Volume 1

Capítulo 62: Rumo a Lidenfel

No reino de Estudenfel, na sala do trono, o rei estava sentado em seu trono, imponente, com Viki à sua esquerda e Thorn à sua direita.

— Majestade, por favor, reconsidere seus planos... — sugeriu Viki, com as mãos unidas e o olhar firme.

— Já refleti bastante, Viki, talvez até demais. Mas entenda, apenas pensar não trará mudanças; ações trazem mudanças — afirmou o rei, com convicção.

No entanto, a resposta não agradou ao conselheiro, cuja expressão se tornou séria e suas mãos se pressionaram uma contra a outra.

— Estamos falando de mãos de obras, majestade! Matar seria apenas um desperdício! — Ao concluir sua frase, ele sentiu um arrepio percorrer sua espinha, enquanto uma sensação de queimor se espalhava pelo seu lado, como se alguém o estivesse fulminando com os olhos. Ao verificar, encontrou Thorn o encarando com firmeza.

Thorn era um homem de poucas palavras, para não dizer nenhumas. No entanto, ele alcançou o topo, tornando-se o guarda pessoal do rei apenas com sua força.

— Acalmem-se, ambos. — O rei sentiu a tensão no ar, mas suas palavras, breves porém firmes, dissiparam qualquer sinal de agitação. — Viki, você já está ciente dos meus planos, das minhas ambições. Refleti por muito tempo, busquei alternativas, mas todas demandariam séculos para mostrar resultados. E o povo de pele azul não merece sofrer nem por mais um minuto.

— Mas majestade! — protestou Viki.

— Chega! — exclamou o rei, sua expressão pacífica transformando-se em rigorosa. — Não quero ouvir mais nenhuma reclamação sua sobre esse assunto. Se eu ouvir novamente, não hesitarei em cortar sua cabeça.

Viki ouviu a ameaça, resignando-se diante das palavras do rei. Suspirou profundamente e voltou seu olhar apático para a frente, contemplando o vazio da sala do trono.

— Majestade, e quanto à proposta daqueles irmãos magos, irá aceitar? — perguntou Viki, agora mais calmo.

A proposta era simples: Dalian e Delilian que assumiram o governo da cidade-estado de Reven, ofereciam auxílio militar, econômico e em materiais a Estudenfel. Em troca, eles exigiam 80% de todo o mitril exportado para o continente, praticamente monopolizando o recurso, além de buscar apoio de Estudenfel para expandir seu domínio sobre Aldemere Dominium.

— É uma proposta simples, porém tentadora. Viki, você sabe que as montanhas do norte são ricas em diversos minérios. — comentou o rei, apoiando o queixo com o cotovelo no trono.

— Sim, minha majestade. Apesar de muitos desses minérios estarem concentrados em regiões específicas, o norte como um todo é rico em recursos minerais. — comentou e em seguida expressou sua dúvida: — Mas e então?

— O problema é que não temos tantos mineradores, e como você mesmo mencionou, os minérios estão concentrados em regiões específicas.

O problema das regiões do norte foi responsável por inúmeras guerras no passado, incluindo o próprio reino de Estudenfel, que detinha quase que um monopólio absoluto de Mithril em suas montanhas. Após Estudenfel, o Mithril podia ser encontrado em menor quantidade em Windefel. Além disso, esses países também tinham produção limitada de ferro e ouro. Lidenfel não era uma nação voltada para a mineração e dependia de importações de minérios. Asdenfel, por sua vez, teve o infortúnio de suas montanhas não serem fonte de qualquer minério, enquanto Ciantefel, conhecido como o escudo do norte, produzia minérios em quantidades limitadas, mas era crucial no escoamento da produção que passava por suas terras.

— Viki, a questão é que entre todos esses países, apenas Lidenfel possui uma produção consistente e de qualidade de armas de guerra.

— Compreendo, majestade — Ele ergueu o olhar, refletindo. — Então, Reven nos forneceria armaduras e armas de melhor qualidade?

— Precisamente. Eles não são tolos, pois reconhecem que ao conquistarmos todo o norte, nos tornaremos uma das maiores potências do continente. Por isso, vieram rapidamente oferecer acordos e alianças. 

Enquanto debatiam a aliança, as imponentes portas da sala do trono se abriram. Passos decididos ecoaram em direção ao trono, e o rei, ao olhar, viu que se tratava de Erne e Dorni. Os dois se aproximaram e se ajoelharam.

