Volume 1

Capítulo 28: Mani

— Meu rei, vejo que noticiou às boas-novas — declarou Erne ao se aproximar do trono.

Os sons metálicos acompanhavam seus passos devido à sua armadura leve de Mithril prateado fosco, adornada com detalhes em rubi e ouro. Seu peitoral apresentava uma sutil protuberância em forma de escudo, exibindo com orgulho o símbolo da bandeira de Estudenfel.

— Senhor Erne! Me espere! — Dorni, seu fiel aprendiz, apressou-se em segui-lo.

Vestindo uma armadura prateada sem adornos, possivelmente devido ao seu baixo nível e status, Dorni gerava um som mais desajeitado de ferro solto. A armadura, destinada a espadachins ou classes de luta corpo a corpo focadas em agilidade, apesar de leve, ficava folgada nele devido à sua estatura e peso corporal reduzidos, criando um desconforto evidente no jovem rapaz.

— Por que ainda insiste em levar esse fracote com você, Erne? — questionava o rei, sentado ao trono após seu discurso.

— Tenhos meus motivos, senhor. — Ajoelhando-se perante sua majestade, respondeu.

Dorni, mesmo diante das grosserias, ajoelhou-se, mostrando respeito e evitando a ousadia de responder ao rei de forma desafiadora. 

Ao final, Dorni reconhecia as palavras do rei como verdadeiras, ele mesmo não compreendia completamente o porquê de Erne continuar a treiná-lo e mantê-lo ao seu lado, apesar dos comentários maldosos e palavras depreciativas, tudo apenas pela sua presença. 

Seus joelhos direitos tocaram o chão de pedra já antiga pertencente aquela ruína, que chamavam de castelo.

O rosto, já cheio de cicatrizes e marcas de expressão geradas pela idade de Erne, levantou-se frisando o rei.

— Então, meu senhor, quais os próximos passos? 

— Ora, vejo que anseia pela batalha, velho general — pontua Viki, com um sorrisinho convencido.

Dorni ergueu o rosto, notavelmente mais delicado que o de Erne, com uma pele suave e sem grandes marcas, portando nenhuma cicatriz. Um rosto que denunciava a ausência de experiência em batalhas reais.

Ao erguer o rosto, o virou na direção de Erne, ao seu lado esquerdo.

“Parece que as palavras de Viki, foram em tom convencido e provocativo, mas meu mestre mal reagiu” Perdidos em pensamentos, sem a intenção clara, virou o rosto em direção ao rei.

Seus olhos se arregalaram instantaneamente quando uma estaca de gelo cortou o ar, atingindo seu rosto com um pequeno corte imediatamente cauterizado pelo próprio gelo, que se deteve atrás dele. 

Dorni caiu para trás, expressando pavor, sem compreender absolutamente nada do que acabara de acontecer.

Só retomou a consciência da situação, ao sentir a área agora congelada em seu rosto começar a queimar.

Aí! — Colocando a mão no rosto, continuou: — O q-

Antes que sua fala pudesse ser concluída, Viki o interrompeu, revelando-se como o lançador da magia.

— Criaturas fracas ou de baixo status não têm permissão para olhar diretamente o rei. — Observou enquanto o gelo evaporava em sua mão. — Vejo que Erne te treinou bem; inconscientemente, você se esquivou. — Adotando uma expressão apática e ameaçadora, prosseguiu: — Afinal, eu estava mirando na sua cabeça.

— Perdoe, meu apren- 

Antes que Erne pudesse terminar suas desculpas, o rei ergueu a mão, indicando que não precisava daquilo.

Hahaha! Acalme-se, Viki. Hoje é um dia de comemoração e planejamento. — Virando seu olhar para Viki, continuou: — Sem imprevistos ou mortes indesejadas... Entendido?

As palavras foram mais claras que um cristal, e Viki entendeu seu significado, cessando momentaneamente suas implicâncias com Dorni.

