Volume 10
Caopitulo 3: Fragmental Neoteny: Varlet
A onda de aço varreu tanto a estrada de terra abaixo quanto a rodovia de concreto acima dele.
Ele estava profundamente nas zonas contestadas, em uma interseção de vários níveis de uma rodovia expressa abandonada. Havia Ameise vigiando da superfície, enquanto a resistente rodovia expressa, feita como uma estrada militar de emergência, estava cheia de Grauwolf e Löwe.
O Grauwolf leve podia atravessar o solo com relativa facilidade, mas o Löwe tinha um peso de combate de cinquenta toneladas, e por isso lutava para se mover pelo pântano. Com o Eintagsfliege cobrindo os céus e o Stier usurpando a superioridade aérea de seus inimigos, a Legion podia atravessar a terra sem medo de bombardeios do alto.
E foi isso que tornou este lugar um local perfeito para uma emboscada.
"4ª Pelotão, abram fogo."
Por ordem de Shin, os canhões dos outros quatro Juggernauts em sua unidade rugiram. Eles estavam escondidos diretamente sob a rodovia expressa, entre os pilares que a sustentavam e a própria rodovia. Eles subiram com suas âncoras de arame e agacharam suas unidades o máximo que puderam. O Juggernaut, sendo um pequeno Feldreß, conseguia se esconder naquele espaço por pouco.
Com fogo concentrado, eles derrubaram ruidosamente os pilares à sua frente.
Desabaram, pegando toda a Legion na estrada e ao redor no colapso. Nem mesmo uma estrada de concreto reforçado feita para transportes militares poderia resistir ao fogo concentrado dos canhões de tanques.
As linhas da Legion no centro da estrada foram todas derrubadas. Era impossível para seus sensores ópticos verem através do denso concreto da estrada, mas até os sensores de áudio fracos do Juggernaut podiam detectar através da grossa obstrução que o inimigo estava dividido em três forças.
Uma Ameise virou seu sensor óptico para o céu, apenas para ser esmagada pelos destroços e pelo peso do Löwe em queda. A tática estabelecida da Legion era implantar o Eintagsfliege para bloquear o radar da humanidade e lançar ataques unilaterais. Por causa disso, eles presumiam que as chances de serem detectados e emboscados durante a marcha eram extremamente baixas.
Ter que cair vários metros confundiu até mesmo os processadores centrais do Löwe, fazendo com que as grandes unidades congelassem de choque diante do desenvolvimento inesperado. Enquanto isso, Shin ordenou a segunda onda de fogo. Os projéteis perfuraram a parte relativamente fina de cima de suas torres.
Com isso, eles eliminaram o problemático Löwe que havia caído. Isso deixou…
"4ª Pelotão, sigam-me. Capitão, elimine a Legion acima de nós."
"...Entendido."
"Pare de dar ordens por aí, Capitão do 4ª Pelotão."
A Legion não podia acessar as comunicações Para-RAID, mas os Eighty-Six ainda eram obrigados a usar Nomes Pessoais ou chamadas de código durante as comunicações. Isso incluía o indicativo de chamada do operador para Handler One e foi feito para que seus nomes não vazassem para dentro ou para fora do Gran Mur.
Shin e suas unidades da 4ª Pelotão desceram para a superfície usando seus fios. As 1ª, 2ª, 3ª e 5ª Pelotões também saltaram da rodovia expressa e atacaram a Legion, usando a poeira dos escombros como cobertura.
"Aberração assombrada."
Mesmo em meio ao barulho tumultuado da batalha, todos no esquadrão puderam ouvir esse sussurro vindo da Ressonância. Shin não deu atenção a isso ao se aproximar de um Grauwolf. A ameaça mecânica finalmente havia se recuperado do choque da queda. Enquanto tentava se virar, o Juggernaut de Shin deslizou pela lama, derrapando no flanco do inimigo e disparando as metralhadoras em seus braços de garra.
O leve Grauwolf ostentava grande poder ofensivo, mas sua defesa não era nem de longe tão alta quanto a do Löwe. Ainda assim, ao contrário do Juggernaut, os disparos de metralhadora não conseguiam penetrar em sua blindagem frontal, portanto, era preciso atacar pelo flanco.
Enquanto o Grauwolf caía sem vida no chão, Shin correu para longe e avançou para o próximo. O impacto da queda havia sacudido seus processadores centrais e eles não conseguiam se mover em conjunto para impedir a emboscada.
Mas, mesmo com o lado inimigo tão confuso, o desempenho do Juggernaut não conseguia se igualar ao da Legion. Portanto, o papel de Shin era criar essas situações e manter o ritmo. Ele mergulhou no centro da unidade sobrevivente do Grauwolf, destruindo suas linhas. Sem nem mesmo olhar para seu radar, ele podia dizer que os membros de seu esquadrão estavam posicionados atrás dele, dividindo a Legion e eliminando-os individualmente.
Sua metralhadora direita ficou sem balas. Um aviso de que o mesmo estava prestes a acontecer com a esquerda apareceu em sua janela holográfica. Shin clicou a língua e mudou a seleção de armamento para seu canhão de 57 mm. Seu recuo era intenso, e não era útil em combate corpo a corpo. Mas o fato de que armas de longo alcance podiam ficar sem munição era um golpe doloroso.
Os Juggernauts foram construídos para serem leves e, portanto, a quantidade de munição de metralhadora e canhão que podiam carregar era limitada. É claro que isso significava que ficar sem munição no meio da batalha era um problema previsível e, por isso, os esquadrões eram acompanhados por drones de suprimentos. Mas sua IA não era avançada e eles não podiam acompanhá-los em batalhas tão frenéticas.
Se ao menos eu tivesse armamentos corpo a corpo.
