Volume 3
Capítulo 116: Vigésima Quarta Página do Diário
Ficamos lá na praça, arrodeados por corpos de soldados mortos e casas em chamas. Eu estava feliz por cumprir perfeitamente a missão de resgate, e ainda havia ganhado mais um parceiro de aventura.
— Você foi rápida em atear fogo nas casas. — Disse me virando para Brogo.
— Ah… — Ela desviou o olhar — Não fui eu…
— Como assim?
— Tem umas pessoas que você precisa conhecer.
Achei melhor não quetionar muito, apenas segui Brogo até um beco, demos uma volta longa para nos enconder da multidão que tentava desesperadamente apagar as chamas que se alastravam pelas casas de madeira.
Como a população estava bem ocupada tentando salvar suas casas e evitar os saqueadores que apareceram aos montes, nós chegamos ao nosso destino. Eu um beco escuro estavam umas quinze pessoas mal vestidas, carregando baldes e pedaços de madeira.
— Foram eles! — Brogo apontou.
Passei à frente dos meus dois companheiros, visto que as pessoas ali estavam tecnicamente armadas com cacetes. Mas eles pareceram assustados e deram passos para trás.
— Espera… pera aí… — Um deles interveio se colocando na minha frente com as mãos para cima.
Parei e o encarei em silêncio.
— Nós só queríamos ajudar. — Ele disse — A gente tava tentando salvar o Jairo, o moleque é gente boa e não fez nada…
— Eu sei que ele não fez nada! — Respondi.
— Quê..?
— Fui eu que roubei o dinheiro, por isso fui salvar ele. — Repensei minhas palavras para parecerem mais heróicas — Estou em uma missão para resgatar escravos e libertar eles.
As pessoas que segundos atrás estavam assustadas agoram me olhavam com admiração e lágrimas nos olhos. Por algum motivo pareciam felizes em estarem ali.
— Todos nós éramos escravos até hoje. — O homem disse — A maioria aqui não sabe segurar uma faca sequer, então estávamos a mercê dos nossos “donos”. Nenhum de nós jamais pensou em se rebelar, mas a condenação injusta de Jairo foi a gota de água Eu não poderia fazer nada, mas desde que você matou o prefeito, o selo que me suprimia desapareceu…
— Espera… — Eu interrompi — Muita informação…
— Meu nome é Zhu-li. — Ele disse mais devagar — Eu era um guerreiro do clã do sol, no Reino do Sul. Mas anos atrás fui capturado, e puseram uma magia de restrição que me causava uma dor excruciante caso tentasse usar minhas habilidade de combate, mas a morte do prefeito me libertou.
— Então você era um escravo?
— Sim.
— E essas pessoas?
— São pessoas comuns, nenhuma tem habilidade de combate. Mas são muito úteis em outras serviços…
— Também eram escravos?
— Sim.
— Têm magia de restrição?
— Apenas os escravos do prefeito tinham, um escravo é caro, e uma magia de restrição e dez vezes mais cara.
— Existem mais escravos nessa cidade?
— Juntamos todos e escondemos em um local seguro. Era um plano que tínhamos há muito tempo, mas nunca tivemos a oportunidade de por em prática. Até você aparecer, é claro.
— Você parece muito esperto, Zhu-Li.
— Eu pensei em quase todos os detalhes dessa fuga ao longo dos últimos seis anos, mas não esperava que a minha fuga fosse possível, apenas graças a você estou livre também.
Ele me estendeu a mão e eu apertei.
— Eu sou Deco, filho do Leste. Estou aqui para acabar com a escravidão e tráfico de pessoas.
Ali mesmo no beco nos reunimos e começamos a discutir as possibilidades de fuga. Eu queria sair daquela cidade o mais rápido possível, mas Zhu-Li explicou que assim que percebessem que os escravos tinham fugido, todos os soldados da cidade estariam em busca. E em campo aberto seríamos alvo fácil.
Então tive uma ideia.
— Vamos todos para a estalagem que eu estou hospedado, lá tem quartos o suficiente.
— Mas não temos dinheiro para pagar um pão sequer, quanto mais um quarto de estalagem. — Uma senhora com o nome de Sceno disse.
— Esqueceram que eu roubei muito dinheiro? — Eu disse cruzando os braços e lançando um sorriso — Ali deve ter o suficiente para todos nós e mais os que estão escondidos ficarmos bem até a poeira baixar.
A partir daí as coisas começaram a dar certo para todos nós. Com apenas duas moedas de ouro eu consegui alojamento, alimento e roupas decentes para todos os ex-escravos. E ainda ganhamos respeito entre as pessoas que frequentavam o submundo daquela cidade.
Todos que frequentavam a estalagem, seja como hóspede ou como freguês do bar/restaurante, sabiam que eu era o responsável pela morte do prefeito e libertação de Jairo. Fiquei com medo de que tentassem algum tipo de represália ou até denunciar aos guardas onde estávamos, mas eles começaram a me tratar como um líder.