Dorni, que havia se recomposto, voltou a ajoelhar-se. A única presença próxima ao trono que permanecia imóvel e inexpressiva era Thorn, o guarda pessoal do rei.

O rei coçou a barba, e olhou para Erne.

— O exército está pronto?  

— Sim, meu rei. Esperando apenas suas ordens.

— Ótimo, ótimo. — Ainda coçando a barba, colocou um braço largado no apoio do trono. — Bom, nosso informante revelou que Aldebaram entrou na jogada.

Tal palavra, tal nome, fez o general franzir o olhar e apertar a mão. Seu aprendiz notou a inquietação incomum de seu mestre.

— Meu senhor, ele participará da batalha? — pergunta Erne, parecendo querer isso.

— Pelas informações, não. — Fazendo um sinal para serviçal trazer vinho, continuou: — O informante revelou que, ele foi encarregado de contatar Asdenfel e, formar uma aliança militar.

Erne não compreendia por que Aldebaram estava envolvido nisso, acreditando que o guerreiro já havia cortado laços com o norte há tempos.

Ajoelhado, ele fixou um olhar determinado no rei, indagando:

— Deseja que eu o mate?

Hahahah! Se você conseguir. — O rei reconhecia a força de Aldebaram, considerado por vezes invencível. Inclinando-se no trono, acrescentou: — Bom, sim, quero a cabeça desse guerreiro.

Mesmo sem proferir palavra, era visível a felicidade e esperança ao receber essa notícia e recém-permissão.

Dorni, silencioso desde a ameaça, observava atentamente esse misto de sentimentos em seu mestre, alguns que o jovem pensava não existirem no coração daquele general, conhecido por expressar poucas emoções.

O rei ainda inclinado, pegou o copo de vinho trazido pelo serviçal, e voltou a encostar suas costas no trono.

— Bom, antes de qualquer coisa. — O rei deu uma golada no vinho. — Desejo que você lidere a invasão e dominação de Windefel.

— Mas é claro, meu soberano. Tem alguma ordem específica? — Erne questionou, com uma expressão intrigada.

— Sim, mate todos os soldados, sem misericórdia. Precisamos deixar o país sem qualquer força para possíveis revoltas.

Viki, que observava silenciosamente, estranhou ao ouvir tais pedidos ou melhor, ordens.

Com as mãos entrelaçadas e uma expressão de dúvida, indagou:

— Meu senhor, acha correto, tais atos?

— E por que pergunta, Viki?

— Bom… — Colocando as mãos nas costas, discerniu: — Fazendo isso, reduziremos o número de homens do país… Perderemos trabalhadores braçais preciosos.

Viki estava correto; matar os soldados, em sua maioria jovens rapazes, reduziria a população masculina em cerca de 80%, um golpe para os trabalhos braçais. Algo que muitos reis eram contra; geralmente, em vez de matar os soldados, os transformavam em prisioneiros de guerra, depois em escravos, ou faziam-nos jurar lealdade ao novo rei e os reintegravam ao novo reino.

— Você pode estar correto, mas primeiro, já iremos matar a população mais velha por render-se ao modernismo e, segundo, matar eles agora, como eu falei, previne futuras revoltas.

Viki nunca concordou com tais atos; achava mais sensato escravizar todos e transformá-los em mão de obra. Assim, poderiam finalmente reconstruir o castelo que estava caindo aos pedaços e explorar as minas ricas em minérios da região.

Até porque, Estudenfel carecia de pessoas, sendo em sua maioria soldados dedicados apenas a treinos incessantes e exercícios militares recorrentes. Então, transformá-los em escravos poderia ser uma solução mais pragmática e benéfica para o reino.

Mas o rei nunca desejou isso; seu verdadeiro plano era a chamada "purificação de cultura".

— Purificação de cultura? — Dorni questionou diretamente o rei, o que fez Viki lançar um olhar assassino sobre ele. Suas íris eram azuis como gelo e reluziam ocasionalmente.