Esse pensamento doloroso cruzou sua mente entre os combates. Armas corpo a corpo eram anacrônicas. Elas haviam sido levadas à extinção por armas de fogo, que exigiam menos treinamento e tinham maior alcance. A guerra moderna era governada por canhões, que podiam disparar quilômetros à frente, e assim o uso de armas corpo a corpo era visto como suicida.
Mas elas tinham uma vantagem que as armas de fogo não tinham. Armas corpo a corpo nunca ficavam sem munição. Elas podiam continuar cortando o inimigo, golpeando até que quebrassem ou se despedaçarem. Ter isso como uma opção facilitaria um pouco as coisas.
Parecia que os pelotões acima deles estavam lutando para se livrar da Legião nos restos da via expressa. Talvez a Legião tivesse enviado um pedido de apoio, porque a força da Legião que patrulhava o lado esquerdo mudou o curso para ajudá-los. Eles se moveram entre os prédios para não serem detectados pelo radar, mas Shin havia previsto isso com antecedência. Ele fez com que o 6º Pelotão restante ficasse escondido no caminho direto deles.
Mas então Shin percebeu: O 6ª Pelotão que ele havia colocado lá para interceptá não estavam em suas posições. E olhando para cima, ele podia definitivamente ouvir os membros da 6ª Pelotão falando da luta agitada acima deles.
“Nosferatu, um destacamento da Legion mudou de rumo e está vindo na nossa direção. Ainda podemos atingi-los pelo flanco. Faça a 6ª Pelotão retornar às suas posições—”
"Eu lhe disse para parar de dar ordens às outras pessoas, Líder Delta. Eu sou o capitão deste esquadrão e decidi que precisamos priorizar a eliminação da força principal. Além disso... quem pode confiar em algo que você diz? Aberração assombrada.”
Shin fez uma careta ao ouvir essas palavras. Esse capitão era dois anos mais velho que ele e se recusava a ouvir as palavras de um soldado mais jovem... Não. A idade de Shin não era a razão pela qual ele o odiava tanto... E como se quisesse mostrar isso, o capitão do esquadrão continuou seu discurso irritado. Ele cuspiu as palavras com total desdém em sua voz.
"E pare de Ressonar conosco. É perturbador tê-lo nas transmissões, seu mons—"
Mas no próximo momento, a voz do capitão se calou. Sua Ressonância Sensorial foi desligada. Um momento depois, Shin ouviu o estrondo metálico pesado de algo sendo atingido, e então o rugido do canhão de 120 mm de um Löwe.
Um projétil de canhão havia sido disparado a uma velocidade inicial de 1.600 metros por segundo, muito mais rápido que a velocidade do som. E assim, o som do impacto do projétil atingindo seu alvo chegou a ele antes do rugido do canhão.
Esse som foi o prelúdio para toda a operação desmoronar.
Lutar contra um Löwe sozinho não era impossível para Shin, mas lutar contra eles um a um sem qualquer apoio de seus companheiros era difícil. Usando os Juggernauts arruinados de seus companheiros como isca, ele atirou em um Löwe por trás e o destruiu.
De pé em frente aos restos mortais do Löwe, Shin soltou um suspiro. Enquanto a fumaça e os sedimentos continuavam a subir do campo de batalha, ele desembarcou de sua unidade, caminhando por ele sem qualquer defesa.
Não havia amigos ou inimigos vivos. Tanto os drones de combate deixados para trás por um país caído quanto as armas pilotadas por aqueles que foram destituídos de sua humanidade e considerados subumanos lutaram entre si até a morte, deixando para trás apenas ruínas fumegantes da cidade
Aconteceu novamente. Todos os seus companheiros de esquadrão tinham morrido, e ele era o único sobrevivente.
Agora que estava sozinho, ele não conseguia lembrar quanto tempo passarou lutando. Sua mente já aprendera da maneira mais difícil que parar por apenas um segundo poderia matá-lo, e assim ela não economizava recursos ponderando tal sentimentalismo sem sentido. Somente quando a luta terminava é que ele tinha tempo para a tristeza se instalar.
Ele olhou para seu Juggernaut e balançou a cabeça. Suas reservas de munição de metralhadora e canhão estavam vazias, e suas reservas de pacotes de energia eram muito pequenas.
Ele os havia avisado, mas ninguém ouviu. Ninguém acreditou nele. Ele estava acostumado a ouvir outros falarem mal dele, chamando-o de ceifador possuído que atraía a morte e o inimigo para seus camaradas. Cada esquadrão em que esteve desde que foi convocado, todos, tinham sido aniquilados, e ele sempre foi o único a sobreviver.
Ele tinha que se acostumar. À morte de seus amigos. A ser o único sobrevivente. A ser culpado e ouvir que tudo era culpa dele.
Mas por algum motivo, naquele dia, ele se sentia terrivelmente cansado. Um sentimento inexplicável de vazio subia por suas pernas e o prendia. Um peso absurdo e inexistente pressionava-o, e ele só conseguia ficar parado.
Qual era o sentido de sobreviver? No final, o que o esperava era o mesmo de sempre – uma morte de guerreiro no campo de batalha…
Mas mesmo assim, ele não podia morrer ainda. Então, arrastou seus pés pesados até seu Juggernaut, que permanece em espera, quando…
"...Mm?"
...ele avistou algo entre os destroços a uma curta distância. Um Scavenger tombado...
Scavengers eram unidades de apoio não tripuladas que escoltavam esquadrões para a batalha. Eles eram carregados com munição e pacotes de energia, que usavam para reabastecer as unidades no calor da batalha. Shin não sabia qual era o nome oficial deles. Mas como eles patrulhavam o campo de batalha após o término das lutas para reabastecer os suprimentos e peças reutilizáveis de Juggernauts destruídos, essas unidades de transporte desajeitadas e em blocos eram coloquialmente chamadas de Scavengers.
