Volume 2

Capítulo 58: A Princesa Regente

Extremo Oeste, Península do Reino de Cristal, Cidade da Capital.

A regente, princesa Esmeralda atravessou os corredores do castelo real com a coroa cristalina sobre seus cabelos esverdeados, demonstrando imponência, mostrando a todos que seu retorno era mais do que apenas boatos, e que sua força estava assegurada.

Não importava quais os meios que ela usou para fugir do castelo de prata, e sob quais circunstâncias foi o seu regresso à cidade de Cristal, nenhuma manifestação política contrária a ela seria capaz de se sobressair ao seu retorno triunfal e sua fama de sobrevivente.

Nos últimos dias, os boatos sobre a chegada da princesa nos portões do castelo, sozinha e carregando a coroa do reino em suas mãos haviam se alastrado pelas ruas da cidade real, nos bares, até em pequenas vilas e nos portos em volta do reino. Todos diziam que a princesa havia realizado um milagre e se sobressaído sozinha à tirania de Flek, o autointitulado rei do Oeste.

Atrelado a isso tudo, estava a confirmação da morte do Rei de Prata, junto com o retorno do poder nos outros reinos do Oeste, o que enaltecia todos os rumores. Porém, por quase um mês não houve sinal da princesa de Cristal nos salões e corredores do castelo, fazendo com que os rumores fossem esfriando.

Exatamente por esses motivos, o surgimento repentino dela no corredor principal causou tamanha comoção, todos os súditos vinham ao local de maior movimento no castelo e se ajoelhavam de costas para a parede, formando duas alas humanas enquanto Esmeralda passava por entre eles.

Enquanto seus súditos se debulhavam em lágrimas de felicidade, a bela princesa de cabelos verdes andava com passos firmes e olhar que transparecia a dignidade da herdeira do trono, sua direção somente poderia ser uma por seguir aquele longo corredor: O salão de Guerra do Palácio.

Chegando à porta gigante e decorada com pedras coloridas que formavam o desenho de um escudo com um navio, a princesa parou e aguardou que os dois guardas que protegiam a entrada do salão abrissem a porta. E assim que os dois fizeram um reverencia, apressaram-se em dar passagem à regente.

Dentro do salão de guerra havia uma mesa redonda no qual estava desenhado o mapa do continente com tal riqueza de detalhes, que parecia a quem olhava, que estava vendo de verdade aquelas terras de uma altura inimaginável. Ao redor da mesa haviam doze cadeiras semelhantes e uma maior e com um entalhe em formato de uma coroa.

Em cada cadeira estava sentada uma pessoa com expressão séria, enquanto um homem velho com roupas bordadas em fios prateados ocupava o assento mais suntuoso. Este homem de aparência rude e cabelos grisalhos falava aos demais, como se fosse o líder ali.

Quando Esmeralda entrou, indiferente aos assuntos discutidos no momento, todos fizeram silêncio imediatamente, ela caminhou em volta da mesa até chegar à cadeira de mais destaque no local. Ficando ali parada por alguns segundos sob os olhares assustados dos ministros do reino, que desconheciam o seu retorno e tratavam tais notícias como boatos exagerados criados por seguidores apaixonados pela beleza da princesa.

— Senhor Primeiro Ministro… — Esmeralda falou com voz mansa — Está no meu assento!

O Primeiro Ministro do Reino de Cristal tentou responder, mas após gaguejar um pouco e se engasgar com as palavras, saiu do assento principal e deu espaço a Esmeralda. Como não havia outra cadeira desocupada, restou a ele ficar de pé à direita da princesa regente.

Após se sentar e corrigir a postura, Esmeralda passou o olhar por cada um no Salão de Guerra, iniciando pelo Primeiro Ministro à sua direita e finalizando com o Ministro da Guerra, o mais à esquerda.

— Senhores! — Esmeralda usou um tom de voz alto e grave — Vocês devem estar se perguntando o motivo de eu tê-los reunidos aqui hoje.

