Volume 1

Capítulo 71: Abrace o ódio

Em meio o domínio inerte do demônio primordial azul, Bleu, o desespero se instaurou quando o ser aprisionou Dolbrian entre dois blocos e decepou seu segundo braço, enquanto seus netos observavam impotentes.

— Pronto para o fim? — indagou Bleu erguendo a katana, pronto para decapitar o velho. 

Ao terminar estas palavras, o tempo diminuiu sua velocidade. Dolbrian ergueu a cabeça, seu olhar sereno alcançou seus netos. O ancião nunca demonstraria desespero; isso não fazia parte de sua personalidade. Tudo o que ele desejava do mais fundo de sua alma era tranquilizar seus netos.

Mas era em vão; nenhum olhar, por mais pacífico que fosse, conseguiria trazer paz aos corações e mentes daqueles dois que gritavam, se debatiam e esperneavam.

— Adeus, Alaric… Gideon… — A dor que ele sentia de seus dois ferimentos, que derramavam mares carmesim direto no chão impecável do domínio, era como um fogo abrasador que consumia cada fibra do seu ser, uma sensação avassaladora que transcendia qualquer descrição verbal. No entanto, ele permanecia forte; na alma daquele homem, nenhuma dor era maior do que ver seus netos pela última vez. — Desculpem-me… me perdoem por não poder presenciar os homens que vocês irão se tornar…

— Belas últimas palavras, se elas tivessem formas, seriam simétricas… — E assim Bleu, sem qualquer piedade, desceu a katana. 

Alaric não conseguia suportar aquela visão; seus olhos ansiavam por se fechar, mas sua alma os obrigava a permanecer abertos. No entanto, a melancolia não dominava a mente do jovem; era a ira que se apoderava de cada molécula de seu ser. Uma ira tão intensa que transcendia até mesmo os demônios; era como um poço de rancor sendo incessantemente alimentado.

Suas escleras começaram a pulsar com o vermelho dos vasos sanguíneos, obscurecendo sua visão, quase que como uma benção para não testemunhar aquela cena. Sua face era uma rede intrincada de veias pulsantes de ódio. Seus dentes rangiam, à beira de se despedaçarem, e suas unhas sentiam o sabor metálico do sangue em suas palmas.

"Eu vou sair! Deixem-me livre! Eu imploro aos deuses, que tomem minha alma, que minha vida termine! Permitam-me a liberdade!" Seu corpo se debatia mais e mais, como um monstro enjaulado sacudindo correntes que começavam a ranger. 

Entretanto, sua súplica aos deuses era em vão, sem resposta alguma, até mesmo Apolo parecia tê-lo abandonado. Se assim era, então que os deuses fossem renegados, que esses malditos perdessem um devoto, e que os demônios ou qualquer ser contrário a essas divindades ganhassem um fiel.

“Se os deuses não me libertam, que seja um demônio! Eu imploro… Me liberte!” Que sua alma fosse condenada ao mais frio canto do submundo, ele não iria se importar. Assim, nesse instante, o jovem começou a sentir algo crescer dentro de si, algo muito mais poderoso do que uma simples ira; era como se todo o ódio do mundo convergisse para seu coração. Assim seus olhos desviaram para seu avô, e aquela katana cada vez mais próxima.

— Não vou permitir! Não vou permitir! — Seus gritos eram distorcidos e cheios de fúria, quase rasgando suas cordas vocais. — AAAAAAH! EU VOU TE MATAR!!

Boommm!!

— O que diabos aconteceu!? — O demônio disparou seu olhar na direção onde o garoto deveria estar, deparando-se apenas com uma névoa dourada que irradiava raios de luz. — O que você fez, moleque!?

A névoa começou a se dissipar, as paredes de vidro que os aprisionavam já não existiam, e o jovem se ergueu sem nenhum obstáculo, já não havia uma expressão humana naquele garoto, apenas um estado animalesco. Sua respiração era pesada, densa, sua postura como de uma besta que acabou de ser liberta. 

Ao encarar o jovem, um choque medonho passou por seu coração e aquele demônio experimentou uma sensação que jamais imaginou sentir: medo. 

Dentre todos os deuses, demônios e qualquer outro ser capaz de aniquilar toda e qualquer vida, aquele que fez um Primordial temer pela primeira vez, desde o início dos tempos, era um humano, era um jovem, era Alaric.

