Volume 1 – Arco 1
Capítulo 1: Claire
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15 de outubro, 2124. Cidade de Lyon, França. 1000 anos antes do apocalipse.
Claire.
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Volume 1 - O Lar dos Androides
— Claire, hoje estaremos indo a uma viagem de última hora. Pararemos em vários pontos, pois estamos sem dinheiro para a passagem de avião — disse um homem, abrindo bruscamente a porta do quarto de uma criança.
O quarto era bem pequeno, a cama ficava no canto próximo a porta, quase não dando espaço para o pequeno guarda roupa ao lado dela. Embaixo da cama havia uma pequena caixa de ursinhos, que foi puxada pela criança e agora os ursinhos estavam espalhados pelo carpete, com a caixa de pelúcias jogada em cima da cama.
Abaixo da janela, a criança estava sentada no chão. Era uma garotinha com cabelos pretos, curtos e olhos alaranjados. Seu nome era Claire Lemoine.
— Quando a Josette está de férias, ela sempre faz viagens, papai! — exclamou ela, tinha cerca de sete anos de idade. — Então nós estamos de férias também?
Josette era a síndica do prédio em que viviam. Claire adorava conversar com Josette, mesmo que seu pai não gostasse muito da interação entre as duas. Josette era uma boa parceira, a primeira visão materna que Claire teve em sua vida.
O sr. Lemoine pensou por um momento antes de responder a pergunta.
— Sim… eu acho que você pode considerar dessa forma.
— Sério?! É a primeira vez que vamos sair daqui, papai! Eu quero ir para todos os lugares que a Jose me contou! — Claire se levantou bem rápido, correu até a caixinha de ursinhos dela e vasculhou até encontrar uma pequena concha. Ela mostrou a pequena conchinha para o seu pai, animada. — Ela disse que existe um lugar quente e cheio de areia, e eu posso achar essas conchinhas por lá! Papai, nós podemos ir-
Antes que terminasse, o sr. Lemoine a cortou no meio da frase.
— Não, nós não vamos à praia. Você vai para onde eu quiser que você vá.
A animação de Claire desapareceu, como se tivesse tentado colocar água em um copo e a água tivesse escorrido para trás, e não para dentro do copo.
— E… para onde nós vamos então, papai? — perguntou, pulando da cama, bem agitada.
A excitação de Claire retornou quando se lembrou que ainda iriam fazer a viagem.
— Nós vamos para um lugar… bem diferente. Você vai ver quando estivermos lá. — O pai de Claire deu meia volta e foi para a cozinha, sem fechar a porta do quarto de volta. — Mas eu te garanto que será um grande dia nas nossas vidas.
Algumas horas depois, Claire e seu pai já estavam preparados para esta viagem. O sr. Lemoine arrumou apenas uma mala para levar algumas roupas e uma pequena bolsinha para Claire guardar o que era mais importante para ela. Ela até tentou colocar toda sua caixa de pelúcias dentro da bolsinha, mas obviamente ela era grande demais.
— Não vai caber, Claire — disse seu pai, friamente, enquanto aguardava por sua filha. Suas malas já estavam prontas, e ele parecia um pouco irritado pelo atraso.
— Mas!
— Só tem espaço para a porra de um brinquedo, Claire! — ele vociferou, batendo a mala no chão.
— Ok… — Claire pegou apenas uma pequena pelúcia de um coelhinho alaranjado, que era a sua favorita e o colocou na bolsinha. — Eu vou levar o Atlas… Mas! Eu quero poder levar o Orion e a Nova também!
Orion era um ursinho branco, e Nova era uma boneca de pano com cabelos pretos.
— Leva só o coelho. A gente não tem uma bolsa maior, e nem tempo para comprar uma nova. Vamos, já deu o nosso horário.
O sr. Lemoine parecia um pouco mais calmo agora, mas ter que deixar duas de suas pelúcias favoritas em casa deixava Claire muito triste.
— Oh! — De repente, Claire sentiu uma forte vontade de ir ao banheiro. — Espera só um pouco!
A garotinha saiu correndo do quarto, praticamente atropelando as malas do pai. Mas ele conseguiu segurar a mala antes que ela caísse. Ele já estava acostumado com essas atitudes eufóricas de sua filha, por isso, não disse mais nada.