— Mas não foi vossa alteza que nos reuniu. — Corrigiu o Ministro do Tesouro — Essa reunião foi convocada pelo Primeir…

— Não me interrompa! — Exclamou a princesa com tom pesado — Já que todos vieram, vou fazer um pronunciamento importante! Nosso reino entrará em guerra brevemente, então que estejam preparados, dou a cada um de vocês uma semana para fazerem o que precisam.

Os treze ministros olharam para a princesa regente como se estivessem vendo um monstro, e após alguns segundos de silêncio, os gritos de protesto começaram.

— Uma semana? Vossa alteza, isso é loucura! — Gritou o Ministro da Agricultura.

— Nosso reino não tem motivos para entrar em uma guerra nesse momento! — O Ministro do Tesouro segurava a cabeça com as duas mãos enquanto reclamava.

— É pouco tempo para preparar os soldados! — Retrucou o Ministro da Guerra querendo arrancar os próprios cabelos.

— Mal saímos de uma crise de alimentos e vamos entrar em uma guerra? — O Ministro da pesca desdenhou e bateu a mão na mesa — Você deseja matar seus cidadão de fome?

O som da mão pesada do Ministro da Pesca em contato com a madeira da mesa fez com que todos os outros ficassem em silêncio.

— Me chamou de você? — Esmeralda virou seus olhos brilhantes para o Ministro da Pesca — Que fique bem claro, eu sou a princesa regente, não aceito ser chamada de nada menos do que “Vossa Alteza”!

O ministro que havia desafiado a autoridade de Esmeralda se levantou e foi até ela, com o dedo indicador em riste e expressão de poucos amigos.

— Sua criança mimada! — Ele bradou — Se ao menos Flek tivesse lhe matado como fez com os outros dois…

Antes que o ministro terminasse sua frase sua cabeça foi separada de seu corpo, caindo sobre a mesa. Atrás do corpo sem cabeça estava uma pessoa alta com uma espada longa de lâmina única e serrilhada na costa, usando capa de capuz. Porém, mesmo que nenhum ministros conseguisse ver o rosto da pessoa, todos conheciam aquela espada.

— Ágata? — O Primeiro Ministro, que era o mais próximo à guerreira encapuzada foi o quem lhe reconheceu primeiro — É proibido que qualquer soldado, guarda ou pessoa com arma entre nesse salão…

Ágata não respondeu, apenas passou a lâmina brilhante pela capa que vestia, retirando o sangue do ministro assassinado, em seguida caminhou até o lado da cadeira de Esmeralda, ficando de pé apoiando as mãos no cabo da espada gigante ao lado da princesa regente, como se a protegesse do Primeiro Ministro.

— Eu conheço bem as regras desse salão, mas os senhores devem reconhecer que traidores não são bem-vindos nesse reino! — Esmeralda pronunciou com tom gentil, como se não houvesse acabado de ocorrer um assassinato — Tenho motivos para acreditar que alguns dos senhores me traíram e venderam o nosso reino à Flek, por isso trouxe eu segurança extra… Nunca se deve baixar a guarda diante ao inimigo.

O Ministro de Infraestrutura, o mais velho e barbudo de todos, que ainda não havia se manifestado, cruzou os braços e esboçou uma expressão tranquila, enquanto dizia:

— Para proferir tais palavras, e trazer tamanha guerreira para dentro do Salão de Guerra do reino, acredito piamente que vossa alteza tem certeza dos nomes de cada uma dos traidores!

Esmeralda em vez de respondeu apenas deu um sorriso sombrio, confirmando a suspeita do velho ministro. Enquanto isso ele se apoiou no encosto da cadeira e riu bem alto.

— Eu estava certo! — O velho ministro gritava entre uma risada e outra — Os traidores do nosso reino finalmente pagarão por seus crimes, nenhum deles sairá com vida hoje!

Ao passo que o velho relaxou sua postura, um dos ministros mais jovens, o da ciência, pulou de sua cadeira sacando uma faca e pôs contra o pescoço do velho. Ao mesmo tempo outros quatro ministros fizeram, movimentos semelhantes contra seus iguais. Em poucos segundo a situação se reverteu para sequestros e ameaças.