O esquadrão de Shin tinha vários Scavengers escoltando-os, que aparentemente todos foram destruídos na batalha. Felizmente para Shin, no entanto, aquela unidade ainda tinha seu contêiner anexado a ele.
Com sua munição esgotada e seu pacote de energia quase vazio, ele duvidava que pudesse voltar à base a partir das zonas contestadas. Ele sabia que não havia Legions por perto no momento, mas o inimigo era ágil, e se ele fosse perseguido por eles, não teria meios para se defender. Ele estava preparado para coletar os suprimentos necessários dos destroços dos Juggernauts de seus camaradas, mas esta era uma alternativa muito mais fácil.
Shin parou seu Juggernaut ao lado da montanha de destroços, desembarcou de sua unidade e se aproximou do Scavenger. Era um modelo antigo, do tipo introduzido no início da guerra. Modelos como este eram difíceis de encontrar. Estava sujo e manchado pelo pó do campo de batalha. Seu corpo era quadrado e angular, enquanto suas quatro pernas eram arredondadas. Era um drone desajeitado e de forma desigual, com dois braços de guindaste e um sensor óptico semelhante a uma lente.
Estava completamente silencioso e afundado diagonalmente nos destroços, como um cão moribundo agachado no chão. Aparentemente, havia sido atingido nas pernas. Além do contêiner estar intacto, seus braços de guindaste e seu queimador interno e cortadores estavam inteiros. Mas com o Scavenger morto, eles não podiam se mover.
A trava do contêiner era simples, de modo que podia ser aberta sem muito esforço. Olhando ao redor de sua superfície suja de fuligem, Shin conteve um suspiro. Assim como a cobertura do Juggernaut, as portas de todos os "drones" da República não eram fechadas por travas eletrônicas que exigiam senhas. Tudo o que se precisava para abri-las era puxar uma trava.
Agora que Shin precisava obter suprimentos deste Juggernaut, isso estava a seu favor, mas a Legion tinha as minas autopropulsadas e o Tausendfüßler, que tinha manipuladores semelhantes a braços. Ele já tinha visto camaradas seus que ficaram presos no meio da batalha, apenas para que a Legion abrisse seus dosséis e os puxasse para fora.
A República via os Eighty-Six apenas como unidades de processamento descartáveis, então nunca consideraram adicionar recursos que os protegessem. A tecnologia deles era muito limitada para desenvolver uma IA bem-sucedida ou um Feldreß poderoso, mas eles podiam pelo menos fazer uma fechadura eletrônica.
De repente, Shin ficou completamente rígido. Talvez fosse seu cansaço da batalha. Empurrando para longe aquele pensamento sarcástico, que surgiu à frente de sua mente com clareza cruel, Shin alcançou a barra de abertura do contêiner. Os seixos dos destroços sob seus pés derramaram-se por baixo de suas botas e desabaram.
A trava foi desengatada com facilidade. Mas o problema se apresentou assim que ele a abriu. Eram os suprimentos que o Scavenger estava carregando. Afinal de contas, o Juggernaut era uma armadilha mortal extremamente fraca e mal montada, e cada um dos suprimentos necessários era grande e pesado. Por mais fraca que fosse sua torre de canhão de 57 mm, os carregadores que continham seus projéteis pesavam bem mais de 100 kg.
Shin ainda era baixo e pequeno, e assim esse peso estava muito além de sua capacidade para movê-lo. O suprimento pesava o dobro do que ele pesava. No entanto, ele poderia extrair os projéteis da cápsula e levá-los um de cada vez…
...embora fazer isso não mudasse o fato de que ele eventualmente morreria de uma morte sem sentido no campo de batalha.
Esse pensamento frio, sombrio e intrusivo mais uma vez mostrou sua feia cabeça. Suspirando, Shin o ignorou. Quando começou essa estranha sensação de exaustão e vazio ocupando um canto de sua mente? Ele percebeu pela primeira vez quando seu último esquadrão foi aniquilado, mas provavelmente estava lá mesmo antes, e ele simplesmente não percebeu.
Não importa o quanto ele lutasse e permanecesse como o último homem de pé, no final, ele nunca ganharia realmente nada. Não havia significado em lutar ou sobreviver, e ainda assim—
Naquele momento, o sensor óptico do Scavenger piscou. Um dos braços do guindaste, que estava descansando em uma posição desconfortável, deu um solavanco repentino. O manipulador em sua ponta se abriu e fechou com um som metálico alto e esmagador, como se estivesse testando sua operacionalidade.
“Whoa—”
Shin deu um salto para trás. Ele já estava acostumado com o campo de batalha, mas ainda assim não pôde deixar de deixar sua voz escapar. Ele olhou para isso com curiosidade chocada, como se estivesse vendo alguém ressurgir dos mortos—afinal, pelo que ele podia perceber, essa máquina estava basicamente morta—enquanto seus dois braços de guindaste arrastavam o carregador para fora do contêiner. Ela permanecia leal à sua programação... ou melhor, quase parecia que o drone nem estava ciente de sua própria morte, mantendo-se fiel a suas tarefas de abastecimento mesmo quando estava meio arruinado.
“…Você ainda está vivo?” Shin perguntou surpreso.
Pareceu que o sensor óptico do Scavenger se virou subitamente para olhá-lo. Shin inconscientemente estendeu a mão para ele, tocando seu corpo sujo. Tinha uma superfície metálica fina que não era nem armada nem blindada.
O fato de ele ter feito uma pergunta como essa a um dispositivo inanimado de coleta de lixo provavelmente era um produto do coração de Shin estar tão fraco naquele momento. Os Scavengers não tinham personalidades. A República só podia produzir uma inteligência artificial que era fraca demais para lidar com combate autônomo. Em vez disso, eles lançavam os Eighty-Six para o campo de batalha para agir como peças descartáveis.