Quando Claire voltou do banheiro, seu pai já não estava mais no apartamento. Ela pegou sua bolsinha e desceu para a recepção, imaginando que ele estaria a esperando lá embaixo. E de fato, ele estava lá, tendo uma conversa com Josette. Claire espiou atrás da parede antes de se aproximar…
— Você está louco?! Seu estúpido! Ela é a sua filha! Sua família! Não acredito que você é capaz de fazer isso por dinheiro… — Josette parecia indignada enquanto dava um sermão no sr. Lemoine.
— Você não é a mãe dela, e ela também não saiu do seu saco para você dizer alguma coisa. Não é só porque você tem uma amizade com a minha filha, que isso te torna responsável por ela.
Josette ia argumentar contra, tentar dizer alguma coisa, mas de fato ele estava certo. Ela pôs as mãos no balcão, respirou fundo e pensou consigo mesma.
— Você tem razão… eu não tenho nada a ver com isso. A criança é sua, você toma as decisões que você bem entender… — Josette se virou de costas, retornando para dentro do prédio. Ela tinha uma cara de choro. — Mas, eu só lhe peço uma coisa… se você fizer isso mesmo, nunca mais ouse pisar no meu prédio. Por favor.
O sr. Lemoine cruzou os braços, fazendo uma cara de orgulho. Como se ganhar essa discussão fosse algum tipo de conquista.
— Vai perder um morador, e uma parte do seu pagamento. Você precisa aprender a fazer dinheiro, Jose.
Josette não respondeu. E enquanto seguia de volta para dentro do prédio, se deparou com Claire espiando a conversa.
— Você está triste? — perguntou ela, com inocência após ver a expressão da síndica.
Josette abraçou Claire, sem dizer mais nada a ela. Talvez o abraço mais forte que elas já deram. Depois de soltar ela apenas voltou para dentro do prédio em silêncio. Por algum motivo, Claire ficou bem magoada com a reação de Josette.
— Vamos logo, Claire. Temos que chegar em Avignon até amanhã — disse o pai, quando viu que Claire estava enrolando ao fundo.
17 de outubro, 2124. Cidade de Avignon, França.
Claire e seu pai levaram um dia para chegar em Avignon andando. Claire ficou imensamente cansada, e tiveram que parar em um hotel para ela descansar. O sr. Lemoine provavelmente ficaria irritado com isso, mas ele estava exausto da mesma forma. Mas mesmo assim, descontou sua exaustão em Claire.
No outro dia, eles já estavam de saída para continuar a viagem. Mas agora, iriam fazê-la de carro. Já estava meio tarde, eram 18 horas.
— Papai… eu quero ir embora…
Claire estava grudada em seu pai, com medo das pessoas que passavam ao redor nas ruas. Nunca na vida ela teve permissão de sair do prédio de Josette, era normal que tivesse medo do mundo lá fora.
— Estamos quase lá, Claire. Lembre-se do que eu te disse antes, será um grande dia nas nossas vidas.
— Hum…
O sr. Lemoine chamou por um motorista quando chegaram no centro da cidade, em um ponto onde seria mais fácil de acessar. Claire continuou agarrada a ele enquanto esperavam naquelas ruas movimentadas, com o frio da noite abraçando seus corpos. — Quanto tempo falta para chegarmos lá?
— Umas duas semanas, Claire.
Claire se sentiu menos animada ainda. Na verdade, já estava exausta no primeiro dia. Tudo o que queria era poder ver Josette mais uma vez, pois tinha uma estranha sensação de que aquele abraço havia sido muito especial… como se fosse o último.
— Papai…
— Fala.
— Está frio… muito frio…
O sr. Lemoine olhou para baixo, sentindo-se confortável com Claire tão grudada em seu braço. A ideia de que ele era o pilar protetor daquela pequenina era bela, uma sensação doce. Mas também, o fazia sentir uma grande culpa no peito. Ele tirou o próprio cachecol lentamente, e o colocou por cima de Claire, a deixando bem enterrada em meio às roupas. Ela olhou para cima, com a boca tampada pelo tamanho do cachecol. Ela tentou sorrir, mas seu pai apenas viu suas bochechas ficarem vermelhas.
— Obrigada papai! Você… é o melhor papai do mundo!
18 de outubro, 2124. Marseille, França.
De madrugada, eles chegaram até Provença. Após passar a noite em outro alojamento, Claire e seu pai usaram um caiaque para seguir até a próxima parada. E em pouco tempo, pela tarde, chegaram até a parada final. A cidade de Marseille.