— Me mate seu moleque sem escrúpulos! — Gritou o Ministro da Infraestrutura — Eu já vivi o suficiente, e morrerei sabendo que fica uma princesa de coragem sobre o trono que me dediquei a servir nesses últimos anos!

Ágata fez menção de se mover em auxilio do ministro idoso, mas Esmeralda a parou com um simples gesto, o que deixou o ministro mais jovem ainda mais impaciente.

— Você deveria ter morrido no Castelo de Prata! — Gritava o homem com a faca tremendo no pescoço do velho — Você não é digna de governar esse reino…

Esmeralda permanecia calma, e encarando o Ministro de Infraestrutura, sorriu generosamente para o velho.

— Meu caro ministro e tio, obrigado por tudo que o senhor fez por esse reino e por mim, seu nome jamais será esquecido! — Disse Esmeralda pondo a mão direita sobre o coração — Apenas mais um pedido, qual o último dos traidores que ainda falta eu saber?

Prevendo a próxima ação do velho, o jovem afundou a lâmina em sua garganta, impedindo que ele falasse, enquanto o pobre ministro lutava para soltar as palavras presas em suas cordas vocais. Desistindo de lutar para falar o velho ministro olhou com piedade para o jovem que se afastava com as mãos ensanguentadas, sorriu e juntando um pouco do liquido vermelho que jorrava em seu pescoço, escreveu duas letras sobre a mesa antes de fechar os olhos e se afogar e seu próprio sangue.

— Carl Bate! Sua bravura jamais será esquecida em nosso reino! — Esmeralda baixou a cabeça, reverenciando o ministro falecido.

Enquanto todos tentavam manter distância e ao mesmo tempo ler o que Carl tinha escrito, cada vez mais os traidores se afastavam em direção à porta, dentro daquela sala ambos os lados estariam em desvantagem. Assim que o primeiro se moveu, empurrando seu escudo humano para a frente e correu para aporta na intenção de fugir, todos fizeram o mesmo.

Seus corpos rapidamente foram jogados na direção oposta, e presos com fios tão finos quanto fios de cabelo, e tão resistentes quanto o mais poderoso cabo de aço. Os ministros aliados a Esmeralda ficaram atônitos com os acontecimentos, com medo de serem envolvidos por engano.

Esmeralda andou até onde o corpo de seu tio estava repousando, e sobre a mesa estavam as letras: “PM”. Não haviam dúvidas de quem era o último dos traidores, o Primeiro Ministro. A princesa regente, sem proferir uma palavra que fosse, apontou o dedo indicador para o primeiro ministro, e depois para cada um dos traidores capturados, e fazendo um sinal de positivo, girou a mão até ficar com o polegar para baixo.

Ao mesmo tempo, surgiram outras duas pessoas das sombras, e assim como Ágata, usavam mantos escuros com capuz. Uma mais baixinha, movia fios com as pontas dos dedos, e a outra da mesma altura de Esmeralda, carregava uma lança com ponta de cristal.

Enquanto a princesa regente saía do Salão de Guerra sem olhar para trás, seguida de seus ministros aliados, gritos de dor e morte ecoaram lá de dentro, chocando a multidão do lado de fora.

— Vossa alteza, se me permite, o seu tio e Ministro de Infraestrutura também foi um dos que agiu contra a senhorita! — Exclamou o Ministro da Agricultura, temendo por suas próprias palavras.

Esmeralda virou-se para o ministro, enquanto os outros se afastaram dele, e disse:

— Eu sei! Mas meu tio se redimiu quando buscou por ajuda para me salvar, se não fosse ele eu não estaria viva nesse momento! Além do mais, como ele mesmo disse, nenhum dos traidores saiu com vida, e isso o inclui…

Em seguida a princesa regente retornou para seus aposentos, ela tinha sofrido demais na masmorra do Castelo de Prata, e precisava se recuperar adequadamente no prazo de uma semana. Era o prazo que ela mesma havia definido para o primeiro movimento de guerra do Reino de Cristal.



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