Volume 4

Capítulo 156: Despedida

Teletransportar era horrível.

Diferente do que Lee-Sen-Park imaginava antes, ir de um lugar para outro instantaneamente causava um desconforto tremendo, tontura e perda de equilíbrio. E ainda tinha a ânsia de vômito, que o fez pôr o almoço para fora, e talvez o café da manhã também.

Tentando se recompor, ele olhou para os arredores. Estava em uma espécie de caverna, ou um corredor escavado na rocha, com tochas acesas ao longo do que parecia ser um longo percurso sinuoso e cheio de ramificações.

O calor do local era extremo, o que fez ele se perguntar se estavam em uma caverna vulcânica ou algo do tipo. Por mais que geologia não fosse exatamente o seu forte, Lee-Sen-Park tinha quase certeza de que as rochas nas paredes eram de origem vulcânica.

Enquanto ele se recompunha e olhava os arredores, percebeu que André o chamava. O rapaz estava com os olhos inchados e um certo tom de obscuridade estampava sua face.

— Ei! — André disse com uma voz arrastada — Me siga.

Lee-Sen-Park se moveu instintivamente, seguindo a ordem de André sem pensar. Somente alguns passos depois é que ele se perguntou o que estava acontecendo. Por que ele estava andando em uma caverna, seguindo um cara que carregava um cadáver?

— Onde estamos?

— Num vulcão.

— Por que me trouxe?

— Vai entender em breve.

— Vai me matar?

— Só se fizer outra pergunta.

Lee-Sen-Park tinha outras questões em sua mente, mas achou melhor não arriscar. Ele nem mesmo conseguia aceitar que Elizabeth estava morta. Ela a idolatrava desde a primeira vez que a viu.

Elizabeth, a ruiva de chamas, como a chamavam. Uma heroína de outro mundo que carregava um poder inimaginável e era dona de uma beleza única. Lee-Sen-Park se apaixonou à primeira vista pela ruiva brasileira.

Foi por causa dela que ele aprendeu português e se voluntariou na Aliança Internacional. Foi por causa dela que ele arriscou sua vida ao receber aquele poder. Ele só queria que ela o reconhecesse, que o aceitasse.

Mas tinha aquele outro cara. André. Ela o amava.

Lee-Sen-Park odiava o cara que agora carregava o cadáver da única mulher que amou. A pessoa mais odiada em dois mundos estava ali na sua frente, com a guarda baixa, ele poderia muito bem aproveitar o momento.

Lentamente ele levantou a mão, pronto para disparar um jato de chamas em direção a André. Seu subconsciente gritava que aquele cara precisava morrer. Talvez o corpo de Elizabeth sofresse algum dano, mas não havia problema, desde que o maldito André morresse.

Mas nada aconteceu.

— Surpreso? — André perguntou, sem se virar.

— O q… — O coreano evitou terminar a pergunta no último segundo, assim adiando sua morte.

— O poder nunca foi seu. Quando ela morreu, o poder se foi junto.

Outro baque na alma de Lee-Sen-Park. Primeiro ele levou Elizabeth para uma armadilha, e agora ele perdeu seus poderes. Aquele dia estava ficando cada vez pior.

— Finalmente achei vocês! — Uma voz feminina veio lá de fundo do corredor.

Quando Lee-Sen-Park se virou para ver quem era, a pessoa apareceu entre ele e André. Foi rápido demais para ele acompanhar.

— Victoria… — André disse.

Cabelos acinzentados, quase grisalhos, e uma cicatriz na boca. Aquela era a heroína que tinha o poder de se teletransportar. Lee-Sen-Park lembrava dos relatórios da AI a tratarem como “problemática”.

— Como conseguiu fazer um feitiço de teletransporte tão rápido? — Victoria parecia nem ter visto Lee-Sen-Park ali.

— Não foi um feitiço… — André continuou andando pelo corredor.

— E o que foi? — Ela parecia interessada.

— Nunca se perguntou de onde surgiu a oitava chave? — André mostrou o objeto — Talvez se você tocasse nela…

— Uma relíquia! — Victoria cobriu a boca e deu alguns passos para trás.

— Não precisa ter medo. — André guardou a chave no bolso — É apenas o artefato que permite romper o espaço, assim como o seu poder faz. Se você usasse isso, no máximo ia conseguir viajar entre os mundos.

— Alguém mais sabe dela?

— Na verdade nem eu sabia do que se tratava, mas o Felipe foi capaz de descobrir de primeira, apenas olhando. Agora vocês dois também sabem.

— Por que trouxe ele? — Victoria perguntou, apontando para Lee-Sen-Park.

— Preciso dele vivo. Se a Aliança descobrisse que ele perdeu seus poderes com a morta da Zita, seria complicado…

— Faz sentido. — Victoria tocou os lábios como se estivesse pensando — E o que pretende fazer com a Zita?

— Ela desejava o funeral de um efrite…

— Vai jogar ela no vulcão?

— É.

Aquilo foi uma surpresa para Lee-Sem-Park. Ele não imaginava que havia um funeral desse tipo, mesmo que esperasse ver uma cultura diferente nesse mundo, mas não tão diferente.

Ele tinha muitas perguntas, muitas dúvidas e questionamentos, mas era melhor não arriscar sua vida por mera curiosidade. Entretanto, Victoria parecia não conhecer o quão perigoso André era.