Claire carregava seu coelhinho Atlas nas mãos, enquanto seu pai procurava por um outro local para ficarem. Em meio a correria, ele avistou uma loja de automação: “Automata Emporium”. Ele segurou no braço de Claire e os guiou para a loja.
— Ouça, Claire. Terei que ficar fora por alguns dias para resolver alguns assuntos. Então vamos comprar uma nova companheira para você.
— Companheira? — Quando os dois entraram na loja, Claire ficou desacreditada. Viu “pessoas” enfileiradas nas prateleiras à venda. A cena a assustou bastante, e ela correu para trás de seu pai para se esconder. — Você vai comprar uma pessoa papai?!
— São androides. Não compare essas coisas com pessoas.
Conforme o pai de Claire dava uma olhada nos androides, a garotinha ficou um pouco mais animada. Agora sabia que não eram pessoas de verdade, então começou a analisar eles bem de perto para escolher um de seu gosto.
— Eu quero esse aqui, papai! — Ela apontava para um androide bem bonito, com cabelos ruivos e olhos azuis. O atendente da loja deu uma risadinha, vendo o quão adorável a pequena garotinha era.
— Não, muito caro. Nós vamos levar esse daqui, Claire.
Ele estava olhando para uma androide bem simples. Ela não tinha cabelos, nem pele, e sua carapaça era claramente de metal. Claire sentiu um pouco de desgosto quando a viu, ela era tão feia comparada aos outros androides impecáveis. Mas também, era a mais barata.
Quando a transação foi concluída, o atendente liberou a vitrine e ativou o robô. Quando ligou ela piscou algumas vezes, e sua cabeça monotonamente virou para cima.
— Olá, sou uma androide Automata Emporium. Meu objetivo é receber e cumprir os seus desejos. Não tenho sentimentos e nem consciência, então esteja ciente de que androides não são pessoas de verdade. Qual é o nome do usuário?
— Claire Lemoine! — A garotinha gritou, com uma voz trêmula atrás do pai. Achou que a pergunta fosse para ela.
— Muito bem, senhor Claire Lemoine. Qual é o meu nome?
— O meu nome é Andrew. Claire é a minha filha — corrigiu o sr. Lemoine, um pouco irritado por ter sido chamado de Claire.
A androide não respondeu por um momento, seus olhos pareciam estar processando a informação.
— Muito bem, senhor Andrew. Qual é o meu nome?
— O nome dela pode ser Jose, papai? — perguntou Claire, excitada com essa ideia.
— Mas nem em mil anos. — Ele ponderou um pouco sobre o nome. Até se lembrar que era um androide, então o nome podia ser qualquer coisa. — O seu nome vai ser Aurora.
— Olá, Andrew. Eu sou a Aurora, é um prazer poder-
— Vamos logo, já compramos o robô.
20 de outubro, 2124.
Claire e Aurora estavam hospedadas em mais um hotel. O pai de Claire havia saído para resolver os negócios da viagem, mas já faziam dois dias em que ele não voltava. Claire já estava começando a ficar angustiada, ainda mais com aquela androide careca rondando o quarto. A androide estava olhando fixamente para a janela, observando o movimento das pessoas abaixo.
Já a pequena garotinha estava encolhida na cama, abraçada com seu coelhinho de pelúcia. Atlas era a única coisa que a deixava confortável naquelas horas.
— Eu queria que Nova e Orion estivessem aqui também… — murmurou Claire, como se fosse apenas para o coelhinho ouvir.
— Quem é Nova e Orion? — perguntou a androide, aparecendo repentinamente ao lado de Claire. A garotinha pulou de susto.
— Ah! O-oi!
— Nova, Orion.
— Nã-não são ninguém importante…
— Quem é Nova e Orion? — ela insistia, com aquela voz monótona e aquele olhar fixo.
— Não são ninguém! — Claire berrou, sentindo que talvez aquela coisa pudesse machucar seus ursinhos. Ela de repente tomou um instinto protetor.
— Andrew deseja que eu proteja a Claire. Isso inclui, proteger Claire contra estranhos. Nova, Orion, nomes estranhos. Preciso fazer… reconhecimento.
Claire respirou fundo e se acalmou um pouco. Mas ainda continuava abraçada ao seu coelhinho Atlas.