Então, não importa o que ele dissesse, esta máquina—este objeto realmente não poderia entender. A única coisa que ela podia fazer era obedecer comandos verbais simples. E mesmo sabendo disso, ele continuava falando.
"Não sobrou ninguém. O esquadrão, todos os seus amigos, estão todos mortos. Você vai voltar comigo mesmo assim...?"
Shin teve que experimentar voltar para a base completamente sozinho várias vezes. Mas mesmo assim… Não, por essa exata razão, ele não queria passar por isso novamente. O coração fraco de Shin o impulsionava a se apegar a essa conexão.
“Entendo. Mas é assim que as coisas são. Essa é a sorte dos Eighty-Six.”
Ao ouvir de Shin, o único sobrevivente, que o restante de seu esquadrão havia sido dizimado, a chefe da equipe de manutenção, Touka Keisha, suspirou. Ela era uma Sapphira mista, com cabelos dourados e olhos azuis-celestes. Usava um macacão com cheiro constante de óleo de máquina, o que destoava dos traços belos e delicados de seu rosto.
Ao afastar uma mecha de cabelo, ela se virou para a parte traseira do hangar, onde os contêineres estavam alinhados. Cada um deles ostentava a bandeira de cinco cores da República, que agora parecia um símbolo desprezível para ela. Ela ficava horrorizada com o fato de que, depois de tudo o que a República havia feito, eles ainda tinham a coragem de afirmar que sua política nacional era de liberdade, igualdade, fraternidade, justiça e nobreza.
Esses tolos nunca poderiam esperar incorporar tais valores enquanto oprimiam os Eighty-Six, a quem nem consideravam humanos.
"Não foi a tempo para esta operação, mas o pedido para esse armamento finalmente foi aprovado. Ainda há um excedente de quando eles foram produzidos inicialmente, então eles nos enviaram muitas peças sobressalentes. Use-os em seu próximo esquadrão".
Lâminas de alta frequência. Touka até mesmo esqueceu que elas existiam até o garoto taciturno ao seu lado as encontrou no manual do Juggernaut e perguntou sobre elas. Eram armamentos opcionais que podiam ser colocados nos braços de guindaste em vez das metralhadoras pesadas de 12,7 mm.
Elas tinham força suficiente para cortar a armadura dos Dinosauria, a maior e mais resistente de todos os tipos de Legion observados, como se fosse feita de manteiga. Mas, no final, eram apenas espadas.
Armas brancas anacrônicas e absurdas. Totalmente inúteis em um campo de batalha onde metralhadoras pesadas e torres de tanques, que podiam disparar projéteis a vários quilômetros de distância, reinavam de forma suprema.
Qualquer arma, por mais potente que fosse, era inútil a menos que atingisse o inimigo. E assim, nenhum Eighty-Six usava essa arma, que exigia correr através de tiros e bombardeios para se aproximar do inimigo. Eles eram vistos como peso inútil e nada mais.
Como resultado, a Touka não conhecia nenhum processador que os usasse, e quando o Handler recebeu a solicitação para encomendá-los, sua reação foi de zombaria a uma repulsa assustadora. Aparentemente, eles questionaram se a pessoa que fez o pedido havia perdido completamente a cabeça.
Touka mesma tentou dissuadir Shin, mas ele insistiu, e ela teve que ceder. Afinal, seria ele quem colocaria sua vida na linha de frente de batalha com essa arma. Como membro da equipe de manutenção, Touka não tinha o direito de mudar sua teimosia.
Ela só podia esperar que aquela teimosia não fosse resultado de desespero. Ela não se lembrava de ele tê-la olhado nos olhos sequer uma vez desde que estava aqui. Assim, enquanto tentava encontrar seu olhar abatido, ela continuou suas palavras.
"Só não faça nada imprudente. Você é o único que sobreviveu, então deveria permanecer vivo o máximo que puder. Em seu próximo esquadrão e no próximo também."
"…"
Shin permaneceu em silêncio. Ele tinha dez anos a menos que Touka, e já carecia de emoção em uma medida que alguém nunca imaginaria de um garoto no início da adolescência. Apesar de Touka de alguma forma conseguir sorrir para ele, ele não retribuiu o gesto. Em vez disso, ele se afastou do contêiner de lâminas de alta frequência para outro canto do hangar.
"…Você consegue consertar isso?" ele perguntou em uma voz seca, seu olhar fixo em um Scavenger de modelo antigo muito danificado.
Suas pernas estavam em condição crítica, e mal conseguia se mover. Ela ficou chocada quando ele o rebocou de volta para a base com seu Juggernaut. Mesmo que a batalha tenha acabado, ele o trouxe de volta das profundezas das zonas contestadas, onde a Legion poderia estar se escondendo em qualquer lugar. E era apenas um Scavenger, um fardo, um drone desnecessário que nem valia a pena proteger.
O que o motivou a realizar tal ato insano? Todos ali tinham a sensação de que entendiam, e assim nem Touka nem o restante da equipe de manutenção disseram nada.
"Bem…" Touka começou a dizer e deu de ombros.
Normalmente, a reparação de um Scavenger seria adiada, mas eles não tinham nenhum Juggernaut para consertar naquele dia.
"Bem, sim. Se tiver que apenas remendar as pernas, não há problema. Sua unidade central não está danificada, então provavelmente poderemos consertá-lo em pouco tempo. Certo, vamos deixá-lo pronto hoje... Talvez amanhã. Tudo isso graças a você tê-lo trazido de volta... Bom trabalho."
"…"
A própria Touka achou que sua tentativa de animá-lo pareceu pouco natural, e Shin não disse nada. Em seu lugar, o Scavenger sentado no hangar vazio emitiu um estranho "Pi" eletrônico.