— Serei breve, Erne — declarou o rei. — O exército está pronto?

— Sim, meu rei — confirmou Erne. — Qual é o próximo alvo?

— Lidenfel, aqueles que se autointitulam como o país da inovação, às custas das vidas dos giganoides azuis.

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Emergindo da floresta que pertencia ao domínio de Fuxi, o grupo de Alaric avançava. Após expressarem suas convicções e ambições, todos concordaram em seguir os planos de Alaric.

— Fuxi, por que está parando? — Alaric, liderando o grupo, percebeu o lobo hesitando antes de atravessarem a fronteira do domínio. — Não vai conosco?

— Não, Alaric. — Todos ficaram surpresos com a decisão de Fuxi. — Preciso de um tempo para refletir. Meu domínio ainda precisa de mim, e tenho que enterrar minha família...

Alaric tinha desenvolvido uma forte ligação com Fuxi desde que se conheceram. Ver aquele que considerava um irmão decidir parar momentaneamente o abalou, mas ele compreendia o lobo e respeitava sua decisão.

— Tem certeza? — Alaric se aproximou de Fuxi. — Temos muitas aventuras pela frente.

Haha! Já me aventurei o suficiente. — Fuxi sentou-se, observando Alaric se aproximar.

— Se é isso que decidiu, não vou contestar. — Alaric se juntou a Fuxi, acariciando sua pelagem branca. — Sentirei sua falta, lobo lunático.

— Eu também, garoto... — O lobo, geralmente contido em suas emoções, deixou seus olhos marejarem. — ...Não é como se não fossemos nos encontrar novamente...

— Um Lycaion chorando... — Alaric brincou, mas logo viu seus próprios olhos se umedecerem. — Idiota... até logo, Fuxi.

Alaric retirou a mão da pelagem do lobo e estendeu-a. Um sorriso amplo e sincero surgiu em seu rosto.

— Até logo, Alaric. — Fuxi estendeu a pata, selando a despedida com um aperto de mão/pata. — Ah, e sobre o pacto.

Alaric virou-se e partiu, sem olhar para trás. Ele passou por aqueles que observavam a despedida e, com a mão no bolso, acenou de costas.

— Não importa, Fuxi, não importa.

Todos se despediram do lobo e voltaram a seguir Alaric. Ao saírem do domínio, depararam-se com a paisagem familiar de árvores cobertas de neve.

— Para onde estamos indo, garoto? — perguntou Aldebaram, seguindo logo atrás de Alaric.

— Para desafiar um reino, precisamos do apoio de outro. Vamos em direção a Lidenfel — declarou Alaric com convicção, continuando a caminhada. Seria uma jornada longa.

Nadine, mais atrás ao lado de Astrid, ouviu as palavras de Alaric e franziu o cenho.

— Quão distante está Lidenfel? — indagou ela, da retaguarda.

— Se não fizermos paradas — começou Aldebaram, observando o céu. — Cerca de cinco dias, talvez...

Aldebaram, mais do que qualquer um ali, conhecia as terras nórdicas. Ele já havia percorrido cada canto da região.

Ahh. — suspirou Nadine, relaxando os ombros. — Que droga...

De repente, ela sentiu uma mão macia em suas costas e, ao virar o rosto assustada, notou que era Astrid, que lhe dirigia um sorriso gentil.

— Você consegue — afirmou Astrid, em tom reconfortante.

— Nós vamos conseguir — acrescentou Gideon, que liderava o grupo à frente das duas. — Não é mesmo, Alaric?

O jovem líder, à frente do grupo, ouviu as palavras e, sem olhar para trás, fez um gesto positivo com a mão. Nadine não ficou satisfeita com a resposta, mas com o apoio de Astrid, parou de reclamar.

Entre os pinheiros afiados e a neve abundante, os cinco avançavam com passos pesados, enfrentando as dificuldades do ambiente. Apesar do ritmo lento, já haviam percorrido uma boa distância. Aldebaram tocou no ombro de Alaric e perguntou:

— Passaremos por Windefel?

Gideon, que vinha atrás, ouviu a pergunta e correu para se juntar aos dois.

— Mas não está cheio de soldados lá? — indagou ele.

