Volume 2

Capítulo 81: Vendaval

Uma bota de couro surrado pisou sobre o telhado, uma capa desgastada pelo tempo balançava levemente com a brisa da manhã, um corpo totalmente coberto dos pés à cabeça, revelando apenas os olhos verdes pairava sobre uma das poucas construções ainda restantes.

No chão, metros abaixo, pilhas de destroços, cadáveres, e muito sangue. Pessoas diferentes ainda vivas tentavam pedir ajuda, enquanto outras lhes roubavam o que tinham em sus corpos, fosse armas, dinheiro ou até mesmo as roupas dos moribundos.

Não importava o local, sempre que havia uma batalha, esse seria o cenário posterior. Caos e miséria se misturavam ao fedor pungente de corpos em decomposição e dejetos humanos. Ao longe o horizonte estava encoberto por uma fumaça densa, resquícios das chamas que outrora devoraram o que já foi uma das cidades mais belas do continente.

As aves carnívoras se alimentavam de cadáveres onde um dia houveram ruas cheias de vida e alegria, outros animais também lutavam por sua sobrevivência, enquanto arriscavam suas vidas correndo o risco de se tornarem presas de humanos famintos e em desespero.

Em um ambiente pós-guerra era comum predadores se tornarem presas, e o mais temido se tornar a refeição do mais frágil. Reviravoltas não eram exclusividades da guerra.

Naquele ambiente de destruição, sofrimento e batalha pela sobrevivência, dois exércitos batalhavam pelo domínio de tudo. No início eram apenas alguns grupos disputando o domínio da região, mas aos poucos os menores foram sendo destruídos ou se aliaram a outros. E com a redução no número de grupos enquanto houve um aumento nas linhas de ataque, o que era apenas uma pequena revolução por poder se tornou uma guerra civil.

Os sons que podiam ser ouvidos eram apenas o barulho do vento, o murmúrio das aves carniceiras e os gemidos de lamento das pobres almas agonizantes em meio ao mar de destroços e cadáveres.

O corpo foi lançado ao ar, sendo levado ao chão pela ação da gravidade, mas seus pés tocaram a superfície com tanta leveza que ele parecia não tr peso algum. Caminhando por aquele cenário desolador, a pessoa procurava se manter firme.

Não muito longe estava o que restou do exército revolucionário, homens e mulheres que antes levavam vidas simples, e agora tinham a guerra como parte do seu dia a dia. Todos eles estavam abatidos, a tensão de estar entre a vida e a morte, a privação de sono e a falta de uma alimentação adequada fazia com eles parecessem cadáveres ambulantes.

Pouco mais de uma centena de metros mais longe estava o último pelotão do exército real, tão desgastados que mal podiam manter suas posturas. Nenhum dos soldados, que um dia foram orgulhosos de servir ao reino, mantinha suas armaduras intactas.

Ambos grupos se mantinham firmes, mas evitavam atacar, qualquer passo em falso a esse momento poderia significar uma derrota, e ser derrotado implicava em morrer junto a tudo pelo qual tinham lutado.

O desconhecido passou caminhando lentamente pelos soldados da força revolucionária, enquanto alguns deles esboçavam uma tentativa de ficar em guarda, mas ninguém atacou. Qualquer um que pudesse se mover poderia ser considerado um inimigo, mas se fosse um aliado, seria muito valioso.

Um vento forte começou a soprar afastando a fumaça e a fuligem, o mal cheiro foi se tornando leve e parecia ter mais oxigênio disponível no ar. Os soldados começaram a se sentir, aos poucos, revigorados. Mas ao olhar o pelotão inimigo, viram que eles também pareciam estar dispostos a uma batalha final.

O estranho continuou caminhando até estar extamante entre os dois grupos. Ele tirou um isqueiro do bolso, levantou acima da cabeça e ecendeu. A pequena chama do isqueiro cresceu até cerca de um palmo de altura, e depois uma explosão se formou, subindo dezenas de metros.

Os dois grupos ficaram assustados, mas rapidamente se organizaram, erguendo suas armas e se pondo a postos para se defender. Mas o que viram a seguir lhes tirou o que restava de coragem. As chamas da explosão permaneceram vivas, como se consumissem o próprio ar ao redor de si, mas sem emitir fumaça alguma.