O fornecimento de energia das bases da linha de frente era operado de longe, atrás dos muros da fortaleza da República. A República mantinha um blecaute durante a noite. Isso era feito para garantir que a base não fosse submetida a ataques noturnos da Legion e também para evitar o desperdício de energia com porcos subumanos.
Para os cidadãos da República, os Eighty-Six eram apenas ferramentas descartáveis usadas em nome de sua defesa nacional. Qualquer coisa que não fosse necessária para o combate, seja para conforto, recreação ou qualquer tipo de indulgência que ajudasse a manter a moral, não era entregue ao Setor Eighty-Six.
Um pouco antes de as luzes se apagarem, Touka patrulhava a base no lugar do capitão morto. Ela parou no hangar, que estava vazio depois que a tripulação terminou a manutenção do Juggernaut de Shin e do Scavenger.
Normalmente, os Scavengers passavam a noite em uma área de espera designada perto da fábrica automática da base. Mas, apesar disso, a forma grande e quadrada do Scavenger ainda era visível em um canto do hangar fechado. Touka não se importou em vê-lo ali. Os Scavengers eram ferramentas produzidas e usadas pela República. Ela não sabia e, sinceramente, não se importava com a programação que os operava ou como eles decidiam como agir. Afinal de contas, mesmo que os Eighty-Six pudessem decidir as ordens de trabalho dos Scavengers ou a faixa em que eles operavam, eles não tinham autoridade para atribuir-lhes tarefas.
Mas então ela viu Shin encolhido ao lado de seu corpo sujo, dormindo. Ele estava lá mesmo depois de a equipe de manutenção ter dito para ele descansar. Olhando mais de perto, ela viu que ele tinha sua fina manta de seu quarto, então aparentemente ele tinha voltado para os alojamentos uma vez. Mas por que ele estava dormindo aqui no hangar? Não era um lugar onde alguém deveria passar a noite.
Ela se aproximou dele, pensando em sacudi-lo para acordar, mas então ela chegou a uma realização e mordeu os lábios.
Os alojamentos. Agora estava vazio de todos os companheiros de esquadrão que estavam lá até o dia anterior, e ele provavelmente não queria dormir lá sozinho. Seria voltar para um lugar que servia como um lembrete de que todos, exceto ele, haviam morrido.
Então, ele foi para o hangar. Um lugar que sempre estaria vazio à noite. Ou talvez…
O garoto estava sentado no lugar, dormindo e encolhido contra o corpo frio do Scavenger, que agora estava no modo de estase.
Para Touka, ele parecia uma criança pequena agarrada a um filhote de cachorro perdido que havia encontrado.
A República tratava os Eighty-Six como peças de máquina, mas até mesmo eles sabiam que era melhor não dar ordens de combate a um esquadrão que havia sido reduzido a um único Juggernaut. E assim, durante o período até que um novo esquadrão fosse designado, o Processador para aquele único Juggernaut - Shin - ficou sem nada para fazer.
Nos primeiros dias, ele ficou perto da equipe de manutenção, pois decidiu que lidar com reparos simples para sua engrenagem não seria uma habilidade ruim de aprender. Mas então os Juggernauts para o próximo esquadrão apareceram, e a equipe de manutenção ficou ocupada demais ajustando e aplicando toques finais neles. Afinal, eram os parceiros dos Processadores, que funcionam como suas armas e linhas de vida. Então, mesmo que os Processadores ainda não estivessem lá, eles não podiam cortar caminhos.
Touka disse a Shin para considerar isso como férias e apenas relaxar, mas ficar sem fazer nada o deixou inquieto. E assim, como uma maneira de se distrair, Shin deu um passeio e parou por uma base abandonada da República a uma boa distância.
No início da Guerra da Legion, o exército da República foi eliminado, e a República evacuou para os oitenta e cinco setores administrativos. Esta base foi abandonada na época e tomada por vegetação exuberante. Galos que haviam esquecido há muito tempo o medo e a deferência em relação aos humanos se exibiam como se fossem donos do lugar. Shin passou por um portão que os Eighty-Six haviam arrebentado, e entrou no prédio de concreto da base.
Ele caminhou pelo corredor que já lhe era familiar, com os ratos rangendo e correndo ao fugirem de sua aproximação. O lugar estava abandonado, mas servia como um local útil para a coleta de alimentos preservados e pequenas armas de fogo... Em lugares como esse, os Eighty-Six obtinham pistolas e rifles, que normalmente eram proibidos de ter. Mas como os soldados da República não faziam seu trabalho corretamente, eles nunca verificaram ou souberam dessa clara transgressão.
É claro que as pilhas de rações haviam diminuído ao longo dos anos de guerra, mas Shin logo encontrou a caixa de munição que procurava e começou a arrastá-la para fora do canto. Mas, nesse momento, ele ouviu algo metálico e pesado - não mais leve do que dez toneladas - passando barulhentamente pelo armazém.
"…?!"
Shin prendeu a respiração nervosamente e virou-se. Isso nunca havia acontecido antes - a Legion nunca o surpreendia ou o pegava por trás assim! Ele escorregou na alça de seu rifle de assalto e agarrou sua empunhadura. Carregou a primeira bala e se preparou para mirar a arma…
...quando ele se lembrou de que a Legion não fazia barulho ao andar. Seus atuadores e amortecedores de alta fidelidade permitiam até mesmo que Dinosauria, com seu peso colossal de mais de cem toneladas, se movesse com o leve som de ossos roçando uns contra os outros. Nesse caso, a coisa atrás dele... a coisa que ele viu ao se virar era…
"Pi."
...um Juggernaut antigo, carbonizado, no estilo antigo.
"..."
Um silêncio constrangedor pairou sobre o local enquanto o garoto e a máquina se encaravam na loja abandonada. Shin permaneceu congelado e incerto de como reagir enquanto olhava para o sensor óptico redondo.