— O que planeja fazer depois?

—Vou… — André parou e suspirou, uma lágrima desceu pelo seu rosto — Vou pôr tudo abaixo.

— Que merda… — Victoria pareceu assustada.

— Você sabe o que a morte de um herói significa. Então não tenho mais motivos para me segurar.

— O que isso significa? — Lee-Sen-Park perguntou a Victoria, assim que André se distanciou um pouco dos dois.

— Agora que a Zita morreu, os deuses estão soltos mais uma vez. — Ela respondeu.

— Não acredito em deus nenhum. Sou ateu. — Ele rebateu com firmeza.

— Em breve deixará de ser. — Victoria disse e se teleportou para o lado de André.

Não demorou muito até que eles chegassem a uma câmara ampla onde dezenas de pessoas com roupas longas como a de sacerdotes pereciam estar os esperando. Algumas daquelas pessoas tinham cicatrizes de queimaduras pelo corpo e rosto.

— Estávamos o aguardando. — Um dos sacerdotes disse.

— Nupac… Sabia que eu viria? — André parecia confuso.

— Sei de muita coisa. — O sacerdote se adiantou e pegou o corpo de Elizabeth — Se inclusive o que planeja fazer a seguir.

— Vai tentar me impedir? — A expressão no rosto de André ficou ainda mais sombria.

— Não. — O sacerdote começou a limpar o corpo da ruiva — O que acontece lá fora não é da minha conta.

André pareceu relaxar mais coma resposta do tal Nupac. Ele se deixou cair no chão, e ficou lá assistindo enquanto três pessoas cheias de cicatrizes horrendas banhavam o cadáver da heroína.

Victoria sentou-se ao lado de André e puxou conversa, ela perguntava sobre o que significava cada procedimento que os sacerdotes faziam. Apesar de André responder “não sei” e “não faço ideia” para a maioria das perguntas, ela não parou.

Aos poucos Victoria foi mudando de assunto, falando de coisas do passado, o que fez André mudar a expressão de obscuridade para melancolia. Mais uma vez, lágrimas desceram pelo rosto de André enquanto Victoria falava algo sobre um tal “Campo Sul”.

Lee-Sen-Park acompanhava a conversa sem entender praticamente nada do que os dois estavam falando ali. Enquanto isso, os efrites terminavam de limpar e vestir o cadáver de Elizabeth.

André e Victoria se aproximaram do cadáver, agora limpo, e ficaram alguns segundos em silêncio. André passou a os dedos pelos cabelos vermelhos dela. Outra lágrima desceu.

Só então Lee-Sen-Park percebeu que não havia chorado. André, Victoria, os sacerdotes, todos estavam chorando, menos ele. Por que ele não estava chorando? Por que mesmo com o cadáver de Elizabeth bem na sua frente ele não conseguia entender que ela estava morta?

— Você acha que vai dar certo? — Victoria perguntou a André.

— Sinceramente, não tenho a mínima ideia.

— Por aqui. — O sacerdote chamado Nupac seguiu por uma das galerias.

— Espero que você saiba mesmo o que fez. — André falou baixinho, em seguida deu um beijo na testa de Elizabeth e a pegou no colo.

Nupac foi na frente, seguido por André, depois Victoria, Lee-Sen-Park e depois os outros sacerdotes. Não andaram muito, mas dava para sentir o calor aumentando exponencialmente.

Eles chegaram a uma câmara muito maior, mais iluminada e quente do que a anterior. Em vez de um piso, como última, ali havia lava. O lugar era mesmo um vulcão.

André depositou o corpo de Elizabeth em uma superfície de pedra, que tinha um formato de rampa, com uma inclinação que descia até a lava incandescente. O cadáver começo a descer lentamente pelo efeito da gravidade e da superfície polida da rocha.

Lee-Sen-Park entendeu que a função da rampa era permitir que o cadáver fosse levado até a lava sem precisar que os vivos se aproximassem do calor infernal. Naturalmente, nenhuma criatura viva seria capaz de resistir àquela temperatura extrema.

— Que as chamas sejam seu berço de descanso. — O sacerdotes disseram em uníssono e tocaram três vezes o peito, acima do coração, ao mesmo tempo que o corpo sem vida da heroína tocava a lava.

— Descanse em paz, amiga. — Victoria disse em meio a lágrimas e soluços.

— Eu te amo… — Lee-Sen-Park sussurrou.

— Que o sol torne a brilhar… — André perecia se engasgar com as palavras.

O corpo sem vida afundou lentamente na lava, até ser totalmente coberto por rocha derretida. Até o último segundo o calor infernal não foi capaz de causar dano ao corpo daquela que foi escolhida pelo deus do fogo.

Elizabeth, mesmo morta, ainda era imune ao fogo.

Assim que o funeral acabou, André disse a Victoria:

— Volte ao acampamento e tire Esmeralda de lá. As coisas vão piorar.

— Piorar quanto? — Victoria perguntou.

— Qual o pior que você consegue imaginar? — Ele perguntou com a mesma expressão aterrorizante de antes.

— Algo que envolve fogo, enxofre, trombetas e estrelas cadentes.

— Vai ser por aí.

— Eita por… — Lee-Sen-Park tentou dizer algo, mas antes, André segurou seu ombro e teleportou o levando.



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