Volume 1

Capítulo 61: Anseios

Após a audiência com o rei, Dalian e Delilian foram conduzidos ao quarto de hóspedes dentro do castelo. Era um espaço simples, construído com pedras antigas, equipado com uma cama de casal e algumas cômodas.

Sentado à beira da cama, Delilian perguntou a Dalian, que estava em uma cadeira diante da mesa, folheando um livro:

— Qual é o próximo passo, Dalian?

Dalian, absorto na leitura, respondeu sem desviar os olhos do livro:

— Simples, aguardar o contato de Amon.

— Tem certeza disso, irmão? — perguntou Delilian, com um tom de apreensão evidente, com seu olhar fixo em Dalian.

— Tenho a certeza mais absoluta que este mundo pode oferecer — Dalian virou mais uma página do livro, afastando-se ligeiramente, como se estivesse surpreso com o que lia. — Afinal, é por você, por minha cunhada e meus sobrinhos.

Delilian recebeu a resposta e pareceu abalado por ela, baixando a cabeça com um olhar confuso, enquanto colocava a palma da mão no rosto e virava a cabeça na direção de seu irmão.

— Mas... Trazer um primordial de volta à terra... não parece demais? — questionou, buscando orientação em Dalian.

Dalian, ouvindo a indagação de seu irmão, soltou o livro que caiu vagarosamente na mesa, levantando a poeira acumulada ao longo de décadas. Ele afastou a cadeira da mesa, o som dos pés arrastando na madeira irritou os ouvidos de Delilian, que observava em silêncio. Dalian então se levantou lentamente e caminhou até seu irmão, com um sorriso gentil no rosto.

— Irmão? — Delilian não estava entendendo o que seu irmão pretendia.

— Delilian... — Dalian se colocou à frente dele, curvando as costas e pousando a mão em seu ombro. — Nada é demais quando se trata de nossa família… Ou você acha, que seus filhos e mulher não merecem tamanho trabalho?

— O que!? Claro que merecem!

Dalian deu dois tapinhas no ombro de seu irmão, ainda sorrindo, e endireitou-se. Virou-se na direção da janela, onde os raios do sol entravam. Com as mãos nas costas, começou a caminhar. Seu sorriso gentil gradualmente se transformou em malévolo.

— Então, confie nos meus julgamentos e apenas observe. — Ele se aproximou da janela, refletindo sua imagem perfeita. No entanto, na janela, sua cabeça era adornada por chifres, e seus olhos eram brancos como os de um primordial. — Falando nisso, está na hora.

A janela refletiu uma fumaça vermelha que começou a se formar atrás da cama, girando. A fumaça adquiriu uma forma humanóide e uma voz demoníaca ecoou:

— Dalian... É a terceira vez que nos encontramos... Pronto para o último passo?

Delilian se assustou e aproximou-se de seu irmão. Dalian, por sua vez, não demonstrou surpresa, continuando a olhar pela janela, com os braços cruzados nas costas.

— Acho que você já sabe a resposta — respondeu, observando as pessoas com suas simples vidas caminhando lá embaixo, e os soldados se mobilizando no pátio principal. — Mas sugiro que façamos isso rápido.

— Você se tornou um humano interessante... — A fumaça vermelha parecia se mover, traçando uma trajetória até o corpo de Dalian. — Seu poder irá aumentar muito. Apenas faça o que disse...

A fumaça transmitiu todas as informações para Dalian sobre o que ele precisaria fazer. Seus olhos se arregalaram no início, mas logo se suavizaram em satisfação, e um sorriso prepotente se abriu em seu rosto.

— Claro, senhor Amon... Providenciarei o que me ordena.

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No meio da floresta, dentro do domínio de Fuxi, Alaric e Gideon haviam acabado seu treino e dormido toda a tarde. Os dois estavam caídos no chão, exaustos, com as partes superiores do corpo nuas e suadas.

— Até que os dois fracos treinaram bem, hahah! — Aldebaram desceu da pedra onde estava sentado e se aproximou deles.

— Concordo com Aldebaram — começou o lobo. — Você teve sucesso em fortalecer o Gideon nos pontos onde era necessário. Onde aprendeu a analisar as fraquezas das pessoas assim? 