— Sim, Erne confirmou a invasão — disse Aldebaram, com pesar.

— Por isso, contornaremos o problema — orientou Alaric, avançando.

Dolbrian, que vinha atrás, aproximou-se de seu neto Gideon. Lutando contra a neve com os pés, sua mão calejada viajou até o ombro do jovem.

— Gideon, peço desculpas por não poder te treinar...

Antes de saírem da caverna, Gideon havia pedido ao avô para treiná-lo, como todos os escolhidos antes dele. Mas Dolbrian sabia que seu neto já ultrapassara o que ele podia ensinar. Não tinha mais nada a transmitir além de apoio.

— Eu entendo, vovô... — Gideon tocou a Escolion. — De qualquer forma, o treinamento com Alaric foi muito proveitoso e sinto que evoluí muito na esgrima e no uso dos meus poderes.

O treinamento com Alaric foi breve, mas graças ao rápido aprendizado de Gideon, foi muito produtivo, resultando em uma evolução sem precedentes em suas habilidades. Alaric, à frente do grupo, olhou por cima dos ombros para Nadine.

— E quanto aos seus braceletes? Já decidiu o que fará com eles?

Após ouvir parte da história dos braceletes dourados, Nadine ficou assustada com a possibilidade de perder o controle sobre eles e de as criaturas que invocavam atacarem as pessoas ao seu redor. No entanto, após refletir sozinha por um tempo, ela tomou sua decisão:

— Vou usá-los em minha jornada, para meu próprio bem... — Ela não teve coragem de dizer em voz alta que os usaria em prol daquele em quem acreditava ser o salvador, o jovem Alaric.

A resposta agradou o jovem, que sorriu e voltou a concentrar-se à frente.

— Você é forte... — murmurou Astrid, chamando a atenção de Nadine, que a olhou.

— Eu? Forte? Por quê? — indagou Nadine, confusa.

— Porque mesmo com todo o perigo desses braceletes, você decidiu seguir em frente com eles... — Astrid abaixou a cabeça, melancólica. — Não sei como reagiria se fosse comigo.

— Você teria meu apoio... — disse Gideon em voz baixa, pensando que estava falando consigo mesmo, mas ao perceber que todos ouviram, ficou inteiramente vermelho.

Seu olhar desviou, tentando encontrar algo para distraí-lo. Porém, logo sentiu um calor reconfortante em sua mão. Ao verificar, notou aquela mão delicada; seguindo até o rosto, viu a bela moça de cabelos prateados, com as bochechas rosadas. Gideon acabou se perdendo naqueles olhos amarelados.

— Obrigado... sempre é bom ter seu apoio... — murmurou ela para ele, agora seguindo de mãos dadas.

Nadine questionou a si mesma: “Eu sou forte?”, embora não acreditasse totalmente nisso.

Ih, Alaric, até Gideon está com o coração amarrado por uma dama — comentou Aldebaram, continuando: — Fico imaginando quando será o seu momento, ou será que o pequeno Alaric ficará solitário para sempre, hahaha!

— Vou encontrar meu amor quando você finalmente disser algo engraçado. — Alaric suspirou. — Ou seja, nunca.

— Um soco doeria menos... Ha, ha... — O guerreiro coçava a cabeça, envergonhado após a resposta cortante. — Você precisa ser menos amargo, garoto...

— Que seja… E quanto a você? Não se importa com sua "filha" tendo um relacionamento? — perguntou Alaric.

— Bem, não é da minha conta. Ela faz o que quiser da vida dela... E além disso, Gideon é um bom rapaz, então para mim está tudo bem.

Aldebaram era o tipo de pessoa que não se intrometia na vida dos outros, mesmo que fosse sua filha. Para ele, ela deveria tomar suas próprias decisões e enfrentar as consequências. Dolbrian, que vinha logo atrás, ouviu a conversa dos dois e aproximou-se para participar.

— E você, Alaric? Não vai se apaixonar? — perguntou ele.

Hmmmm... — O jovem colocou a mão no queixo, refletindo, enquanto Nadine, que ouvia atentamente, prestava atenção em cada sílaba que saía dos lábios dele. — É possível. Ter alguém para dividir minha vida, meus problemas e sonhos... Um amor. Mas isso também traz desafios. Afinal, seria mais uma pessoa pela qual me preocupar e cuidar…

Nadine baixou o olhar, talvez por ter entendido que ele, no fundo, não desejava um amor para a vida toda, ou que ela seria um fardo para ele.

