Trauma Longínquo
Capítulo 105: Arbítrio Dentro de uma Gaiola

As anomalias registradas no incidente em Leycrid da mansão Blazeworth se tornaram parte da culpa de Jack, entretanto acabou sendo uma fonte extremamente útil de informações sobre as reencarnações de Dungeon tendo em vista que elas eram extremamente perigosas de se explorar e também pareciam afetar aspectos psicológicos de quem entrava em contato.
No fim o jovem foi levado para Lacrima, localizada ao sul das montanhosas e gélidas terras de Seraph a prisão de alta segurança de toda Mythland se destacava no topo de uma das montanhas mais íngremes e de difícil acesso já vistas.
Enquanto isso uma mulher solitária com um Óculos escuro que mais se parecia com uma venda negra caminhava entre as ruas de Seraph, seu nome?
[Nome: Kyra Zylliun]
[Título atual: Demônio carmesim]
[Raça: Meio-Daemon]
[Perícia em Vitalis: LV15]
[Próximo Ranking exige: 350.500 Pontos]
[Ranking C]
Os painéis reluzentes preenchiam os visores negros ocultando os olhos dela enquanto seu capuz negro quase não conseguia cobrir os dois chifres em sua cabeça.
“Me pergunto por que Gray anda tão obcecado por aquele garoto, os sinais Vitalis dele foram se enfraquecendo cada vez mais. Tenho total certeza de que ele foi mandado pra cá, a pulsação Vitalis dele ficou mais forte aqui nessa cidade por algum motivo.”, ela ponderava enquanto suas pupilas carmesins liam as estatísticas.
— As casas são um pouco divididas e por onde se olha ainda é possível ver alguns traços de recursos tecnológicos um pouco mais avançados na região. — Sussurrou para si mesma pensativa no que alguns cidadãos caminhando por perto se afastavam inquietos.
— Q-Quem é aquela?
— V-Vejam, parece que ela tem chifres.
— Então ainda tem aberrações como essas soltas por aí.
As vozes a cercavam com cochichos e burburinhos desagradáveis que certamente deixavam o coração de Kyra um pouco pesado.
Passos. Passos. Passos.
Fivelas soltas ondularam do sobretudo desgastado dela enquanto seus passos a guiaram no meio da espaçosa rua central da área de comércio.
Ninguém podia ver os olhos de Kyra então isso deixava sua aparência de certa forma intimidadora, sem contar na foice carmesim gigante flutuando atrás de suas costas a acompanhando como algum tipo de familiar.
“Quem eles pensam que são afinal? Nenhum deles sabe nada sobre mim.”, a mente dela se distorceu em perturbação, o foco se diluindo.
A movimentada praça central de comércio tinha diversos restaurantes, lojas de roupas e até barracas mais rústicas vendendo espadas, supostas Magatamas e peças de armadura, um contraste estranho se somado com o visual mais moderno das lojas de roupa por exemplo.
A multidão a encarando e desviando olhares no que ela parou de caminhar no centro da praça e ergueu sua face para uma grande montanha que por ventura, se estendia do final da rua central até uma montanha íngreme.
Kyra pensou em voz alta: — É aqui. Ele foi por ali.
As veias dela ardiam um pouco em conjunto aos seus batimentos devido a presença da energia Vitalis de Jack.
Seus olhos carmesins de Daemon não podiam ver a energia, mas seu corpo podia sentir e isso era uma das coisas que diferenciava essa raça das outras.
Repentinamente um homem passou perto dela dizendo: — Volta pro vendedor de onde você veio aberração. — E então cuspiu no sapato dela antes de passar direto e sumir na multidão.
A garota meio-demônio comprimiu seus lábios em desgosto antes de respirar fundo e finalmente... seguir em direção a algo que certamente não fazia parte de sua vontade, mas sim de uma pessoa que se igualava a falta de humildade e caráter dos que a rodeavam e a encaravam nessa cidade.
Os passos firmes de Kyra exalavam uma leve fumaça carmesim, sua energia Vitalis queimava, mas não podia eclodir por sua vontade ou chamaria atenção demais.