— Deixe o garoto, Viki. — falou o rei, dando outra golada no vinho. — Afinal, é apenas curiosidade. Mas não posso falar sobre, garoto.

Dorni, inadvertidamente brincando com a morte, sentiu um calafrio na espinha ao escutar as palavras do rei, como se fosse um prenúncio de algo que ele preferiria não descobrir.

Viki, percebendo que o rei não mudaria de opinião e permaneceria firmemente na decisão errônea de invadir e aniquilar, sentiu-se tenso, mas não podia deixar isso transparecer.

— Eu preciso ir. — Virando-se para o rei e o reverenciando. — Com sua licença.

O rei não questionou, apenas permitiu sua saída. Rapidamente, Viki atravessou toda a extensão até a porta e saiu.

— Eu também irei, meu rei — afirmou Erne. — Preciso preparar as tropas.

— Antes! — falou o rei.

Erne travou, sem entender completamente. O que mais o rei poderia informar? 

A sala estava um pouco barulhenta, com nobres ainda conversando e comemorando as boas-novas, mas esse "antes" fez todos se aquietarem e prestarem atenção no soberano ali presente.

— M-meu senhor? — Erne, demonstrou nervosismo pela primeira vez.

— Porque de tanto nervosismo? — Deu outra golada no copo de vinho, que já estava quase vazio e, sua boca já vermelha. — Hahaha! Acalme-se, só irei lhe mostrar algo que pode te ajudar a enfrentar… aquele monstro.

Por trás do rei, emergindo das sombras, uma figura misteriosa capturou a atenção de todos na sala. Ficaram pasmos e intrigados, questionando-se sobre a identidade e até mesmo o gênero daquela presença enigmática.

— Meu rei, e o que seria isso? — questionou Erne, perplexo.

— Isso… É um deus reencarnado.

As reações foram variadas, perplexas, surpresas, pasmas, intrigadas. Mas a de Erne era indescritível.

— Bom, ainda não está perto de seu auge — afirmou o rei, levantando-se do trono.

— Meu rei... Qual deus está aí? — indagou Erne.

O rei passou o braço ao redor da figura misteriosa e deu um sorriso confiante.

— Aqui, habita Mani. Nossa antiga deusa da lua.

Se as reações já aparentavam incredulidade parcial, com essa afirmação, o parcial virou total e todos passaram a duvidar. Menos Erne que manteve-se imóvel, junto a Dorni.

Como um deus renasceria? Não era passível de tal ato, uma afirmação reforçada pela existência da barreira que deveria impedir qualquer envolvimento divino no plano terrestre.

Então, o burburinho começou, as pessoas começaram a realmente duvidar do rei, algo que não deveriam nem imaginar fazer.

E isso foi reforçado por uma cabeça voando. E logo em seguida, todos que ousaram soltar um mísero riso nos momentos de dúvida foram decapitados, sangue jorrava, cabeças rolavam. Foi uma cena de terror. Se Erne não conhecesse Thorn, não saberia o que estava ocorrendo.

"Thorn e seus clones invisíveis. Provavelmente por isso, ele não se movia..."

Erne estava correto em sua suposição. Thorn, previamente, havia posicionado seus clones por toda a sala para prevenir qualquer perigo. Assim que começaram a duvidar e caçoar do rei, os clones agiram. Com uma velocidade extrema e grande força, fizeram um show de horror acontecer.

Seus clones, feitos de pura mana moldada a sua perfeita semelhança, apresentavam uma espécie de linha que os conectava a Thorn, permitindo-lhe rastrear cada movimento de seus duplicatas e, permitia a existência de sua mana, fora de seu alcance prévio.

— Agora que todos acreditam na palavra de seu rei, me permitam demonstrar seu poder — falou o rei, observando o mar de sangue e cabeças abaixo do trono.

Todos estavam apavorados, sem ter ideia do que significava "Demonstrar seu poder".

