Volume 1

Capítulo 4: As Comidas e Bebidas do Novo Mundo!

 

Fazia mais ou menos duas horas desde que Zethnniyr havia desmaiado. Assim que caiu no chão subitamente, Mio pediu ajuda de um dos moradores do prédio que estavam por perto. Juntos, eles levaram o maou para o apartamento de Kawano e, desde então, ele descansava na cama de sua nova serva.

Mio aproveitou esse momento em que Zethnniyr estava desacordado e arrumou os cômodos da casa. Algumas coisas ela simplesmente jogou no armário, mas isso era melhor do que ter a casa bagunçada com uma visita.

Ou melhor, ele não era apenas uma visita, mas sim seu novo mestre e companheiro de quarto.

“Mestre” e “servo” eram palavras que Mio ouvia continuamente em animes e mangás. Assim como aconteceu com ela, os personagens eram ligados através de um contrato, no qual é feito uma espécie de troca de favores. Caso uma das partes desobedecesse parte do contrato, haveria uma punição para aquele que descumpriu as regras.

“Ele não me disse muita coisa sobre o contrato, só disse que me protegeria e que em troca eu mostraria as coisas do meu mundo”, pensou Mio, enquanto lavava a louça que estava acumulada por dois dias. “Preciso perguntar se tem alguma espécie de punição ou algo assim…”, suspirou, guardando os talheres lavados.

Depois de lavar e guardar toda a louça, Kawano se dirigiu para o quarto, encontrando o demônio dormindo pacificamente na casa. Ele estava abraçando uma pelúcia de certo jogo que envolvia servos e mestres. Olhar aquela cena deu um estalo na mente de Mio.

— Espera, eu tô vivendo em Fate/Grand Order?! Se eu sou a serva dele, eu não deveria ter dito a clássica cena da Visual Novel?! — Mio exclamou um tanto empolgada com a ideia de estar em uma situação parecida com seu jogo favorito.

— Urgh… O que aconteceu…? — Zethnniyr fez uma careta, abrindo os olhos lentamente e retomando a consciência. Ele levantou seu tronco, sentado na cama, e olhou para a garota de maria-chiquinha.

— Você — começou dizendo seriamente. Kawano levou sua mão para a cintura e com a outra ajeitou os óculos turquesa. Ela também deu um sorriso um tanto envergonhado, e assim, deu continuidade: — Você é o meu mestre?

— O que diabos você está dizendo? Isso não é óbvio?

— Ai, droga, não deu certo. — Mio levou as mãos até o rosto, tampando-o por conta da vergonha que havia passado. — Eu sabia que não ia dar certo, mas essa era uma oportunidade tão grande…

— Ei, o que você está resmungando aí?

— Preciso apresentá-lo a Visual Novel e ao jogo mobile uma hora. Sim, sim, isso é uma ótima ideia!

— Será que dá pra parar de me ignorar?!

Zethnniyr levantou da cama e puxou um pequeno fio de cabelo que ficava no topo da cabeça de Mio — mais conhecido no mundo otaku como “ahoge” —, o que fez a garota esquecer sobre seus vícios e voltar sua atenção para o maou.

— Por que você sempre tem que puxar o meu cabelo?

— Porque sim — o demônio disse e deu um sorriso sacana para Mio, os caninos dele eram bem pontiagudos. — Por quanto tempo eu fiquei desmaiado?

— Mais ou menos duas horas. E aliás, por que você desmaiou tão de repente? Fiquei preocupada, sabe!

— Preocupada…?

— Sim! Você me salvou de uma criatura esquisita e depois me carregou boa parte do caminho até aqui! — Mio virou o olhar e ajeitou seus óculos, evitando contato visual. — Sabia que me carregar seria uma má ideia… 

— Fome.

— O que?

— Eu desmaiei porque não comi nada desde o dia que cheguei aqui. — Zethnniyr lançou um olhar cansado para Mio. Ela não tinha pensado que essa era a causa do desmaio, mas agora que sabe, faz muito sentido. Zethnniyr continuou: — Exijo uma refeição digna.

— A-Ah… 

A expressão ansiosa de Kawano já dizia tudo. Não tinha nada para oferecer ao maou, não se tratando de uma “refeição digna”.

Mio conseguia viver bem sem jantar alguns dias, ela substituía a janta comum pelas besteiras que comia, tais como hambúrguer, pizza, lámen, dentre outros. Combinando com o fato dela não ser boa na cozinha, preguiça e a vontade enorme de comer um fast food, é a desculpa perfeita para não fazer janta propriamente dita todos os dias.

Resumindo, ela não tinha os ingredientes necessários para fazer uma boa refeição.

Mas, Mio tinha uma carta na manga. Zethnniyr não pediu exatamente para ela fazer a comida, apenas exigiu algo que encha a barriga. Sendo assim, ela não precisava cozinhar, apenas levá-lo a um restaurante qualquer. Assim o maou não presenciaria suas péssimas habilidades culinárias, e também poderia aproveitar para comer besteira!