Então de um dia para outro, eu e Brogo, que estávamos sozinhos nessa, passamos a ter a companhia de mais de sessenta ex-escravos e vinte e cinco ex-bandidos. Eu só conseguia pensar em quanto dinheiro precisaria para alimentar essas pessoas…
E quando voltasse ao Leste? Será que deveria levá-las? Será que deveria voltar depois de tudo que fiz? Eram muitas as dúvidas…
E foi assim que passei a dormir cada vez menos.
As vozes aterrorizadas das pessoas que matei na mansão do traficante de escravos também assolavam minha mente me tirando o sono, e os guardas do prefeito se juntaram a elas. Engraçado que nem o prefeito e nem o traficante pareciam estar entre estas vozes.
Como não tinha muita coisa pra fazer, e nem dormir eu conseguia, resolvi treinar. Mas treinar como se não houvesse amanhã, e como Zhu-Li era um guerreiro experiente, resolvi convidá-lo aos treinos. Brogo e Jairo também quiseram participar.
Brogo insistiu que queria esconder seu rosto, segundo ela era desconfortável ser olhada com expressões fofas. Então conseguimos uma máscara de madeira que deixava apenas seus olhos a mostra. Ela pareceu mais psicopata depois disso, acho que isso é bom.
Só não entendia como ela conseguia treinar de máscara, até tentei umas vezes, mas a coisa tirava a minha visão periférica. Talvez Brogo tenha habilidades muito avançadas.
Geralmente nos treino com armas, Brogo usava o chicote negro, e eu fazia armas de rancor para mim, Jairo e Zhu-Li. Inicialmente eu fiz apenas adagas, que eram a minha especialidade, mas Zhu-Li me indicou melhorias a serem feitas e, mesmo com muita dificuldade, consegui criar uma espada longa do jeito que ele queria.
Jairo demonstrou habilidade de combate com duas armas, então Zhu-Li sugeriu que ele usasse cimitarras, eu nem sabia o que era uma cimitarra, mas em vez de criar armas de rancor sempre, resolvi encomendar em uma loja especializada.
Foi muito engraçada a cara de espanto do ferreiro quando eu fiz as armas surgirem na frente dele e pedi que fizesse cópias semelhantes e muito resistentes. Uma espada longa de duas mãos para Zhu-Li e um par de cimitarras para Jairo.
Dinheiro não era problema.
Outros ex-escravos resolveram participar dos treinos, o que me deixou feliz, seria difícil defender toda aquela gente sozinho. E aos poucos eu comecei a ver o grupo como um mini exército. E o ferreiro ficou muito feliz com a quantidade de encomendas na semana seguinte.
Segundo ele eu tinha sorte de estarmos no Reino de Prata, mas bem próximo da fronteira do Reino de Aço, assim seria mais fácil ele conseguir material de qualidade. Em duas semanas todos tínhamos armas, eu fiquei com uma faca para emergências, mas preferi manter o Rancor como poder principal nos treinos.
E como sempre, nem tudo são flores.
Uma tarde, ao voltar do treino, fui informado que havia alguém que queria falar comigo no bar da estalagem. Senti que não era coisa boa, mas mesmo assim fui ver o que essa tal pessoa queria.
Era um homem, magro e de cabelos preto, roupas simples como a da maioria das pessoas que estavam por ali. Estava sentado na mesa mais afastada, comendo cubinhos de queijo com uma faca que parecia muito afiada.
Eu estava com medo, é claro, mas não precisava demonstrar. Então já cheguei sentando à mesa.
— É tu que quer falar comigo?
O homem me olhou em silêncio. É, surpreendi ele.
— Ah… Sim, se você for o cara que está resgatando escravos…
— Sim, sou eu! — Eita porra, já tinha gente sabendo que queria resgatar escravos — Algum problema?
— Vim aqui pedir que devolva os escravos roubados, assim não precisará se machucar muito.
Machucar muito? Eu machuco as outras pessoas, não o contrário!
— Eu recuso. — E ainda comi um cubinho de queijo só para afrontar.
— Não aviso duas vezes.
— Ótimo, assim não perde nem o meu tempo e nem o seu.
— É uma pena.
— Para você, não para mim.
— Você não vai gostar de conhecer meu chefe!
— E quem é seu chefe?
— Nilo, o mago! — O homem disse com ar triunfal — Ele é implacável.
Quando ele disse isso, apareceram muitas pessoas ao nosso redor com muitas armas. E em cima da mesa pousou um cara estranho com uma capa escura de capuz e um cajado de madeira com um cristal azul em uma das pontas.
Foi tudo muito rápido, eu nem tive tempo de reagir, apenas fiquei observando a figura humana dé pé sobre a mesa.
Ele me encarava com um sorriso maníaco, com aqueles dentes para fora e olhos arregalad… Não era posível.
— Olho de Peixe? É você?