Ele sentiu-se aliviado e cansado ao mesmo tempo enquanto soltava um suspiro.
"É você."
O Scavenger que ele encontrara e trouxera da última batalha se aproximou dele com passos altos e desajeitados, mas Shin sabia que ele não poderia responder.
"Hoje não há missão, então você não está ordenado a me seguir por aí. O que está fazendo aqui?"
"Pi."
Os Scavengers não eram equipados com uma função de saída verbal, mas aparentemente, esse sinal eletrônico era sua maneira de responder. Ele o seguiu até aqui sem se importar com suas tarefas de recolhimento de lixo.
Ele virou seu sensor óptico, olhando inquieto ao redor da loja com movimentos artificiais, mas de alguma forma adoráveis, antes de fixar o olhar na caixa de balas de pistola que Shin havia deixado cair quando ergueu seu rifle de assalto. Em seguida, estendeu seu braço de guindaste, capaz de pegar projéteis pesados de 57 mm, e levantou a caixa de munição com facilidade.
O papel dos Scavengers era recolher fragmentos de conchas e destroços de máquinas do campo de batalha e devolvê-los para reciclagem na fábrica automática da base. Shin quase levantou a mão para impedi-lo, mas parou no meio do caminho e olhou para a grande máquina.
Aparentemente, estava pensando em levar a caixa de volta.
"Pi!"
Ele colocou a caixa em seu recipiente com o que parecia ser uma sequência entusiasmada e humorística de movimentos.
"...Heh." Shin estava sorrindo antes mesmo de perceber. Enquanto olhava para o sensor óptico, ele riu. A risada surgiu dentro dele, e ao deixá-la surgir, Shin se perguntou—quanto tempo havia passado desde a última vez que ele riu? Parecia uma eternidade.
Enquanto ria alto, sentiu os cantos dos olhos esquentarem, e ainda assim fingiu não perceber todas as outras emoções que não corriam por suas bochechas.
O Scavenger olhou para ele sem dizer uma palavra, como um cão fiel—o que, novamente, fazia sentido, já que não tinha uma função de saída verbal—e Shin bateu a mão na lateral da máquina, como se fizesse a um cachorro ou cavalo.
"Se você vai carregar coisas, tenho muitas coisas que preciso trazer de volta. Me ajude por um tempo."
"Pi!"
Por mais impessoal que fosse, o Scavenger parecia concordar com entusiasmo. Ou, pelo menos, moveu seu corpo para cima e para baixo numa aproximação de um aceno. E mais uma vez, sem que ele percebesse, Shin curvou os lábios num sorriso.
Além da munição de pistola e rifle de assalto e peças sobressalentes, Shin abasteceu com utensílios de vida, rações de emergência e alimentos enlatados. O pequeno corpo de Shin só poderia carregar tanto, mas seu Scavenger confiável os carregou em seu recipiente.
Shin voltou à base, movendo-se um pouco mais devagar para acompanhar o lento Scavenger. Ele voltou a se sentir um pouco melhor do que quando saiu, e encontrou Touka esperando por ele na frente do hangar.
Vendo seus traços delicados contorcidos de raiva, Shin franziu os lábios, sentindo uma má premonição se estabelecer. Parecia que o Scavenger que o seguira estava tremendo de medo de alguma forma. Ele abriu sua escotilha, e uma vez que pousou no chão, Touka abriu os lábios. Suas feições pálidas eram sérias, assustadoras e indignadas.
"Sua ordem de mudança-de-guarda acabou de chegar."
Cada distrito e campo de internamento no Setor Eighty-Six era separado por campos de minas antipessoais e anti-tanque. Como era de se esperar, os Eighty-Six geralmente não tinham permissão para sair dos distritos aos quais foram designados, sem mencionar entrar nos oitenta e cinco setores administrativos. O único meio de transporte entre eles eram os transportes militares que cruzavam os cem quilômetros a partir dos Setores oitenta e cinco. A Legion tinha superioridade aérea sobre as zonas contestadas graças ao Eintagsfliege e ao Stachelschwein, de forma que os feios pássaros metálicos da República só podiam voar em seu próprio espaço aéreo limitado
Os quatro motores a jato da aeronave de transporte estavam atualmente desligados, e a escotilha do compartimento de carga estava aberta. Shin foi guiado para o avião pelo oficial da República responsável pelo voo.
Ele quase não tinha pertences pessoais para levar consigo. Ele havia mantido o rifle de assalto que carregava para autodefesa e a pistola que carregava para propósitos suicidas, bem como os marcadores de sepultura de alumínio, que se acumularam desde seu primeiro esquadrão, escondidos em seu Juggernaut. Dessa forma, eles não seriam confiscados.
No papel, os Processadores eram apenas partes do Juggernaut, e assim, eles e suas unidades eram tratados como um conjunto durante os transportes. Normalmente, os aviões transportavam vários Juggernauts, mas desta vez, o compartimento de carga do transporte estava excessivamente vazio.
Ao chegar à rampa, Touka e o resto da equipe de manutenção vieram vê-lo partir. Ele baixou a cabeça sem olhar nos olhos deles. Se a equipe o tratasse cordialmente como Touka fazia ou o desprezasse como um deus da morte como outros faziam, ele se despediria da mesma forma quando mudasse de distrito e provavelmente nunca mais os veria.
Ele estava acostumado ao fato de que diria adeus e provavelmente nunca descobriria se eles continuariam vivos ou morreriam. Assim como estava acostumado a ser transportado para seu próximo campo de batalha em uma área de carga incomumente espaçosa.
Independentemente de as pessoas o desprezarem ou serem gentis com ele, nada realmente mudava. Ele estaria completamente sozinho no final, do mesmo jeito.
