86: Eighty Six Japonesa

Tradução: Shintaro

Revisão: Hiroshi


Volume 1

Capítulo 11: Shalom Chaverim

“...Shinn.”

A armadura do Dinosauria levantou-se um pouco, mostrando um número infinito de “braços”.

Os braços eram prata, compostos de nanomáquinas. Os dedos eram longos, as articulações eram maciças e eram como as mãos de um homem adulto. Os braços se transformaram rapidamente e eles cresceram mais que o comprimento original. Alguns eram braços esquerdos outros direitos, eles estavam estendendo a mão, parecia que ele ansiava algo.

Cada braço estendeu a mão para o “Undertaker”, com isso veio um grito,

“Shhhhhhhiiiiiiiiiiiinnnnnnnnnnnnnn!!!”

Mesmo com a sincronização do Para-RAID no nível mais baixo, aquele rugido foi ensurdecedor, os órgãos latejavam e o sangue coagulou. Raiden, o mais acostumado a isso, estava tremendo e suando frio. Angel gritou e cobriu as orelhas.

Shinn, por sua vez, reagiu ao chamado, e virou o “Undertaker” em direção à unidade inimiga.

“…Shinn!?”

“Continem. Raiden, você está no comando.”

Raiden praticamente conseguia ver os olhos frios de Shinn olhando atentamente para o Dinosauria na frente deles.

“Quando vocês entrarem na floresta, cuidado com o Ameise, se tiverem cuidado não serão descobertos. Atravesse lá e avance.”

“E você?”

“Depois que eu me livrar desse cara, eu continuo. Não temos como continuar se não nos livrarmos disso, e eu não quero continuar… e parece que isso não vai me deixar sair daqui também.”

Quando ele ouviu essas palavras de Shinn, Raiden sentiu um calafrio na espinha.

Esse cara…

Sorriu.

Ahh, é inútil.

Não havia como voltar. Esse cara nunca pensou em fugir. Todo esse tempo, ele estava olhando, procurando a cabeça de seu irmão morto que tinha sido levado pelo inimigo. Provavelmente tudo começou naquela hora... Não, começou quando ele quase foi estrangulado até a morte pelo seu irmão.

Raiden sabia muito bem disso. Mesmo assim, ele sibilou,

“Você só pode estar brincando. Quem é que vai te obedecer?”

Quem vai acatar a ordem de fugir e me deixar para trás?

“…”

“Se você quiser lutar sozinho, tudo bem por mim… mas vamos te dar cobertura. Acabe com ele.”

Falando isso, Raiden rangeu os dentes, suportando essas emoções que surgiam.

Lutar Sozinho, hein?

Você poderia ter nos contado. Só diga logo que vamos lutar juntos e nós concordaremos em ajudar. Por que esse idiota é tão… idiota nesse momento?

Após alguns segundos de silêncio, Shinn soltou um pequeno suspiro.

“…Vocês todos são idiotas.”

“Isso vai fazer nenhum de nós… morrer.”

Dessa vez, Shinn não respondeu.

Os sons estridentes do metal dos canhões de longa distância marcaram o início da batalha. Os tiros caiam igual chuva e as quatro unidades recuaram rapidamente.

A aranha de quatro patas que carregava o “Death God” avançou, como uma fera mirando sua presa.

O Dinosauria começou seu plano.

Ameises que estavam esperando começaram a se mover por toda parte. As outras unidades tinham sensores fracos, e assim o grande número de Ameise, sacrificando o poder ofensivo, fizeram um link de dados que transmitia informações dos inimigos. O objetivo do Dinosauria era ter Amieses espalhados por todo o campo de batalha. Dois deles avistaram o “Undertaker” que se aproximava e transmitiram os dados para o Dinosauria. Ele combinou os dados com as imagens capturadas dos sensores ópticos e então virou seus canhões na direção dele.

Fogo.

Os canhões de 155 mm dispararam. Esses canhões não eram canhões de tanque comum, eram canhões pesados. As balas que perfuravam armaduras quebraram a barreira do som, voando em alta velocidade, e destruíram tudo que estava na posição do “Undertaker”.

O “Undertaker” revidou no mesmo instante, não revidou no Dinosauria, mas atacou os Ameise espalhados pelo campo, destruiu um e desviou de outro chutando o corpo de outra unidade, antes de mirar e atirar no Dinosauria. A granada de fumaça explodiu no ar, inutilizando temporariamente os sensores ópticos do Dinosauria, e o “Undertaker” aproveitou esse momento para chegar até no ponto cego de dois Ameise.

O canhão principal do “Juggernaut” era um canhão de 57 mm, era como um brinquedo perto do Dinosauria, seu poder de fogo era incapaz de perfurar a blindagem resistente do Dinosauria, não importava o ângulo. Só tinha um jeito de lutar com ele, tinha que destruir os outros olhos que cobriam os pontos cegos do enorme inimigo assim aumentando as chances de sucesso.

O corpo maciço do Dinosauria dissipou o véu de fumaça branca e avançou. Ele previu o padrão de movimento do “Undertaker” e então ergueu sua pesada metralhadora, mirou e atirou. O “Undertaker” rapidamente se afastou para desviar e a fumaça se espalhou entre eles.

A ponta quente e crepitante do canhão estava mirando a figura sem cabeça. Enquanto o inimigo continuava mirando com uma precisão quase divina, o “Undertaker” continuou correndo se movimentando o máximo que podia.

O plano obviamente era isolar o “Undertaker” das outras unidades, e depois isolar cada uma das quatro unidades antes de acabar com elas.

Vários Grauwolf e Löwe avançaram em direção a seus alvos, e mesmo que eles se escondessem, seriam descobertos pelos Ameise espalhados pelo campo de batalha inteiro. Todas as rotas de fuga foram bloqueadas pelos Stiers e o bombardeio de longo alcance dos Scorpions limitaram muito seus movimentos. Eles derrotaram os inimigos próximos a eles, mas mais inimigos continuavam a atacá-los.

Normalmente, eles nunca usariam essa formação como tática. É claro que isso foi orquestrado por um “Shepherd”, o “Shepherd” que provavelmente estava dentro daquele Dinosauria.

Em meio aos ataques em massa, rajadas de tiro e golpes, Raiden olhou para o lado. Os inimigos continuavam a vir como formigas, mas essa parte do campo de batalha onde o Dinosuria e o “Undertaker” se enfrentavam estava limpo.

Era uma cena absolutamente ridícula.

Lutar contra aquele Dinosauria sozinho era completamente ridículo. O que quer que estivesse acontecendo diante de seus olhos eram um milagre. O “Juggernaut” era muito inferior, seja em termos de poder de fogo, armadura ou mobilidade.

Isso não podia ser contestado. No entanto, essa batalha podia continuar, porque quem estava nesse “Juggernaut” era Shinn… não, nem mesmo Shinn conseguiria lutar de verdade. O Dinosauria praticamente ignorou todas as predefinições de um tanque pesado e ficou imóvel. Em contraste, o “Undertaker” continuou a dançar e abrir caminho de uma forma delicada, mas agressiva, que fazia as entranhas de qualquer um estremecer, mas ele era forçado a continuar sem parar com esses movimentos inacreditáveis.

Não era uma batalha. Por quanto tempo essa corda bamba conseguiria aguentar?

Ou será que nós que vamos cair primeiro?

O coração de Raiden vacilou. Ele não conseguia mais lembrar de quantos inimigos havia derrotado, pois toda vez que destruía um, outro aparecia. Fadiga e falta de esperança estavam começando a encher a mente dos veteranos moldados em incontáveis batalhas.

“Recarregando! Me dê cobertura!”

Seo ofegava enquanto gritava. Essa voz mostrava claramente grande fadiga.

Fido correndo sozinho através do fogo cruzado, dando o seu máximo para reabastecer todas as unidades, e ele ejetou um de seus seis contêineres. Isso claramente significava que a munição desse contêiner havia acabado. Do total para o mês de munição, 20% já havia sido usado apenas nessa batalha.

Quando ficarmos sem munição, será o nosso fim, hein?

Pensando nisso, Raiden deu um sorriso irônico. Maravilha. Essa era a vida que ele esperava, a morte que ele esperava.

De repente, outra pessoa entrou no canal sincronizado.

“Tenente Shuga! Me empreste seu olho esquerdo!”

Depois de alguns segundos, seu olho esquerdo escureceu, antes de voltar. A mesma voz continuou a gritar.

“Disparando agora! Prepare-se para o impacto!”

Nesse exato momento, um clarão rasgou o céu.