— Eles são… meus amigos. Tipo o Atlas… — Ela mostrou o pequeno coelhinho para Aurora, que tentou compreender que tipo de criatura era aquela. — Mas papai não me deixou trazer eles… O Atlas é ciumento, e ocupou todo o espaço só para ele na bolsinha…
— Ciumento? — Aurora tombou um pouco a cabeça, confusa. — Brinquedos não sentem ciúmes. Assim como, androides não sentem ciúmes.
Claire pareceu bem abalada com essas falas, já estava ciente disso, de qualquer forma.
— Eu sei…
Vendo o olhar cabisbaixo da menina, Aurora sentiu-se… estranha. Pareceu ter compaixão, e um pouco de culpa.
— Me desculpe…
24 de outubro, 2124.
— Claire! — Aurora chamou por ela, voltando para o quarto do hotel. Ela tinha saído para buscar comida. — Trouxe lanchinhos para você.
— Aurora!
Claire pulou da cama e correu para a porta de entrada. Ela pulou e abraçou o corpo metálico de Aurora, mas ela era pesada demais para sequer se mover com isso. A androide gentilmente acariciou os cabelos pretos de Claire, enquanto sorria para ela.
Aurora colocou a comida em um prato, e Claire foi comer na cama. Aurora estava de pé ao lado dela, observando-a atentamente. Ela continuava agindo de uma forma bem monótona, mas a garotinha já estava se acostumando com isso.
— O papai já está voltando? — questionou Claire, saboreando seu lanchinho. Aurora havia comprado um Croque Monsieur, e Claire estava comendo junto com um suco de maçã.
— Eu não sei.
— Onde ele está?
— Eu não sei.
— Mas… a gente não estava em uma viagem? Ele deveria estar aproveitando com a gente…
— Creio que sim.
— Será que o papai se machucou lá fora?
— Eu não sei.
Claire pulou da cama, sem nem terminar o lanche. Colocou as mãos nos quadris, determinada.
— Temos que achar o papai! Ele pode estar em perigo!
— Não. Eu preciso proteger a Claire, não posso deixá-la sair deste quarto. Ficaremos aqui.
— Mas!
Aurora gentilmente tapou a boca de Claire, e com a outra mão, levou seu coelhinho até ela. Claire segurou Atlas nas mãos, abraçando-o mais uma vez. Ela se sentia extremamente confortável com aquela pelúcia em mãos. — Obrigada, mamãe…
— Me chamo Aurora — ela disse, quando ouviu ser chamada de mamãe. Porém, no fundo, Aurora não queria ir contra isso.
— Oh… e-eu falei sem querer…
— Você… — Aurora segurou Claire nos braços, e a colocou em seu colo, abraçando-a da mesma maneira que ela abraçava o seu coelhinho. — Pode me chamar de “mamãe” se quiser.
28 de outubro, 2124. O “grande dia”.
Claire e Aurora estavam jogando um jogo de tabuleiro juntas, que Aurora havia comprado para passarem o tempo. Ela estava deixando a garotinha ganhar todas as vezes, para que ela ficasse feliz. Claire, porém, havia notado que Aurora supostamente era muito ruim no jogo, e estava tentando perder para a androide ganhar e fazê-la feliz. No fim, as duas já estavam jogando essa partida a um bom tempo tentando perder.
De repente, ouviram alguém abrir a porta. Era o pai de Claire, voltando com uma expressão bem sorridente no rosto, após dez dias desaparecido.
— Estamos de saída, Claire. Já gastamos dinheiro demais com a estadia nesse hotel. Agora, finalmente você vai entender o motivo da nossa viagem.
— Papai! — Claire correu para abraçá-lo. Os dois pareciam bem felizes, principalmente o sr. Lemoine, que estava sorridente demais.
Ele levou as duas para as ruas de Marseille, os três seguiam andando bem quietos. O clima estava tenso, e Claire tinha um péssimo pressentimento. Andrew era o único que permanecia sorridente.
Claire segurava seu ursinho alaranjado nas mãos, apertando bem forte. Ela podia sentir as batidas fortes de seu coração, estava ansiosa e com medo. Aurora também entrou em alerta, encarando profundamente todas as pessoas que passavam nas ruas.
— Estamos quase lá… — Não demorou muito para que chegassem a um porto na costa do mar. — Espere aqui, com a Claire, Aurora.
Ele desceu a escadaria até o porto, indo falar com um homem da marinha que estava aguardando em frente a um grande navio bem equipado, parecia um navio de guerra. Claire não podia ouvir nada do que estavam falando. Já Aurora tinha uma audição elevada, então podia ouvir perfeitamente.