Porém, Alaric olhou para ela com a cabeça baixa e sorriu, observando os cabelos roxos brilhando como um anjo em meio ao ambiente nevado. "Um amor, não é? Talvez eu queira isso…”

Ele diminuiu o ritmo, o que chamou a atenção de Aldebaram e Dolbrian, que estranharam, mas logo perceberam sua intenção. Sorriram e seguiram em frente. Alaric diminuiu o ritmo até ficar ao lado de Nadine.

Ela ainda mantinha a cabeça baixa e não percebeu sua presença. Seus passos pareciam desanimados.

— Tem algo interessante no chão? — perguntou ele, surpreendendo-a.

— Ei! Não apareça assim do nada... — Ela levantou o rosto e notou o belo sorriso dele. — Por que está sorrindo feito um bobo?

— Como você é amarga... — Aldebaram ouviu e fez uma careta, afinal, o amargor sempre foi característico de Alaric. — Toda essa amargura, estraga sua beleza...

Nadine processou as palavras dele e sentiu o rubor subir às suas bochechas. Nem parecia que estava no meio da neve.

Ehh... Você me acha bonita? — Saiu sem querer, e ele se martirizou internamente por suas palavras. — Qu-quero dizer...

Hahaha! Você é engraçada às vezes. — Alaric tocou em seu queixo e começou a admirar seu rosto. — Diria que é a mais linda que já vi...

O jovem nunca foi tímido, pelo contrário, sempre foi extrovertido, especialmente quando o assunto envolvia garotas, apesar de não se interessar muito.

Ehh... estou com frio... — Ela já estava ali mesmo, toda envergonhada, então o que poderia acontecer de pior?

Alaric captou o significado por trás dessas palavras e aproximou-se dela, passando o braço em volta de seus ombros e puxando-a para perto de seu corpo. E assim, seguiram por boa parte do caminho.

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Nos corredores do castelo de Estudenfel, duas imponentes figuras de armadura destacavam-se. O som do metal batendo ecoava enquanto seus passos ressoavam no chão de pedra. Eram Erne e Dorni, que haviam saído da sala do trono.

— Mestre, você mencionou que iria falar com o rei sobre aquele assunto do genocídio… — disse Dorni, olhando para Erne à sua frente.

— Ainda não é o momento. Muitas coisas estão ocorrendo ao mesmo tempo — respondeu Erne.

Era uma resposta vaga, porém compreensível considerando o tumulto que permeava o reino: deuses, guerras, indivíduos misteriosos e poderosos. Tudo era demasiado para assimilar. Erne virou o olhar de soslaio para Dorni, que o seguia.

— E quanto a esse colar? Conhece seu poder? — indagou ele.

— O colar… — Dorni tocou o adorno dado por Freya em seu pescoço. — Não sei. Até agora, não consegui utilizar nenhum de seus poderes…

“Ela nem veio o buscar também", pensou Dorni, a deusa havia dito que voltaria para buscar o colar, mas até aquele momento nenhum sinal dela. Ele cogitou perguntar para Mani sobre os poderes do colar, mas desistiu, conhecendo aquela divindade e prevendo apenas seu menosprezo arrogante.

No corredor alto, algumas janelas ofereciam vista para o reino. Erne encostou-se no parapeito e descansou os braços sobre ele, um sorriso irradiou em seu rosto.

— Mestre? — Dorni notou o sorriso alegre de Erne e ficou curioso.

— Venha ver, pupilo — Erne fez um gesto com a mão, chamando seu aprendiz, que logo se aproximou.

— Aquilo é… — Seus olhos brilharam ao ver as crianças brincando lá embaixo, demonstrando a felicidade pura de uma criança.

Erne sorria, observando aquela cena. Almas inocentes que nem imaginavam o que estava acontecendo ao seu redor. Almas que mereciam ser protegidas, mereciam a liberdade. Almas pelas quais Erne lutaria até o fim de sua humilde vida, pois no âmago de seu ser, acreditava que o mundo precisava dessa inocência, especialmente diante da constante presença da maldade.

— Vale a pena lutar por certas coisas… — Ele afastou-se da janela e retomou sua caminhada, murmurando em um tom mais baixo: — Essa é uma delas…



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