Volume 2

Capítulo 67: Décima Terceira Página do Diário

— Uma festa? Essa é a pior ideia que você poderia sugerir.

O magistrado pareceu não gostar das minhas palavras.

 — É por isso que vai funcionar! — Disse Baruu dando um leve tapa na mesa — Agora Deco, nos fale dos detalhes.

Meu plano era simples: Se os inimigos eram especialistas em cerco, eles estariam preparados para ficarem lá fora por semanas e nunca esperariam que a gente fizesse uma festa de boas vindas. Essa seria a melhor oportunidade para surpreendê-los.

Mas, mesmo eu explicando a ideia seis vezes o magistrado parecia não concordar. Entretanto, Baruu insistia em seguir o meu plano maluco.

Confesso que eu preferia que não seguissem o meu plano também. Apenas respondi uma pergunta, não esperava que alguém levasse a sério.

Por sorte a decisão final deveria vir do magistrado, já que, mesmo sendo filhos de Miraa, ele ainda tinha a autonomia da cidade em suas mãos, e nós éramos seus convidados. Mas eu nunca fui um cara de sorte…

 — Já que não temos plano melhor, acho que esse aí vai servir! — O Magistrado Nerii concordou, me deixando em pânico.

 — Eh… Baruu… — Puxei minha irmã para o lado — Isso vai dar errado….

 — Não se preocupa irmãozinho, não precisa dar certo! — Ela respondeu sorrindo — Apenas temos que confundir o inimigo!

 — Acho que eu não entendi…

 — Nem precisa entender, apenas siga o seu próprio plano!

 — Eu devia ter ficado calado…

O dia seguinte iniciou com muita correria pela cidade, o barulho parecia mais intenso e muita coisa estava sendo levada para a praça da cidade. A cidade inteira, que já era agitada por ser voltada quase totalmente para o comércio, estava parecendo um formigueiro, com a diferença que as formigas são silenciosas.

O meu dia foi um pouco mais tranquilo, com Baruu e o magistrado Nerii me preparando para a recepção da festa.

Eram oito da noite quando a ordem foi dada, a música iniciou, o vinho foi servido, e as comidas começaram a ser servidas. Nenhum guarda ou soldado era visto nos seus postos padrão, mas ninguém se importava, para todos ali aquele era o momento de celebrar. Afinal, poderia ser a última festa da maioria daquelas pessoas.

Ao mesmo tempo e que iniciamos a festa, os portões foram abertos e as trombetas de boas vindas ecoaram pelas ruas da cidade, as notas eram aquelas exclusivas para convidados ilustres dignos das mais altas honrarias.

As tropas do Oeste adentraram a Cidade de Fronteira, seus cavaleiros percorreram as ruas com espada em punho em alta velocidade, rapidamente chegando à Praça Central.

E lá estávamos!

Toda a população estava reunida na praça principal. No centro da praça havia uma pilha de móveis de luxo retirados das casas dos nobres comerciantes. Sobre a pilha de móveis de luxo havia um trono que normalmente era reservado ao governante da cidade, e por isso permaneceu sempre no palácio da cidade. E sobre o trono estava: Eu!

Em torno da montanha de móveis luxuosos haviam fogueiras feitas com os melhores móveis dos nobres, onde se assava toda a carne que tinha no estoque, a fonte da praça teve sua água substituída por vinho, as pessoas comiam, bebiam, cantavam e dançavam.

Nobres, empregados, artesãos, soldados, mendigos, mercadores e quem mais estivesse na cidade estavam todos misturados, e sob o efeito de uma festa sem limites, não havia muito bem como reconhecer quem era quem no meio da algazarra.

Ninguém usava suas roupas normais, os soldados não estavam de armaduras, os nobres não usavam seda, e os empregados não vestiam farrapos. Naquele dia todos éramos iguais. Na verdade uma pessoa ali era diferente, justamente a que servia de distração, o idiota colorido que sentava no trono chamativo no centro da bagunça.

Apesar de não fazer parte do meu plano original, Baruu fez com que eu me vestisse de uma forma muito chamativa, com as roupas mais extravagantemente caras que ela conseguiu achar. Eu nem sabia que existiam roupas tão coloridas e reluzentes.

Obviamente, o líder do cerco foi em direção à única pessoa que se destacava, e eu, comecei a sentir uma coisa ruim quando vi todos aqueles soldados prontos para me atacar. Não era como na festa de duas noites atrás, lá eu era um dos poucos que estava armado, e não haviam tantos inimigos.

Oitenta soldados de elite, com armaduras e espadas, mais alguns com arcos e sei lá quantos com lanças. Senti uma coisa ruim no estômago e um gosto ruim na boca.

Apesar de estar nervoso com meu próprio plano, mantive o sorriso e com o queixo encostado na mão, o cotovelo por sua vez estava apoiado no braço do trono. Estendi meu outro braço para o lado como se indicasse boas intenções.

 — Sejam bem-vindos nobres cavaleiros do Oeste! Sintam-se à vontade na nossa cidade… Comam e bebam sem moderação…

O líder deles, um homem aparentando cerca de cinquenta anos, com uma barba média e levemente grisalha, e que usava a armadura mais decorada, subiu alguns degraus em direção ai trono improvisado, e me encarando disse:

 — Sou Dat! Líder do grupamento de cerco e invasão, você é o Líder da cidade?