“E consequentemente o selo de comando vai me matar.”, a mente dela advertiu.
Não importava quanta raiva sentisse, o momento ainda não havia chegado e não havia tido oportunidades portanto a única escolha era continuar a seguir as ordens de seu mestre.
Os dentes afiados de Kyra eram vistos enquanto ela sibilou para si mesma: — Aquele leilão maldito, os grilhões de metal, eu vou fazer todos pagarem por essas lembranças.
A mercenária misteriosa com chifres ocultos por um capuz velho subiu a estrada em direção as montanhas. A foice escarlate flutuando atrás de suas costas estava afiada e pronta para a sua oportunidade de alcançar a liberdade em um mundo que a acorrentou desde o início.
[Jack Hartseer]
Meu corpo inteiro aparentou ficar mais lento depois daquele susto com a clava da vice-diretora Current e no momento atual isso estava me dando ainda mais dificuldade para o fim desse maldito Tour por Lacrima.
Passos. Passos. Passos.
Acompanhada por dois guardas a minha frente com as mãos relaxadas nos bolsos de seu Short a mulher que me deu as boas-vindas a esse lugar nojento caminhava e isso pouco importava, na verdade eu fiquei mais preocupado em ainda não compreender de fato se eu era mesmo o culpado por tudo o que aconteceu.
Haviam sim indícios muito bons de que eu poderia estar envolvido só que talvez eu estivesse de forma mais indireta do que realmente o culpado por tudo.
Talvez fosse coisa do Abyssus.
De qualquer modo a vice-diretora Current se recostou no parapeito com barras de ferro ao lado direito do corredor e então cruzando os braços como sempre ela lançou palavras ásperas no ar: — Esse é o fim do Tour, espero que tenha gostado da sua nova casinha detento 444 ou melhor dizendo, tapa-olho.
“Então é aqui onde fica minha cela.”, olhei para o lado esquerdo visualizando barras compostas por um metal opaco repleto de Neons em padrões de circuitos em suas superfícies, a sala por trás das grades era bem normal eu diria tirando as paredes com as superfícies metálicas somadas aos mesmos padrões de Neons das barras.
— Então... este é o causador do burburinho nas redondezas. — Uma voz profunda irrompeu do fundo da sela.
Antes que eu pudesse sequer me questionar quem estaria ali dentro fui literalmente chutado pela vice-diretora.
— Nhgh! — Uma dor excruciante percorreu minha espinha fazendo minha visão se borrar com o impacto antes de cair no chão frio por trás das grades que em um piscar de olhos já tinham sido abertas e seladas com o som de mecanismos metálicos.
“Essa desgraçada...”, praguejei internamente rangendo os dentes.
De forma repentina, assim como a cela se abriu e fechou as estranhas algemas de antes também sumiram dos meus respectivos pulsos fazendo meus olho se arregalar levemente no que a mesma voz de antes permeou pelas quatro paredes de metal.
— Não se engane garoto, eles são traiçoeiros, assim como os lobos nas noites gélidas de Seraph.
Olhei pra um lado, olhei para o outro, nada, porém quando me ergui do chão ele levantou outra sentença.
— Não se acanhe garoto, seu olhar é como os das quimeras Aether das profundezas do abismo de Umbray, parece frio, mas esconde dor e ódio.
Rapidamente me virei em direção a entonação rouca. — Q-Que diabos?
Foi então que o detentor das palavras sem nexo entrou no meu campo de visão, encolhido com os joelhos dobrados no canto de uma beliche ele era pálido e até que bem magro, também não estava com as vestes de detento reforçadas que vi nos outros prisioneiros, pelo contrário esse esquisito vestia apenas Shorts velhos e seu rosto estava... pela metade?!
“Mas que merda é essa?”, minha pupila tremia refletindo a face do indivíduo no beliche que levantou a voz novamente.
— Não se deixe levar pelas aparências garoto. até mesmos as bestas mais horríveis escondem um potencial crescente, assim como as flores carmesins da deusa Igna durante o entardecer.