— Antes de zarpar, preciso da sua assinatura mais uma vez. Para afirmar que o senhor está ciente de todos os termos. Não haverá mais volta quando estiver feito, Lemoine.
— Eu já entendi — disse Andrew, bem animado, pegando o papel e o apoiando em um poste para preencher, sem nem mesmo ler o que estava escrito. — Quanto é a quantia em dinheiro mesmo?
— Está informado no papel, sr. Lemoine. Eu aconselho que você leia e…
— Agora eu já assinei — disse, devolvendo o papel e a caneta para o soldado. Ele pegou o contrato e observou, soltando um suspiro de decepção. — Qual o valor mesmo?
— Certo… são duzentos mil euros, senhor. Mas você só receberá este valor após termos certeza de que sua filha é verdadeiramente pura. Se não, isso não valerá de nada, e você não vai receber nada. Mas se ela for realmente necessária, então no futuro as memórias dela serão usadas para salvar a nossa humanidade, e nos guiar para além do paraíso. Será o seu maior motivo de orgulho, Lemoine. Talvez a heroína que nos livrará deste inferno.
— Sim, é claro que ela é. Vamos prosseguir com isso.
Andrew pegou seu celular e abriu o aplicativo de controle da Aurora. Por ali, deu o comando a ela para trazer Claire até lá. Do outro lado, acima da escadaria, Aurora estava tremendo… pela primeira vez, não sabia se deveria aceitar esta ordem. Ela sabia exatamente o que estava para acontecer.
— Proteger… Claire…
Aurora começou a pensar sobre o que deveria fazer. Sua ordem inicial era proteger a pequenina, mas o desejo atual de seu usuário ia contra essa ordem… ela deveria sobrepor pelo desejo atual. Mas isso parecia tão errado… foi quando Aurora se lembrou.
“Olá, sou uma androide Automata Emporium. Meu objetivo é receber e cumprir os seus desejos. Não tenho sentimentos e nem consciência, então esteja ciente de que androides não são pessoas de verdade. Qual é o nome do usuário?
Claire Lemoine!”
— Está tudo bem, mamãe? Acho que o papai quer que a gente vá até lá também! — perguntou Claire, confusa sobre a hesitação de Aurora.
— Essas ordens são de… Andrew Lemoine. O verdadeiro usuário é… Claire Lemoine!
Com essa ideia, Aurora segurou no pulso de Claire firmemente e disparou em corrida para fora do porto. O soldado imediatamente assoviou forte, liberando ordem para os androides de segurança ao redor da área. Eles estavam armados, e nem precisaram de muito esforço para detectar uma androide defeituosa. Ergueram seus rifles, miraram nas costas de Aurora, com muita precisão para não acertar Claire, e começaram a atirar.
Aurora não durou mais que três segundos correndo e caiu ao chão. Claire não estava entendendo absolutamente nada, e os barulhos dos tiros a faziam chorar. Ela acabou derrubando seu pequeno ursinho Atlas.
Aurora já não conseguia se levantar, apenas mexer a cabeça um pouco. O núcleo de energia dos robôs ficava bem no peito, onde foi acertados os tiros. Com muito esforço, ela agarrou o coelhinho Atlas, tentando devolvê-lo para Claire. Mas ela era incapaz de levantar o braço.
— C-Claire… — ela gaguejou, com uma voz falha.
— Aurora! O que aconteceu?!
Aurora ia dizer alguma coisa, mas Andrew foi mais rápido. No aplicativo de controle, haviam inúmeras opções. E uma delas, era a de imitação. Tudo que Andrew falasse no microfone, seria repetido por Aurora… E assim, ele mesmo deu as últimas palavras da androide do jeito que ele queria.
— Volte para o seu pai, e não importa o que aconteça depois dali… encontre… o paraíso.
Essas foram as últimas palavras de Aurora, ditadas por Andrew antes dela se desligar por completo. Claire não parou para pensar muito e apenas cumpriu o desejo de Aurora. Ela correu de volta para o porto, alcançando o seu pai e o soldado… Aurora permaneceu desativada no chão, segurando o pequeno e indefeso Atlas.
