Volume 1

Capítulo 50: Não haverá piedade

Alaric e seu grupo alcançaram o local onde Astrid deixara Dolbrian, gravemente ferido. Era uma floresta aparentemente comum, com pinheiros que se estendiam até onde a vista alcançava, formando uma tela verde e branca devido à neve que nunca cessava naquela região do norte.

Astrid em sua forma de dragão sobrevoava o local em círculos, suas enormes asas brancas batiam no céu, mantendo-os elevados. Todos observavam com atenção o solo abaixo, até que Alaric, com a testa franzida e a mão coçando a cabeça, indagou:

— Sério que você achou uma ótima ideia colocar um homem ferido no meio da mata?  

— Astrid, eu não queria, mas tenho que concordar com meu irmão — afirmou o jovem, que estava mais à frente, quase no pescoço de Astrid.

Ehh... — Ela parecia embaraçada, mas então firmou o tom de voz com um toque de timidez. — Não é uma floresta comum... Eu não consigo explicar, vocês terão que ver.

Alaric e Gideon ficaram com um ponto de interrogação acima de suas cabeças. Fuxi, nas mãos de Aldebaram, firmou o olhar abaixo, ele estava começando a reconhecer aquele local.

— Espera... Aqui é minha residência, meu domínio inerte!

— O-o quê!? — Astrid chegou a vacilar em seu voo, quase levando todos a uma queda mortal.

Aaah! Cuidado! — Nadine cravou as unhas nos braços de Alaric, apavorada.

Aí! Ei! Não sou um tronco de árvore para a gatinha ficar arranhando! — Alaric passou a mão onde as unhas haviam sido cravadas; as marcas iriam perdurar por algum tempo.

— Ora seu... espera — Ela processou toda a frase de Alaric e seu rosto começou a avermelhar-se. — Ga-gatinha!?

Astrid ainda tentava entender o significado daquelas palavras, com uma expressão de perplexidade. Nunca tinha ouvido algo semelhante ao termo “domínio inerte”. Gideon estava na mesma, coçando seus cabelos brancos, ainda com um ponto de interrogação na cabeça. Alaric sorria de maneira convencida após ter deixado Nadine envergonhada. E Aldebaram, por fim, fez a pergunta que realmente importava para vários ali:

— O que diabos é um domínio inerte?

O lobo voltou o olhar na direção de Aldebaram e começou a explicar, repetindo a mesma explicação dada a Alaric:

— Domínio inerte é a capacidade de criar um espaço separado do espaço-tempo universal.

Aldebaram ouviu atentamente, inclinando a cabeça para o lado e franzindo a testa. Aquelas palavras faziam tão pouco sentido para ele quanto um circo sem palhaço. No entanto, Astrid conseguiu entender, mesmo que de forma mínima, e Gideon, assim como Alaric em outras ocasiões, captou a explicação de imediato.

— De qualquer forma, Fuxi está certo — começou Alaric. — Eu me lembro de ter passado por aqui quando caí em seu domínio. Como encontrou esse lugar Astrid?

— Eu... foi acidental. Eu estava correndo para longe do Gideon, com Dolbrian nos braços, todo ensanguentado, e então, de repente, senti como se tivesse sido teleportada para outro lugar.

— Você já se teleportou antes? — perguntou Gideon.

— Não sei, mas tenho uma vaga lembrança de ter sentido uma sensação semelhante há muito tempo atrás.

— Estranho, eu não senti nada ao entrar no domínio — comentou Alaric, com a mão no queixo, olhando para o céu.

— Você não sentiu? Lembre-se, garoto, eu te encontrei desmaiado — Na época, Fuxi o havia encontrado inconsciente em seu domínio.

Alaric baixou o olhar envergonhado, mas logo o subiu confiante novamente. Aldebaram ainda de cabeça inclinada e testa franzida, indagou em dúvida:

— E aí? O que é um domínio inerte?