Um flash silencioso foi seguido por uma explosão atrasada. Os Eintagsfliege que estavam no ar foram instantaneamente queimados e vaporizados pelas chamas ou destruídos pelas ondas de choque que se espalharam por todos os lugares, desintegrando-se.

Essas eram as chamas e a energia liberadas na explosão de uma bomba com combustível. As nuvens prata se dispersaram momentaneamente, revelando um céu azul, antes de ser colorido de preto graças aos tiros que vieram a seguir.

Os mísseis acertar com precisão os seus alvos, e enquanto eles queimavam, a couraça do míssil se separou. E as centenas de balas dentro dele seguiram os inimigos detectados no radar, explodindo na velocidade quase sônica de 2.500 a 3.000 metros por segundo.

Na chuva de balas, as fracas armaduras dos Ameise foram destruídas, e a primeira metade da segunda onda da “Legion” foi instantaneamente destruída. Uma segunda leva de tiros veio segundos depois e os tiros choveram em cima do resto da segunda onda de tropas, obliterando-os.

Raiden, Seo, Krena e Angel ficaram atordoados por alguns segundos.

Eles nunca tinham visto isso antes, mas eles entenderam. Era um dos canhões de interceptação, que ficava atrás da parte guardada pelos “Juggernauts” como um aviso, um pedaço de metal que nunca tinha sido usado.

E alguém realmente ativou eles.

Havia apenas uma pessoa estranha o suficiente para ter tanto trabalho para ajudar as pessoas que estavam no corredor da morte.

“Major Millize, é você?!”

Ele ouviu uma voz que parecia com o badalar de um sino prateado, preenchido com uma convicção, e determinação implacáveis.

“Sim. Sou eu. Desculpe pelo atraso, pessoal.”

“Eu falei para você não aparecer mais na minha frente, Lena.”

Lena estava preocupada que Arnett não viesse, mas ela apareceu no corredor, na hora certa.

“Sim, eu ouvi isso, Arnett. Mas eu nunca disse que cumpriria isso.”

Era uma noite chuvosa. Lena estava na intersecção da luz da entrada e da escuridão da noite, e seu rosto parecia com o de um fantasma de tão fatigado e cansado que estava. Ela estava vestindo o simples uniforme militar, seu cabelo prateado estava bagunçado, seu rosto estava branco como a neve, sem nenhuma maquiagem.

Os inflexíveis olhos prateados emitiam um estranho brilho.

“Configurações de sincronização visual. Fazer ajustes no dispositivo RAID. Você pode fazer isso, certo?”

Arnett grunhiu. Seus olhos pareciam com os de um cão sem dono.

“Não faço isso, e isso não tem nada a ver comigo.”

“Você vai fazer. Ao trabalho.”

Lena riu.

Acho que meu rosto está com uma expressão muito cruel e feia agora, ela pensou isso em algum momento.

“Aquele amigo de infância que você deixou para morrer.”

Ela riu. Como um demônio. Como um Death God.

“Seu nome era Shinn, certo?”

Naquele momento, a expressão de Arnett mudou.

“… Como você…?!”

Quando ela viu o olhar pálido no rosto da garota, Eu adivinhei então, Lena murmurou em voz baixa.

Mesmo que Lena estivesse tentando enganar ela com isso, ela tinha quase certeza disso para início de conversa. Ele já havia morado na primeira área, onde o número de Coloratas era pequeno, tinha uma idade parecia com a de Lena e Arnett e tinha um irmão mais velho.

A habilidade de Shinn permitia que ele ouvisse as vozes dos mortos por algum motivo, mas na época que ele era amigo de infância da Arnett, ele conseguia ouvir a real voz das pessoas, a voz do coração. Provavelmente a habilidade era a mesma, apenas diferenciava o tipo da audição.

Dadas todas essas pistas, essa conclusão era quase obvia.

 “Como você conhece esse nome…? Ele…!”

“Isso mesmo, ele está no esquadrão que estou comandando. É o líder do esquadrão Spearhead, codinome ‘Undertaker’, esse é o Shinn.”

Novamente ela teve a chance de salvá-o, e novamente, Arnett o abandonou.

Arnett agarrou o colarinho da Lena. Lena permaneceu imóvel com as ações de Arnett e seus olhos ansiosos, sem vacilar nem por um segundo.

“O Shinn te disse isso?! E-ele ainda está vivo! Ele ainda me odeia?”

“Por que está perguntando para mim? Isso não tem nada a ver com você, não é?”

Lena tirou a mão de Arnett de seu colarinho e recuou lentamente, ignorando a chuva em sua roupa, Arnett continuou, e Lena mostrava um sorriso frio enquanto o rosto de Arnett mostrava um olhar sombrio.

Lena nunca ouviu nada sobre Arnett… provavelmente ele a esqueceu. Ele que tinha tido as memórias de Ray e de seus pais varridas pelas vozes dos fantasmas, certamente não conseguiria lembrar da sua amiga de infância.

Mas se isso era uma redenção ou uma maldição para Arnett, Lena não fazia a mínima ideia.

“Se tem algo a ver com você, me ajude. O que você pretende fazer? - Rápido, antes que o dia amanheça.”

Antes que isso acontecesse, você poderia me rejeitar pela terceira vez.

Arnett continuou inerte, sorrindo. Aquele sorriso estava misturado com lágrimas e um leve toque de alívio.

“…Um demônio.”

“É pode ser, capitã técnica Penrose. Isso vale tanto para mim quanto para você.”

Sim, Lena não ficou nem um pouco desanimada ou desencorajada. Ela estava simplesmente ocupada demais para se sincronizar com o resto do esquadrão Spearhead.

Ela estava procurando todas as coisas que pudessem ser úteis, fosse as configurações e ajustes da sincronização visual, ou os códigos de ativação dos canhões de interceptação dos frontes de batalha próximos.

“… Metade deles não pode ser usado…!?”

Quando descobriu isso, ela suspirou. 30% dos canhões não podiam ser disparados, e dos que sobravam, outros 30% não conseguiam acender o pavio, então as balas só conseguiam despencar e rolar. Os mísseis, pesando mais de cem quilos, podiam acertar em cheio as unidades Ameise, esmagando-os, mas eram totalmente ineficazes, devido ao poder de fogo que eles tinham.

A equipe de manutenção tinha ficado tão relaxada. Eles não faziam a manutenção da “armadura” que os protegiam, isso era tolice deles.

Ela colocou coordenadas parecias no canhão de interceptação restante e disparou. Quando ela viu todas as unidades inimigas alvo destruídas, ela soltou um suspiro de alívio.

Daquela vez, Shinn falou que eles estavam finalmente livres.

Lena não achava que isso podia ser considerado liberdade, mas ela não podia recusar a missão e não podia dar o perdão que eles mereciam. Então no mínimo, ela queria garantir que a tão esperada jornada pela liberdade deles não tenha tantos obstáculos, para que eles pudessem continuar e ir o mais longe que conseguirem.

Essa liberdade que eles alcançaram é tão rara e tão valiosa.

Ela nunca permitiria que o primeiro dia de sua longa jornada fosse o último, até que eles estejam bem na frente da porta final.

Ao ouvir aquela voz prateada, Raiden começou a brigar. A segunda onda de inimigos foi aniquilada e a terceira onda parou de avançar, estavam atônitos por causa da situação. A primeira onda perdeu a cobertura e todos atacaram imediatamente.

“Você realmente é uma idiota, não é?! O que você está fazendo?!”

“Eu apenas sincronizei com o seu olho esquerdo, verifiquei a localização do inimigo e disparei o canhão de interceptação lá. Ah, eu também fechei o meu olho esquerdo durante a sincronização para que você não ficasse distraído.”

Quando ele ouviu essa resposta indiferente, ele ficou ainda mais enfurecido. O que ela quer dizer com ‘apenas’? Como isso é algo simples?!

“Você não sabe que usar a sincronização visual podem deixar o Handler cego? E onde você conseguiu autoridade suficiente para disparar os canhões interceptadores? Você não está desafiando as ordens, não é?!”

As informações compartilhadas através da sincronização visual eram muito grandes e podia facilmente confundir ambos os usuários, tanto que, se ficasse sincronizado por muito tempo, o cérebro se sobrecarregaria, e na pior das hipóteses, a pessoa ficaria cega. Portanto, os Handlers geralmente não usavam o compartilhamento de visão sincronizada. As ordens dessa missão deixava claro que qualquer apoio era proibido, mesmo que fosse um superior dando apoio sem permissão, não valeria nem um pouco a pena ajudar um esquadrão que estava no corredor da morte!

De repente, Lena gritou. Foi a primeira vez que ele ouvir a garota brigar.