 — Ah… sim… sou… — Respondi forçado.

 — Não é muito novo para ser um magistrado?

 — E você é muito velho para uma batalha, mas cá estamos.

Dat pareceu ficar irritado com a minha resposta, mas como achou que eu era o líder da cidade e estava realmente fazendo uma festa de boas vindas, respirou fundo algumas vezes para se acalmar e prosseguiu.

 — E o que é tudo isso?

 — Uma festa! — Respondi prontamente — Nunca vi uma festa?

 — É claro que eu sei que é uma festa! — Ele bufou — Quero saber o significado de estarem dando uma festa e abrirem os portões em pleno cerco!

 — Aaaaah… — Continuei me fingindo de idiota, o que não era muito difícil — É uma festa de boas-vindas para vocês… achei que tivesse ficado meio óbvio na parte do “sejam bem-vindos nobres cavaleiros do Oeste”… sabe, eu passei o dia todo imaginando a melhor forma de recebê-los!

Enquanto Dat me olhava incrédulo de minhas palavras, eu chorava por dentro, me arrependendo de ter pensado em algo tão estúpido. Meu medo era de a qualquer momento o líder do cerco avançasse em minha direção e partisse meu corpo em dois.

Além de tudo, eu tinha medo de que algum dos invasores me reconhecesse da festa em honra aos heróis, mas ao que aparentava, apenas nobres e os guardas do castelo estavam presentes, e os soldados que nos perseguiram e cercaram a cidade não conheciam meu rosto.

 — Pensei que eu deveria ser um espião, espiões deveriam ficar escondidos e não em destaque! — Murmurei para mim mesmo — Quando voltar para a Montanha Solitária vou falar com Miraa!

 — Disse algo? — Dat perguntou, mantendo a postura ofensiva.

 — Ah… Sim! — Hora de improvisar — Me perguntei o porquê de vocês, meus convidados de honra, não estarem aproveitando a festa que “eu”, pessoalmente, organizei para recebê-los.

 — Porque isso tudo está errado! — Respondeu Dat — Eu toda a minha vida eu nunca vi fazer uma festa para receber invasores.

 — Então se consideram invasores? — Balancei a cabeça fazendo uma expressão de desgosto — Para nós, vocês são convidados.

 — Não fale asneiras! — Dat rosnou — Não sei qual o plano de você mas estamos aqui para tomar essa cidade em nome do Reino de Prata e de Vossa Majestade Guts!

 — Assim você me magoa… — Fingi desgosto.

 — Você é apenas um moleque! — Dat gritou — Me diga onde está o verdadeiro magistrado dessa cidade! Quem sabe eu pense em deixá-lo viver…

 — Permitam-me contar-lhes um segredo. — Falei de forma meio confidencial.

Por alguns segundos a curiosidade foi maior que a sede de sangue, fazendo os guerreiros baixarem um pouquinho as armas e se inclinarem em minha direção no intuito de ouvirem o tal segredo.

 — Eu sou apenas a distração! Tudo que eu precisava era que vocês entrasse e esquecessem de trancar o portão… — Falei como se contasse a eles um segredo de verdade.

No mesmo instante a música parou e armas foram sacadas. Dat me olhou assustado, em seguida se virou e viu que os civis haviam sido retirados enquanto eu era repreendido, e que os músicos eram, na verdade, soldados disfarçados com a missão de ajudar na distração.

Pegando os invasores com a guarda baixa, os guardas da cidade tinham a vantagem de estar acima das pilhas de móveis, fazendo chover flechas e lanças nos inimigos, além de móveis em chamas… Eu nunca imaginei que um sofá poderia se utilizado para matar uma pessoa.

Foram apenas alguns minutos de violência desenfreada e corpos caindo por terra, mais rápido do que eu imaginei. E devido ao meu posto de chamariz, estive por esses longos minutos em uma posição desfavorável e sem possibilidade de fuga.

Para a minha sorte os invasores recuaram e foram expulsos da cidade, não mais mantendo o cerco. Acho que nunca fiquei tão feliz na minha vida até aquele momento.

O que nos salvou foi o fato de que Dat nunca pensaria que aquela multidão estaria apenas fingindo estar bêbada, e não prestou atenção neles enquanto houvesse música tocando. Vendo a sua desvantagem, o líder do cerco ordenou a retirada dos seus soldados sob uma chuva de flechas e objetos domésticos.

O verdadeiro magistrado apareceu não sei de onde logo após a fuga dos invasores, e começou a acalmar as pessoas e por ordem na situação. Baruu e Surii estavam com, as duas me ajudaram a descer de montanha de escombros onde ficava o trono, já que as minhas pernas tremiam muito.

 — Deu certo? — Perguntei.

 — A humilhação foi tamanha que eles desistiram do cerco, e retornaram para o Reino de Prata. — O magistrado anunciou a todos.

A gritaria de felicidade, aplausos e vivas podia ser ouvida em qualquer canto da cidade. Finalmente eu pude relaxar e respirar.

Sinceramente, eu nunca esperei que um plano tão ridículo desse certo.



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