Volume 1
Capítulo 50: Décima Página do Diário (2)
Novamente eu estava cercado por heróis, soldados e as pessoas mais importantes do continente. Então eu estava muito nervoso, mas como Baruu, Surii e Lilás tinha sido retiradas em segurança levando o tesouro, eu podia usar o meu poder a vontade e mostrar ao mundo o terror que eu tanto desejava causar.
Não segurei a vontade de sorrir.
— Agora vamos ver até que ponto o meu treinamento foi útil!
Estendi as duas mãos abertas com as palmas viradas para baixo, e ao mesmo tempo a capa de rancor foi se desfazendo e a névoa se condensando sob as minhas mãos. As duas adagas tomaram forma rapidamente, e os meus adversários ficaram abismados com a minha atuação. É claro que não precisava de tudo isso, mas eu fiz questão do teatrinho.
Comecei a trocar golpes com vários guardas ao mesmo tempo, eu estava bastante confiante em meu treinamento. Talvez até demais, eu estava meio arrogante por ter ficado um pouco forte. Mesmo assim aquele era o momento tão esperado, foi por isso que eu aguentei o treino intenso com meu novo irmão mais velho.
Me aproveitando da minha vantagem de peso, já que por ser mais leve e eles estarem de armadura, eu era bem mais rápido. Minha agilidade sempre foi alta desde os tempos de rato, se somada com aminha resistência física que se elevou no último ano, eu conseguia desviar da maioria dos golpes com facilidade, já que não precisava proteger ninguém enquanto eles tinham cuidado para não ferirem um aos outros.
O maior problema era que ao mesmo tempo em que eu não era atingido, também não conseguia atingi-los, pois suas armaduras compensavam suas velocidades baixas com uma defesa incrível.
Foi aí que um guarda tomou a frente.
— Esperem! Eu estou reconhecendo esse pedaço de merda. Achei que tinha matado você um ano atrás…
Engoli seco, era um dos que tinham me levado para a Grande Falha a mando de Jonas, justamente o que havia atirado a flecha em meu ombro, e lembrar de tudo aquilo acabou me fazendo mal. Mas ao mesmo tempo que sofri um abalo psicológico, meu ódio aumentou, senti vontade de matar aquele guarda na minha frente.
E ódio era o que me dava poder, me aumentava o “Rancor”.
Avancei em direção a ele como se não me importasse com a minha vida, e enquanto movia meu corpo apenas o suficiente para desviar por pouco da espada longa dela, soltei a minha adaga da mão esquerda que se transformou em névoa, e segurei ele pelo pescoço.
Senti um ardor no meu lado esquerdo, mas não desviei o olhar para conferir, com certeza ele tinha me ferido na altura das costelas, mas pela dor foi um mero raspão. Eu, por vez, ataquei com minha adaga por entre as placas da sua armadura incompleta, sem perder um segundo de tempo.
Era o momento da minha vingança.
Forcei ao máximo, senti a adaga deslizar por entre as partes da armadura e entrar por suas costelas até que a guarda do cabo tocasse a placa de metal, o pulsar do coração do meu inimigo reverberou pela adaga, eu sentia os seus batimentos ficarem cada vez mais fracos e espaçados.
Seus olhos foram perdendo o brilho e a sua expressão de dor se tornou de medo, em seguida ele aceitou a morte e parou de resistir. Enquanto eu sentia seu último batimento cardíaco, vi um sorriso de alívio, como se o anjo da morte estivasse o acolhendo entre seus braços.
Primeiro fiquei feliz pela minha vitória, eu havia me tornado um verdadeiro guerreiro do Leste, em seguida fiquei assustado, eu havia tirado uma vida e me senti um monstro. Por fim bateu o sentimento de fraqueza, percebi o quanto o ser humano é frágil, da mesma forma que matei, eu poderia morrer.
Olhei para a minha mão coberta de sangue, o cadáver na minha frente e a multidão ao meu redor. Naquele momento senti medo, a sensação de impotência e fraqueza não poderia ser retirada por nenhum treinamento.
— Eu matei… Eu sou um assassino!
A multidão estava em choque com a minha demonstração de destemor e crueldade, e ficaram em choque. Alguns nobres que assistiam apenas para ver o desfecho jamais imaginaram que eu mataria um dos guardas.