Algumas horas depois do ocorrido, os três já haviam embarcado no navio, e já estavam navegando há algum tempo. Claire não conseguia parar de pensar sobre sua “mãe”. Mas ao mesmo tempo, sentia uma certa curiosidade sobre o que iria acontecer. Depois de duas semanas finalmente estava prestes a presenciar a grande coisa que mudaria suas vidas.
— Quando vamos poder ver a Aurora de novo, papai?
Mas Andrew não respondia, ele estava rindo sozinho, pensando no dinheiro que ganharia com isso.
Após mais alguns minutos navegando, o navio parou próximo a uma estrutura no meio do mar. Se parecia com uma torre, bem alta, mas que ainda estava em construção. O soldado os guiou do quarto em que estavam no navio para fora, e eles desembarcaram em uma escadaria ao pé da torre. Chegando lá dentro, havia uma imensa sala tecnológica, parecida com um laboratório. Vários painéis holográficos, diagramas e gráficos. No centro, havia uma cápsula bem estranha.
— Certo, para prosseguir, precisamos que a mocinha entre ali — disse o soldado, apontando para a cápsula.
Andrew segurou na mão de Claire, forçadamente, e a levou até o compartimento. Ela não relutou contra, na verdade, ficou bem quieta sobre tudo aquilo. Confiava que seu pai tinha planos bem incríveis para ela, principalmente depois das últimas palavras de Aurora. Mas também, não conseguia tirar a frase “encontre o paraíso” da cabeça. — Bom, espero que os sons não te afetem, sr. Lemoine. Será bem desconfortável para ela, mas passará rápido.
Logo a cápsula se fechou, e Claire ficou trancada lá dentro. Mesmo com medo, ela aguardou, paciente.
Um pouco hesitante, o soldado começou a configurar a máquina pelos painéis. Andrew estava excitado, na verdade, ele sequer sabia o que iria acontecer. Ele só estava ali pelo dinheiro, e acreditava que sua filha se tornaria uma heroína…
A sala inteira se ligou, as luzes foram se acendendo, e a energia da cápsula também apareceu. Claire estava assustada lá dentro, não conseguia ver nada da parte de fora. Foram cinco minutos de tensão, sem que nada acontecesse. Até que, de repente, os gritos agonizantes de Claire começaram a surgir. Ela gritou, chamou por seu pai inúmeras vezes, em puro sofrimento por longos trinta segundos. Sua voz foi ficando fraca… até que os gritos cessaram.
Andrew já não se sentia mais feliz. Ouvir os gritos desesperados de Claire daquela maneira foi como uma tortura para ele mesmo. Não imaginou que aquele processo fosse algo doloroso.
— Está feito. As memórias de Claire Lemoine foram armazenadas com sucesso no sistema da torre. Agora, veremos se elas são apropriadas para serem usadas no futuro…
Andrew, sem dizer nada, apenas se aproximou dos gráficos, preocupado com sua filha. Um círculo de processamento estava girando ali, até que se acendeu em uma cor vermelha. — Negativo… as memórias de Claire são extremamente negativas. A sua filha não é nem um pouco pura para encontrar o paraíso no futuro, sr. Lemoine. Infelizmente, você não ganhará recompensa nenhuma nesse processo. E as memórias dela não poderão ser utilizadas.
— Sim, eu entendi… tudo bem, é realmente uma pena. Mas, por favor, tire minha filha de dentro daquela coisa…
— Ela… não pode sair, sr. Lemoine.
— Como assim?! Quando vou poder ver a minha filha?! — Andrew sentiu uma pontada no peito, começando a ficar desesperado. Sua respiração estava intensa.
— Eu acho que… você não se informou sobre como esse processo funciona, e nem leu os devidos termos antes de concordar. Na verdade, o processo de coleta de memórias é feito com a introdução de várias máquinas no cérebro da pessoa que estiver lá dentro, sr. Lemoine. É um processo bem rápido, por isso a dor insuportável não dura muitos segundos, mas é impossível que sua filha esteja viva. Ela foi sacrificada em prol do futuro. Mas, já que suas memórias eram impuras, seu sacrifício infelizmente não serviu de nada.
Andrew não teve reação, estava chocado. Seus sentimentos transicionavam entre desespero, tristeza, e raiva. Ele correu para a cápsula, tentando forçá-la a abrir.
— Tire minha filha de dentro dessa coisa! AGORA! — ele ordenou, mas já era tarde demais.
— Acho que você ainda não entendeu. Claire Lemoine está morta, senhor. Foi… você quem tomou essa decisão.
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