“E daí! Todos podem ficar cegos por qualquer motivo. Mesmo que eu esteja desafiando ordens e dando suporte usando os canhões de interceptação, eu só perderei a minha patente e terei que pagar. Não sou eu que vou morrer aqui!”

Raiden ficou espantado com essas palavras. Ela estava ofegante devido ao grito repentino, e então ela falou com uma voz fria que ele nunca poderia ter imaginado saindo dela.

“Os militares, o governo, nenhum deles é sensato, então eu não tenho que ouvir eles, nem tenho que me preocupar com a repressão deles… eu não deveria ter esperado pela ordem para ter começado isso.”

Essa frase estava cheia de amargura, e em seguida, ela orgulhosamente bufou.

A tensão entre eles finalmente diminuiu, e Raiden deu um pequeno e amargo sorriso.

“…Você realmente é uma idiota.”

“Não estou fazendo isso por vocês. Com tantos inimigos assim, a república ficará em perigo se eles chegarem aqui. Estou fazendo isso porque não quero morrer.”

Ela fez essa declaração e Raiden riu alto. E assim, Lena sorriu pela primeira vez nesse dia.

“Se a terceira onda começar a avançar, eu vou atacar. Desculpe não poder dar cobertura para vocês, já que a primeira onde já está tão perto de vocês. Por favor, deem um jeito.”

“Certo, deixe conosco. Isso é só mais um dia nas nossas vidas.”

“…E o Capitão Nouzen?”

Ao ouvir esse nome, Raiden tremeu amargamente. Mesmo que eles estivessem sincronizados, Shinn não respondia, nem prestava atenção neles, apenas continuava com a sua vontade fria e hedionda de lutar.

“Ele está lutando com o irmão dele. É isso que o Shinn sempre quis. Ele não nos ouve mais.”

Em meios os gritos ensurdecedores de seu irmão, Shinn continuava a pilotar o “Juggernaut”, buscando uma chance de contra-ataque.

Ele continuava a lutar em uma corda bamba, onde até mesmo o menor erro seria punido, então sua concentração foi totalmente focada no inimigo na frente dele, tanto que o cenário ao redor, os inúmeros gritos, e até mesmo a passagem do tempo estavam sendo totalmente ignorados por ele.

O canhão mirou. E atirou. O “Undertaker” foi para o lado rapidamente, acabando com o equilíbrio, mas evitando o tiro por alguns meros centímetros. O sub-canhão ficava a direita do canhão principal, e se ele continuasse desviando para a esquerda, o inimigo só conseguiria atacar com o canhão principal e as metralhadoras do topo…

Mas o sub-canhão disparou.

O tiro passou pela perna direita. E ao mesmo tempo, o canhão principal começou mirar. O Juggernaut “Undertaker” continuou a deslizar para o lado e não conseguiu desviar a tempo.

Outro disparo. Com a ajuda do gancho que foi jogado no chão, o “Undertaker” quase não conseguiu desviar, e o Löwe que estava atrás dele foi atingido e explodiu. E devido aos disparos consecutivos, até mesmo o Dinosauria com seu grande peso e pernas resistentes teve que se segurar no chão com suas oito pernas para conseguir aguentar o recuo gigantesco.

Aproveitando esse momento, o “Undertaker” rapidamente avançou.

Seu canhão principal estava mirando a parte de trás das metralhadoras do Dinosauria. Era visivelmente a parte mais fraca da armadura, a única parte da armadura impenetrável que o canhão principal do “Juggernaut” conseguia penetrar.

Ele apertou o gatilho. A bala voou fazendo a trajetória de um arco, preparando-se para dar um golpe fatal.

No entanto, um braço do Dinosauria se estendeu, desviando o tiro.

“…!?”

Shinn arregalou os olhos ao ver essa cena que parecia ter saído de um pesadelo. O braço foi atingido pelo tiro e se despedaçou, mas como era feito de nanomáquinas, novos dedos começaram a crescer imediatamente, e ele voltou a balançar, como se nada tivesse acontecido.

Ele sentiu o Dinosauria olhar novamente para ele, e recuou instintivamente. Ao mesmo tempo, as metralhadoras dispararam na direção dele, e ele recuou novamente, de novo e de novo até que ele conseguiu se afastar o suficiente. As armas com poder de fogo mais fraco que o inimigo tinha, as metralhadoras, eram suficientes para forçar o “Juggernaut” a recuar. O maciço Dinosauria se virou lentamente.

O inimigo estava atirando para o afastar, e ele tinha que dar tudo de si para fugir. Além disso, seu último e único ponto de ataque foi bloqueado.

Enquanto ele tremia, seus lábios exibiam um sorriso.

Um Grauwolf aproveitou a oportunidade para atacar quando conseguiu fugir do esquadrão e se aproximou pelo flanco. Mas, o Dinosauria cruelmente o destruiu, basicamente falando para não interferirem. Vendo isso, o sorriso de Shinn se alargou.

A voz moribunda de seu irmão continuava em seus tímpanos. Sin. seu nome. É bem adequado. É tudo culpa sua. Pague com a sua vida.

Então, mesmo estando morto, você ainda quer me matar pessoalmente?

…Eu também, irmão.

Para Ray, nesse momento, mesmo que ele deva ser chamado de fantasma de Shourei Nouzen ou o ser que teve a memória replicada de seu cérebro que ainda estava para apodrecer naquele dia nevado, isso não importava. Ele tinha morrido, mas obteve uma segunda chance. Estava tudo bem para ele.

Ele sabia que Shinn tinha chegado ao campo de batalha. Ele ouviu aquela voz.

A voz de Shinn, no entanto, era suave, coberto pelo maciço, e repulsivo esqueleto chamado de república. A república descaradamente jogou Shinn no campo de batalha como se ele fosse uma propriedade dela, o que o deixou incapaz de distinguir a voz de Shinn do resto.

Sempre que ia para batalhas, ele procurava usando os olhos de seus Ameise, Ray, como um membro da “Legion”, não podia desafiar as ordens recebidas, e como comandante, não podia deixar o interior de sua área designada. No entanto, se Shinn estivesse por perto, ele queria encontrá-lo novamente. Para vê-lo, pedir desculpas a ele e implorar por seu perdão. Até esse momento.

Um dia, pelos olhos de um Ameise que estava quebrado e incapaz de se mover, ele o viu.

Era uma noite e tinha uma chuva de meteoros. Mesmo sendo de uma grande distância, ele finalmente conseguiu ver o rosto de Shinn, depois de ampliar o zoom ao máximo.

Ele estava crescido e provavelmente estava dizendo algo para seu amigo, um Eisen. Ele queria ouvir sua voz, então direcionou os receptores para eles. Certamente sua voz deve ter sido destruída. Ou talvez não. Nesse caso, ele queria ouvir aquela voz.

Ambos estavam olhando para o céu noturno enquanto a chuva de meteoros passava, descansando em cima de um “Juggernaut” que estava todo destruído, suas silhuetas pareciam as de crianças.

“Seu irmão ainda está por aí?”

“Sim. Ele sempre está me chamando. É por isso que eu tenho que ir.”

Estão falando de mim? Você está procurando por mim?

A máquina continuava tremendo. Era triste ver Shinn no campo de batalha, mas sabendo que ele estava procurando-o, Ray não conseguia esconder o deleite.

“Mas você não vai encontrar o cadáver de seu irmão e enterrá-lo? Isso deve ser o suficiente, não é?”

Enterrar o meu cadáver? Que gentiliza sua, Shinn.

“… Meu irmão não vai me perdoar só por isso.”

Ele ficou atordoado.

Por que você diz isso? Se você não pode ser perdoado, então isso vale para mim também, certo?

Não, isso não é verdade, queria dizer a ele que isso não é verdade. Queria vê-lo. O desejo o enlouquecia.

A operação da república acabou e levou Shinn e os outros embora, e a fraca voz de seu irmão estava misturada com os ruídos. Ele continuou a procurar, e sempre que o encontrava, ficava animado. Ray não podia deixar sua área, mas colocou todas as unidades que podia.

Shinn continuou lutando.

Mesmo sabendo que ele seria enterrado sozinho em algum canto do campo de batalha, ele continuou lutando facilmente.

Não tinha necessidade de lutar.

Não tinha porquê lutar por aqueles porcos. Se aqueles porcos faziam isso só para sobreviver, era melhor trazer Shinn para o seu lado. Shinn poderia facilmente deixar esse frágil corpo de um humano para mudar de corpo. Certamente conseguiria protegê-lo, iria protegê-lo por toda a eternidade.

