atacá-los. O soldado apontou repetidamente para seu rosto sem forma, mascarado e com óculos, para o qual o Processador entendeu sua intenção e mudou a frequência para a do canal da Teocracia.

A interferência eletrônica que havia sido tecida ao redor do 3º Corpo do Exército falhou em se estender até ali. O rádio crepitava alto com ruído estático, e uma voz jovem — não muito diferente da idade do Processador — falou com eles, gaguejando na língua da República.

"Nós não somos seus inimigos! Ouçam-nos, Eighty-Six!"

Depois de ouvir isso através da Ressonância, Lena confirmou que sua suspeita estava correta.

Então é realmente só...

"Hilnå. Todo esse plano... É você quem está por trás disso, não é?"

Isso não foi a Teocracia decidindo trair a Federação. Hilnå estava fazendo isso por conta própria.

A batalha com a 8ª Divisão da Teocracia e o regimento de emboscada continuou, mas Michihi ainda estava cercada de confusão e dúvida. E quanto mais a luta continuava, mais pronunciado crescia seu conflito interno.

Provavelmente porque ela ouviu a conversa de Lena sobre o passado de Hilnå. Parecia que a história da garota ecoava a dela. Era a mesma absurdidade que arruinou as vidas dos Eighty-Six. Dez anos atrás, quando a Guerra da Legion começou, Michihi e seus camaradas eram todas crianças pequenas. Eles foram repentinamente enviados para os campos de internamento, onde foram separados de seus pais, avós e irmãos. Foram condenados a batalhar como partes de um drone e forçados a lutar e morrer para que os Alba da República colhessem os benefícios.

Cada um deles foi cruelmente privado de seus lares e famílias, da inocência que permitia sonhar com um futuro sequer.

E isso aconteceu aqui também. Neste país distante a oeste. E talvez esteja acontecendo em todos os lugares.

No que eu realmente estou lutando?

Essa dúvida fez as mãos de Michihi se contraírem. Ela percebeu que não estava movendo os controles ou puxando o gatilho tão rápido quanto o normal, mas não podia evitar. Parecia que estava lutando contra seu próprio reflexo no espelho, e até mesmo uma soldado experiente dos Eighty-Six como ela estava hesitando.

Eu não posso pensar nisso. Tenho que me concentrar em romper esse bloqueio e escapar.

Ela balançou a cabeça, de alguma forma engolindo um surto de impotência infantil que a fazia querer chorar.

Os Fah-Maras sob o comando da unidade inimiga estavam acompanhados por um grupo de drones Lyano-Shu. Se ela destruísse os Fah-Maras que os comandavam, os Lyano-Shu seriam interrompidos imediatamente, então a maneira mais rápida de terminar isso seria mirar nos Fah-Maras.

Mas tanto Michihi quanto seus camaradas se concentraram em destruir os Lyano-Shu em vez disso. Em vez de mirar na unidade tripulada, eles concentraram o fogo nas extensões controladas remotamente. Eles não queriam matar outras pessoas. Lutar até o fim podia ser o orgulho deles, mas isso não significava que estavam dispostos a assassinar outros.

Tendo passado a vida em guerra contra a Legion, essa era a primeira batalha dos Eighty-Six contra outros humanos. Essa não era uma luta na qual eles queriam participar.

Eles não queriam se rebaixar ao assassinato.

Outro Lyano-Shu mirou sua arma sem recuo nela. Se ela pulasse para longe como costumava fazer, suas pernas ficariam presas na cinza. Apertando firmemente o controle, ela decidiu enfrentar e virou o cano da sua metralhadora.

A torre de canhão do Reginleif tinha limitações em termos de grau de elevação, mas era capaz de girar. Era mais rápido do que as unidades da Teocracia, que tinham que virar seus frames inteiros junto com suas torres.

Ela apertou o gatilho.

Os projéteis atingiram seu alvo, focando primeiro nas articulações de suas patas dianteiras. À medida que a unidade inimiga perdeu o equilíbrio, ela se desmoronou, e Michihi a finalizou com outro bombardeio. Mirar nas patas primeiro era o estilo de combate usual de Michihi, aperfeiçoado lutando contra a Legion, que era muito mais ágil do que os Juggernauts.

Embora o fogo da metralhadora de 40 mm fosse poderoso, faltava-lhe a força destrutiva de um projétil de tanque de 88 mm. O fogo da metralhadora rasgou o Lyano-Shu, mas ainda assim ele manteve sua forma. Mas então sua armadura frontal se abriu, como uma escotilha de cockpit. E de dentro rolou uma mão pequena, como o braço esfarrapado de uma boneca.

Huh...?!

Michihi arregalou os olhos em horror.

Era a mão pequena de uma criança. Isso era... uma mina autopropelida? Mas o que uma unidade da Legion estaria fazendo dentro de um Lyano-Shu?

Michihi estava além da confusão. Pensamentos inundaram sua mente em um estado de caos incontrolável. A realidade do que ela acabara de testemunhar era indiscutível e não precisava de mais clareza, mas ela se recusava a acreditar em seus olhos mesmo assim. Seus instintos a levaram a rejeitar a realização — gritando para negar a verdade.

A armadura frontal do Lyano-Shu — não, sua escotilha — se abriu. E dentro, deitado no cockpit que fora despedaçado pelo fogo da metralhadora...

...estavam os restos de uma menina, nem mesmo com dez anos de idade.

 



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