Ele apertou os lábios com força. As memórias dos últimos dias que passou aqui surgiram em sua mente, mas ele as silenciou. Os Scavengers eram máquinas autônomas ligadas a cada base, e assim como a equipe de manutenção, eram considerados propriedade da base. Eles não podiam se mover fora de seus distritos designados.
Então, não poderia vir junto.
Enquanto Shin estava sentado no compartimento de carga, um oficial da República confirmou que o Juggernaut estava fixo no lugar. Nenhum dos dois se deu ao trabalho de olhar para o outro. Por mais fraca que fosse sua armadura, o Juggernaut pesava mais de dez toneladas. Permitir que um Processador amador lidasse com seu acoplamento poderia resultar em uma fixação inadequada. Se ele se soltasse, poderia desestabilizar o centro de gravidade do avião durante a decolagem. Por isso, não se confiava nos Eighty-Six para lidar com isso.
É claro que, se os Eighty-Six o fizessem intencionalmente, eles iriam para baixo com o avião, mas estavam destinados a morrer no campo de batalha de qualquer maneira. Alguns ficavam satisfeitos apenas levando alguns soldados da República consigo, então alguns provavelmente consideravam isso. Isso significa que até mesmo os soldados da República, que raramente faziam seu trabalho, tinham que ser diligentes quando se tratava disso.
O oficial então levantou a cabeça e franziu a testa, balançando o queixo na direção da escotilha aberta atrás deles.
"—Ei. Você não está pensando em levar essa coisa junto, está?"
"...?"
Virando-se, Shin viu um Scavenger parado lá, seu corpo massivo bloqueando a luz do sol. Era um modelo antigo com revestimento coberto de fuligem, mas suas pernas eram novas. A lente redonda de seu sensor óptico piscava como se estivesse piscando.
Era aquele Scavenger.
"Pi."
"...Por quê?"
Como mencionado, os Scavengers eram considerados propriedade de sua base e não podiam se mover para outras bases. Portanto, não podiam seguir nenhum esquadrão ou Processadores que estivessem sendo reorganizados.
Enquanto Shin o observava, confuso, o Scavenger subiu a rampa e dobrou suas quatro pernas em um dos cantos do compartimento, como se estivesse declarando que não se moveria. Ignorou o oficial, que o ordenou parar e agora voltava furioso para Shin.
"Que ordens você deu a ele...? Não faça nada suspeito, maldito Eighty-Six. Diga a ele para sair."
Mas Shin estava tão perdido quanto o oficial. Ele... ou melhor, os Eighty-Six como um todo não tinham autoridade sobre os Scavengers desde o início. E assim, Shin manteve seu olhar alternando entre o oficial irritado e o Scavenger sentado.
Touka espiou para dentro do avião e disse com um sorriso zombeteiro, “Oh, mas pensei que esses Scavengers eram o produto da avançada tecnologia de sua grandiosa República?”
O oficial a encarou venenosamente enquanto Touka erguia o queixo e ria. Seus olhos azuis estavam estreitados elegantemente, e seus lábios naturalmente vermelhos se curvaram para um sorriso zombeteiro.
Um sorriso doce e arrogante.
"Quer dizer, nós, porcos subumanos, poderíamos operar suas máquinas superiores. Esses drones foram feitos pela tecnologia mais avançada desenvolvida pelo povo da República, membros da espécie superior. Certamente, você poderia mudar qualquer ordem que nós, sujos Eighty-Six, déssemos a ele. Seria fácil o suficiente para você... certo?”
Vá em frente, ela o provocou. Faça isso você mesmo.
"Ugh..." O oficial ficou em silêncio, seu rosto ficando vermelho de humilhação e raiva.
Ele não conseguia fazer isso. Ele não tinha esse tipo de autoridade. E talvez até lhe faltasse o conhecimento e as técnicas para lidar com um Scavenger que agia de maneira irregular.
Mas admitir que era impotente e indefeso diante dos Eighty-Six? Diante dos porcos subumanos? Seu orgulho não permitiria.
"...Está bem. Faça o que quiser."
Shin olhou para cima surpreso, enquanto o homem não olhava para ele. O homem amargamente se aproximou do Scavenger e começou a fixá-lo no lugar também. Enquanto o Scavenger piscava seu sensor óptico no mesmo ritmo que um cachorro poderia abanar o rabo felizes, Touka olhava para Shin com um sorriso suave e acenava adeus.
O oficial voltou para o cockpit do avião de transporte, deixando o Juggernaut, a criança soldado que servia como sua unidade de Processador, e o Scavenger para trás no compartimento. O compartimento de carga de uma aeronave militar poderia transportar pessoas, mas nenhum soldado da República queria compartilhar um espaço com um Eighty-Six.
"Houve uma mudança no peso da carga. Recalcule," ele disse ao copiloto amargamente sem lhe dar um olhar.
"Entendido."
Apenas pensar de volta naquela discussão no compartimento o irritou.
"Aqueles porcos, eu juro por Deus. Animais malditos tornam meu trabalho mais difícil..."
Este avião poderia facilmente carregar mais dez toneladas sem problema, mas isso não queria dizer que não adicionasse trabalho extra.
"É por isso que não suporto os Eighty-Six. Eles só continuam complicando nosso trabalho sem motivo. Esses imbecis não sabem o quão duro nós, humanos, trabalhamos. Malditos porcos. Gado."
Enquanto o oficial resmungava irritado, o copiloto lançou um olhar de lado para ele.
"Você não precisa dizer isso repetidamente; todos sabemos que são porcos em forma humana... Ouvir você está ficando chato," ele disse.
"Eu sei," respondeu o oficial de maneira arrependida, ao contrário de suas palavras.