Nesse dia, os porcos finalmente largaram suas mãos imundas de Shinn. Em meio às vozes dentro dos ruídos, sua débil voz ainda podia ser distinguida.

Ray sabia que Shinn estava indo em sua direção e foi recebê-lo. Finalmente, poderia agir.

Nesse momento, ele estava certo. Seu amado irmão, a quem havia olhado por anos, aguardando ansiosamente, estava dentro daquela aranha feia.

A armadura dessa aranha era muito frágil e tinha que ser muito cuidadoso para não destruí-la. Ele ergueu os braços e a aranha era rápida, difícil de capturar, por isso visava apenas as pernas.

Finalmente, eu posso te encontrar. Finalmente, eu vou te trazer de volta.

Nós estaremos juntos, para sempre. Um irmão deve sempre protegê-lo. Então, venha aqui, Shinn,

O Dinosauria estava mirando apenas as pernas, não estava usando granadas, apenas tiros perfurantes. As explosões das granadas criariam estilhaços que voariam rapidamente para direções aleatórias, e a armadura ruim do “Juggernaut” não suportaria a explosão de um canhão de 155 mm de perto.

Ele está brincando comigo? Ou ele não quer me matar tão facilmente? Os inúmeros braços, os braços que tentaram matá-lo naquela noite, avançavam contra ele.

Você acha que isso vai acontecer de novo?

Shinn olhou para o visor, procurando por um terreno no qual pudesse lutar. Fingiu fugir e viu que Ray o perseguiu.

Ele disparou horizontalmente, enquanto fugia. Os canhões seguiam seus movimentos enquanto balançavam ansiosamente para a esquerda e para a direita, tentando mirar nas pernas. Eles travaram a mira e no momento em que estavam prestes a disparar-

Ele chegou ao local desejado.

Momentos antes de o canhão atirar, Shinn disparou seu gancho, em direção a uma enorme árvore à esquerda, atrás do Dinosauria. No momento seguinte, ele puxou a corda, arrancando os ramos e galhos e saltou na mesma hora por cima do topo do Dinosauria.

A metralhadora do Dinosauria servia principalmente para atacar unidades blindadas terrestres, mesmo que pudesse mirar para cima, tinha um limite para o seu ângulo periférico. Não conseguia atacar acima e não conseguia acertar nada embaixo de seus pés.

Shinn deslizou no ar, e ao mesmo tempo, ajustou sua posição para onde a unidade inimiga estaria. Ele pisou em uma das juntas da armadura e pousou logo atrás do Dinosauria. As metralhadoras não conseguiam atingir ele naquela posição, pois eram muito pesadas, e comparadas com a parte da frente, a armadura era um pouco mais fina. Shinn balançou as lâminas de alta frequência usadas para combate corpo-a-corpo, e enfiou-as profundamente na armadura.

Faíscas voaram e a armadura espessa foi cortada como manteiga. As lâminas de alta frequência fizeram um buraco enorme, e depois disso, ele apontou o canhão principal para o buraco.

No entanto, dois braços prateados saíram daquele buraco, agarrando fortemente as armas de Shinn.

“Que…”

E, repetindo o que aconteceu naquela noite na igreja.

Ele foi levantado e depois bateu com força no chão. Naquele momento, Shinn perdeu a consciência.

Pzzt. A sincronização com Shinn foi cortada. Raiden imediatamente arregalou os olhos. Os inimigos ao redor foram praticamente eliminados e Fido descartou o segundo contêiner. As tropas começaram a recuar devido aos bombardeios que Lena jogou em cima deles. Nesse momento,

“…Shinn!?”

O sinal dele foi perdido, e tentaram se reconectar, mas falharam. Olhando para cima, Raiden viu o “Undertaker” caído anormalmente na frente do Dinosauria, imóvel, provavelmente arremessado.

O Para-RAID exigia que ambos os lados estivessem conscientes, por tanto, se alguém desmaiar, a sincronização era cortada. Isso mostrava que Shinn provavelmente estava desmaiado, ou dormindo… ou quem sabe, morto.

O Dinosauria se aproximava devagar. Por alguma razão, ele não atacava, mas quanto mais se aproximava, mais sinistro parecia.

Raiden alterou para o comunicador sem fio, e felizmente, ele conseguiu se conectar. Parecia que o cockpit não tinha se danificado muito.

“Shinn, seu idiota! Levanta!”

Mas o “Undertaker” continuava imóvel.

Ele fez o possível para controlar sua força para não danificar o cockpit, mas os armamentos do frágil “Juggernaut” não resistiram a esse impacto, e Shinn, que ele conseguiu capturar depois de tanto esforço, voou para longe novamente.

Vendo Shinn imóvel, ele soltou um suspiro de alívio. Shinn provavelmente estava desmaiado, e provavelmente ferido. De qualquer forma, ele teria que se desculpar depois.

Suprimindo a agitação em seu coração, ele se aproximou lentamente. Finalmente, poderia levá-lo para o seu lado.

Finalmente, poderia conseguir de volta o que havia perdido. Finalmente, eles poderiam ficar juntos. Mas para isso, primeiro ele tinha que acabar com aquele fraco corpo feito de carne.

Quando ela viu o Dinosauria no radar lentamente se aproximando do “Undertaker”, Lena mordeu os lábios. Raiden e os outros foram para cima, mas apenas suas armas não conseguiriam impedi-lo. Certamente, se isso continuasse, Shinn, e até mesmo Raiden e os outros, morreriam.

Ela mordeu os lábios com tanta força que conseguia sentir o gosto de sangue.

No passado, Ray falou que queria voltar. Ele não disse o quanto ele adorava seu irmão mais novo, mas sua expressão revelava tudo. No entanto, por que aquele Ray queria tanto matar Shinn?

Lena queria parar Ray, mas ela estava sem ideias. Havia uma arma extremamente potente em suas mãos, mas ela não podia usá-la contra o Dinosauria sem ferir Shinn.

O poder dos mísseis teleguiados, ou do canhão, seria muito. A armadura de um “Juggernaut” era muito frágil, e se atingisse o Dinosauria, o estilhaço da explosão, com certeza, machucaria Shinn.

O que eu faço? Não tem mesmo nada que eu possa fazer?

Pense, pense, rápido, pense… De repente, ela se lembrou de uma memória e arregalou os olhos.

“Tenente Cucumila, por favor, me dê as coordenadas do Dinosauria. Quanto mais preciso, melhor.”

Krena quase se abalou quando ouviu as ordens de Lena. Como uma franco-atiradora, ela sabia exatamente o que Lena estava planejando.

“Eu vou deixar a sondagem com você. Basta apontar o laser para o alvo…”

“Espere um pouco! Você vai…?!”

E então, Seo interrompeu. Todos estavam irritados. Até Angel se juntou, se sentido ansiosa.

“Você realmente vai atirar? Você só pode estar brincando! O Shinn ainda está lá!”

“Com uma explosão tão próxima assim, não tem como um ‘Juggernaut’ Suportar a explosão! Shinn certamente será atingido pela explosão!”

“Eu tenho uma ideia. Mas, eu acho que isso só vai criar uma abertura… eu também não quero que o capitão morra.”

Sua voz estava cheia de honestidade e determinação.

E então, Krena, involuntariamente concordou.

Raiden foi para cima e disparou, enquanto Seo e Angel também avançaram. A armadura refletiu os tiros, mas eles continuaram disparando. Ao mesmo tempo, eles continuavam a atirar contra os Ameise próximos, continuando sua grande investida.

Tudo era refletido pela armadura, ou defendido pelos braços, já que o Dinosauria não mostrava nenhuma intenção de parar. Merda, esses dois irmão são iguais, não se importam com nada ao redor deles.

Uma metralhadora foi destruída por estilhaços, quando um tiro de canhão no sensor óptico explodiu.

Finalmente, o Dinosauria começou a prestar atenção neles.

A metralhadora restante se virou para eles. Raiden percebeu isso e desviou para o lado. A saraivada de balas passou perto dele.

Seo e Angel aproveitaram a oportunidade para se aproximarem e dispararam seus ganchos sobre o canhão e a perna do Dinosauria respectivamente, antes de começar a puxar. O peso do “Juggernaut” era só um décimo do peso do Dinosauria, e mesmo com duas unidades, eles não conseguiam derrubá-lo. Raiden atirou na metralhadora que sobrara, destruindo-a, e depois jogou o gancho no Dinosauria. A enorme máquina finalmente diminuiu um pouco.