Um suspiro coletivo ecoou, dispersando o foco de suas conversas. Astrid optou por pousar para encontrar Dolbrian o mais rápido possível.

Ao cruzar a barreira do domínio, todos sentiram como se tivessem atravessado uma dimensão, exceto Fuxi, que já estava habituado, e Alaric, por algum motivo desconhecido.

— Estou vendo tudo girando… — queixou-se Nadine, pressionando rapidamente as mãos na boca ao sentir a iminência do vômito.

— Não vomite em mim! — exclamou Alaric, que parecia tranquilo.

— Você não está sentindo nada, Alaric? — questionou Gideon, observando as árvores à frente parecerem distorcidas. — Pois eu estou vendo tudo se torcer...

Hmmmmm — Alaric virou o olhar, piscou um dos olhos e depois o outro. Estendeu os dedos à frente do rosto para verificar se estavam duplicados, mas não havia nada. — Não... Da última vez que estive aqui... Nunca vou esquecer aquela sensação de aperto e falta de ar… Mas agora não sinto nada, sabe o motivo, Fuxi?

Alaric virou seu rosto de lado, e seus olhos seguiram até o lobo.

— Minha suposição é que você já tenha ingressado neste domínio anteriormente, e isso, por si só, pode tê-lo deixado adaptado — sugeriu Fuxi, com uma expressão pensativa.

— Mas a Nadine já entrou em um domínio também — comentou Alaric.

— Você está negligenciando um ponto crucial — afirmou Fuxi, franzindo o olhar. — Este domínio é centrado no tempo; eles estão enfrentando uma alteração em seu próprio fluxo temporal ao se adaptar ao do meu domínio inerte. É evidente que isso poderia causar alguns desconfortos.

— Você chama isso... Urgh... — Aldebaram era o mais afetado, vomitando ao relento. Coitados dos animais que teriam que lidar com essa chuva abaixo. — De desconforto!?

Alaric compreendeu e voltou seu olhar para frente. Essa percepção foi ainda mais reforçada pelo fato de Astrid não estar reclamando de nada. Isso fazia sentido, considerando que ela já havia adentrado esse domínio anteriormente. Após mais alguns metros, finalmente encontraram-se com o solo.

Aldebaram saltou e depositou Fuxi no chão, decidindo afastar-se para lidar com seus próprios problemas(vômito) longe da vista dos outros. Gideon, mais acostumado com a situação, sentiu apenas uma leve tontura e desceu com cuidado. Alaric saltou com Nadine ainda atordoada em seu colo.

— Pronto, senhorita — disse ele, com a delicadeza de um verdadeiro cavalheiro, enquanto a colocava no chão e a segurava para ajudá-la a manter-se em pé. — Está se sentindo melhor?

Nadine ficou surpresa com o cavalheirismo tão formal de Alaric, algo nada característico daquele jovem sarcástico e, muitas vezes, sem modos. No entanto, ela não pôde reclamar e continuou apoiada nele. Sua visão, que antes via apenas um borrão verde, gradualmente se estabilizou, e as árvores voltaram ao normal.

— Obrigada... Estou sim...

— Vamos! — exclamou Gideon, pegando na mão de Astrid para ela liderar o caminho até onde estava seu avô.

Astrid não se sentiu constrangida; seu rosto permaneceu inalterado em sua determinação e foco, impedindo-a de reagir de outra forma. Enquanto Alaric observava, percebia como aquela garota havia mudado um pouco.

— Cara, o que aconteceu enquanto estive fora? — murmurou ele.

Astrid não respondeu a Gideon e simplesmente avançou, desbravando o domínio. Alaric seguiu atrás dela, e Nadine, sem opções, os acompanhou. Fuxi optou por ir na frente, já prevendo onde Dolbrian poderia estar.

— Ei, guerreiro! — gritou Alaric, cobrindo a boca para amplificar o som. — Vai ficar para trás!