O que eles não entendiam era que as labaredas que se formavam no ar eram efeito do vento forte que separava o hidrogênio da umidade do ar, e servia de combustível para as chamas, esse era o motivo da maior concentração de oxigênio, manter as chamas acesas.

O vento foi ficando mais forte, girando ao redor do estranho e dos dois grupos, enquanto as chamas se espalhavam para os lados formando uma cúpula de fogo e vento. De vez em quando líguas de fogo varriam alguns metros de terra, deixando um rasttros de fuligem e cinzas.

— ATENÇÃO TODOS! — Gritou o estranho com uma voz grave e forte — Eu vim aqui par acabar de vez com essa rebelião!

Aos poucos tudo foi ficando em silêncio. Podia se ouvir o som das respirações pesadas.

— Acho que já lhes dei uma pequena prova do meu poder, então não pensem que poder ir contra mim. Rendam-se todos e eu os guiarei em direção a um futuro próspero.

Ambos os grupos reagiram com seus componentes se olhando confusos, e um bocado receosos. Para qualquer um, aquilo poderia ser uma armadilha do inimigo.

— Não demorem muito pensando, isso aqui vai ficar cada vez mais quente. — O encapuzado disse — Se não forem se render digam logo e eu frito todo mundo.

— Não se meta no que não te interessa! — Alguém gritou no meio da multidão de revolucionários — Nem sabemos quem você é… por que deveríamos obedecer suas ordens?

— Tá vendo o cercado de vento e fogo ao redor de nós? Já começou a fechar o cerco, agora é tarde demais… — Ele disse como se explicasse para uma criança — Mesmo que me matem, não há como parar o tornado de fogo que eu criei. Então, lhes resta duas escolhas: Se rederem a mim, ou morrer queimados.

Nenhuma resposta veio, mas o estranho não demonstrou impaciência, pelo contrário, ele falou com mais calma ainda:

— E não demorem muito pensando, em poucos minutos a cúpula se transformará em um pilar incandescente, aí já terá consumido tudo, e mesmo que consigam se proteger do fogo, morrerão sem oxigênio.

Mais alguns segundo de silêncio se passaram, até que alguém tomasse a iniciativa. Um dos líderes do exército revolucionário tomou a frente e perguntou:

— Que garantias temos? Lutamos demais para entregar nossas vidas de graça.

— Se eu quisesse matá-los, já teria feito desde o começo. — Respondeu o estranho — Ou algum de vocês duvida disso?

O lider da revolução ficou em silêncio, de cabeça baixa refletindo as palavras do estranho. Foi então a vez do líder dos soldados reais falar.

— E quanto a como cada grupo será tratado… — Ele deu um olhar de relance em direção aos revolucionários — Terá algum tipo de punição para traidores?

— Não me importo com as suas respectivas causas, apenas quero encerrar essa guerra. Se rendam e todos serão anistiados!

O líder dos soldados reais soltou sua espada e se ajoelhou em rendição, seus soldados o olhavam abismados. Vendo a atitude do líder inimigo, o líder dos revolucionários imitou a sua ação.

Aos poucos as armas foram caindo das mãos dos soldados, seus joelhos fracos tocando a terra em sinal de submissão, seus olhos cheios de lágrimas por saberem que a guerra civil estava chegando a um fim, e suas bocas secas de medo do viria a seguir.

— Muito bom! — Disse o estranho — Fizeram a escolha certa, e em retribuição, eu os levarei à vitória, trarei paz a estas terras. A partir deste momento vocês deixam de ser inimigs e se tornam meus protegidos! Não peço que lutem por mim, pois, eu lutarei por vocês.

A terminar seu breve discurso, o homem tirou o capuz e a máscara, frente a multidão, permanecendo imóvel e esperando ser reconhecido, aos poucos os olhos baixos foram procurando vê-lo em meio à curiosidade.

Até que alguém tivesse coragem o suficiente para gritar seu nome com o que lhe restava de forças:

— É O LUCAS! O HERÓI DE TEMPESTADE… ELE VOLTOU…

O que era um cenário de caos se tornou um momento de esperança para aqueles que sobreviveram à guerra civil do Reino de Bronze.



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