Ele sentiu vindo em sua direção uma enorme intenção de matar que ele nunca tinha sentido antes, e o trio soltou os ganchos na mesma hora. No momento seguinte, o Dinosauria balançou fortemente o canhão nos membros que estavam presos ainda. A “Snow Witch” demorou muito, e foi arremessada ao ar, batendo com força no “Laughing Fox”, que também saiu voando para longe.

“Angel! Seo!”

“E-eu estou bem.”

“Eu também. Desculpe, Seo.”

“Está tudo bem. Agora… Raiden! Está indo na sua direção!”

“…”

Enquanto ele estava distraído, o inimigo mirou nele. Raiden não conseguir desviar a tempo. No momento em que ele cerrou os dentes, ele viu o corpo do Dinosauria afundar no chão com força. O tiro de canhão veio bem de trás do “Werewolf”. Era a sniper Krena. Ela faz um buraco no chão sob os pés do Dinosauria.

“Raiden, você está bem?”

“Sim, você me salvou! Vamos recuar. Mesmo estando condenados se você terminar aqui… Major, você está bem?!”

A voz de Lena estava coberta de tensão.

“Eu lancei. Distância até a aterrissagem… 3000! Tenente Cucumila!”

“Entendido. Estou preparando o radar. ETA¹ até o alvo é de… cinco segundos… três, dois…”

A “Gunslinger” estava apontando uma sonda laser invisível a olho nu. Estava mirando no Dinosauria parado logo a frente do “Undertaker”.

O Dinosauria tinha sensores fracos.

Mesmo sendo uma unidade comandante, Ray não era uma exceção, e só conseguia compensar essa desvantagem usando os numerosos Amiese do seu lado e o seu numeroso exército. No entanto, os Ameise foram totalmente aniquilados, e ele não tinha dado nenhuma ordem para o exército desde que a operação começou, e isso fez com que eles tivessem que recuar. Porque, pegar a cabeça de Shinn era seu objetivo principal e o resto era secundário, não importava.

E assim, no momento em que ele percebeu o que estava acontecendo, era tarde demais.

Estava prestes a abrir o cockpit, antes que a sirene de alerta soasse sem aviso prévio.

Nos sensores ópticos, havia um enorme canhão bem diante de seus olhos. Era parecido com uma larva do tamanho de um bebê, posicionando os controles enquanto olhava a quarenta e cinco graus, mirando diretamente a armadura.

Um canhão pesado de 155 mm, com munição perfurante.

Ele fervia em raiva.

Claro, era um enorme e poderoso canhão, tanto que, se fosse acertado, nem Ray conseguiria sair ileso.

Aqueles bastardos republicanos. Não era suficiente eles o terem descartado, eles o estão usando como isca para matar a todos?

Ray não conseguiu escapar com Shinn a tempo. Então, ele parou as patas dianteiras e levantou a parte superior do corpo como um cavalo que estava sendo puxado pelas rédeas, tentando bloquear o tiro com a parte da frente da armadura que era a mais resistente, e fez com que todas as nanomáquinas formassem incontáveis braços diante dele. Se a armadura no topo era fraca e não suportaria isso, que tal a da frente? Eu vou bloquear tudo, a explosão, o impacto. Eu vou proteger o Shinn que está atrás de mim, não importa o que aconteça!

A bala do canhão estava bem na frente dele, e ela iria acertá-lo logo em seguida.

De repente, ele se lembrou das incontáveis estrelas que viu no campo de batalha, como se incontáveis fadas estivessem perambulando à noite.

E sob o céu, a garota falou. Ela tinha cabelos e olhos prateados e era da mesma idade de Shinn. Ele já tinha visto ela antes.

“Você quer protegê-lo?”

Ahh, sim. Eu tenho que proteger o Shinn. Ela é o meu amado irmãozinho.

A menina então falou,

“E você vai matá-lo novamente?”

…………………………………………………………………………………………………………

O “Juggernaut” continuava imóvel. O pequeno Shinn não se movia.

Novamente.

Eu.

Impacto.

Ao entrar em contato, a carga, não explodiu.

Foi um fracasso.

Dados os materiais usados, a carga cheia de explosivos nunca seria capaz de romper a densa armadura frontal do Dinosauria, mesmo com velocidade ou força. O tiro foi refletido, e como a carga não se ativou, os explosivos não explodiram.

Mas dada a velocidade supersônica e a qualidade do material que era bem superior a uma armadura de tanque, o tremendo impacto que aconteceu junto, penetrou por todos os cantos do corpo de Ray.

“Em cheio no alvo.”

Lena viu a carga indicada no radar, sobreposta ao Dinosauria antes de desaparecer.

Não explodiu. Claro. Lena se certificou de não armá-la para explodir.

Ela uma vez ouviu seu pai dizer.

Que a armadura de um tanque podia refletir tiros. Mas, isso não significava que o tanque não seria danificado.

Desde que fosse atingido, pelo menos uma parte da energia cinética do projetil se espalharia pelo tanque. Essa energia seria o suficiente para destruir algumas partes, derrubar os passageiros, ou se a armadura fosse fundida com pregos ou parafusos, esses pregos ou parafusos sairiam devido a deformação que causaria na armadura, ou até mesmo disparando para dentro como tiros, matando os passageiros.

Mas para o Dinosauria, provavelmente aquilo era apenas um mero arranhão. Para Lena, com suas poucas opções, essa era a única maneira dela conseguir atacá-lo sem machucar o Shinn.

No mínimo, ela conseguiria alguns segundos. Ela rezou para que todos conseguissem usar esses poucos segundos para conseguirem fazer alguma coisa.

De repente, ela percebeu.

Havia mais uma pessoa conectada no canal de sincronia.

Raiden estava tentando se conectar com Shinn enquanto lutava. Ele também notou que Shinn tinha acordado.

“Shinn!”

A reação de Shinn estava lenta. Parecia que ele ainda estava meio grogue. Raiden o chamou novamente, não teve resposta.

E então, ele gritou,

“Levante-se, seu idiota! Ei, Shinn!!!”

“Capitão Nouzen! Você está escutando, Capitão Nouzen?! Por favor, acorde!”

Lena ouviu todos chamando por ele e também o chamou. Acorde, saia daí, acabe com o Dinosauria. No entanto, ela não pediu para ele fazer nada disso.

Ela sabia. Ela percebeu. Assim, ela tinha que terminar sua missão.

Naquele momento, naquela noite, ele jurou que derrotaria seu irmão com uma dolorosa e grande convicção.

Shinn não estava com vontade de lutar contra seu irmão mais velho, mas ele ficou de pé na frente dele, e a razão para ele o enfrentar era.

“Você quer enterrar o seu irmão, certo?! …Shinn!”

Uma contração.

Os olhos vermelhos pareciam ter se aberto um pouco.

O corpo de aço tropeçou e caiu no chão. Com o impacto barulhento, a CPU não estava funcionando direito, resultando em um branco temporário.

No entanto, seus instintos de máquina de combate o fizeram disparar seus canhões para todos os lados. Ele conseguiu sentir as “moscas” voando ao seu redor.

A CPU e os sensores voltaram a funcionar.

E assim, Ray viu.

Na sua frente, o “Undertaker” finalmente se levantou, erguendo o canhão em sua direção.

Parecia que Shinn tinha se ferido no momento em que perdeu a consciência, pois tinha sangue grudado no olho esquerdo e ele teve dificuldade em abri-lo. Ele sentiu que o seu corpo estava tão fraco que seus membros não lhe obedeciam mais. Sua mente ainda estava grogue e ele não conseguia pensar direito.

A tela adjacente estava desligada, e no escuro cockpit, ele levantou a mão esquerda, tocando em sua cabeça ainda tonta, encostou-se na parede interna do “Juggernaut”, sem se levantar, apenas segurando os controles e olhando para a tela principal.

Alguém chamou por ele, e ele abriu os olhos, mas a dor e o machucado não desapareceram. Ele não sabia o que tinha acontecido, não sabia porquê ainda estava vivo, nem sabia o que estava acontecendo ao seu redor.

Mas Shinn e o “Undertaker” não estavam mortos.

E o irmão que ele queria enterrar pessoalmente estava diante de seus olhos.

Em sua consciência enevoada, seu corpo se movia instintivamente, e ele segurou os controles novamente, colocando o dedo no gatilho.

Isso era o suficiente.

“…Shinn.”

Era a voz de um fantasma, a voz de seu irmão morto. Assim como as últimas palavras que ouviu dele, essa era a voz de seu irmão, que estava sozinho em algum lugar desse campo de batalha, ainda sem vontade de perdoá-lo, mesmo depois da morte.