(N/R: Bando de filho da-)
Sim, ele sabia, mas se não dissesse isso, não se acalmaria. Os líderes militares. Seus colegas. Os Handlers irresponsáveis. Os cidadãos ignorantes. Sua pátria havia decidido que os Eighty-Six eram porcos em forma humana. Inferiores, estúpidos e selvagens. Subumanos que eram um beco sem saída evolutiva. Ele tinha que pensar neles dessa maneira.
Droga, ele murmurou entre dentes.
Ele não conseguiria manter esse emprego se não pensasse assim. Seus pensamentos voltaram para o soldado criança. Um menino em sua adolescência, muito jovem para ser um soldado. E a expressão que ele fez no momento em que lhe deu permissão para manter o Scavenger a bordo.
Ele é apenas um componente de arma. Por que ele não poderia apenas agir como tal e manter suas emoções mortas?
Era a expressão de uma criança pequena, do tipo que você poderia ver em qualquer lugar.
A expressão de um menino pequeno que lhe disseram que ele poderia manter o filhote que encontrou e criou em segredo.
Varlet - Extra
Mesmo depois de reativar o Para-RAID, não havia alvos de Ressonância para se comunicar. O fraco radar do Juggernaut não conseguia detectar unidades consort próximas. Outro esquadrão aniquilado. Jogando o rádio, que só emitia ruídos estáticos, para dentro de sua cabine, Shin apoiou as costas na armadura de sua unidade e suspirou. O capitão e os membros do esquadrão sob seu comando haviam desaparecido.
O campo de batalha em que ele estava era um pasto abandonado e desolado de outono. A Legion havia recuado, e Shin ficou completamente sozinho sob um céu tingido com as tonalidades particulares de azul que eram únicas do outono. O vento soprava, indiferente à batalha que acabara de acontecer e às vidas humanas que reivindicava. O céu azul desnecessariamente claro pairava sobre ele, as pétalas de flores cujos nomes ele não conhecia flutuavam pelo ar.
Ao completar doze anos, Shin finalmente havia sido encarregado de ser vice-capitão de um esquadrão. Era um esquadrão sem veteranos. E como sempre, todos foram aniquilados, com ele sendo o único sobrevivente... ou não.
"Você ainda está aqui", disse Shin, voltando os olhos para o Scavenger do modelo antigo que se aproximava ruidosamente.
"Pi."
Talvez Shin tivesse sorte, pois, por mais antigo que fosse, aparentemente tinha sido agraciado com alguma capacidade de aprendizado. Este admirável Scavenger era melhor em sobreviver às batalhas do que seus pares. E isso apesar do fato de sempre seguir Shin de perto, mesmo quando ele enfrentava a Legion em combate corpo a corpo com suas lâminas de alta frequência ou quando avançava profundamente nas linhas inimigas para quebrar suas formações.
"Eles provavelmente vão me transferir. Você vai me seguir de novo?"
"Pi."
"É mesmo?"
Parecia que sim.
Isto vai sem dizer, mas Touka não estava neste distrito. O que significava que, desta vez, ele teria que convencer os soldados da República a deixar Fido acompanhá-lo, pensou Shin casualmente. E não parava por aí. Ele teria que cuidar de muitas coisas por conta própria daqui para frente.
Os processadores eventualmente o deixam e morrem. E a equipe de manutenção fica para trás enquanto ele se despede. Então, se ele fosse sobreviver, não poderia depender de mais ninguém. Ele teria que lidar com tudo sozinho.
"Pi."
"Mm."
Shin percebeu que o Scavenger o estava encarando. Seu sensor óptico redondo não piscava. Estava o observando pensativamente, sua fuselagem inclinada ligeiramente para a frente, como um cachorro inteligente.
De alguma forma, esse gesto fazia parecer que estava preocupado com Shin. Mesmo que uma máquina de coleta de lixo feita pela República não pudesse ter funções avançadas como pensamentos e emoções.
Mas assim que esse pensamento cruzou a mente de Shin, ele levantou ambas as suas garras em direção ao céu e começou a balançá-las para a esquerda e para a direita. Em seguida, dobrou as juntas que conectam suas pernas ao corpo uma após a outra, balançando sua forma de dez toneladas no mesmo ritmo em que movia os braços.
"..."
Ele estava... dançando. Shin assistiu aos movimentos estranhos e inesperados do Scavenger com espanto por um momento antes de explodir em risos. Entre isso, como ele o havia seguido para ajudá-lo a transportar suprimentos e como basicamente se forçou no avião de transporte…
"Você é um cara estranho, sabia?"
Mesmo sendo apenas uma máquina que não poderia possuir emoções. O sensor óptico do Scavenger o encarou novamente, como se estivesse perguntando se ele estava mais animado.
"Acho que não posso chamá-lo de você o tempo todo", disse Shin, olhando de volta para ele. "Seria confuso."
"Pi?"
"Você tem um nome...? Não, acho que não. Então, que tal...?"
Mesmo a República, que retirou dos Eighty-Six seus nomes originais, pelo menos usava números para gerenciá-los. Shin refletiu sobre isso por um momento, e então um nome veio à sua mente. Ele o disse em voz alta sem pensar demais.
Ele não conseguia mais lembrar quando havia ouvido esse nome, mas aparentemente era um nome que se daria a um cachorro. E por algum motivo, parecia nostálgico. Shin também não lembrava por que isso era assim.
"Fido. Vou te chamar de Fido."
"Pi...!"
O Scavenger - Fido - piscou seu sensor óptico como se estivesse dominado pela emoção. Aparentemente, gostou do nome. Agitou seus braços e corpo novamente, desta vez em movimentos maiores, dançando com passos ruidosos. Dançava tão alegremente que quase parecia que flores ou corações imaginários começaram a girar ao seu redor. Shin assistiu-o brincar com um sorriso sardônico.
"Assim que terminar de dançar, vamos voltar para a base. O chefe dos mecânicos pode ficar preocupado se nos atrasarmos."
"Pi!"