Aqueles olhos claros, em meio ao mar vermelho de suas escleras, fizeram um ser primordial travar por instantes. Fizeram-no encarar a própria morte.

— O que você… O que você é!? — As pernas do demônio tremiam, suas mãos vacilavam quase derrubando a katana. Sua visão oscilava, e ao desviar o olhar por milésimos de segundo, e voltar, o jovem já não estava lá. — Onde você…

Ao virar-se novamente para frente, avistou aquele ser que mal podia mais ser chamado de humano, voando em sua direção. E, irradiando como o sol, uma espada de luz erguida, sem dar tempo para o ser primordial reagir, Alaric desceu, acertando a testa do ser e, sem hesitar, continuou o golpe, ainda que imperfeito, partindo Bleu ao meio.

Ao término do ataque, Alaric pousou no chão, atrás de uma criatura dividida em dois. Sua respiração permanecia pesada, seu olhar ainda refletia a selvageria de um animal sedento por sangue, como se não tivesse mais uma alma humana ali.

— Vovô… — Mas sua voz ainda era daquele jovem que Dolbrian conhecia bem. — Eu vou-

— Alaric! — O grito desesperado do ancião fez o jovem saltar de susto. — Ele ainda está-

Mas, independentemente de seus gritos, o destino já estava traçado. Atrás de Alaric, o primordial se reconstituiu, unindo suas duas partes e avançando com um golpe certeiro.

O jovem sentiu apenas a katana atravessando seu corpo, e o frio gélido da lâmina assassina. Seus pulmões se contraíram, o ar já não encontrava espaço, difícil de inspirar. Impossível de respirar. Ao desviar os olhos assustados para baixo, viu aquela lâmina ter seu fio prateado de aço, manchado por um fino filete carmesim, e seu olhar se desfocou por um instante. Isso porque, na ponta dela, estava o pior de seus medos, aquele que se tornaria seu pesadelo. 

— Vovô… — A katana cortou o lado de seu corpo, atingindo Dolbrian indefeso em cheio. Sua visão capturou apenas aquele a quem amava, cuspindo sangue, forçando um sorriso de reassentamento, manchado pelo vermelho da vida. — Vovô! Não… não…

— Por um instante, você me deixou tenso... — Com o jovem em choque, foi fácil desferir um soco que o fez voar metros. — Fique quieto aí.

Com outro estalar de dedos, outra forma geométrica desceu do mais profundo nada, prendendo Alaric de volta ao chão. 

“Eu sou fraco... eu sou tolo... eu...” Ao testemunhar aquele que o acolhera perdendo o que lhe restava de vida, uma profunda melancolia o invadiu, enquanto o pavor tomava conta, e sua visão o enganava transformando aquele corpo velho em um mais jovem e imponente.

“Galdric...” No fim, ele avistava seu mestre ali, e, mais uma vez, por culpa sua, alguém que lhe importava estava prestes a perder a vida. “Eu sou patético…”

O que mais faltava para ele? Vontade? Não importava o quanto ele quisesse, a vontade não foi suficiente. Determinação? A determinação que seu ser continha era tão mísera que não servia de nada. Ele era inútil, e sua inutilidade levou a isso.

No fim, aquela força toda desapareceu como água no deserto, deixando para trás apenas um corpo fragilizado e olhos vermelhos ardentes, seja pelo ódio ou pelas lágrimas. Aquele garoto já não tinha forças para mais nada.

Enquanto isso, o outro, que ainda poderia ao menos se mover, viu suas pernas fraquejarem e o derrubarem de joelhos no chão, de forma patética. Gideon testemunhava a morte de seu avô, aquele que estivera ao seu lado desde o seu nascimento, impotente, sem nada poder fazer.

“Eles parecem bastante abalados, mas não clamaram pela intervenção da deusa... Droga, terei que esperar por outra oportunidade.” Os planos dos primordiais eram fazer os jovens sofrerem, de forma que pedissem ajuda a uma divindade, enfraquecendo a barreira no processo. 

Contudo, pelo que parecia, isso não estava ocorrendo. O plano falhou dessa vez, mas Bleu não se preocupava, afinal, o plano não tinha prazo e ele poderia atormentá-los quando desejasse, até que funcionasse.

— Desisto por hoje. — Bleu abriu as mãos e o domínio começou a se desfazer. Ele se aproximou de Alaric. — Antes de ir embora, vou compartilhar uma pequena informação contigo.