Alaric contemplava o céu tingido de laranja pelo entardecer enquanto seu irmão, Gideon, ainda deitado, observava-o. Quando Alaric se levantou, estendeu a mão para ajudar Gideon a se levantar também.

— Aprendi isso com meu antigo mestre — disse Alaric.

Os olhos de Gideon fixaram na mão estendida de seu irmão, e seguiram até o rosto sorridente de Alaric. Assim, com um impulso, sentou-se.

— Obrigado... — murmurou Gideon, segurando a mão estendida por Alaric. Então, ao observar as cicatrizes no torso do irmão, questionou: — Desde quando você tem tantas cicatrizes?

Hum? Ah, de uns tempos pra cá — respondeu Alaric, puxando Gideon para ficar de pé. — Não é como se você também não tivesse algumas.

Gideon analisou seu próprio corpo e percebeu que, comparado a Alaric, estava bem menos marcado por feridas e cicatrizes, com apenas uma delas marcando o lugar onde havia sido atingido por Erne.

— Seus corpos ainda estão tão delicados, hahah! — zombou Aldebaram, agarrando os dois e os suspendendo sob suas axilas.

— Não é como se cicatrizes significassem força — respondeu Gideon, com uma expressão descontente, sentindo-se pressionado pelos braços do guerreiro.

— Tenho que concordar com ele — acrescentou Alaric, começando a perceber um cheiro forte. — Há quanto tempo você não toma banho, guerreiro?

Ao ouvir a pergunta de Alaric, Aldebaram soltou os dois e se afastou com uma expressão de desentendido, virando-se para partir. No entanto, seu caminho foi bloqueado por um lobo gigante.

— Eles estão certos, Aldebaram... — Fuxi encarava-o seriamente. — Minha caverna está começando a cheirar mal. Vá tomar um banho.

Quando o guerreiro cogitou fugir pela outra direção, deparou-se com os jovens de braços cruzados e olhares fixos nele. Sua expressão desabou em desânimo, os ombros caindo e a cabeça baixando.

"Ei, Alaric, você também precisa de um banho", disse Apolo, que estava em silêncio há um bom tempo. "O quê?! Eu também?" 

"Sim, é necessário cuidar melhor desse corpo. Você é um jovem belo, quase relembrando meus dias de glória. Mas de nada adianta toda essa beleza se você não se cuida..."

Alaric repetiu as mesmas reações corporais do guerreiro, deixando os ombros caírem. No fim, reconheceu que realmente necessitava de um banho após um treinamento tão intenso.

Alaric chamou Gideon e juntos foram se banhar, uma atividade que durou trinta minutos. Durante o banho, Alaric tomou algumas decisões, enquanto certas preocupações ainda pairavam em sua mente.

Após o banho, ele convocou todos para a caverna, onde discutiriam algo de extrema importância. Reunidos em círculo, todos estavam curiosos sobre o que estava por vir.

— Há algum tempo venho refletindo sobre isso — começou Alaric, enquanto via expressões confusas nos rostos dos presentes. — Desde nossa batalha em Reven, temos sido reativos. Sempre lutamos porque fomos atacados primeiro. Estou cansado disso. Desta vez, quero ser eu a tomar a iniciativa, a controlar nosso destino.

Fuxi foi o primeiro a se adiantar, lançando sua pergunta ao jovem:

— O que exatamente você quer dizer com isso? Ou melhor, qual é o seu plano? — Era uma questão que todos estavam ansiosos para fazer.

— Antes de eu dar minha resposta, gostaria de ouvir o que todos aqui têm a dizer... — Alaric observou atentamente cada rosto diante dele. — Quais são os seus desejos? Suas motivações? O que vocês querem alcançar?

Todos os presentes receberam a pergunta e começaram a se entreolhar, inicialmente confusos, mas depois esperando que alguém tomasse a iniciativa. Foi então que Nadine se adiantou, estreitando os olhos enquanto tocava o solo com o punho, mantendo as pernas cruzadas em lótus.

— Meu desejo é derrubar Re’loyal... — Ela declarou, surpreendendo a todos. Seus olhares se arregalaram e, percebendo a surpresa nos rostos ao seu redor, Nadine decidiu explicar: 

— Re’loyal é um país corrupto, onde tratam seus próprios cidadãos como meras peças ou escravos, impondo impostos exorbitantes sobre nós. Meu povo merece uma vida melhor, líderes melhores... Esse é o meu desejo...

Alaric ouviu as palavras de Nadine e levou a mão ao queixo, contemplativo. Depois, lançou um olhar significativo para Gideon.

— Você se lembra daqueles caras? Acho que eram a Revolução Espinhard.

— Claro que me lembro... — Gideon encarou seu irmão, franzindo o cenho, parecendo compreender onde Alaric queria chegar. — Eles lutavam contra a opressão de Re’loyal, você…

— Sobre o que vocês estão falando? — questionou Nadine. — Espinhard? Ele era o... espere...

— Antes de discutirmos isso, vamos ouvir os desejos e aspirações dos outros — interveio Alaric, aguardando que alguém mais se manifestasse.

O próximo a revelar seus anseios foi Aldebaram, que encarou Alaric, sua expressão que sempre foi alegre agora estava sombria.

— Bem, como alguns de vocês sabem, eu fazia parte da guarda real de Astot... O motivo de eu não fazer mais parte é porque o pai do príncipe foi assassinado. Isso o deixou amargo, ressentido. Ele começou a agir como um tirano, matando indiscriminadamente e oprimindo nosso próprio povo. Isso me fez fugir — Sua mão deslizou até sua coxa enquanto seu olhar se desviava. — Meu desejo... é trazê-lo de volta à luz, fazer com que ele recupere a bondade e a gentileza que tinha antes.

"Então foi por isso aquele olhar naquela vez..." Alaric recordou do primeiro encontro com Aldebaram, quando ele revelou ter deixado Astot, e pareceu melancólico ao mencionar. Esse era o motivo.

— Entendo... — Alaric manteve-se sério, sua expressão era centrada, sem sorrisos ou sarcasmos. — Astrid, você quer falar?

Ela se sobressaltou ao ouvir seu nome. Estava observando seu pai, preocupada e triste pelo que ele havia dito. Mas agora era a vez dela de revelar seus anseios.

— Eu... quero ajudar a todos... — Sua resposta era esperada de uma garota gentil como ela. Mas havia algo mais oculto: — Mas além disso... desejo descobrir minhas origens. Sou uma dragonoide, mas como? Quem são meus pais? Desejo descobrir isso...

Ela simplesmente desabafou tudo, baixando o olhar, mas quando o ergueu, viu todos a observando. Seu rosto inteiro ficou vermelho, e ela se encolheu entre os ombros.

— Astrid... — Gideon, ao seu lado, estendeu a mão e pousou sobre a dela, que repousava sobre sua coxa. — Acho que é minha vez...

Ele fitou Alaric, que assentiu com um aceno de cabeça.

— Bem... Meu desejo é cumprir meu papel como o escolhido — Sua mão que repousava sobre a de Astrid apertou, assustando-a. Seu cenho se contraiu e seu olhar tornou-se rígido. — Mas tenho desejos egoístas também. Quero confrontar o rei de Aldemere e me revelar como seu sobrinho...

— Você sabe o que isso significa, Gideon... — O olhar de Alaric era sério e penetrante, mas isso não intimidou Gideon.

— Eu sei, e estou pronto para o que vier... — respondeu ele.

Dolbrian, ao seu lado, colocou a mão em seu ombro. Gideon olhou para ele e notou a mesma gentileza que sempre viu em seu avô, um rosto que significava apoio incondicional, não importasse o que acontecesse. Em seguida, Gideon desviou o olhar para Alaric, que sorriu confiante.

— Se é assim, só falta eu e nosso avô... — Seu olhar se voltou para Fuxi. — A menos que você também tenha algum desejo.

— Meu desejo, minha vontade, meus anseios já foram realizados... — Apesar de ter alcançado sua vingança, o lobo ainda parecia inquieto, seu olhar baixando-se em melancolia.

— Fuxi, faz tanto tempo que estamos juntos... — comentou Alaric, antes de prosseguir: — Você não pode esconder nada de mim, então fale de uma vez.