— Vou te apresentar um lugar que serve uma comida muito boa! — Mio sorriu, feliz que iria voltar a aquele restaurante depois de algum tempo sem ir. — Ah, mas você não pode ir com essas roupas. Se vamos sair, precisa estar limpo!

— Tudo bem, mas que roupa irei usar e onde irei me banhar?

— Não se preocupe quanto as roupas. Quando meus pais vêm no meu apartamento, trazem algumas e deixam por aqui. Acho que as roupas do meu pai dão em você, apesar de você ser mais forte que ele… — disse um tanto pensativa sobre as medidas.

— Entendi. E quanto ao banho?

— Ah, por aqui!

Mio, sem pensar duas vezes, pegou na mão de Zethnniyr e o guiou até o cômodo onde ficava o banheiro. Como o apartamento não era dos maiores, a lavanderia ficava junto do banheiro, Kawano não se incomodava com isso. Os dois entraram, Zethnniyr admirando o local enquanto Mio abria a água da torneira. Colocando um pouco de sabão na água, ela se virou e deu um tapinha nos ombros do maou.

— Pode ir entrando na banheira. Vou deixar as suas roupas na parte da lavanderia, okay?

— Lavanderia…? — Sibilou a palavra.

— Enfim, tome banho rápido pra gente sair!

Kawano fechou a porta do banheiro, deixando um maou confuso para trás. Zethnniyr encarou a banheira, depois olhou seu próprio reflexo no espelho e voltou o olhar para a banheira. Nesse momento, a barriga dele roncou.

Enquanto isso, Mio também se preparava para sair. Ela estava usando apenas um conjunto de moletom, que consistia em um casaco marrom e uma calça cinza.

Mio já havia tomado banho assim que chegaram em casa. Seus ferimentos estavam cicatrizando rapidamente e o sangramento parou faz um tempinho.

Trocou seu moletom por uma camisa preta com manga longa, no canto do peito, um símbolo discreto de algum dos animes que ela assistia. Vestia um short jeans com alguns detalhes brancos. E também, usava uma bolsa pequena pendurada no ombro. “Tudo pronto! Agora estou apresentável!”, pensou, enquanto guardava a carteira. 

Assim que acabou de se arrumar, Mio saiu do quarto e foi para a sala, sentando-se no sofá. Se passaram um pouco mais de 15 minutos e Zethnniyr ainda não havia saído do banho. A garota começou a se preocupar, mas sua preocupação foi embora quando escutou passos.

— Zethnn…

— Mio, eu não sei onde fica a tal da “lavanderia”, você poderia me mostrar onde é?

Zethnniyr, o maou de outro mundo, o grande Rei dos Demônios, o mais temido de todos no seu antigo mundo, não vestia nada. Estava completamente nu, e na frente de Mio. 

A garota de maria-chiquinha sentiu seu rosto arder assim que seu olhar desceu para o incrível “pacote” do homem, seu rosto inteiro literalmente torrou, ficando num tom vermelho escuro. Zethnniyr olhou confusa para a reação de Kawano, e isso foi o bastante para a pobre garota. Tudo o que ela conseguiu dizer foi:

— USA PELO MENOS A PORRA DA TOALHA, SEU IDIOTA!!

 

Mio Kawano nunca pensou que veria um homem pelado na sua frente antes dos 25 anos.


 

— A sua expressão foi a melhor! Você tinha que ver a sua cara! — Zethnniyr dizia em meio a gargalhadas, quase chorando de tanto rir.

— Não teve graça! Eu realmente fiquei surpresa com aquilo! 

— Ficou surpresa com os meus dotes? — Ele aproximou o rosto no de Mio e deu um sorriso pervertido. A garota virou o rosto rapidamente, escondendo a vermelhidão em suas bochechas. — Meus comandantes costumavam me ver assim, era algo normal.

— Você é algum tipo de exibicionista? — Bufou, não imaginava que o grande Rei dos Demônios era tão idiota assim. — De qualquer forma, isso não é normal aqui! Quer dizer, até é em certo ponto, mas não deveria ser do jeito que aconteceu…

Mio e Zethnniyr estavam caminhando pelas ruas do bairro, a caminho do tal restaurante que a garota de maria-chiquinha havia mencionado. Incrivelmente, tinha muitas pessoas andando pela rua àquela hora da noite, até porque era uma parte comercial e o número de bares era grande. 

Zethnniyr olhava para tudo com uma expressão curiosa, vez ou outra perguntava para Mio sobre as coisas que mais tinha curiosidade. Ele parecia uma criança indo a um lugar novo. Kawano não deixou de achar isso fofo.

Não demorou para ambos chegarem ao destino. O bar era pequeno e a pintura das paredes do lado de fora estavam desmanchando, no topo um letreiro escrito “Bar do Yagutsu”. Através da porta de vidro, dava para ver que havia pouco movimento, umas três pessoas estavam lanchando lá dentro. Fazia sentido estar vazio, pois ao lado tinha um restaurante mais requintado. Mio não se importava com isso, desde que a comida fosse boa.