Semelhante a mim apenas um dos olhos dele podiam ser vistos só que a outra metade já era um caso um pouco complicado... era um elmo negro, mas não um elmo desses cavaleiros medievais ou coisa assim, parecia uma armadura futurista de algum filme Sci-Fi esquisito.
Vupt!
De forma abrupta ele sumiu do colchão sujo surgindo alguns centímetros diante do meu rosto.
— Ah! — Um susto me fez pular para trás como reflexo. — O-o seu rosto, o que diabos aconteceu com ele?
O careca com metade de seu rosto coberto por um capacete de metal e um visor negro estendeu sua mão para mim com uma expressão difícil de ler. — Não abaixe sua guarda, eles estarão apenas esperando por uma oportunidade, assim como a nobreza de Zykron faz com os desavisados.
“E mais essa agora, tenho um maluco com metade do rosto como colega de cela. Que belos últimos dias de vida.”, murmurei internamente enquanto suor desceu da minha testa.
O careca com o capacete indagou: — Por que está tão tenso?
— E-Eu estou bem. — Engoli quaisquer sentimentos que pudesse expressar no momento de forma rígida antes de desviar o olhar para a porta da sela reparando que não havia mais ninguém.
— Compreendo. É um prazer garoto, presumo que deva me dizer seu nome. — Ele continuou com a mão estendida para mim, metade de sua face coberta pelo capacete metálico e um pequeno visor negro.
— Meu nome é Jack Hartseer. Atualmente acho que sou um dos criminosos mais hediondos? Talvez. — Tentei intimidá-lo antes de apertar a mão dele firmemente.
Nesse simples impasse percebi uma outra característica peculiar nesse cara, suas mãos eram ásperas e rígidas como pedras.
Minha sobrancelha pinicou algumas vezes com o meu tato tentando se acostumar com o aperto de mão firme dele quando o mesmo decidiu finalmente se apresentar em resposta.
— Somos mais do que companheiros de sela à partir deste momento, estamos unidos pelas correntes cruéis do destino e eu me chamava Iron no passado, entretanto abandonei essa faceta fraca que costumava chamar de eu, assim renascendo e me tornando Exagora.
Quando ele terminou de falar eu podia jurar que estava quase me esquecendo do motivo de toda essa conversa, enfim esse era o estranho e misterioso Iron, quero dizer, Exagora.
— É um prazer Exagora, e-eu receio que tenha o incomodado com minha chegada, me perdoe.
Minhas palavras se enroscando na garganta, a postura insegura e um desconforto diante do rosto humano fundido com o capacete de metal de Exagora.
Foi então que um som estridente de alarme irrompeu por toda Lacrima.
Weeeeeeen!
Eu instintivamente tapei meus ouvidos. — Argh! Mas que droga de barulho é esse? Ainda nem está de noite, não seria um toque de recolher.
Exagora cruzou os braços, varias cicatrizes carmesins se estendiam dos seus pulsos até seus ombros, a voz dele era abafada pelo som de alarme ressoando: — Não demonstre incômodo, resista e persista, um nobre sacrifício das próprias virtudes. Hartseer Jack, prepare-se você é o meu companheiro de guerra.
Meus punhos se fecharam em desconfiança da mesma maneira que tentei ponderar sobre a situação atual.
“Guerra, ele deve tá falando do tal Armaggedon ou talvez só é papo de louco. Esse cara não parece nada bom da cabeça e ainda mais preso aqui dentro.”, minha face pensativa viajou pelo cômodo pequeno com um beliche, um tapete esfarrapado em conjunto a uma pia até parar de volta pro lado de fora da sela.
De qualquer modo eu já havia tido o suficiente, o fato de faltar apenas duas semanas para o fim da linha era realmente chocante e só me deixava cada vez pior só de pensar por alguns segundos, só que eu com certeza iria preferir ser executado do que morrer nas mãos de um cara como esses na minha sela.
Meu olhar ficou afiado quando abri meu punho direito discretamente.
Nada, nenhuma resposta. O Vitalis não respondia, a estranha correnteza de energia quente fluindo pelas veias do meu corpo não estava mais ali.