— É que... Eu me vinguei. Aqueles que me causaram mal estão mortos... — Seu olhar se dirigiu ao canto onde estavam os ossos de sua família. — Mas, no final, não fui eu quem os matou. Foi Vlad Drácula.

Todos permaneceram em silêncio, sem palavras que pudessem confortar ou intervir na situação. Então, seguiram em frente, restando apenas Alaric e Dolbrian.

— Meu desejo é observar vocês, Alaric e Gideon, realizando suas vontades, seus próprios desejos... — Dolbrian dirigiu seu olhar para a Escolion na bainha de Gideon. — Afinal, já cumpri o que desejava há muito tempo… Mas se pudesse ter um último pedido, ou anseio, é dar um adeus adequado a Andra.

Com isso, todos voltaram seus olhares para Alaric, o convocador da reunião que havia feito todos revelarem suas ambições. Chegara a hora de ele falar. Erguendo-se vagarosamente, seu olhar percorreu todos na caverna. Seus olhos transmitiam seriedade e convicção, sua postura tornou-se ereta e firme.

— Meu desejo é recuperar Reven, derrotar aqueles que me ameaçam, e descobrir minhas origens — Alaric observou suas próprias mãos marcadas e feridas, deixando escapar um sorriso. — Tenho muitos desejos, e cada marca aqui provavelmente representa um deles.

— Alaric, seus desejos nos representam — começou Gideon, levantando-se. — E agora? Qual é o plano?

Todos seguiram o exemplo de Gideon, erguendo-se e encarando Alaric como se ele fosse sua majestade, seu líder. Estavam à espera de seus comandos. Um guerreiro, um escolhido, um ex-escolhido, uma arqueira, uma dragonoide e um Lycaion, todos aguardavam as ordens do jovem líder.

Alaric firmou seu olhar, elevou o queixo e estreitou os olhos.

— Todos os nossos desejos podem se tornar realidade... Nadine, para retomar Re’loyal, precisamos primeiro conquistar Reven e libertar a revolução Espinhard. 

— Assim, eles poderiam nos apoiar para derrubar a monarquia de Re’loyal… — afirmou Gideon, dirigindo seu olhar para Nadine, os olhos castanhos escuros dela brilharam. — E para retomar Reven, precisaríamos...

— Do apoio do norte — acrescentou Aldebaram, sua expressão séria. — E para isso, teríamos que derrubar Estudenfel… 

— Exatamente — concordou Alaric, prosseguindo: — Para derrotar Estudenfel, teremos que enfrentar aqueles que nos ameaçam.

Gideon cerrou os punhos, relembrando Erne. O escolhido nutria rancor em seu coração e estava determinado a acertar as contas.

— Se conseguirmos retomar Reven, poderíamos dar um último adeus adequado a Andra — disse Dolbrian, com um sorriso reconfortante. 

— Além disso, com o poder de uma cidade como Reven em nossas mãos… — Alaric lançou seu olhar claro, que confrontou a infinitude azul nos olhos de seu irmão, que se arregalaram. — Acho que você entendeu, Gi. Poderíamos confrontar Bartolomeu.

Fuxi, mais atrás, parecia refletir e então lançou um olhar inquisitivo para Alaric.

— Nesse plano, após derrotarem Estudenfel — Um mapa mental da região norte se formou em sua mente. — Vocês poderiam seguir ainda mais ao norte, onde residem os Dragonoides… 

Dessa vez, foi Astrid quem arregalou os olhos, brilhando como o sol.

— Está certo, Fuxi — afirmou Alaric, continuando: — E, Assim que revelarmos a verdade sobre a família de Gideon, poderemos pedir uma audiência com o atual rei de Astot.

— Você pensou em tudo mesmo, garoto. Até parece inteligente hahaha! — caçoou Aldebaram, curioso sobre algo. — E seus próprios desejos? Como pretende realizá-los?

— Simples, durante essa jornada, investigarei tudo o que puder. Provavelmente encontrarei pistas — A voz de Alaric assumiu um tom altivo, seu olhar firme. — Assim, realizaremos todas as ambições que nos impulsionam. Então, aceitam?



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