Enquanto o domínio se desfazia, ainda sob seu controle, ele usou uma de suas habilidades para trazer Gideon para perto de Alaric.

Curvando-se, segurou Alaric pelos cabelos vermelhos e inclinou sua cabeça, o jovem já não tinha forças para resistir.

— Vou contar para ambos... aqueles que me invocaram pertencem ao norte... São seus inimigos... — Depois de semear a discórdia, soltou o jovem bruscamente e virou-se para partir. — Façam o que quiserem com essa informação...

No final, um demônio sempre iria prezar pelo puro caos, e ele mal podia esperar para ver as consequências das informações falsas que deixou com os jovens, sabendo que foi Dalian quem o invocou.

Bleu balançou suas asas majestosamente, impulsionando-se para o céu até desaparecer da vista de todos. Assim, a paisagem azul do domínio cedeu lugar às verdejantes planícies, onde a neve caía com parcimônia em comparação com o restante do norte. Contudo, a beleza do cenário era eclipsada pela brutalidade da cena que se desenrolava diante deles: corpos divididos ao meio pontilhavam o campo, transformando-o em um verdadeiro mar de sangue.

— Alaric… — Gideon mal conseguia articular as palavras, exaurido por tudo que passou enquanto aquele que lhe conferia forças jazia no chão, quase como uma casca vazia. — Alaric…

De repente, um estrondo ecoou pelo ar, seguido pelo som do impacto de algo pesado contra o solo. Ao investigarem com os olhos, perceberam que era o corpo de Dolbrian. Sem hesitar, os jovens reuniram as últimas reservas de energia que seus corpos podiam oferecer e avançaram.

Arrastando-se desajeitadamente, sem demonstrar qualquer sinal de um estado saudável, os dois prosseguiram. Foi então que avistaram uma figura familiar emergindo diante deles, um homem que conheciam bem.

— O que estão fazendo aqui, garotos? — Aldebaram os observou avançando como zumbis, porém com determinação em seus olhos. Ao encará-los, percebeu o motivo de sua determinação. — Não posso acreditar… isso não pode ser real…

Incrédulo, seus olhos só poderiam estar o engando, não era possível aquilo, era uma miragem, um pesadelo difícil de acordar. Do fundo de sua alma, aquela era a verdade que o guerreiro queria acreditar, mas infelizmente era triste, fria e dura realidade. 

— Pai… aquele ali é… — Astrid mal conseguia conter as mãos trêmulas sobre a boca, seus olhos arregalados em choque e descrença. — Dol-Dolbrian!

— Astrid, o que está acontecendo? — Nadine estava confusa com a reação de Astrid, mas ao seguir seu olhar, compreendeu a razão, e sua única reação foi correr na direção do ancião. — Droga!

Aldebaram também se apressou, mas Astrid estava paralisada, incapaz de mover um músculo sequer. O choque a prendeu no lugar, como uma planta enraizada, sem ação, sem nada.

Alaric e Gideon logo alcançaram o corpo do avô, que estava em péssimas condições. Parecia um corpo à espera de seu último repouso. Gideon deslizou até ele, segurando-o, enquanto Alaric ficou de pé sobre os dois.

— Vocês dois vieram… Ha, ha… — Cada parte de seu corpo doía, mas a dor da carne era insignificante em comparação com a dor da alma. — Desculpem por terem que me ver ne- Cof…Cof…

Tosses violentas despejavam sangue, como chuvas vermelhas que não encontravam contenção em seu corpo, provavelmente devido a alguma hemorragia interna. Sem hesitar, Gideon colocou a mão sobre o ferimento perto do estômago, tentando conter o sangramento. Suas mãos, brancas, se tingiram de carmesim, enquanto o sangramento parecia apenas piorar, mais e mais.

— Vovô, não fale! — Gideon empregava toda a sua força, todo o vigor que restava em seu corpo, mas era em vão. Seus olhos buscaram orientação no irmão. — Alaric! O que faremos!? Alaric!

Contudo, tudo o que recebeu foi um olhar gélido, morto, de alguém que já não possuía mais nada. De alguém que aguardava o pior.