No momento em que ouviu aquela voz entre os gritos dos fantasmas, ele decidiu que iria encontrar seu irmão e iria enterrá-lo pessoalmente.

“…Shinn.”

Antes que ele percebesse, Shinn rangeu os dentes. Ele, que deveria ter sido estrangulado até a morte com setes anos, estava chorando em silêncio em um canto de seu coração, lamentando, dizendo que ele deveria ter morrido, que era tudo culpa dele. A voz de seu irmão continuava a persuadi-lo, dizendo que nunca era tarde demais para fazer aquilo. Seu irmão nunca vai deixar você esquecer… nunca vai te perdoar, nunca.

No entanto, Shinn não era mais uma criança. Ele nunca deixaria isso acontecer novamente com ele.

Uma grande quantidade de tempo havia passado desde aquele dia, e ele sabia mais do que ninguém e já entendia o que acontecia.

Naquela época, quando ele quase foi estrangulado até a morte, isso não era culpa dele.

A morte de seus pais, a morte seu irmão, nada disso era culpa dele.

Aquilo era apenas seu irmão extravasando suas frustrações sobre ele. Naquela época, seu irmão não aguentava mais, e então viu ele, que era muito mais fraco, era alguém que ele poderia atacar. Foi simplesmente isso que aconteceu.

Ele não tinha nenhum pecado para carregar.

“Shinn.”

O fantasma continuava a chamá-lo.

Aquela voz continuava o chamando, mas Shinn não achava mais aquilo assustador. Era simplesmente trágico. Era uma máquina que pegava emprestado as palavras dos mortos, ou algumas palavras fragmentadas que tinha escutado, e ansiava para ter algum lugar para onde voltar.

Os incontáveis fantasmas perderam seu país, seus corpos, e mesmo mortos, não conseguiam retornar para o local de seu descanso final, ficavam meramente repetindo seus desejos de voltar, usando os gritos dos mortos que não queriam ter morrido.

Ele não conseguia deixar seu irmão lá, nem seguir em frente.

Seu irmão foi morto, e após sua morte, sua cabeça foi removida e selada dentro de uma máquina de combate como um fantasma, repetindo a mesma frase, várias vezes até ser desligado. Shinn tinha que encontrá-lo, lutar contra ele, derrotá-lo e enterrá-lo.

Por esse motivo, Shinn continuava no campo de batalha. Por essa razão, Shinn lutou por cinco anos inteiros.

Não era pela dívida que ele tinha. Não era pelo pecado que ele deveria buscar a redenção.

Ele sabia disso muito bem. Mas mesmo assim,

Até o final, seu irmão o amaldiçoou como um pecador. Até o fim, o fantasma de seu irmão morto continuava chamando por ele.

Sem essa redenção, Shinn não poderia seguir em frente.

A mira foi travada. O canhão foi apontado para uma abertura que fora aberta na armadura de aço.

“…Adeus, irmão.”

Ele apertou o gatilho.

Através dos sensores ópticos na parte de trás da unidade, Ray testemunhou tudo.

O gatilho foi pressionado e uma faísca apareceu.

Por alguma razão, naquele momento, ele viu.

Os sangrentos olhos vermelhos estavam olhando diretamente para ele, cheios de uma forte convicção e vontade.

Aquele rosto, aquela expressão, eram todos muito estranhos para ele.

Mas isso era óbvio.

Cinco anos atrás, Ray morreu. Ele morreu, e desde então, nunca mudou e nunca cresceu.

Mas Shinn continuava vivo. Ele viveu, e assim, ele continuava a crescer, aventurando-se em terras desconhecidas.

O fraco irmãozinho que ele jurou proteger não estava mais por perto.

Mais cedo ou mais tarde, um dia, Shinn seria mais velho do que Ray jamais foi. Embora estivesse eufórico, Ray estava um pouco desamparado.

Ahh, é claro.

Tinha aquelas últimas palavras, apenas aquelas palavras que ele queria dizer.

As palavras que queria transmitir, mas nunca conseguiu dizer. As palavras que ele queria dizer antes de morrer, em uma ruína naquela noite nevada, mas que nunca conseguiria dizer.

Igual antes, ele estendeu a mão. Uma mão se estendeu de uma abertura na armadura, e parecia que algo havia passado.

Shinn.

Um flash.

A escotilha do cockpit vibrou, e durante esse time, uma abertura apareceu. Daquela abertura, nanomáquinas se infiltraram, formando um braço.

De fato, havia menos de um segundo entre o apertar do gatilho e o tiro ser acertado. A mão, no entanto, continuou a se estender por uma grande quantidade de tempo, lentamente, estendendo-se continuamente. A enorme mão de seu irmão abriu um pouco, aparentemente ela procurava alguma coisa.

Shinn se lembrou daquela noite, e instintivamente tremeu. No entanto, ele rapidamente cerrou os dentes, ergueu a cabeça e olhou para a mão que estava na sua frente, sem nem hesitar.

No momento seguinte, seu irmão seria queimado até as cinzas devido ao canhão. Durante cinco anos, ele procurou seu irmão, ou para ser mais preciso, os pensamentos remanescentes de seu irmão antes da morte dele. Ele queria gravar essa cena em sua memória.

Se era maldade ou vontade de matar, ele queria se lembrar, mesmo que ele não tivesse a intenção de suportar isso.

A mão tocou seu pescoço, evolvendo-se em seu lenço. Parecia com a mão que um dia tentou matá-lo, mas ela acariciava com tristeza a feia cicatriz que fora deixada ali.

“… Eu sinto muito.”

Naquele momento, ele arregalou os olhos. O tempo parecia ter voltado ao normal.

No momento seguinte, a bala do canhão atingiu a máquina e os explosivos contidos no interior se estilhaçaram. O metal se deformou pela alta temperatura e pela grande velocidade, a blindagem quebrou por dentro com isso. Alguns segundos depois, o corpo maciço do Dinosauria estava coberto  por chamas vermelhas escuras.

A mão de seu irmão soltou ele, indo embora pela abertura do cockpit, voltando as chamas ardentes.

“Irmão…”

Ele inconscientemente estendeu a mão, mas não conseguiu segurá-lo a tempo. A mão de seu irmão recuou e foi devorada pelas chamas, queimando, então tudo o que ele estava vendo era um cenário efêmero que desaparecia nas chamas, e tudo parecia estar embaçado.

“… Isso…”

Algo deslizou por suas bochechas. Por um momento, Shinn não percebeu o que era. Desde que ele foi morto por Ray, Shinn nunca mais chorou.

Não sabia porquê estava triste e tampouco compreendia esse sentimento que aflorava do fundo de seu coração chamado angústia.

Tudo o que ele sabia era que as lágrimas continuavam saindo, e que ele não conseguia se controlar.

“…Major. Se desconecte, por favor… esse cara provavelmente não quer que ninguém veja ele desse jeito.”

“Tudo bem.”

Algum tempo depois, Raiden se conectou, dizendo que estava tudo bem, e então Lena ativou seu Para-RAID também. Os outros também ativaram e Raiden falou para todos.

“Se sente melhor?”

“Sim.”

A voz de Shinn ainda estava meio rouca, mas parecia que ele não estava mais chorando, ele voltou à calma habitual, mas um pouco diferente. Com uma risada, Raiden falou,

“Agora você pode colocar o nome do seu irmão no túmulo.”

Em resposta a isso, Shinn calmamente, mas verdadeiramente, sorriu,

“Acho que sim.”

Ele direcionou sua atenção para outra coisa,

“…Major.”

“Eu estou aqui. É claro que estou aqui. Afinal, eu sou a Handler do esquadrão Spearhead.”

Ela queria continuar com eles até o final. Não era uma ordem, nem uma obrigação, mas ela sabia que era algo que ela tinha que fazer.

“…”

“Luta finalizada. Bom trabalho Undertaker. E ao resto também.”

Lena propositalmente falou usando o codinome, e Shinn deu um sorriso irônico.

“Sim, bom trabalho, Handler Um.”

“Certo.”, Raiden murmurou. Parecia que ele estava se esticando no pouco espaço que tinha, e então ele falou.

Lena de repente piscou. E só então.

Por alguma razão, pareciam que todos eles tinham se decidido, sem Lena. Ela foi forçada a assisti-los, espantada.

“Fido, você acabou o recarregamento?”

Houve um silêncio e eles pareciam estar esperando alguma coisa. “Fido? Ahh, aquele ‘Scavenger’ que está sempre seguindo eles.”

“Só vamos poder fazer a manutenção e os reparos quando encontrarmos algum lugar para dormir… usamos muita munição no primeiro dia. Isso é ruim.”