— Já estou indo! — Aldebaram vinha correndo, limpando a boca, e logo alcançou o jovem e Nadine.

Os quatro avançavam rapidamente pela mata de pinheiros, que se assemelhava às florestas do norte. Os pinheiros estavam espaçados, com algumas moitas espalhadas por todo lado. De vez em quando, pequenos roedores desciam das árvores em busca de frutinhas entre a neve.

Seus passos deixavam marcas na neve conforme avançavam. Os sons eram escassos, mas ainda assim presentes, tanto os ruídos do balançar das folhas quanto os passos deles e dos pequenos animais que habitavam o local. O domínio estava iluminado pelo sol que irradiava no céu, com algumas nuvens navegando pela imensidão azul.

— Uma rocha gigante? — questionou Nadine.

— Você é a primeira pessoa que vê uma caverna e chama de rocha gigante — provocou Alaric.

— Como eu poderia saber que era uma caverna?! — exclamou a jovem, levantando as sobrancelhas. — À primeira vista, parece apenas uma pedra grande.

— Deixe-me pensar… — Ele apontou para a rocha, que continha uma passagem bem visível. — Sua resposta está ali, naquela passagem... bem grande.

— Vamos parar de perder tempo — disse Gideon, já avançando em direção à entrada. — Vovô está a poucos passos de nós.

Alaric passou a mão nos cabelos roxos de Nadine. Ela estava um pouco desconcertada por não ter percebido uma passagem tão óbvia.

— Eu vou ficar aqui fora — afirmou Aldebaram.

Alaric, que já havia começado a avançar, parou ao ouvir isso e virou seu olhar curioso para o guerreiro.

— E por que?

— Não sabemos os perigos que nos cercam. Prefiro ficar aqui de olhos bem abertos.

— Se assim deseja, faça como quiser. Qualquer coisa, grite por nós.

— Você que se vire para escutar. Se algum inimigo aparecer — respondeu Aldebaram, batendo no próprio peito. — Eu vou acabar com ele e não vou deixar nenhuma diversão para você.

— Vocês realmente sentem prazer em lutar? — questionou Nadine, aproximando-se dos dois.

Alaric e Aldebaram se entreolharam e o sorriso genuíno nos rostos dos dois respondeu à pergunta da jovem.

— Mesmo neurônios… — mormurou Nadine, desviando o olhar para baixo.

— Tá me xingando? — Alaric ergueu uma sobrancelha.

— O quer dizer com isso Alaric? — perguntou Aldebaram, cruzando os braços.

Alaric fingiu desentendimento e seguiu em direção à entrada da caverna, seguindo o caminho que Gideon já havia tomado há algum tempo. Nadine foi atrás.

— Que lugar imenso... — Nadine, atrás de Alaric, ficava impressionada com o tamanho vasto da caverna.

— É grande, mas parece vazio, sem graça, chato — comentou Alaric. Então, decidiu invocar uma espada de luz para iluminar o caminho.

— Realmente, falta decoração, falta vida nesse lugar.

Ah, é, sobre sua pergunta lá fora, se eu realmente sinto prazer em lutar... — Alaric olhou para baixo, com uma expressão levemente melancólica. — Na verdade, não sinto. Gosto de extravasar meus sentimentos em uma luta, só isso.

— Em outras palavras, você desconta suas frustrações nos inimigos? Isso é meio triste, senhor cavalheiro.

— Palavras cortantes, quase me feriram de forma grave... Estou sangrando...

— Idiota — ela deu um tapa na nuca dele. — Aprenda a expressar seus sentimentos direito. 

Ele se voltou para ela, caminhando de costas enquanto um sorriso irônico se desdobrava em seu rosto.

Aí!... Olha quem fala, a senhorita que esconde todos os seus verdadeiros sentimentos e outras coisas também...

"Como ele percebeu?" Ela se questionou, sentindo-se desarmada diante de sua astúcia. Com isso, ela acabou demonstrando certo choque em sua expressão, dando todas as respostas para o jovem Alaric.