Ha, ha, não se preocupem… Gideon… — Com dificuldade, sua mão deslizou até a do jovem e a agarrou com toda a força que lhe restava. — Já é… o fim… acabou…

— Não acabou! Não diga isso! Vovô! — Gideon irrompeu em lágrimas, envolvendo seu avô em seus braços. — Não diga isso… não quero me despedir de você… não agora… por favor…

Aldebaram e Nadine chegaram quase simultaneamente, testemunhando juntos a cena desoladora. O guerreiro não sabia o que fazer; ele já tinha testemunhado tantas mortes em suas batalhas que a morte tornara-se uma companheira constante. Assim, consolar alguém diante de uma perda era sempre difícil para ele. Tudo o que pôde fazer foi pousar sua mão no ombro de Gideon, tentando transmitir força.

— Alde… Aldebaram… — Seu olhar, cada vez mais sem brilho, voltou-se para o guerreiro. — Cuidem deles… são bons rapazes…

— Eu cuidarei… — Aquele que já estava acostumado com a morte, viu seus próprios olhos marejarem. — Eu prometo…

— Eu não quero! Eu quero você… — O abraço, repleto de significado, talvez fosse uma tentativa fútil de curar seu avô, mas apenas servia para manchar suas roupas. — Vovô, você tem que cuidar de nós… de mim, de Aldebaram, Nadine, Astrid… Alaric…

Alaric não reagia; sua expressão permanecia inalterada, sua vontade imutável. Nadine não aguentou e caiu de joelhos, inundada por um dilúvio de lágrimas. Ela talvez não fosse tão próxima, mas já o considerava alguém querido.

Cof… Cof… Eu não posso, meu neto… — O choro ao seu redor cessou, tudo ficou em silêncio, e uma luz surgiu no céu. — Eu… já não pertenço… mais a este mundo…

"Até vocês vieram…? Hahaha! Péssimo momento para um reencontro." Seu rosto tombou para o lado, e onde antes havia um campo ensanguentado, agora havia uma planície florida. Em meio à beleza celestial, quatro silhuetas surgiram: uma mulher em sua juventude e um antigo mestre, ao lado dois que se abraçavam carinhosamente. "Andra… Zetrian, pai… mãe."

"Ah, verdade…" Havia algo que ele precisava entregar antes de partir de vez.

— Gideon… em meu bolso… — Falar já se tornava difícil; o sangue entorpecia seu paladar, fazendo-o engasgar. — Pegue… o que há lá…

— Vovô… — Gideon ergueu o rosto, que estava apoiado no corpo do ancião. Suas lágrimas não cessavam; ele estava vendo seu motivo de viver definhar diante de seus olhos. Quem poderia suportar isso? — Eu farei…

Ele obedeceu e, em meio às lágrimas e tremores incessantes, levou a mão ao bolso de Dolbrian, retirando o colar que ali estava guardado.

— O que é isso…? — indagou, limpando as gotículas com os punhos.

— Uma… última lembrança… de Santica… Sua mãe… — Um sorriso simpático, manchado pelo sangue, iluminou seu rosto, enquanto as lágrimas faziam seus olhos voltarem a brilhar. — Me perdoe… por esconder… isso de você por… tanto tempo… fui egoísta…

— Vovô! Eu… eu… — Suas palavras se emaranhavam em soluços chorosos. Sua voz já estava distorcida pelas lágrimas que não paravam de escorrer por suas bochechas. — Eu…

Astrid surgiu do nada, reunindo coragem e força para avançar e tentar confortar Gideon; assim, abraçou o jovem em meio ao seu desespero. Aldebaram apertou a mão no ombro do rapaz e colocou a outra em Alaric, enquanto Nadine continuava irrompendo em choro.

— Alaric… — Seu olhar se dirigiu ao jovem. — Cuide… de seu irmão… você é um… rapaz forte… nunca se deixe… abalar… seja sempre esse rapaz… forte e convicto… Você é mais do que… qualquer pessoa… possa dizer…

Falar já se tornara praticamente impossível; o sangue era a única coisa que se interpunha entre as sílabas, o sangue que jorrava de seu corpo por onde quer que fosse.

"Está na hora…" Os sons novamente cessaram, e Andra e seu mestre reapareceram, junto aos pais. Eles o chamavam para partir; as flores voavam e obscureciam sua visão. Quando finalmente estava prestes a se despedir de sua carne, lembrou-se de uma última coisa.

— Não… posso… partir sem… antes dizer… — Todos prestavam atenção nele, até Alaric, que tentava parecer forte. Mas os olhos do ancião estavam perdendo o brilho, até que quase no fim, ele proferiu, com toda a sua alma, carne e ser: — Alaric… Gideon… Amo… vocês…

"Consegui… Adeus, meus netos, meus amigos… Escolion…" A espada na bainha de Gideon brilhou; em contraste, o brilho do ancião perdeu o último resquício de vida. Um corpo que tanto caminhara e sofrera por essa terra, enfim encontrou a paz e o descanso.