“Bom, está tudo bem, não é? Acabamos com muitos deles.”

“Eu acho que… bom, não temos escolha então.”

Um grande estrondo. Os cinco ativaram seus “Juggernauts” que estavam em modo de espera e se levantaram.

“Vamos… até mais, Major. Por favor, se cuide.”

Lena ouviu essa frase extremamente comum de despedida, e por um momento, não entendeu.

A batalha acabou.

O inimigo recuou e eles não tiveram baixas. Com certeza, eles poderiam voltar para a base como de costume hoje.

“Quê?”

Os adolescentes ignoraram as preocupações de Lena enquanto andavam. Os “Juggernauts” totalmente devastados da intensa batalha emitiam sons muito barulhentos. E eles começaram a conversar como crianças indo para a escola.

“Ah é, você tem certeza que ficaremos bem seguindo em frente desse jeito? Tivemos muitos problemas.”

“Sim… isso certamente é assustador, já que não são minas terrestres previsíveis. Shinn, você se importaria em procurar uma rota alternativa?”

“Não tem nenhum inimigo ao redor, então, está tudo bem… pessoal?”

“Vamos conversando enquanto andamos. Tipo, Shinn, você realmente não olha para onde está andando, hein?”

Eles continuaram indo para o leste, para o desconhecido campo de batalha da “Legion”.

Claro.

Eles não voltariam mais.

“Espe…”

Seu coração se encheu de ansiedade, seu corpo ficou frio quando ela sentiu que estava prestes a perder algo. Lena não conseguiu aguentar e falou,

“Esperem, por favor, esperem…”

Parece que todos pararam e se viraram, esperando ela continuar. No entanto, Lena não sabia mais o que dizer. Pois foi ela quem os mandou embora. Foi ela que ordenou que eles morressem. Nesse momento, ela se desculpar ou se culpar, não fazia mais sentido para eles, então ela não tinha mais nada a dizer.

Mas ela inadvertidamente deixou escapar,

“Por favor, não me deixem para trás!”

Logo depois, Lena percebeu o que tinha acabado de falar e congelou. De todas as coisas que tinha para falar, por que disse isso? De uma forma tão descarada, ela ficou perplexa.

Mas quando eles ouviram isso, eles gentilmente sorriram.

Eles estavam sorrindo gentilmente, com um leve toque de amargura. Eles eram como irmãos mais velhos indo para a escola, observando sua irmãzinha fazer beicinho, pois ela queria ir para a escola também.

“Ah, isso é algo bem legal de se falar.”

Raiden sorriu. Sua voz estava cheia de determinação e orgulho de uma besta selvagem, atravessando a pradaria com sua força, junto de seus companheiros.

“É. Nós não estamos sendo perseguidos. Nós estamos marchando. E nós continuaremos indo, até o fim.”

Todos prestaram atenção em Lena novamente. Seus olhos, seus corações, tudo deles estavam mirados para frente, em direção ao futuro.

Lena engasgou.

Ela conseguia sentir o sentimento de seus corações. Não era uma determinação rude nem insensível.

Eles eram como pessoas que haviam testemunhado o grande oceano azul.

Eles eram como crianças que haviam testemunhado uma grande pradaria sem fim na primavera, onde os pais lhe disseram que poderiam brincar como quisessem.

Isso era alegria, emoções soberbas que não podiam mais ser suprimidas, puro êxtase, prazer, exaltação e uma ansiedade irreprimível.

Ahh.

Ela não podia pará-los. Nada poderia prendê-los novamente, nem um jugo.

Para eles, isso era liberdade.

Era algo tão precioso, tão difícil de se conseguir, mesmo que eles soubessem que era o lugar onde morreriam e o lugar para onde o levariam.

Quando viram que Lena havia aceitado silenciosamente o adeus deles, os adolescentes voltaram a andar. No entanto, eles provavelmente viram a persistência no coração dela mesmo com a sua falta de vontade, pois no final, Shinn sorriu.

Pela primeira vez, ele sorriu sinceramente.

Era um sorriso limpo, desprovido de qualquer segunda intenção.

“Estamos indo, Major.”

Os Para-RAIDs se desconectaram silenciosamente.

Os cinco pontos de luz desapareceram silenciosamente. Agora eles estavam fora de sua jurisdição e foram apagados de sua lista de contatos do Para-RAID.

Daquele momento em diante, eles nunca mais se encontrariam.

Lágrimas caiam de seus olhos, formando uma trilha de lágrimas em suas bochechas. Ela não conseguia controlar seus soluços.

Lena deitou de bruços no console e gritou o mais alto que conseguia.

A bandeira de cinco cores colocada na horizontal havia desbotado há muito tempo e permanecia pendurada na parede de madeira do quartel.

Da esquerda para a direita, as cores foram invertidas, insinuando a reversão dos valores. Opressão, discriminação, preconceito, violência, degradação.

Ao lado da bandeira de cinco cores estava uma imagem deturpada de San Magnolia, que não segurava uma espada afiada quebrando o jugo da opressão, mas sim correntes e algemas. Ela não estava pisando em cima das correntes da opressão, mas nas pessoas que eram ridicularizadas como porcos enquanto ela continuava sorrindo como um santo.

Essa era a república na visão deles.

Lena estendeu seus dedos bem hidratados imprudentemente e acariciou a parede de madeira completamente danificada junto com a tinta. Esse mural já devia existir a muito tempo, provavelmente quando ele foi construído há nove anos e pintado pelo primeiro “lote” de Eighty Sixers.

Morta. A república está morta há muito tempo, a república cujos cidadãos, incluindo Lena, haviam confiado.

Foram eles mesmos que destruíram, pisotearam e descartaram sem pensar duas vezes.

Ela fechou os olhos e suspirou. Ela lembrou do garoto que podia ouvir o fantasma da república, o garoto que não estava mais por perto.

Depois daquela batalha, seus superiores disseram para ela aguardar até que sua punição fosse determinada. No entanto, ela embarcou no avião de transporte para a base do esquadrão Spearhead. A nave estava cheia com o próximo lote de soldados de vários frontes de batalha, prontos para serem executados. Ela só conseguiu embarcar no avião, depois de ameaçar o soldado da equipe de logística de bom coração e pouca vontade.

“…Major Millize, certo?”

Ela virou a cabeça e encontrou um mecânico que parecia ter cinquenta e poucos anos. Tenente Lev Audreht, chefe da equipe de manutenção.

“Eu ouvi falar sobre você das crianças, mas nunca pensei que você apareceria aqui. Você é estranha.”

Ele falou isso com uma áspera e rouca voz, levantou o queixo, apontando para o quartel atrás dela.

“Eles, pelo menos, arrumaram, mas não deixaram nada para trás. Ainda falta algum tempo até que as novas crianças entrem, então se você quiser, pode ir dar uma olhada.”

“Muito obrigada. Peço desculpas por vir quando você está ocupado.”

“Não foi nada. Já vi alguns grupos de crianças entrarem e saírem, mas você é a primeira Alba que veio lamentar por eles.”

Naquele momento, Lena levantou a cabeça para olhar o rosto de lado dele.

“…Tenente Audreht. Você é um…”

O cabelo dele não era cinza, misturado com branco. Em vez disso, era prateado, ressecado pelas manchas de óleo.

“Um Alba… não é?”

“…”

Finalmente, Audreht tirou seus óculos escuros, revelando olhos prateados.

“Minha esposa era uma Heliodor. Minha filha se parecia muito com ela, e desde que elas foram levadas, eu não consegui aguentar, pintei meu cabelo para segui-las. Naquela época, eu jurei que conseguiria a cidadania delas de volta… eu era um inútil. As negociações falharam, e eu não tive escolha… eu só pude vê-las indo ao campo de batalha para morrerem lá.”

Ele deu um longo suspiro e coçou a cabeça.

“…Você ouviu sobre a habilidade dele? Do Shinn?”

“Sim.”

“Essa habilidade ficou bastante famosa no fronte oriental… quando ele foi designado para cá, eu cochichei com ele, perguntando se havia alguém procurando por esse bastardo de merda que não conseguiu proteger sua esposa e filha.”

“…”

“Eu estava pensando que, se elas estivessem lá, eu gostaria de ir lá e morrer para elas. Aquele pirralho falou que não tinha ninguém chamando pelo meu nome. Ouvindo isso… eu fiquei um pouco aliviado. Pelo menos a minha esposa e filha não ficaram para trás no campo de batalha. Um dia, quando a minha vida aqui acabar, eu poderei vê-las.”

O chefe idoso dos mecânicos mostrou um sorriso, um pouco triste, mas dava uma sensação de paz.