— Você realmente esconde algo... — Seu olhar se estreitou, lançando um tremor pelas espinhas de Nadine. 

Era como encarar uma fera prestes a atacar. Suas mãos tremiam, seu coração batia descontrolado. Ela mal conseguia se segurar, pronta para fugir a qualquer momento. Mas tão rapidamente quanto a ameaça surgiu, ela desapareceu, substituída por uma apatia gélida.

— Seja como for, não acredito que tenha intenções malignas, mas mesmo que tivesse, não me importaria — disse ele, voltando-se para frente como se nada tivesse acontecido.

— Eu... — Nadine lutou para formar palavras, seu choque e medo sufocando-a. Era uma experiência que desafiava até mesmo a ameaça da presença de Vlad Drácula.

Alaric continuou seu caminho, e proferiu certas palavras carregadas de uma ameaça gélida:

— Mas se você ousar ferir meu irmão... Não haverá piedade. Transformarei sua existência em um verdadeiro inferno. E quando tudo estiver acabado, você será apenas uma pilha de carne apodrecida, esquecida pelo mundo.

A resposta de Nadine foi um abaixar de olhos. Sentia que aquelas palavras carregavam honestidade, ao ter presenciado a capacidade mórbida do jovem de dilacerar um ser vivo sem piedade na batalha contra os lobos. Sabia que Alaric era capaz de tudo que planejava. 

Daquele momento em diante, o silêncio dominou. Alaric não tinha mais palavras, e Nadine não encontrava coragem para articular uma única letra. Após alguns longos minutos, chegaram ao local onde Dolbrian repousava.

— Como está nosso avô, Gideon? — perguntou Alaric, recém-chegado.

Gideon estava ao lado de Dolbrian, inconsciente no chão. O jovem segurava a mão de seu avô e, ao ouvir seu irmão, virou-se na direção dele. Seus olhos estavam marejados, seus lábios tremiam, incapazes de proferir uma palavra.

Então, Astrid, que estava logo atrás dele, com a mão em seu ombro como apoio, tomou a palavra:

— Seu avô está estável, mas ainda corre certo perigo...

— Como você sabe? — O jovem queria entender como Astrid poderia diagnosticar assim, então o lobo assumiu a conversa:

— Fui eu que o examinei.

— Fuxi? — começou Alaric. — Como? Você não é médico, pelo que sei.

— Ele está estável, porque o tempo para ele está parado...

— Como assim, Fuxi? Não faz sentido, ele foi trazido aqui há algum tempo, e você não estava aqui. Ele já teria... morrido — expressou Alaric com certo pesar, apenas de imaginar seu avô morrendo o deixava abatido, embora por fora mostrasse calma.

— Quando saí, deixei condições para o tempo parar, uma delas era que se algum humano entrasse, o tempo para ele iria parar.

Nadine até aquele momento ainda remoía as palavras ásperas de Alaric. Ficou intrigada ao ouvir. Olhou para Astrid e depois voltou o olhar para Fuxi.

— Mas ela não parou no tempo, quer dizer que ela não é humana?

Astrid olhou para Nadine e sorriu gentilmente.

— Está certa... Eu não sou humana, sou uma dragonoide é o que dizem…

Alaric voltou o olhar para Nadine, um olhar sarcástico acompanhado de um sorriso de canto.

— Impressionante, você viu ela se transformar em um dragão e ainda pergunta se ela é humana?

— É... verdade… — respondeu a jovem, ainda ressentida com o que havia acontecido entre ela e Alaric momentos antes, respondia de forma curta.

Fuxi então avançou até os pés de Dolbrian e encobriu o corpo do homem sério, dizendo:

— Os ferimentos dele estão enfaixados. Irei fazer o tempo dele voltar a correr, preparem-se para o pior dos casos e se tiverem alguma religião rezem.



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