Eles entraram no local e foram recebidos por um caloroso sorriso do dono do bar, que estava atrás do balcão escrevendo alguma coisa. Mio sorriu de volta, Zethnniyr não teve nenhuma reação.

— Olha só quem veio dar as caras. Fazia um tempo que você não vinha aqui, Mio.

— Desculpa, tio Yagutsu! Ultimamente tenho comido em casa — disse envergonhada com a situação.

— Entendo, entendo. — O homem de meia idade terminou de escrever e se aproximou de Mio e Zethnniyr. — Sentem-se ali, o cardápio já está lá.

— Obrigada, tio! Vamos, Zethnniyr.

Mio puxou o maou pelo braço e o levou até a mesa apontada por Yagutsu. Ambos se sentaram à mesa, Zethnniyr analisando o local e Kawano olhando o cardápio. Após alguns minutos, a garota de maria-chiquinha chamou o dono, já decidida.

— Dois lámen, por favor. Ah, e coloca bastante molho! — falou um tanto empolgada, pois fazia algumas semanas que não comia o prato principal do bar.

— Espero que me sirva algo digno, humano! — exclamou o demônio, olhando seriamente para o homem.

— Humano, é? Bem, espero que você goste tanto do meu lámen quanto a sua namorada. Ah, vão querer alguma bebida?

— N-Namorada?! Não, não! Ele é só um cara que tenho que aturar por um tempo! — Mio sentiu suas bochechas corarem com o comentário anterior, Yagutsu apenas ria da reação dela.

— Quero algo forte, o mais forte que tiver!

— E-Eu vou querer só um refrigerante mesmo…

Yagutsu terminou de anotar os pedidos e prontamente foi preparar as refeições. Ele estava sozinho naquela noite, pois seu estagiário havia saído mais cedo. O dono do barzinho já estava acostumado com a situação.

Depois de um pouco mais de 30 minutos, Yagutsu se aproximou de Mio e Zethnniyr com uma bandeja, com duas tigelas médias. O lámen estava com uma aparência boa, saia até fumaça da tigela. 

— Cuidado, está quente — disse Yagutsu com um sorriso, colocando as refeições na mesa. Em seguida, virou-se e deu um pequeno aceno para ambos. — Já vou pegar as bebidas.

— Parece delicioso!

— Não parece tão gostoso assim. As comidas do meu mundo, com certeza, são melhores!

— Cara… Só come, vai. Para de falar. — Fez uma expressão aborrecida. Kawano pegou seus hashis, agradeceu e levou a comida até a boca, saboreou e fez uma cara satisfeita.

Zethnniyr pegou seus hashis e pegou um pedaço de macarrão, olhou-o bem e cheirou. Mio estava ansiosa, ainda mais que ele estava enrolando para comer. Depois de um minuto encarando, ele decidiu comer, levando rapidamente até a boca. 

Mastigou bem e saboreou aquele pedaço, não demorando muito para engolir. O maou ficou calado por um tempo, deixando Mio com medo de sua reação. O jovem começou a comer novamente, ainda quieto.

— O que achou?

— Essa comida… Ela foi feita pelos melhores chefes demônios? — Comia desesperadamente, acabando em alguns minutos.

— Por favor, não fale de boca cheia. Tá cuspindo na minha cara. 

— Aqui estão as bebidas!

Yagutsu se aproximou de Zethnniyr e Mio, entregando o refrigerante para a garota e o álcool para o demônio. Kawano adorava refrigerantes de cola, então não fez cerimônias para beber. Enquanto isso, o maou olhava para a garrafa de coloração laranja. Querendo impressionar, ele abriu a garrafa e bebeu da boca mesmo, surpreendendo Yagutsu e Mio.

— Zethnniyr! Isso é falta de educação! — repreendeu Mio, que levantou e bateu suas mãos sobre a mesa.

— Relaxa. Isso aqui não vai me fazer perder a consciência. Nada pode me parar.

— Não era isso que eu estava me referindo!!

— Geralmente em três goles a pessoa já fica bêbada e ele já bebeu quase tudo — disse Yagutsu admirado com a determinação de seu cliente.

— S-Sério?! Bom, eu não sei muito sobre bebidas, pois bebo bem pouco, mas se o senhor diz…

Os dois voltaram a olhar o Rei do Demônios, sendo este que estava todo sorridente e com uma expressão animada, porém seu rosto estava todo corado. Sem aviso prévio, ele começou a gargalhar loucamente, o que assustou Mio e Yagutsu. 10 minutos se passaram e Zethnniyr bateu com a cabeça na mesa, nenhuma resposta foi ouvida. “Esse daí foi com Deus”, pensou Mio com uma expressão aborrecida.

Assim que terminou sua refeição e pagou Yagutsu, a garota de maria-chiquinha teve que levar um maou completamente inconsciente para casa. E foi nesse momento em que ela se ligou de que teria que lidar com um Rei dos Demônios tapado. Uma única lágrima escorreu do rosto de Mio, enquanto dava um sorriso forçado.

 

Pobre garota.



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