Mas quando ele olhou para o distante campo de batalha ao leste, seu rosto se encheu de tristeza.

“Antes de cada missão especial de reconhecimento, eu falava para todos os membros sobre a minha verdadeira identidade, que seria bom se eles me odiassem, que eles poderiam me matar se quisessem desabafar… nenhum deles fez isso. Dessa vez também. Eu ainda não consigo morrer.”

Era como se ele estivesse reclamando por ter sido deixado para trás novamente.

Pela sua esposa e filha… E pelos muitos filhos que ele cuidou até agora.

Ele colocou seus óculos de sol novamente, provavelmente tendo esconder suas emoções latentes e grosseiramente falou,

“O quê? Eu não falei que resta pouco tempo agora a pouco não?… Se apresse.”

“Sim… muito obrigada.”

Ela se curvou para Audreht e passou por ele, entrando no quartel.

O quartel que foi feito com materiais muito ruins estava cheio das cores cinza e marrom, não era uma visão bonita.

O corredor estava meio branco devido aos anos de uso e dos materiais velhos junto com a poeira. O chão de madeira cobria todo o chão, e quando ela começou a andar mais rápido, a madeira começou a ranger.

A cafeteria e a cozinha estavam cheias de óleo e manchas que não podiam mais ser limpas. Mas de certo modo até dava para se considerar o lugar como limpo.

O banheiro parecia uma câmara de gás que ela viu em documentários, úmida e escura. Em um canto, tinha algo preto se movendo.

Não tinha máquina de lavar, nem aspirador de pó, apenas uma vassoura e um pano junto com alguns baldes e tábuas cheias de marcas no jardim dos fundos. Essas eram todas as ferramentas de limpeza que eles tinham.

Não tinha nenhum sinal de civilização por perto. Lena ficou com vergonha ao pensar que esse era o estilo de vida que um país desenvolvido e humanitário dava ao seu povo.

Ela foi para o quarto dos processadores no segundo andar. Pisou nas escadas, e o chão de madeira afundou um pouco, fazendo rangidos como se estivesse protestando.

A sala pequena e apertada estava cheia de velhas camas feitas com barras cano, e armários. As cores tinham desaparecido devido à poeira, ao clima e à luz do sol, o quarto estava todo arrumado, sem a presença de seus antigos moradores, só uma pilha de cobertores limpos, lençóis e travesseiros esperando pelo próximo grupo de moradores.

A sala mais para dentro era a mais espaçosa, era para o líder do esquadrão. Ela empurrou a trêmula porta para o lado e a porta soltou um rangido.

Esse quarto também tinha uma cama como as outras e um armário, mas essa sala também tinha uma mesa, junto com itens de vários tamanhos diferentes.

Uma velha guitarra, um baralho com cartas de pôquer, um jogo de tabuleiro e algumas ferramentas.

Um livro de palavras-cruzadas com suas páginas espalhadas por todo o lado, sobrando apenas as páginas que não estavam resolvidas.

Um caderno de esboços sem nenhum desenho, completamente em branco.

Uma cesta com vários laços e agulhas, sem nada feito.

Uma pequena estante feita às pressas com tábuas, com vários livros de vários gêneros e autores diferentes, parecia que o dono não tinha preferência pelo estilo dos livros.

Talvez eles não tenham arrumado essas coisas, pois poderiam ser usados pelo próximo grupo de membros desse esquadrão. Tudo o que eles fizeram foi descartado, pois eles sabiam que não podiam deixar nada para trás.

Ela podia ouvir as risadas deles.

Eles sabiam que nada seria deixado para trás, mas esses jovens deram o seu melhor para rirem e viver todos os dias aqui.

Eles nunca sucumbiram ao desespero.

Eles nunca deixaram o ódio manchar o orgulho deles.

Nessas duras condições de vida que poderiam fazer qualquer um perder sua dignidade, eles insistiram em continuar com uma dignidade humana da qual qualquer um se orgulharia.

Ela foi até a estante e encontrou um gatinho preto com as quatro patas brancas, que parecia se perguntar para onde os antigos moradores tinham ido. Olhando fora da janela, os soldados estavam reunindo os processadores que acabaram de tirar suas fotos.

Olhando para essa sala, parecia que ela não ia conseguir encontrar nada. Ela pegou o livro escrito por um autor de quem ela já tinha ouvido falar e folheou-o, tentando pelo menos entender sobre o que aquilo se tratava.

Nesse momento, algo saiu de uma das páginas.

“Ah.”

Ela pegou. Eram alguns pedaços de papel. O primeiro era uma foto mostrando um grupo de pessoas em pé diante de uma construção.

Ela podia ver a bandeira de cinco cores invertidas. A foto foi tirada nesse acampamento. Em pé na frente do prédio, estavam os membros da equipe de manutenção usando macacões, junto com vinte ou mais adolescentes.

“…!”
Lena conseguiu entender sem precisar de nenhuma explicação. Eles eram os membros do esquadrão Spearhead que existia até o dia anterior. Provavelmente foi a primeira foto de quando o esquadrão foi formado, incluindo Shinn, Raiden, Seo, Krena, Angel e os outros membros.

O tamanho dessa foto era feito para se colocar em um arquivo do exército então não era muito grande, e para garantir que todos os vinte e quatro processadores e mecânicos fossem incluídos, cada pessoa estava pequena e embaçada. Por alguma razão, até o antigo “Scavenger” estava junto. Esse deveria ser o Fido.

Essa foi a primeira vez que ela os viu. Como a foto era muito pequena, e como foi tirada de muito longe, ela não conseguia ver direito suas aparências. No entanto, ela conseguia vê-los de pé, erraticamente, de frente para a câmera, sorrindo serenamente.

O segundo pedaço de papel tinha uma anotação feita a mão a letra era forte, parecia a letra de um homem.

“Se você está procurando por nós agora e encontrou esse pedaço de papel, isso quer dizer que você é muito idiota.”

Dessa vez, ela se engasgou.

Era o Raiden. Ele não assinou, mas foi escrito para Lena com toda certeza.

Se você está procurando por nós agora e encontrou esse pedaço de papel, isso quer dizer que você é muito idiota.

Você também não é? Você deixou esse pedaço de papel para mim, essa única linha.

O pedaço de papel em baixo desse tinha os nomes de todos escritos à mão. Obviamente, foi escrito para que Lena conseguisse saber quem escreveu o que.

 

“Estou escrevendo meu nome aqui agora. Você provavelmente está chorando porque não sabe quem é quem aqui.”

Seo

 

“Cuide desse gato. Já que você gosta de ser boazinha, está tudo bem né?”

Krena.

 

“Ele não tem um nome, então, por favor, dê um nome fofo para ele, Major.”

Angel.

 

Ela segurou o papel com as mãos trêmulas. Os sentimentos latentes de seu coração enchiam seu peito.

Eles escreveram para ela. Eles deixaram suas últimas palavras para ela, que não podia lutar ao lado deles, que não podia salvá-los, e só podia falar em suas cabeças palavras bonitas e inúteis.

O último pedaço de papel continha as palavras escritas pelo Shinn. As palavras estavam arrumadas e exalavam a atitude indiferente que era típica dele.

“Se um dia, chegarmos ao fim de nossa jornada, você se importaria em levar flores para nós?”

Era uma simples linha, mas continha uma mensagem imensurável.

No fim de suas vidas eles conseguiram a liberdade pela qual Shinn e todos os outros ansiavam. Lena teve que dar um passo à frente para conseguir chegar ao seu destino.

Lena também poderia continuar seguindo em frente.

Não sucumba ao desespero, nem pise na dignidade alheia, e continue sempre seguindo em frente, até o fim de sua vida.

Sim, eu acredito que vocês conseguem, até o fim.

Uma lágrima caiu em sua bochecha, cheia de calor e ainda mais cheia de angústia. Apesar disso, ela estava sorrindo.

Shinn tinha dito que era apenas uma questão de tempo até a república cair. Ela estava destinada a fracassar, pois tinha se tornado arrogante e esqueceu de se proteger.

Talvez esse país não pudesse evitar seu cruel destino. Esse dia poderia ser amanhã.

Mas ela continuaria lutando até o fim, sem nunca desistir, vivendo e lutando até o fim, exatamente como aquelas pessoas indomáveis que viveram orgulhosamente do começo ao fim.

Para que ela continuasse lutando. Até que o seu destino chegue ao fim, até os seus momentos finais.


Notas:

1 – Estimated Time of Arrival = Tempo estimado de chegada

2 – Em hebraico, significa "Olá, amigos". Também é uma música, presente no Youtube.



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