— Vovô!!! — Gideon se jogou sobre o corpo inerte, apertando-o com toda a força que possuía. Mas de nada adiantava, o ancião não estava mais entre os vivos. — Por quê!? Por que tirá-lo de mim!? Alguém! Algum deus, por favor, responda!!

— Gideon… — Astrid o abraçava por trás, tentando transmitir conforto, mas ela mesma estava destroçada, sua mente à beira do colapso. — Gideon…

— Nem Luna... — O jovem murmurou, exaurido de toda energia, enquanto as palavras de recitação da deusa não ecoavam em sua mente, e mesmo que ecoassem, o que ela poderia fazer? — Acabou…

Era difícil para ele aceitar a realidade que se desenrolava diante de seus olhos, seus olhos vazios, sem vida, apenas um riacho incessante de lágrimas, sem sinal de cessar.

— O que você vai fazer, Gideon? — A voz, que durante toda a despedida de Dolbrian permanecera silenciosa, finalmente rompeu o silêncio, carregada de dureza. — Vai fazer alguma coisa?

Todos o encaravam, sem compreender o que ele queria dizer. E Gideon, ainda abraçando o corpo inerte de seu avô, lançou-lhe um olhar de soslaio.

— Não sei... — Sua voz tremula carregava o peso do sofrimento enraizado em seu âmago. — O que posso fazer...? E você, Alaric?

— Você, eu não sei... mas eu, eu vou vingar nosso avô, vou caçar aqueles que invocaram aquele demônio  — afirmou, sem hesitação, apenas com a determinação mórbida de alguém que já havia morrido, e ainda vagava sobre a terra. — Mas se posso lhe dar um conselho...

Os olhos opacos, sem vida de Alaric, que pareciam não piscar, nem se mexer, viraram-se na direção de seu irmão, e seu corpo se curvou até que ele tocasse o ombro de Gideon e sussurrasse em seu ouvido.

— Transforme toda essa frustração, toda essa tristeza em raiva. Abandone as lágrimas e abrace o ódio... — Suspirou pesadamente. — E juntos, vamos trazer a morte àqueles que fizeram isso.

Alaric compreendia que seu irmão estava afundando na tristeza, consumido pelo desalento. Então, o fez fazer o que sempre funcionava para ele próprio, o fez canalizar toda aquela angústia e insatisfação em ódio, em determinação para lutar e descontar em alguém. E, agora, tinham alguém em quem descarregar toda aquela ira, alguém responsável por tudo aquilo.

Gideon, no ápice de sua tristeza e sem mais nada a perder, aceitou o conselho de seu irmão. Soltou seu avô e se ergueu com determinação. Ao ficar de pé, seus olhos, que antes refletiam pura melancolia, agora brilhavam com o fogo do ódio, ardendo como as chamas do inferno. Suas mãos se cerraram, e aquela expressão bondosa desapareceu completamente, substituída por uma expressão de amargura e rancor, tudo o que ele podia suportar.

— Vocês dois…? — Nadine estava incrédula. Tinham acabado de presenciar a morte de seu avô, e já estavam pensando em vingança? — Vocês não podem… vão acabar como ele!

— Quem quiser nos acompanhar, que nos siga — Alaric ignorou completamente as palavras de Nadine e começou a andar, sem olhar para trás. — Aqueles que preferirem ficar, que fiquem. Mas saibam que se assim o fizerem, será um adeus, pois nunca mais nos veremos.

Gideon desviou o olhar para cada rosto presente e, com determinação, cerrou os dedos em torno do colar em sua mão. Sem hesitar, seguiu seu irmão.

— Gideon… — Astrid viu seu amado avançar em direção a um destino quase incerto. Então, sem pensar duas vezes, levantou-se e seguiu-os.

Nadine observava todos aqueles que lhe eram próximos partirem. Aldebaram lhe dirigiu um olhar pesado, carregado de dor e tristeza, e suspirou antes de avançar junto aos jovens.

— Eu… não quero ver seus corpos sem vida… não quero ter essa visão… — Baixando a cabeça, ela tomou a decisão mais difícil de sua vida. — Então, isso é um adeus… adeus, Alaric…



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