Sem dizer nada, Mani tomou a frente do rei e lançou uma investida na direção de Erne.

Em suas mãos, materializaram-se duas espadas com lâminas curvadas, uma representando a lua crescente e a outra a lua minguante. De certa forma, pareciam foices de trabalhos braçais. Suas lâminas ostentavam detalhes incrustados no metal, representando todos os ciclos lunares. Os cabos eram cinzas como o solo lunar, com o guarda-mão redondo exibindo a lua cheia, sendo o único símbolo ausente nas lâminas e presente apenas no guarda-mão.

Erne, ao perceber Mani se aproximando a uma velocidade impressionante, teve apenas tempo de desembainhar sua espada e aguardar o impacto, que não tardou. A força foi tão intensa que o som reverberou por todo o castelo, e o general não conseguiu manter-se firme no chão, sendo arremessado até a parede mais distante.

Todos ali observaram assustados, imaginando que o general já estava morto. O que viam era apenas poeira e nada mais... Mas então, uma espada cortou aquela poeira, passando por todos e chegando até Mani, que a rebateu sem problemas.

"Ela nunca lutou contra o mestre... Não conhece seu poder."

A espada transmutou-se e se transformou em várias.

"O poder do meu mestre… Cria cópias de qualquer objeto..."

As espadas então pararam no ar e viraram-se na direção de Mani, prontas para perfurar aquela deusa recém-reencarnada.

"E também tem a capacidade de controlar o objeto recém-duplicado à sua livre vontade, adicionando qualquer propriedade a eles."

As espadas avançaram, começando a adquirir propriedades básicas como fogo, gelo, água e eletricidade, todas prontas para ter o sangue divino correndo em suas lâminas.

"Tudo isso, graças aos incontáveis anos de estudos das propriedades mágicas presentes neste mundo... Meu mestre é incrível."

Todas aquelas espadas, todas aquelas propriedades, causavam um efeito de cor e poder sublime, digno de uma batalha entre deuses. No entanto, era apenas um humano em seu máximo potencial momentâneo. O mundo desacelerou; os raios serpentavam a lâmina, escapando hora ou outra. O fogo incandescia a outra lâmina, deixando-a em um vermelho... que passava a cor de um lago de lava, o calor emanado era tanto que evaporou o suor de todos presentes.

A água corria pela lâmina como gotas, pingando por todo o chão, e o gelo deixou a lâmina azul, cauterizando o fogo e deixando a temperatura da sala amena.

Todos esses poderes juntos criavam um complexo padrão de cores roxas, azuis e amarelas. Todo esse poder ia dilacerar a deusa, e em segundos perto de acertarem a deusa… o tempo acelerou, e as espadas sem qualquer pudor perfuraram-na. Todas as propriedades juntas criaram uma explosão que abalou toda a estrutura do castelo, causando tremor.

As pessoas tossiam e limpavam os olhos graças à poeira levantada. Parecia não existir mais uma presença naquele local, nem mesmo resquícios de que alguém esteve ali, era impossível um humano ou qualquer ser, a não ser realmente uma divindade, sobreviver aquilo.

— Realmente, meu rei. Ainda não estava em seu auge — disse Erne, saindo em meio à poeira de quando ele havia sido arremessado, pois tudo isso foi rápido o suficiente para a poeira nem baixar.

O rei não respondeu, mas, diferente das expectativas de todos, ele não parecia desapontado, muito menos irado ou bravo. Na verdade, exibia um sorrisinho confiante.

Erne, que não era inocente, percebeu tal sorriso e notou a malícia ali presente. Ao virar rapidamente seu olhar para o lado, estava ao seu lado. Mani estava cara a cara com ele, sem qualquer arranhão, pronta para dilacerar aquele general. Afinal, era muita arrogância sequer imaginarem derrotar uma divindade.

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Notas:

Deuses citados para caso não seja de seu conhecimento:

- Mani, deusa nórdica da lua.

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