Após dez segundos que pareceram um eternidade eu lembrei que não havia tempo para lamentar, ali era matar ou morrer, e eu estava cercado mais uma vez, meu corpo estava no limite, meu poder havia se esgotado. Tudo que me restava era atrasar a minha morte.
Senti um toque no ombro, mas antes que pudesse ver quem era, já estávamos no meio do jardim do castelo arrodeados de pessoas.
— Só posso… Fazer mais… um salto! — Victoria falou ofegante.
— Obrigado por me tirar de lá, eu pensei que ia morrer…
Victoria parecia muito cansada, e quando olhei ao redor vi várias pessoas da comitiva de esmeralda do lado de fora preparando suas carruagens para fugir também. Senti um forte alivio em saber que teria uma chance de sobreviver àquela noite.
— Eu quase esgotei meu poder tirando todos! — Victoria tinha uma expressão vitoriosa — Agora vou usar o meu último salto para levar a princesa direto para o castelo de cristal!
— Me leva com você! — Pediu Lilás, com uma expressão decidida.
Esmeralda me olhou com uma carinha piedosa de cachorro faminto, e eu apontei para Flor de Pedra, que era a chefe da Toca dos Ratos. Ele olhou para a nossa chefe com a mesma expressão.
— Eu não me importo, desde que ela queira ir e você me prometa que não acontecer nada de mal com ela — Flor de Pedra deu de ombros.
— Eu prometo, e uma princesa não volta atrás nas suas promessas.
— Obrigado irmã Flor de Pedra. — Lilás agradeceu com um sorriso e os olhos cheios de lagrimas.
— Apenas seja feliz Lilás!
— Lilás é um bom nome, mas no Reino de Cristal, nós que temos características especiais temos nomes especiais. — Esmeralda explicou para Lilás — Acho que Ametista seria um nome mais condizente.
— Eu gostei! — Lilás disse com um brilho de felicidade nos seus olhos coloridos.
— A partir deste momento, eu, Esmeralda do Reino de Cristal, como princesa regente, nomeio você como Ametista, você será minha irmã para todo o sempre.
Uma multidão de cavaleiro, guardas e soldados armados vinha saindo do castelo, a comitiva de Esmeralda partiu com pressa, a minha comitiva já começava partir, mal tivemos tempo para nos despedirmos. Victoria segurou Esmeralda e Ametista pelas mãos e sumiram.
Entrei na última carruagem com Baruu, Surii e Flor de Pedra, e seguimos enquanto inúmeras flechas voavam em nossa direção.
Eu estava animado apesar do ferimento nas costelas, Baruu e Surii admiravam o ovo… digo, tesouro, mas Flor de Pedra parecia melancólica.
— Está triste por ter que fugir? — Perguntei.
— Não, eu apenas queria ter um nome de verdade… — Flor de Pedra resmungou — A Lilás agora é Ametista…
Eu sorri lembrando das aulas no Leste.
— No Reino do Leste as flores de pedra são chamadas de “adenias”…
Flor de pedra me deu um olhar piedoso com olhinhos brilhantes.
— Eu sou um filho do Leste, se Esmeralda pode dar um nome para Lilás eu posse te dar um também.
— Adenia?
— Não gostou?
— Eu amei…
— A partir deste momento, eu, Deco do Reino do Leste, como… ah… Filho de Miraa, nomeio você como Adenia… Você será minha irmã para todo o sempre.
É sério, eu apenas repeti o que esmeralda falou para Ametista, mudando o que foi necessário.
Enquanto Adenia chorava de felicidade, Baruu chamou minha atenção dizendo:
— Tem certeza que é o momento para ficar feliz com essas coisas? Nós começamos uma guerra…
— Uma guerra?
— Sim, uma guerra, justamente aquilo que os heróis deveriam impedir!
— Mas pelo menos conseguimos o tesouro que nossa mãe tanto queria… — Completou Surii.
Meu medo foi aos poucos sendo substituído por orgulho, a missão tinha sido um sucesso, e ainda tive a oportunidade de criar o caos para os heróis, olhei nos olhos de cada um na carroça enquanto esboçava um sorriso, e por fim gritei a toda voz:
— COMEÇAMOS UMA GUERRA!
Fim do ARCO 1 – HERÓIS.