— Hartseer Jack, os grilhões do destino também lhe retiraram o arbítrio, você não será mais capaz de triunfar com o egoísmo proveniente dele.
O tom sério e rouco de Exagora deu um contraste somado ao seu olho esquerdo focado na mão que tentei manifestar minha energia Vitalis.
“Esse cara é mais esperto do que pensei.”, um suor de nervosismo descendo minha testa.
Levando um pouco de ar pra dentro dos pulmões eu soltei uma tentativa de apaziguar a situação: — Não foi minha intenção, só não é do meu costume estar tão indefeso assim.
O careca com o elmo ocultando metade de sua face levou a mão ao queixo com um aceno orgulhoso.
— É bom que admita suas intenções, o uso dos arbítrios está restrito aqui na gaiola dos pecadores.
— Arbítrios... — Levantei a sobrancelha um pouco inquieto, realmente não sei por que eu estava levando esse cara tão a sério quando ele me respondeu.
— As forças divinas que manifestamos em batalha, os ignorantes as separam como Vitalis e Aether o que dá a entender que cada um é apenas mais uma forma de matar, — Exagora caminhou para perto das grades de forma destemida. — entretanto se chamados de arbítrios o sentido já não é o mesmo e tem uma profundidade muito mais coesa com o significado de suas duas existências.
“Ele se parece com um personagem orgulhoso de algum Shonen estranho.”, sussurrei em meu subconsciente.
Só que isso realmente mexeu comigo no fim, não saberia explicar como ou por que, mas as palavras desse maluco de algum modo fizeram questões genuínas surgirem em minha mente e um estranho calor florescer em meu peito... era esperança?
A esperança ainda fazia sentido ou era apenas um delírio completo que estaria se refletindo nas palavras complicadas desse homem?
Não, não era isso. Foi um questionamento ético tão repentino no meio de todo esse caos banhado por injustiça que minha mente e corpo congelaram presos a essa questão.
Vitalis o poder que nasce de um trauma.
Aether o poder que é lhe dado desde o seu nascimento.
Duas forças nascidas de formas divergentes que eram usadas para os mesmos fins, derramar sangue em prol de algo, Exagora estava certo de algum modo se for parar pra pensar.
Assim como eu lutei contra a assassina Melize Hozarik tentando proteger Incis e os outros pra sairmos daquela Dungeon outras pessoas também usaram suas forças pra lutar, machucaram e de alguma forma saíram vitoriosas mesmo que não fosse pelos mesmos motivos que eu.
— Hartseer Jack, — Exagora se virou para mim. — o arbítrio é uma vontade, uma força que todos tem, porém nem todos conseguem usá-la de forma adequada suficiente para alcançar seus objetivos e quando tal pico é atingido o arbítrio mais uma vez cumpre o motivo de sua existência, que é simplesmente entregar aos seus detentores o que eles estiveram ansiando.
É verdade, como eu era idiota, como eu era estúpido!
Isso é o arbítrio.
Considerar o Vitalis e o Aether apenas como simples ferramentas para matar sem um objetivo era a mais pura ignorância.
Depois de todo o meu esforço, depois de resistir a tanta dor e achar um motivo pelo qual continuar eu simplesmente me deixei abater pelo que veio em seguida, pelos próximos obstáculos.
Mais dificuldades não significavam um fim e eu ainda estava vivo tentando lidar com tais problemas, isso tinha valor!
A minha vida tinha valor e ela não poderia ser tomada de mim por uma acusação de merda feita por idiotas como aquele tal de Eykrill!
Um arrepio percorreu minha nuca enquanto encarava meu punho. — Exagora, aja o que houver eu quero usar o meu arbítrio pra recuperar o que me foi roubado.
A luta só havia começado não só pra mim como pros outros também, eles nunca aceitariam isso ainda mais Incis que era filha do capitão de uma organização altruísta como os R.O.U.N.D.S.
“Eu vou esperar por vocês aqui e dar o meu melhor até a hora chegar, pessoal.”
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios